"LET THERE BE LIGHT" Ministries
home  |  Books

O Grande Conflito


Tabla  de  Contenidos

 Introdução

CAPÍTULO
CAPÍTULO




 
Introdução


     Antes que o pecado entrasse no mundo, Adão gozava plena comunhão com seu Criador. Desde, porém, que o homem se separou de Deus pela transgressão, a raça humana ficou privada desse alto privilégio. Pelo plano da redenção, entretanto, abriu-se um caminho mediante o qual os habitantes da Terra podem ainda ter ligação com o Céu. Deus Se tem comunicado com os homens mediante o Seu Espírito; e a luz divina tem sido comunicada ao mundo pelas revelações feitas a Seus servos escolhidos. "Homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo." 2 S. Pedro 1:21.
     A Escritura Sagrada aponta a Deus como seu autor; no entanto, foi escrita por mãos humanas, a no variado estilo de seus diferentes livros apresenta os característicos dos diversos escritores. As verdades reveladas são dadas por inspiração de Deus (2 Timóteo 3:16); acham-se, contudo, expressas em palavras de homens. O Ser infinito, por meio de Seu Santo Espírito, derramou luz no entendimento a coração de Seus servos. Deu sonhos a visões, símbolos a figuras; a aqueles a quem a verdade foi assim revelada, concretizaram os pensamentos em linguagem humana.
     Os Dez Mandamentos foram pronunciados pelo próprio Deus, a por Sua própria mão foram escritos. Sãó de redação divina a não humana. Mas a Escritura Sagrada, com suas divinas verdades, expressas em linguagem de homens, apresenta uma união do divino com o humano. União semelhante existiu na natureza de Cristo, que era o Filho de Deus a Filho do homem. Assim, é verdade com relação à Escritura, como o foi em relação a Cristo, que "o Verbo Se fez carne a habitou entre nós." S. João 1:14.
     Em Sua Palavra, Deus conferiu aos homens o conhecimento necessário à salvação. As Santas Escrituras devem ser aceitas como autorizada a infalível revelação de Sua vontade. Elas são a norma do caráter, o revelador das doutrinas, a pedra de toque da experiência religiosa. "Toda Escritura é inspirada poi -Deus a útil para o ensino, para a repreensão, para a correção. para a educação na justiça, a fim de que o homem de Dew seja perfeito a perfeitamente habilitado para toda boa obra." 2 Timóteo 3:16 a 17.
     Todavia, o fato de que Deus revelou Sua vontade aos homens por meio de Sua Palavra, não tornou desnecessária a contínua presença a direção do Espírito Santo. Ao contrário, o Espírito foi prometido por nosso Salvador para aclarar a Palavra a Seus servos, para iluminar a aplicar os seus ensinos. E visto ter sido o Espírito de Deus que inspirou a Escritura Sagrada, é impossível que o ensino do Espírito seja contrário ao da Palavra.
     O Espírito não foi dado - nem nunca o poderia ser - a fim de sobrepor-Se à Escritura; pois esta explicitamente declara ser ela mesma a norma pela qual todo ensino a experiência devem ser aferidos. Diz o apóstolo S. João: "Não creiais a todo o espírito, mas provai se os espíritos são de Deus; porque já muitos falsos profetas se têm levantado no mundo." 1 S. João 4:1. E Isaías declara: "A Lei a ao Testemunho! se eles não talarem segundo esta palavra, não haverá manhã para eles." Isaías 8:20.
     Em harmonia com a Palavra de Deus, deveria Seu Espírito continuar Sua obra durante todo o período da dispensação evangélica. Durante os séculos em que as Escrituras do Velho Testamento bem como as do Novo estavam sendo dadas, o Espírito Santo não cessou de comunicar luz a mentes individuais, independentemente das revelações a serem incorporadas no cânnon sagrado. A Biblia mesma relata como mediante o Espírito Santo, os homens receberam advertências, reprovações, conselhos a instruções, em assuntos de nenhum modo relativos à outorga das Escrituras. E faz-se menção de profetas de épocas várias, de cujos discursos nada há registrado. Semelhantemente, após a conclusão do cânon das Escrituras, o Espírito Santo deveria ainda continuar a Sua obra, esclarecendo, advertindo e confortando os filhos de Deus.
     Jesus Cristo prometeu a Seus discípulos: "Quando vier aquele Espírito de verdade, Ele vos guiará em toda a verdade; . . . e vos anunciará o que há de vir." S. João 16:13. As Escrituras claramente ensinam que estas promessas, longe de se limitarem aos dias apostólicos, se estendem à igreja de Cristo em todos os séculos. O Salvador afirma a Seus seguidores: "Estou convosco todos os dias, até à consumação dos séculos." S. Mateus 28:20. E S. Paulo declara que os dons a manifestações do Espírito foram postos na igreja para "o aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação do corpo de Cristo; até que todos cheguemos à unidade da fé, a ao conhecimento do Filho de Deus, a varão perfeito, à medida da estatura completa de Cristo." Efésios 4:12 a 13.
     Depois da maravilhosa manifestação do Espírito Santo no dia de Pentecostes, S. Pedro exortou o povo a arrepender-se e batizar-se em nome de Cristo, para a remissão de seus pecados; a disse ele: "E recebereis o dom do Espírito Santo; porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos, e a todos os que estão longe: a tantos quantos Deus nosso Senhor chamar." Atos 2:38 a 39.
     Em imediata relação com as cenas do grande dia de Deus, o Senhor, pelo profeta Joel, prometeu uma manifestação especial de Seu Espírito. (Joel 2:28.) Esta profecia recebeu cumprimento parcial no derramamento do Espírito, no dia de Pentecostes. Mas atingirá seu pleno cumprimento na manifestação da graça divina que acompanhará a obra final do Evangelho.
     Mediante a iluminação do Espírito Santo, as cenas do prolongado conflito entre o bem e o mal foram patenteadas à autora destas páginas. De quando em quando me foi permitido contemplar a operação, nas diversas épocas, do grande conflito entre Cristo, o Príncipe da vida, o Autor de nossa salvação, e Satanás, o príncipe do mal, o autor do pecado, o primeiro transgressor da santa lei de Deus. A inimizade de Satanás para com Cristo manifestou-se contra os Seus seguidores. O mesmo ódio aos princípios da lei de Deus, o mesmo expediente de engano, em virtude do qual se faz o erro parecer verdade, pelo qual a lei divina é substituída pelas leis humanas, a os homens são levados a adorar a criatura em lugar do Criador, podem ser divisados em toda a história do passado. Os esforços de Satanás para representar de maneira falsa o caráter de Deus, para fazer com que os homens nutram um conceito errôneo do Criador, e assim O considerem com temor a ódio em vez de amor; seu empenho para pôr de parte a lei divina, levando o povo a julgar-se livre de suas reivindicações a sua perseguição aos que ousam resistir a seus enganos, têm sido prosseguidos com persistência em todos os séculos. Podem ser observados na história dos patriarcas, profetas a apóstolos, mártires a reformadores.
     No grande conflito final, como em todas as eras anteriores, Satanás empregará os mesmos expedientes, manifestará o mesmo espírito, a trabalhará para o mesmo fim. Aquilo que foi, será, com a exceção de que a luta vindoura se assinalará por uma intensidade terrível, tal como o mundo jamais testemunhou. Os enganos de Satanás serão mais sutis, seus assaltos mais decididos. Se possível fora, transviaria os escolhidos. (S. Marcos 13:22.)
     A medida que o Espírito de Deus me is revelando à mente as grandes verdades de Sua Palavra, a as cenas do passado e do futuro, era-me ordenado tornar conhecido a outros o que assim fora revelado delineando a história do conflito nas eras passadas, a especialmente apresentando-a de tal maneira a lançar luz sobre a luta do futuro, em rápida aproximação. Na prossecução deste propósito, esforcei-me por selecionar a agrupar fatos da história da igreja de tal maneira a esboçar o desdobramento das grandes verdades probantes que em diferentes períodos foram dadas ao mundo, as quaffs excitaram a ira de Satanás e a inimizade de uma igreja que ama o mundo, verdades que têm sido mantidas pelo testemunho dos que "não amaram suas vidas até à morte."
     Nestes relatos podemos ver uma prefiguração do conflito perante nós. Olhando-os à luz da Palavra de Deus, a pela iluminação de Seu Espírito, podemos ver a descoberto os ardis do maligno a os perigos que deverão evitar os que serão achados "irrepreensíveis" diante do Senhor em Sua vinda.
     Os grandes acontecimentos que assinalaram o progresso da Reforma nas épocas passadas, constituem assunto da História, bastante conhecidos a universalmente reconhecidos pelo mundo protestante; são fatos que ninguém pode negar. Esta história apresentei-a de maneira breve, de acordo com o escopo deste livro a com a brevidade que necessariamente deveria ser observada, havendo os fatos sido condensados no menor espaço compatível com sua devida compreensão. Fm alguns casos em que algum historiador agrupou os fatos de tal modo a proporcionar, em breve, urea visão compreensiva do assunto, ou resumiu convenientemente os pormenores, suas palavras foram citadas textualmente; nalguns outros casos, porém, não se nomeou o autor, visto como as transcrições não são feitas com o propósito de citar aquele escritor como autoridade, mas porque sua declaração provê uma apresentação do assunto, pronta a positiva. Narrando a experiência a perspectivas dos que levam avante a obra da Reforma em nosso próprio tempo, fez-se use semelhante de suas obras publicadas.
     O objetivo deste livro não consiste tanto em apresentar novas verdades concernentes às lutas dos tempos anteriores, como em aduzir fatos a princípios que têm sua relação com os acontecimentos vindouros. Contudo, encarados como uma parte do conflito entre as forças da luz a das trevas, vê-se que todos esses relatos do passado têm nova significação; a por meio deles projeta-se uma luz no futuro, iluminando a senda daqueles que, semelhantes aos reformadores dos séculos passados, serão chamados, mesmo com perigo de todos os bens terrestres, para testificar "da Palavra de Deus, a do testemunho de ,Jesus Cristo."
     Desdobrar as cenas do grande conflito entre a verdade e o erro; revelar os ardis de Satanás a os meios por que the podemos opor eficaz resistência; apresentar uma solução satisfatória do grande problema do mal, derramando luz sobre a origem e a disposição final do pecado, de tal maneira a manifestar-se plenamente a justiça a benevolência de Deus em todo o Seu trato com Suas criaturas; e mostrar a natureza santa, imutável de Sua lei - eis o objetivo deste livro. Que mediante sua influência almas se possam libertar do poder das trevas, a tornar-se participantes "da herança dos santos na luz," para louvor dAquele que nos amou a Se deu a Si mesmo por nós, é a fervorosa oração da autora. E.G. W.


 
CAPÍTULO 1

Predito o Destino do Mundo

     “Ah! se to conhecesses também, ao menos neste tea die, o que à tua pay pertence! mas agora into está encoberto aos teas olhos. Porque dies virão sobre ti, em que os teas inimigos to cercarão de trincheiras, a to sitiarão, a to estreitarão de todas as bandas; a to derribarão, a ti a aos teas filhos que dentro de ti estiverem; a não deixarão em ti padre sobre padre, pois qua não conheceste o tempo da tua visitação." S. Lucas 19:42-44.
     Do cimo do monte das Oliveiras Jesus olhava sobre Jerusalém. Lindo a calmo era o cenário qua diante dEle se desdobrava. Era o tempo da Páscoa, a de todas as terms os filhos de Jacó se haviam ali reunido pare celebrar a grande festa nacional. Em meio de hortos a vinhedos, a declives verdejantes juncados das tendas dos peregrinos, erguiam-se as colinas terraplenadas, os majestosos palácios a os maciços baluartes da capital de Israel. A filha de Sião parecia diner em sea orgulho: "Estou assentada como rainha, a não . . . verei o pranto," sendo ela tão formosa então a julgando-se tão segura do favor do Céu como quando, séculos antes, o trovador real cantara: "Formoso de sítio, a alegria de toda a Terra é o monte de Sião . . . a cidade do grande Rei." Salmo 48:2. Bem à vista estavam os magnificentes edifícios do templo. Os rains do Sol poente iluminavam a brancura de nave de sues parades de mármore a punham reflexos no portal de ouro, na torre a pináculo. Qual "perfeição da formosura," levantava-se ale como O orgulho da naçâo judaica. Que filho de Israel poderia contemplar aquele cenário sem um estremecimento de alegria a admiração? Entretanto, pensamentos muito diversos ocupavam a mente de Jesus. "Quando is chegando, vendo a cidade, chorou sobre ela." S. Lucas 19:41. Por entre o universal regozijo de Sua entrada triunfal, enquanto se agitavam ramos de palmeiras, enquanto alegres hosanas despertavam ecos nas colinas, a milhares de oozes O aclamavam Rei, o Redentor do mundo achava-Se oprimido por súbita a misteriosa tristeza. Ele, o Filho de Deus, o Prometido de Israel, cujo poder vencera a morte a do túmulo chamara a seus cativos, estava em pranto, não em conseqüência de uma mágoa comum, senão de agonia intensa, irreprimível.
     Suas lágrimas não eram por Si mesmo, posto que bem soubesse para onde Seus passos O levariam. Diante dEle jazia o Getsêmani, cenário de Sua próxima agonia. Estava também à vista a Aorta das ovelhas, através da qual durante séculos tinham sido conduzidas as vítimas para o sacrifício, a que se Lhe deveria abrir quando fosse "como um cordeiro" "levado ao matadouro." Isaías 53:'7. Não muito distante estava o Calvário, o local da crucifixão. Sobre o caminho que Cristo logo deveria trilhar, cairia o terror de grandes trevas ao fazer Ele de Sua alma uma oferta pelo pecado. Todavia, não era a contemplação destas cenas que lançava sobre Ele aquela sombra, em tal hors de alegria. Nenhum presságio de Sua própria angústia sobre-humana nublava aquele espírito abnegado. Chorava pela sorte dos milhares de Jerusalém - por causa da cegueira a impenitência daqueles que Ele viera abençoar a salvar.
     A história de mais de mil anos do favor especial de Deus e de Seu cuidado protetor manifestos ao povo escolhido, estava patente aos olhos de Jesus. Ali estava o monte Moriá, onde o filho da promessa, como vítima submissa, havia sido ligado ao altar - emblema da oferenda do Filho de Deus. (Gênesis 22: 9.) Ali, o concerto de bênçãos e a gloriosa promessa messiânica tinham sido confirmados ao pai dos crentes (Gênesis 22:16-18). Ali as chamas do sacrifício, ascendendo dá eira de Ornã para o céu, haviam desviado a espada do anjo destruidor (1 Crônicas 21) - símbolo apropriado do sacrifício a mediação do Salvador em prol do homem culpado. Jerusalém fora honrada por Deus acima de toda a Terra. Sião fora eleita pelo Senhor, que a desejara "para Sua habitação" (Salmo 132:13). Ali, durante séculos. santos profetas haviam proferido mensagens de advertência. Sacerdotes ali haviam agitado os turíbulos, e a nuvem de incenso, com as orações dos adoradores, subira perante Deus. Ali, diariamente, se oferecera o sangue dos cordeiros mortos, apontando para o vindouro Cordeiro de Deus. Ali, Jeová revelara Sua presença na nuvem de glória, sobre o propiciatório. Repousara ali a base daquela escada mística, ligando a Terra ao Céu (Gênesis 28:12; S. João 1:51) – escada pela qual os anjos de Deus desciam a subiam, a que abria ao mundo o caminho para o lugar santíssimo. I-Iouvesse Israel, como nação, preservado a aliança com o Céu, Jerusalém teria permanecido para sempre como a eleita de Deus (Jeremias 17:21-25). Mas a história daquele povo favorecido foi um registro de apostasias a rebelião. Haviam resistido à graça do Céu, abusado de sews privilégios e menosprezado as oportunidades.
     Posto que Israel tivesse zombado dos mensageiros de Deus, desprezado Suas palavras a perseguido Seus profetas (2 Crônicas 36:16), Ele ainda Se lhes manifestara como "o Senhor, Deus misericordioso a piedoso, tardio em iras a grande em beneficência a verdade" (Exodo 34:6); apesar das repetidas rejeições, Sua misericórdia continuou a interceder. Com mais enternecido amor que o de pai pelo filho de seus cuidados, Deus lhes havia enviado "Sua palavra pelos Seus mensageiros, madrugando, a enviando-lhos; porque Se compadeceu de Seu povo a da Sua habitação." 2 Crônicas 36:15. Quando admoestações, rogos a censuras haviam falhado, enviou-lhes o melhor dom do Céu, mais ainda, derramou todo o Céu naquele único dom.
     O próprio Filho de Deus foi enviado para instar com a cidade impenitente. Foi Cristo que trouxe Israel, como uma boa vinha, do Egito (Salmo 80: 8). Sua própria mão havia lançado fora os gentios de diante deles. Plantou-a "em um outeiro fértil". Seu protetor cuidado cercara-a em redor. Enviou Seus servos para cultivá-la. "Que mais se podia fazer à Minha vinha," exclama Ele, "que Eu the não tenha feito?" Posto que quando Ele esperou que "desse uvas, veio a produzir uvas braves" (Isaías 5:1-4), ainda com esperança compassiva de encontrar frutos, veio em pessoa à Sua vinha, pare que porventura pudesse ser salve da destruiçâo. Cavou em redor dela, podou-a a protegeu-a. Foi incansável em Seus esforços pare salver esta vinha que Ele próprio plantara.
     Durante três anos o Senhor da luz a glória entrara a saíra por entre o Seu povo. Ele "andou fazendo o bem, a curando a todos os oprimidos do diabo" (Atos 10:38), aliviando os quebrantados de coração, pondo em liberdade os que se achavam presos, restaurando a vista aos cegos, fazendo andar aos coxos a ouvir aos surdos, purificando os leprosos, ressuscitando os mortos e pregando o evangelho aos pobres (S. Lucas 4:18; S. Mateus 11: 5). A todas estas classes igualmente foi dirigido o gracioso convite: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados a oprimidos, e Eu vos aliviarei." S. Mateus 11:28.
     Conquanto Lhe fosse recompensado o bem com o mal e o Seu amor com o ódio (Salmo 109:5), Ele prosseguiu firmemente em Sua missão de misericórdia. jamais eram repelidos os que buscavam a Sua graça. Como viandante sem lar, tendo a ignomínia e a penúria como porção diária, viveu Ele pare ministrar às necessidades a abrandar as desgraças humanas, pare insistir com os homens a aceitarem o dom da vide. As ondas de misericórdia, rebatidas por aqueles corações obstinados, retornavam em uma vaga mais forte de terno a inexprimível amor. Mas Israel se desviara de Seu melhor Amigo a único Auxiliador. Os rogos de Seu amor haviam silo desprezados, Seus conselhos repelidos, ridicularizadas Suas advertências.
     A hora de esperança a perdão passava-se rapidamente; a taça da ire de Zeus, por Canto tempo adiada, estava quase cheia. As nuvens que haviam estado a acumular-se durante séculos de apostasia a rebelião, ore enegrecidas de calamidades, estavam presses a desabar sobre um povo criminoso; a Aquele que unicamente os poderia salver da condenaçào iminente, fore menosprezado, injuriado, rejeitado a seria logo crucificado. Quando Cristo estivesse suspenso da cruz do Calvário, teria terminado o tempo de Israel como nação favorecida a abençoada por Deus. A perda de uma alma qua seja é calamidade infinitamente maior qua os proveitos a tesouros de todo um mundo; entretanto, quando Cristo olhava sobre Jerusalém, achava-se perante Ele a condenação de uma cidade inteira, de toda uma nação - sim, aquela cidade a nação qua foram as escolhidas de Deus, Seu tesouro peculiar.
     Profetas haviam chorado a apostasia de Israel, a as terríveis desolações qua seus pecados atraíram. Jeremias desejava qua seus olhos fossem uma fonte de lágrimas, pare qua pudesse chorar die a noite pelos mortos da filha de seu povo, Palo rebanho do Senhor qua fore levado em cativeiro (Jeremias 9:1; 13:17). Qual não era, pois, a dor dAquele cujo olhar profético abrangia não os anos mas os séculos! Contemplava Ele o anjo destruidor com a espada levantada contra a cidade qua durante tanto tempo fore a morada de Jeová. Do curve do monte das Oliveiras, no mesmo ponto mais tarde ocupado por Tito e seu exército, olhava Ele através do vale pare os pátios a pórticos sagrados, e, com a vista obscurecida pales lágrimas, via em terrível perspective, os muros rodeados de hostes estrangeiras. Ouvia o tropel de exércitos dispondo-se pare a guerre. Distinguia as oozes de mães a crianças qua, na cidade sitiada, bradavam pedindo pão. Via entregues às dramas o santo a halo templo, os palácios a tomes, a no lugar em qua ales se erigiam, apenas um monte de ruínas fumegantes.
     Olhando através dos séculos futuros, via o povo do concerto espalhado em todos os países, semelhantes aos destroços de um naufrágio em Praia deserta. Nos castigos prestes a cair sobre Seus filhos, não via Ele senão o primeiro sorvo daquela taça de ira que no juízo final deveriam esgotar até às fazes. A piedade divine, o terno amor encontraram expressão nestas melancólicas palavras: " Jerusalém, Jerusalém, qua mates os profetas, a apedrejas os qua to são enviados! quantas vezes quis Eu ajuntar os tens fiIhos, como a galinha ajunta os seus pintos debaixo das asas, a to não quiseste!" S. Mateus .23:3i . Oh, se houveras conhecido, como nação favorecida acima de todas as outras, o tempo de tua visitação a as coisas qua pertencem à tua Paz! Tenho contido o anjo da justiça, tenho-te convidado ao arrependimento, mss em vão. Não é meramente a servos, enviados e profetas que tens repelido a rejeitado, mss ao Santo de Israel, teu Redentor. Se és destruída, to unicamente és. a responsável. "E não quereis vir a Mim pare terdes villa." S. João 5:40.
     Cristo viu em Jerusalém um símbolo do mundo endurecido na incredulidade a rebelião, a apressando-se ao encontro dos juízos retribuidores de Deus. As desgraças de uma raça decaída, oprimindo-Lhe a alma, arrancavam de Seus lábios aquele clamor extremamente amargurado. Viu a história do pecado traçada pelas misérias, lágrimas a sangue humanos; o coração moveu-selhe de infinite compaixão pelos aflitos a sofredores da Terra; angustiava-Se por aliviar a todos. Contudo, mesmo a Sua mão não poderia demover a onda das desgraças humanas; poucos procurariam a única fonte de auxilio. Ele estava disposto a derramar a alma na morte, a fim de colocar a salvação ao seu alcance; poucos, porém, viriam a Ele pare que pudessem ter villa.
     A Majestade dos Céus em pranto o Filho do infinito Deus perturbado em espíruo, curvado em angústia! Esta cena encheu de espanto o Céu inteiro. Revels-nos a imensa malignidade do pecado; mostra quão árdua tarefa é, mesmo pare o poder infinito, salver ao culpado das conseqüências da transgressão da leï de Deus. Jesus, olhando pare a última geração, viu o mundo envolto em engano semelhante ao que causou a destruição de Jerusalém. O grande pecado dos judeus foi rejeitarem a Cristo; o grande pecado do mundo cristão seria rejeitarem a lei de Deus, fundamento de Seu governo no Céu a na Terra. Os preceitos de Jeová serum desprezados a anulados. Milhões na servidão do pecado, escravos de Satanás, condenados a sofrer a segunda morte, recusar-seiam a escutar as palavras de verdade no die de sue visitação. Terrível cegueira estranha presunção!
     Dois dies antes da Páscoa, quando Cristo pela última vez Se havia afastado do templo, depois de denunciar a hipocrisia dos prïncipes judeus, novamente sai corn os discípulos pare o monte das Oliveiras, a assents-Se com eles no declive relvoso, sobranceiro à cidade. Mais uma vez contempla seus muros, torres e palácios. Mais urns vez se Lhe depara o templo em seu deslumbrante esplendor, qual diadems de beleza a coroar o monte sagrado.
     Mil anos antes, o salmista engrandecera o favor de Deus pats corn Israel fazendo da cars sagrada deste a Sua morada: "Em Salém está o Seu tabernáculo, e a Sua morada em Sião." Salmo '16:2. Ele "elegeu a tribo de Judá; o monte de Sião, que Ele amava. E edificou o Seu santuário como aos lugares elevados." Salmo 78:68 a 69.O primeiro templo fore erigido durante o período mais próspero da história de Israel. Grander armazenamentos de tesouros pare este fim haviam sido acumulados pelo rei Davi e a plants pare a sue construção fore feita pot inspiração diving. (1 Crônicas 28:12 a 19.) Salomão, o mais sábio dos monarcas de Israel, completara a obra. Este templo foi o edifício mais magnificente que o mundo já viu. Contudo o Senhor declarou pelo profeta Ageu, relativamente ao segundo templo: "A glória desta última case será maior do que a da primeira." "Farei tremer todas as nações, a virá o Desejado de todas as nações, a encherei esta case de glória, diz o Senhor dos exércitos." Ageu 2:9 a 7.
     Depois da destruição do templo pot Nabucodonosor, foi reconstruído aproximadamente quinhentos anos antes do nascimento de Cristo, pot um povo que, de um longo cativeiro, voltara a um país devastado a quase deserto. Havia então entre eles homens idosos que tinham visto a glória do templo de Salomão a que choraram junto aos alicerces do novo edifício porque devesse set tão inferior ao antecedente. O sentimento que prevalecia é vividamente descrito pelo profeta: "Quern há entre vós que, tendo ficado, viu esta case na sue primeira glória? e como a vedes agora? não é esta como nada em vossos olhos, comparada corn aquela?" Ageu 2:3; Esdras 3:12. Então foi feita a promessa de que a glória desta última case seria maior do que a da anterior.
     Mas o segundo templo não igualou o primeiro em magnificência; tampauco foi consagrado pelos visíveis sinais da presença diving que o primeiro tivera. Não houve manifestação de poder sobrenatural pare assinalar sue dedicação. Nenhuma nuvem de glória foi vista a encher o santuário recém-erigido. Nenhum fogo do Céu desceu para consumir o sacrifício sobre o altar. O "shekinah" não mais habitava entre os querubins no lugar santíssimo; a arcs, o propiciatório, as tábuas do testemunho não mais deviam encontrar-se ali. Nenhuma voz ecoava do Céu para tornar conhecida ao sacerdote inquiridor a vontade de Jeová.
     Durante séculos os judeus debalde se haviam esforçado por mostrar que a promessa de Deus feita por Ageu se cumprira; entretanto, o orgulho e a incredulidade lhes cegavam a mente ao verdadeiro sentido das palavras do profeta. O segundo templo não foi honrado corn a nuvem de glória de Jeová, mss corn a presença viva dAquele em quern habits corporalmente a plenitude da divindade - que foi o próprio Deus manifesto em carne. O "Desejado das nações" havia em verdade chegado a Seu templo quando o Homem de Nazaré ensinava a curava nos pátios sagrados. Corn a presença de Cristo, a corn ela somente, o segundo templo excedeu o primeiro em glória. Mas Israel afastara de si o Dom do Céu, que the era oferecido. Corn o humilde Mestre que naquele dia saíra de seu portal de ouro, a glória para sempre se retirara do templo. Já eram cumpridas as palavras do Salvador: "Eis que a vossa casa vai ficar-vos deserts." S. Mateus 23:38.
     Os discípulos ficaram cheios de espanto a admiração ante a profecia de Cristo acerca da subversão do templo, a desejavam compreender melhor o significado de Suas palavras. Riquezas, trabalhos a perícia arquitetônica haviam durante mais de quarenta anos sido liberalmente expedidos para salientar os seus esplendores. Herodes, o Grande, nele empregara prodigamente tanto riquezas romanas como tesouros judeus, a mesmo o imperador do mundo o tinha enriquecido corn seus dons. Blocos maciços de mármore branco, de tamanho quase fabuloso, provenientes de Roma para este fim, formavam parte de sua estrutura; a para eles chamaram os discípulos a atenção do Mestre, dizendo: "Olha que pedras, a que edifícios!" S. Marcos 13:1.
     A estas palavras deu Jesus a solene a surpreendente resposta: "Em verdade vos digo que não ficará aqui pedra sobre pedra que não seja derribada." S. Mateus 24:2.
     Corn a subversão de Jerusalém os discípulos associaram os fatos da vinda pessoal de Cristo em glória temporal a fim de assumir o trono do império do Universo, castigar os judeus impenitentes a libertar a nação do jugo romano. O Senhor Ihes dissera que viria a segunda vez. Daí, corn a menção dos juízos sobre Jerusalém, volveram o pensamento para aquela vinda; e, como estivessem reunidos em torno do Salvador sobre o monte das Oliveiras, perguntaram: "Quando serão essas coisas, a que sinal haverá da Tua vinda a do fim do mundo?" S. Mateus 24:3.
     O futuro estava misericordiosamente velado aos discípulos. Houvessem eles naquela ocasião compreendido perfeitamente os doffs terríveis fatos - os sofrimentos a morte do Redentor, e a destruição de sua cidade a templo - teriam sido dominados pelo terror. Cristo apresentou diante deles um esboço dos acontecimentos preeminentes a ocorrerem antes do final do tempo. Suas palavras não foram então completamente entendidas; mas a significação serlhes-is revelada quando Seu povo necessitasse da instrução nelas dada. A profecia que Ele proferiu era dupla em seu sentido: ao mesmo tempo em que prefigurava a destruição de Jerusalém, representava igualmente os terrores do último grande dia.
     Jesus declarou aos discípulos que O escutavam, os juízos que deveriam cair sobre o apóstata Israel, a especialmente o castigo retribuidor que the sobreviria por sua rejeição a crucifixão do Messias. Sinais inequívocos precederiam a terrível culminação. A hora temida viria súbita a celeremente. E o Salvador advertiu a Seus seguidores: "Quando pois virdes que a abominação da desolação, de que falou o profeta Daniel, está no lugar Santo (quern lê, atenda), então os que estiverem na Judéia fujam para os montes." S. Mateus 24:15 a 16; S. Lucas 21:20. Quando os estandartes idolátricos dos romanos fossem arvorados em terra santa, a qual se estendia por alguns estádios fora dos muros da cidade, então os seguidores de Cristo deveriam achar segurança na fuga. Quando Posse visto o sinal de aviso, os que desejavam escapar não deveriam demorar-se. Por toda a terra da Judéia, bem como em Jerusalém mesmo, o sinal pare a fuga deveria ser imediatamente obedecido. Aquele que acaso estivesse no telhado, não deveria descer à case, mesmo pare salver os tesouros mais valiosos. Os que estivessem trabalhando nos cameos ou nos vinhedos, não deveriam tomar tempo pare voltar a fim de apanhar a roupa exterior, posts de Iado enquanto estavam a labutar no calor do die. Não deveriam hesitar um instante, pare qua não fossem apanhados pale destruição geral.
     No reinado de Herodes, Jerusalém não só havia sido grandemente embelezada, mss, pale ereção de torres, muralhas a fortalezas, em acréscimo à força natural de sue posição, tornara-se aparentemente inexpugnável. Aquele qua nesse tempo houvesse publicamente predito sue destruição, teria sido chamado, como Noé em sue época, doido alarmists. Mas Cristo dissera: "O céu a a Terra passarão, mss as Minhas palavras não hão de passer." S. Mateus 24:35. Por cause de seus pecados, foi anunciada a ire contra Jerusalém, a sue pertinaz incredulidade seloulhe a some.
     O Senhor tinha declarado pelo profeta Miquéias: "Ouvi agora isto, vós, chafes da case de Jacó, a vós, maiorais da case de Israel, qua abominais o juízo a perverteis tudo o qua é direito, edificando a Sião com sangue, e a Jerusalém com injustiça. Os sews chafes dão as sentenças por presentes, a os seus sacerdotes ensinam por interesse, a os seus profetas adivinham por dinheiro; e ainda se encostam ao Senhor, dizendo: Não está o Senhor no meio de nós? nenhum mal nos sobrevirá." Miquéias 3:9-11.
     Estas palavras descreviam fielmente os habitantes de Jerusalém, corruptos a possuídos de justiça própria. Pretendendo embora observer rigidamente os preceitos da lei de Deus, estavam transgredindo todos os seus princípios. Odiavam a Cristo porque a Sua pureza a santidade lhes revelavam a iniqüidade própria; a acusavam-no de ser a cause de todas as angústias qua lhes tinham sobrevindo em conseqüência de seus pecados. Posto qua soubessem não tar Ele pecado, declararam qua Sua morte era necessária pare a segurança dales como nação. "Se O deixarmos assim," disseram os chafes dos judeus, "todos crerão nEle, a virão os romanos, a titer-nos-ão o nosso lugar e a nação." S. João 11:48. Se Cristo fosse sacrificado, eles poderiam uma vez mais se tornar um povo forte, unido. Assim raciocinavam, e concordavam tom a decisão de seu sumo sacerdote de que seria melhor morrer um homem do que perecer toda a nação.
     Assim os dirigentes judeus edificaram a "Sião tom sangue, e a Jerusalém tom injustiça." E além disso, ao mesmo tempo em que mataram seu Salvador porque Ihes reprovava os pecados, tal era a sue justiça própria que se consideravam como o povo favorecido de Deus, a esperavam que o Senhor os livrasse dos inimigos. "Portanto," continuou o profeta, "pot cause de vós, Sião será lavrada como um tempo, a Jerusalém se tornará em montões de pedras, e o monte desta case em lugares altos dum bosque." Miquéias 3:12.
     Durante quase quarenta anos depois que a condenação de Jerusalém fore pronunciada pot Cristo mesmo, retardou o Senhor os Seus juízos sobre a cidade a nação. Maravilhosa foi a longanimidade de Deus pare tom os que Lhe rejeitaram o evangelho a assassinaram o Filho. A parábola da árvore infrutífera representava o trato de Deus pare tom a nação judaica. Fore dada a ordem: "Cotta-a; pot que ocupa ainda a terra inutilmente?" S. Lucas 13:7. Mas a misericórdia diving poupara-a ainda um pouco de tempo. Muitos havia ainda entre os judeus que eram ignorantes quanto ao caráter a obra de Cristo. E os filhos não haviam gozado das oportunidades nem recebido a luz que seus pals tinham desprezado. Mediante a pregação dos apóstolos e de seus cooperadores, Deus faria tom que a luz resplandecesse sobre eles; set-lhes-is permitido vet como a profecia se cumprira, não somente no nascimento a vide de Cristo, mas também em Sua morte a ressurreição. Os filhos não foram condenados pelos pecados dos pais; quando, porém, conhecedores de toda a luz dada a seus pais, os filhos rejeitaram mesmo a que lhes fore concedida a mais, tornaram-se participantes dos pecados daqueles e encheram a medida de sue iniqüidade.
     A longanimidade de Deus pare tom Jerusalém apenas confirmou os judeus em sue obstinada impenitência. Em seu ódio e crueldade pare tom os discípulos de Jesus, rejeitaram o último oferecimento de misericórdia. Afastou Deus então deles a proteção, retirando o poder corn que restringia a Satanás a seus anjos, de maneira que a naçào ficou sob o controle do chefe que haviam escolhido. Seus filhos tinham desdenhado a graça de Cristo, que os teria habilitado a subjugar seus mans impulsos, a agora estes se tornaram os vencedores. Satanás suscitou as mais violentas a vis paixões da alma. Os homens não raciocinavam; achavam-se furs da razào, dirigidos pelo impulso a cega raiva. Tornaram-se satânicos em sua crueldade. Na família e na sociedade, entre as mais altas como entre as mais baixas classes, havia suspeita, inveja, ódio, contends, rebelião, assassínio. Não havia segurança em pane alguma. Amigos a parentes traíam-se mutuamente. Pais matavam aos filhos, a filhos aos pais. Os príncipes do povo nâo tinham poder para governarse. Desenfreadas paixões faziam-nos tiranos. Os judeus haviam aceitado falso testemunho para condenar o inocente Filho de Deus. Agora as falsas acusações tornavam insegura sua proAria vida. Pelas suss ações durante muito tempo tinham estado a diner: "Fazei que deixe de estar o Santo de Israel perante nós." Isaías 30:11. Agora seu desejo foi satisfeito. O terror de Deus não mail os perturbaria. Satanás estava à frente da nação a as mais altas autoridades civis a religiosas estavam sob o seu domínio.
     Os chefes das facções oponentes por vezes se uniam para saquear a torturar suss desgraçadas vítimas, a novamente caíam sobre as forças uns dos outros, fazendo impiedosa matança. Mesmo a santidade do templo não lhes refreava a horrível ferocidade. Os adoradores eram assassinados diante do altar, e o santuário contaminava-se cum corpus de mortos. No entanto, em sua cega a blasfema presunção, os instigadores fiesta obra infernal publicamente declaravam que não tinham receio de que Jerusalém fosse destruída, pois era a própria cidade de Deus. A fim de estabelecer mail firmemente seu poder, subornaram profetas falsos para proclamar, mesmo enquanto as legiões romanas estavam sitiando o templo, que o povo devia aguardar o livramento de Deus. Afinal, as multidões apegaramse firmemente à crença de que o Altíssimo interviria para a derrote de seus adversários. Israel, porém, havia desdenhado a proteção diving, a agora não tinha defesa. Infeliz Jerusalém! despedaçada pot dissensães intestines, com o sangue de seus filhos, mottos pelas mãos uns de outros, a tingir de carmesim suss rugs, enquanto hostis exércitos estrangeiros derribavam sues fortificações a lhes matavam os homens de guerre!
     Todas as predições feitas pot Cristo relatives à destruição de Jerusalém cumpriram-se à tetra. Os judeus experimentaram a verdade de Suas palavras de advertência: "Com a medida com que tiverdes medido, vos hão de medir a vós." S. Mateus 7:2.
     Apareceram sinais a prodígios, prenunciando desastre a condenação. Ao meio da noite, uma luz sobrenatural resplandeceu sobre o templo e o altar. Sobre as nuvens, ao pôr do Sol, desenhavam-se carros a homens de guerre reunindo-se pare a bataIha. Os sacerdotes que ministravam à noite no santuário, aterrorizavam-se com sons misteriosos; a terra tremia a ouvia-se multidão de oozes a clamar: "Partamos daqui!" A grande ports oriental, tão pesada que dificilmente podia set fechada pot uns vinte homens, a que se achava segura pot imensas barras de ferro fixes profundamente no pavimento de pedra sólida, abriuse à meia-noite, independence de qualquer agente visível.— História dos Judeus, de Milman, livro 13.
     Durante sete anos um homem esteve a subir a descer as rugs de Jerusalém, declarando as desgraças que deveriam sobrevir à cidade. De dig a de noite cantava ele funebremente: "Uma voz do Oriente, uma voz do Ocidente, uma voz dos quatro ventos! uma voz contra Jerusalém a contra o templo! uma voz contra os noivos a as noivas! uma voz contra o povo!" - Ibidem. Este set estranho foi preso a açoitado, mss nenhuma queixa the escapou dos lábios. Aos insultos a maus tratos respondia somente: "Ai! ai de Jerusalém!" "Ai! ai dos habitantes dela!" Seu clamor de aviso não cessou senão quando foi motto no cerco que havia predito.
     Nenhum cristão pereceu na destruição de Jerusalém. Cristo fizera a Seus discípulos o aviso, a todos os que creram em Suas palavras aguardaram o sinal prometido. "Quando virdes Jerusalém cercada de exércitos," disse Jesus, "sabei que é chegada a sue desolação. Então, os que estiverem na Judéia, fujam pare os montes; os que estiverem no meio da cidade, saiam." S. Lucas 21:20 a 21. Depois que os romanos, sob Céstio, cercaram a cidade, inesperadamente abandonaram o cerco quando tudo parecia favorável a um ataque imediato. Os sitiados, perdendo a esperança de poder resistir, estavam a ponto de se entregar, quando o general romano retirou sues forças sem a minima razão aparente. Entretanto, a misericordiosa providência de Deus estava dirigindo os acontecimentos pare o bem de Seu próprio povo. O sinal prometido fore dado aos cristãos expectantes, a agora se proporcionou a todos oportunidade pare obedecer ao aviso do Salvador. Os acontecimentos foram encaminhados de tal maneira que nem judeus nem romanos impediriam a fuga dos cristãos. Com a retirada de Céstio, os judeus, fazendo uma surtfda de Jerusalém, foram ao encalço de seu exército que se afastava; e, enquanto ambas as forças estavam assim completamente empenhadas em lute, os cristãos tiveram ensejo de deixar a cidade. Nesta ocasião o território também se havia desembaraçado de inimigos que poderiam ter-se esforçado pare lhes interceptar a passagem. Na ocasião do cerco os judeus estavam reunidos em Jerusalém pare celebrar a festa dos Tabernáculos, a assim os cristãos em todo o país puderam escapar sera ser molestados. Imediatamente fugiram pare um lager de segurança - a cidade de Pela, na terra de Peréia, além do Jordão:
     As forças judaicas, perseguindo a Céstio a sea exército, caíram sobre sue retaguarda com tal ferocidade que o ameaçaram de destruição total. Foi com grande dificuldade que os romanos conseguiram efetuar a retirada. Os judeus escaparam quase sem perdas, a com sews despojos voltaram em triunfo pare Jerusalém. No entanto este êxito aparente apenas lhes acarretou males. Inspirou-lhes aquele espírito de pertinaz resistência aos romanos, que celeremente trouxe indescritível desgraça sobre a cidade sentenciada.
     Terríveis foram as calamidades que caíram sobre Jerusalém quando o cerco foi reassumido por Tito. A cidade foi assaltada na ocasião da Páscoa, quando milhões de judeus estavam reunidos dentro de seus muros. Sues provisões de víveres, qua a serem cuidadosamente preservadas teriam suprido os habitantes durante anos, tinham sido previamente destruídas pale rivalidade a vingança das facções contendoras, a agora experimentaram todos os horrores da morte à force. Uma medida de trigo era vendida por um talento. Tão atrozes eram os transes da force qua homens roíam o couro de seus cinturões a sandálias, e a cobertura de seus escudos. Numerosas pessoas saíam da cidade à noite, furtivamente, pare apanhar plantas silvestres qua cresciam fore dos muros da cidade, se bem qua muitos fossem agarrados a mortos com severas tortures; a muitas vezes os qua voltavam em segurança eram roubados naquilo qua haviam rebuscado corn tão grande perigo. As mais desumanas tortures eram infligidas pelos qua se achavam no poder, a fim de extorquir do povo atingido pale necessidade os últimos a escassos suprimentos qua poderiam tar escondido. E tais crueldades eram freqüentemente praticadas por homens qua se achavam, aliás, barn alimentados, a qua simplesmente estavam desejosos de acumular urn depósito de provisões pare o futuro.
     Milhares pereceram pale Tome a pale paste. A afeição natural parecia tar-se destruído. Maridos roubavam de sue esposa, e esposas de seu marido. Viam-se filhos arrebatar o alïmento da boca de seus pais idosos. A pergunta do profeta: "Pode uma mulher esquecer-se tanto de seu filho qua cria?" (Isaías 49:15) recebeu dentro dos muros da cidade condenada, a resposta: "As mãos das mulheres piedosas cozeram os próprios filhos; serviram-lhes de alimento na destruição da filha de Meu povo." Lamentações 4:10. Novamente se cumpriu a profecia de aviso, dada catorze séculos antes: "E quanto à mulher mais mimosa a delicada entre ti, qua de mimo a delicadeza nunca tentou pôr a plants de seu pé sobre a terra, será maligno o seu olho contra o homem de seu regaço, a contra seu filho, a contra sue filha; . . . e por cause de seus filhos qua fiver; porque os comerá às escondidas pale felts de tudo, no cerco a no aperto corn qua o teu inimigo to apertará nas tugs Aortas." Deuteronômio 28:56 a 57.
     Os chafes romanos esforçaram-se por infundir terror aos judeus, a assim fazê-los render-se. Os prisioneiros qua resistiam ao cair presos, eram açoitados, torturados a crucificados diante do muro da cidade. Centenas eram diariamente mortos desta maneira, a essa horrível obra prolongou-se até que ao longo do vale de Josafá a no Calvário se erigiram cruzes em tão grande número que mal havia espaço pare mover-se entre elas. De tão terrível maneira foi castigada aquela espantosa imprecação proferida perante o tribunal de Pilatos: "O Seu sangue caia sobre nós a sobre nossos filhos." S. Mateus 27:25.
     Tito, de boa vontade, teria posto termo à terrível cena, poupando assim a Jerusalém da medida complete de sue condenação. EIe se enchia de terror ao ver os corpos jazendo aos montes nos vales. Como alguém que estivesse em êxtase, olhava ele do cimo do Monte das Oliveiras ao templo magnificente, e deu ordem pare qua nenhuma de sues padres Posse tocada. Antes de tentar ganhar posse desta fortaleza, fez ardente apelo aos chafes judeus pare não o forçarem a profaner com sangue o lugar sagrado. Se saíssem a combatessem em outro local, nenhum romano violaria a santidade do templo. O próprio Josefo, com apelo eloqüentíssimo, suplicou qua se rendessem, pare se salvarem a si, a sue cidade a seu lugar de culto. Sues palavras, porém, foram respondidas com pragas emerges. Lançaram-se dardos contra ale, qua era seu último mediador humano, enquanto persistia em instar com ales. Os judeus haviam rejeitado os rogos do Filho de Deus a agora as advertências a rogos apenas os tornavam mail decididos a resistir até o último ponto. Baldados foram os esforços de Tito pare salver o templo; AIguém, maior do qua ale, declarara qua não fìcaria padre sobre padre.
     A cage obstinação dos chafes dos judeus a os abomináveis crimes perpetrados dentro da cidade sitiada, excitaram o horror e a indignação dos romanos, a Tïto finalmente se decidiu a tomar o templo de assalto. Resolveu, contudo, qua, sendo possível, deveria o mesmo ser salvo da destruição. Mas sues ordens foram desatendidas. Depois qua eIe se retirara pare a sue tenda à noite, os judeus, dando uma surtida do templo, atacaram fore os soldados. Na lute, um soldado arremessou urn facho através de ulna abertura no pórtico, a imediatamente as sales revestidas de cedro, em rector da case sagrada, se acharam em chamas. Tito precipitouse pare o local, seguido de seus generals e legionários, a ordenou aos soldados qua apagassem as labaredas. Sues palavras não forarm atendidas. Em sue fúria, os soldados lançaram tochas ardentes nas sales contínguas ao templo, e coin a aspects assassinavam em grande número os qua all tinham procurado refúgio. O sangue corria como água pales escadas do templo abaixo. Milhares a milhares de judeus pereceram. Acima do ruído da batalha, ouviam-se oozes bradando: "Icabode!" - foi-se a glória.
     "Tito achou impossível caster a fúria da soldadesca; entrou corn seas oficiais a examinou o interior do edifício sagrado. O esplendor encheu-os de admiração; e, como as chamas não houvessem ainda penetrado no lager canto, fez um último esforço pare salvá-lo; e, apresentando-se-lhes repentinamente, de novo exortou os soldados a deterem a marcha da conflagração. O centurião Liberalis esforçou-se pot impor obediência com o sea estado maior; mss o próprio respeito pare com o imperador cedeu lager à furiosa animosidade contra os judeus, ao excitamento feroz da batalha, e à esperança insaciável do saque. Os soldados viam tudo em rector dales resplandecendo de ouro, qua fulgurava deslumbrantemente à luz sinistra das chamas: supunham qua incalculáveis tesouros estivessem acumulados no santuário. Urn soldado, sera set percebido, arrojou uma tocha acesa pot entre os gonzos da ports: o edifício todo em um momento ficou em chamas. O denso fumo e o fogo obrigaram os oficiais a retirarse, e o nobre edifício foi abandonado à sue cotta.
     "Era um espetáculo pavoroso aos romanos; a qua saris ale pare os judeus? Todo o cimo da colina qua dominava a cidade, chamejava como um vulcão. Urn após outro caíram os edifícios, com tremendo fragor, a foram absorvidos pelo ígneo abismo. Os tetos de cedro assemelhavam-se a lençóis de fogo; os pináculos dourados resplandeciam como pontes de luz vermelha; as tortes-dos portals enviavam pare circa altas colunas de charm a fumo. As colinas vizinhas se iluminavam; a grupos obscuros de pessoas foram vistas a observer corn horrível an siedade a rnarcha da destruição; os muros a pontos elevados da cidade alts ficaram repletos de rostos, alguns pálidos, com a agonia do desespero, outros com expressão irada, a ameaçar uma vingança inútil. As aclamaçóes da soldadesca romana, enquanto corriam de uma ears outra parte, e o gemido dos insurgentes que estavam perecendo nas dramas, misturavam-se com o rugido da conflagração e o rumor trovejante do madeiramento que caía. Os ecos das montanhas respondiam ou traziam de volts os gritos do povo nos pontos elevados; ao longo de todo o rnuro ressoavam alaridos a prantos; homens que estavam a expirar eels force reuniam sue força restante ears proferir um grito de angústia a desolação.
     "O morticínio, do lado de dentro, era até mais terrível do que o espetáculo visto fore. omens a mulheres, velhos a moços, insurgentes a sacerdotes, os que combatiam a os que imploravam rnisericórdia, eram retalhados errs indiscriminada carnificina. O número de mottos excedeu ao dos matadores. Os legionários tiveram de trepar sobre os montes de cadáveres pare prosseguir na obra de extermínio." - hTrstória dos Judeus, de Milman, Iivro 16.
     Depois da destruição do templo, a cidade inteira logo caiu nas mãos dos romanos. Os chefes dos judeus abandonaram as tortes inexpugnáveis, a Tito as achou desertas. Contemplou-as corn esparto a declarou que Dues lhas havia entregue em sues mãos; pois engenho algum, ainda que poderoso, poderia ter prevalecido contra aquelas estupendas ameias. Tanto a cidade como o templo forum arrasados até aos fundamentos, e o terreno err que se erguia a case sagrada foi lavrado como um cameo. (Jeremias 2ô:18.) No cerco a morticínio que se seguiram, pereceram mail de urn milhão de pessoas; os sobreviventes forum levados como escravos, como tail vendidos, arrastados a Roma pare abrilhantar a vitória do vencedor, lançados às fetes nos anfiteatros, ou dispersos pot toda a Terra como vagabundos Bern lar.
     Os judeus haviam forjado seus próprios grilhões; eles mesmos encheram a taça da vingança. Na destruição complete que lhes sobreveio como nação, a em todas as desgraças que os acompanharam depois de dispersos, nào estavam senãc recolhendo a masse qua sues próprias mãos semearam. Diz o profeta: "Pare tug perda, ó Israel, to rebelaste contra Mim," "pelos teas pecados tens caído" (Oséias 13:9; 14:1). Seas sofrimentos são muitas vezes representados como sendo castigo a else infligido por decreto direto da parte de Deus. É assim qua o grande enganador procure esconder sue própria obra. Pela obstinada rejeiçào do amor a misericórdia diving, os judeus fizeram corn qua a proteção de Deus fosse dales retirada, a permitiu-se a Satanás dirigi-los segundo a sue vontade. As horríveis crueldades executadas na destruiçào de Jerusalém são uma demonstração do poder vingador de Satanás sobre os qua se rendem ao sea controls.
     Não podemos saber quanto devemos a Cristo pale paz a proteçáo de qua gozamos. E o poder de Deus qua impede qua a humanidade passe completamente pare o domínio de Satanás. Os desobedientes a ingratos têm grande motivo de gratidão pela misericórdia a longanimidade de Deus, qua contém o cruel e pernicioso poder do maligno. Quando, porém, os homens passam os limites da clemência diving, a restrição é removida. Deus não fica em relaçáo ao pecador como executor da sentença contra a transgressão; mss deixa entregues a si mesmos os qua rejeitam Sua misericórdia, pare colherem aquilo qua semearam. Cads raio de luz rejeitado, cads advertência desprezada ou desatendida, cads paixão contemporizada, cads transgressão da lei de Deus, é uma semente lançada, a qual produz infalível masse. O Espírito de Deus, persistentemente resistido, é afinal retirado do pecador, a entào poder algum permanece pare dominar as más paixões da alma, a nenhuma proteçáo contra a maldade a inimizade de Satanás. A destruição de Jerusalém constitui tremenda a solene advertência a todos os qua estão tratando levianamente com os oferecimentos da graça divine e resistindo aos rogos da misericórdia de Deus. Jamais foi dado urn testemunho mais decisivo do ódio ao pecado por parts de Deus, a do castigo certo qua recairá sobre o culpado.
     A profecia do Salvador relative aos juízos qua deveriam cair sobre Jerusalém há de tar outro cumprimento, do qual aquela terrível desolação não foi senão tênue sombra. Na some da. cidade escolhida podemos contemplar a condenação de um mundo que rejeitou a misericórdia de Deus a calcou a pés a Sua lei. Tenebrosos são os registros da miséria humana que a Terra tem testemunhado durante seas longos séculos de crime. Ao contemplá-los confrange-se o coração e o espíruo desfalece. Terríveis têm silo os resultados da rejeição da autoridade do Céu. Entretanto, tens ainda mais tenebrosa se apresenta nas revelações do futuro. Os registros do passado - o longo cortejo de tumultos, conflitos a revoluções, a "armadura daqueles que pelejavam corn ruído, a os vestidos que rolavam no sangue" (Isaías 9:5) que são, em contraste tom os terrores daquele dia em que o Espírito de Deus será totalmente retirado dos ímpios, não mail contendo a explosão das paixões humanas a ira satânica! O mundo contemplará então, como nunca dantes, os resultados do governo de Satanás.
     Mas naquele dia, hem como na ocasião da destruição de Jerusalém, livrarse-á o povo de Deus, "todo aquele que estiver inscrito entre os vivos." Isaías 4:3. Cristo declarou que virá a segunda vez para reunir a Si os Seus fiéis: "E todas as tríbos da Terra se lamentarão, a verão o Filho do homem, vindo sobre as nuvens do céu, tom poder a grande glória. E Ele enviará os Seus anjos corn rijo clamor de trombeta, os quaffs ajuntarão os Seus escolhidos desde os quatro ventos, de uma a outra extremidade dos céus." S. Mateus 24:30 a 31. Então os que não obedecem ao evangelho serão consumidos pelo espíruo de Sua hots, a serão destruídos tom o resplandor de Sua vinda. (2 Tessalonicenses 2:8.) Como o antigo Israel, os ímpios destroemse a si mesmos; caem pals sua iniqüidade. Em conseqüência de uma vida de pecados, colocaram-se tão fora de harmonia tom Deus, sua natureza se tornou tão aviltada corn o anal, qua a manifestação da glória diving é para ales urn fogo consumidor.
     Acautelem-se os homens para qua não aconteça negligenciarem a lição qua lhes é comunicada pelas palavras de Crisco. Assim comp ale preveniu Seus discípulos quanto à destruição de Jerusalém, dando-lhes um sinal da ruína qua se aproximava para qua pudessem escapar, também advertiu o mundo quanto ao die dá destruição final, a lhes deu sinais de sue aproximação pare que todos os que queiram, possam fugir da ire vindoura. Declare Jesus: "E haverá sinais no 501, na Lua a nas estrelas; a na Terra angústia das nações." S. Lucas 21:25; S. Mateus 24:29; S. Marcos 13:24-25; Apocalipse 6:12-17. Os que contemplam estes prenúncios de Sua vinda, devem saber que "está próximo, às portas." S. Mateus 24:33. "Vigiai, pois" (S. Marcos 13:35), são Sues palavras de advertência. Os que atendem ao aviso não serão deixados em trevas, pare que aquele die os apanhe desprevenidos. Mas aos que não vigiarem, "o die do Senhor virá como o ladrão de noite." 1 Tessalonicenses 5:2.
     O mundo não está mais preparado pare dar crédito à mensagem pare este tempo do que estiveram os judeus pare receber o aviso do Salvador, relativo a Jerusalém. Venha quando vier, o die do Senhor virá de improviso aos ímpios. Correndo a vide sue rotina invariável; encontrando-se os homens absortos nos prazeres, negócios, comércio a ambição de ganho; estando os dirigentes do mundo religioso a engrandecer o progresso a ilustração do mundo, a achandose o povo embalado em uma false segurança, então, como o ladrão à meia-noite rouba na case que não é guardada, sobrevirá repentina destruição aos descuidados a ímpios, a "de nenhum modo escaparão." 1 Tessalonicenses 5:3-5.


 
CAPÍTULO 2

O Valor dos Mãrtires

     Quando Jesus revelou a Seus discípulos a some de Jerusalém a as cenas do segundo advento, predisse também a experiência de Seu povo desde o tempo em que deveria ser tirado dentre eles até a Sua volts em poder a glória pare o seu libertamento. Do Monte das Oliveiras o Salvador contemplou as tempestades prestes a desabar sobre a igreja apostólica; e penetrando main profundamente no futuro, Seus olhos divisaram os terríveis a devastadores vendavais que deveriam açoitar Seus seguidores nos vindouros séculos de trevas a perseguição. Em poucas a breves declarações de tremendo significado, predisse o que os governadores dente mundo haveriam de impor à igreja de Deus. (S. Mateus 24:9, 21 a 22.) Os seguidores de Cristo deveriam trilhar a mesma sends de humilhação, ignomínia a sofrimento que Seu Mestre palmilhara. A inimizade que irrompera contra o Rendentor do mundo, manifestar-se-ia contra todos os que cressem em Seu nome.
     A história da igreja primitiva testificou do cumprimento das palavras do Salvador. Os poderes da Terra a do inferno arretimentaram-se contra Cristo na pessoa de Seus seguidores. O paganismo previa que se o evangelho triunfasse, seus templos e altares desapareceriam; portanto convocou suss forças pare destruir o cristianismo. Acenderam-se as fogueiras da perseguição. Os cristãos eram despojados de sues posses a expulsos de sues cases. Suportaram "grande combate de aflições." Hebreus 10:32. "Experirnentaram escárnios a açoites, a até cadeias a prisões." Hebreus 11:36. Grande número dales selaram seu testemunho com o próprio sangue. Nobres a escravos, ricos a pobres, doutos a ignorantes, foram de igual modo mortos sem misericórdia.
     Estas perseguições, iniciadas sob o governo de Nero, aproximadamente ao tempo do martírio de S. Paulo, continuaram com maior ou manor fúria durance séculos. Os cristãos eram falsamente acusados dos mais hediondos crimes a tidos como a cause das grandes calamidades forces, pastes a terremotos. Tornando-se ales objeto do ódio a suspeita popular, prontificaram-se denunciantes, por amor ao ganho, a trair os inocentes. Eram condenados como rebeldes ao império, como inimigos da religião a paste da sociedade. Grande número dales eram lançados às fares ou queimados vivos nos anfiteatros. Alguns eram crucificados, outros cobertos corn pales de animais bravios a lançados à arena pare serem despedaçados pelos cães. De seu sofrimento muitas vezes se fazia a principal diversão nas festas públicas. Vastas multidões reuniam-se pare gozar do espetáculo a saudavam os transes de sue agonia com riso a aplauso.
     Onde guar qua procurassem refúgio, os seguidores de Cristo eram caçados como animais. Eram forçados a procurer esconderijo nos lugares desolados a solitários. "Desamparados, aflitos a maltratados (dos quaffs o mundo não era digno), errantes, pelos desertos, a montes, a pales coves a cavernas da terra." Hebreus 11:37 e 38. As catacumbas proporcionavam abrigo a milhares. Por sob as colinas, fore da cidade de Roma, longas galerias tinham sido feitas através da terra a da rocha; o escuro a complicado creme das comunicações estendia-se quilômetros além dos muros da cidade. Nestes retiros subterrâneos, os seguidores de Cristo sepultavam os seus rnortos; a ali também, quando suspeitos a proscritos, encontravam lar. Quando o Doador da vide despertar os qua pelejaram o bom combate, muitos qua foram mártires por amor de Cristo sairão dessas sombrias cavernas.
     Sob a mais atroz perseguição, estas testemunhas de Jesus conservararm incontaminada a sue fé. Posto qua privados de todo conforto, excluídos da luz do Sol, tendo o lar no seio da terra, obscuro mss amigo, não proferiam queixa alguma. Com palavras de fé, paciência a esperança, animavam-se uns aos outros a suportar a privação a angústia. A perda de toda a bênção terrestre não os poderia forçar a renunciar sua crença em Cristo. Provações a perseguição não eram senão passos que os levavam pare mais perto de seu descanso a recompense.
     Como aconteceu aos servos de Zeus de outrora, muitos "foram torturados, não aceitando o seu livramento, pare alcançarem urea melhor ressurreição." Hebreus 11:35. Estes se recordavarm das palavras do Mestre, de que, quando perseguidos por amor de Cristo, ficassem muito alegres, pois que grande seria seu galardão no Céu, porque assim tinham sido perseguidos os profetas antes deles. Regozijavam-se de que fossem considerados dignos de sofrer pela verdade, a cânticos de triunfo ascendiam dentre as chamas crepitantes. Pela fé, olhando pare circa, viam Cristo a os anjos apoiados sobre as ameias do Céu, contemplando-os com o mais profundo interesse, com aprovação considerando a sue firmeza. Uma voz lhes vinha do trono de Deus: "Sê fiel até à morte, a dar-teei a coroa da vide." Apocalipse 2:10.
     Baldados foram os esforços de Satanás pare destruir pela violência a igreja de Cristo. O grande conflito em que os discípulos de Jesus rendiam a vide, não cessava quando estes fiéis ports-estandartes tombavam errs sews postos. Com a derrota, venciam. Os obreiros de Zeus eram mortos, mss a Sua obra is avante com firmeza. O evangelho continuava a espalhar-se, e o número de seus aderentes a aumentar. Penetrou em regiões que eram inacessíveis, mesmo às águias romanas. Disse um cristão, contendendo com os governadores pagãos que estavam a impulsionar a perseguição: Podeis "mater-nos, torturarnos, condenar-nos . ... Vossa injustiça é prove de que somos inocentes . . . . Tampouco vossa crueldade . . . vos aproveitará." Não era senão um convite mais forte pare se levarem outros à mesma persuasão. "Quanto mais somos ceifados por vós, tanto mais crescemos em número; o sangue dos cristãos é semente." Apologia, de Tertuliano, parágrafo 50.
     Milhares eram aprisionados a mortos, mss outros surgiam pats ocupar as vagas. E os que eram martirizados pot sua fé tornavam-se aquisição de Crisco, pot Ele tidos na coma de vencedores. Haviam pelejado o bom combate, a deveriam receber a coroa de glória quando Cristo viesse. Os sofrimentos que suportavam, levavam os cristãos mais perto uns dos outros a de seu Redentor. Seu exemplo em vida, a seu testemunho ao morrerem, eram constante atestado à verdade; e, onde menos se esperava, os súditos de Satanás estavam deixando o seu serviço e alistando-se sob a bandeira de Cristo.
     Satanás, portanto, formulou seus pianos pats guerrear com mais êxito contra o governo de Deus, hasteando sua bandeira na igreja cristã. Se os seguidores de Cristo pudessem set enganados a levados a desagradar a Deus, falhariam então sua força, poder a firmeza, a eles cairiam como press fácil.
     O grande adversário se esforçou então pot obter pelo artifício aquilo que não lograra alcançar pela força. Cessou a perseguição, a em seu lugar foi posts a perigosa sedução da prosperidade temporal a honra mundana. Levavam-se idólatras a receber pane da fé cristã, enquanto rejeitavam outras verdades essenciais. Professavam aceitar a Jesus como o Filho de Deus e crer em Sua morte a ressurreição; mss não tinham a convicção do pecado a não sentiam necessidade de arrependimento ou de uma mudança de coração. Com algumas concessôes de sua parte, propuseram que os cristãos fizessem outras também, pats que todos pudessem unit-se sob a plataforma da crença em Cristo.
     A igreja naquele tempo encontrava-se em terrível perigo. Prisão, tortura, fogo a espada eram bênçãos em comparação coin isto. Alguns dos cristãos permaneceram firmes, declarando que não transigiriam. Outros eram favoráveis a que cedessem, ou modificassem alguns característicos de sua fé, a se unissem aos que haviam aceito pane do cristianismo, insistindo em que este poderia set o meio pats a completa conversão. Foi' um tempo de profunda angústia pats os fiéis seguidores de Crisco. Sob a caps de pretenso cristianismo, Satanás se estava insinuando na igreja a fire de corromper-lhe a fé a desviar-lhe a mente da Palavra da verdade.
     A maioria dos cristãos finalmente consentiu em baixar a norma, formando-se uma união entre o cristianismo e o paganismo. Posto que os adoradores de ídolos professassem ester convertidos a unidos à igreja, apegavam-se ainda à idolatria, mudando apenas os objetos de culto pelas imagens de Jesus, e mesmo de Maria a dos santos. O fermento vil da idolatria, assim trazido pare a igreja, continuou a obra funesta. Doutrinas errôneas, ritos supersticiosos a cerimônias idolátricas foram incorporados em sue fé a culto. Unindo-se os seguidores de Cristo aos idólatras, a religião cristã se tornou corrupts e a igreja perdeu sue pureza a poder. Alguns houve, entretanto, que não foram transviados por esses enganos. Mantinham-se ainda fiéis ao Autor da verdade, a adoravam a Deus somente.
     Sempre tem havido dues classes entre os que professam ser seguidores de Cristo. Enquanto uma dessas classes estuda a villa do Salvador a fervorosamente procure corrigir seus defeitos a conformer-se com o Modelo, a outra evita as claras a práticas verdades que lhes expôem os erros. Mesmo em sue melhor condição a igreja não se compôs unicamente dos verdadeiros, puros a sinceros. Nosso Salvador ensinou que os que voluntariamente condescendem com o pecado não devem ser recebidos na igreja; todavia ligou a Si homens que eram falhos de caráter a concedeu-lhes os benefícios de Seus ensinos a exemplos, pare que tivessem oportunidade de ver seus error a corrigi-los. Entre os doze apóstolos havia um traidor. Judas foi aceito, não por cause de seus defeitos de caráter mss apesar deles. Foi ligado aos discípulos pare qua, pale instrução a exemplo de Cristo, pudesse aprender o qua constitui o caráter cristão a assim ser levado a ver seus error, pare arrepender-se e, pelo auxílio da graça diving, purificar a alma "na obediência à verdade." Mas Judas não andou na luz qua tão misericordiosamente foi permitido brilhasse sobre ale. Pela condescendência corn o pecado, atraiu as tentações de Satanás. Seus maus traços de caráter se tornaram predominantes. Rendeu a manta à direção dos poderes das trevas, irava-se quando sues faltas eram reprovadas, sendo fiesta: to levado a cometer o terrível crime de train o Mestre. Assim todos os que acariciam o maI sob profissão de piedade, odeiam os que lhes perturbam a paz condenando seu caminho de pecado. Quando se apresenta oportunidade favorável, eles, semelhantes a Judas, traem aos que pare seu bem procuram reprová-los.
     Os apóstolos encontraram na igreja os que professavam piedade, ao mesmo tempo em que secretamente acariciavam a iniqüidade. Ananias a Safira desempenharam o papel de enganadores pretendendo fazer sacrifício total a Deus, quando cobiçosamente estavam retendo uma parse pare si. O Espírito da verdade revelou aos apóstolos o caráter real desses impostores, e os juízos de Deus livraram a igreja dessa detestável mancha em sue pureza. Esta assinalada evidência do discernidor Espírito de Cristo na igreja foi um terror pare os hipócritas a malfeitores. Não mais poderiam permanecer em ligação com aqueles que eram, em hábitos a disposição, invariáveis representantes de Cristo; e, quando as provações a perseguiçôes sobrevieram a Seus seguidores, apenas os que estavam dipostos a abandonar tudo por amor à verdade desejaram tornar-se Seus discípulos. Assim, enquanto durou a perseguição, a igreja permaneceu comparativamente pure. Mas, cessando aquela, acrescentaram-se conversos que eram menos sinceros a devotados, a abriu-se o caminho pare Satanás tomar pé.
     Não há, porém, união entre o Principe da luz e o príncipe das trevas, a nenhuma conivência poderá haven entre os seus seguidores. Quando os cristãos consentiram em unir-se àqueles que não eram senão semiconversos do paganismo, enveredaram por caminho que levaria mais a mais longe da verdade. Satanás exultou em haven conseguido enganar tão grande número dos seguidores de Cristo. Levou então seu poder a agir de modo mais completo sobre eles, a os inspirou a perseguir aqueles que permaneceram fiéis a Deus. Ninguém compreendeu tão bem como se opor à verdadeira fé cristã como os que haviam sido seus defensores; a estes cristãos apóstatas, unindo-se aos companheiros semipagãos, dirigiram seus ataques contra os característicos mais importantes das doutrinas de Cristo.
     Foi necessária urns Iota desesperada por pane daqueles que desejavam ser fiéis, permanecendo firmer contra os enganos e abominações que se disfarçavam sob as vestes sacerdotais a se introduziram na igreja. A Escritura Sagrada não era aceita como a norms de fé. A doutrina da liberdade religiosa era chamada heresia, sendo odiados a proscritos seus mantenedores.
     Depois de longo a tenaz conflito, os poucos fiéis decidiramse a dissolver toda a união tom a igreja apóstata, taro ela ainda recusasse libertar-se da falsidade a idolatria. Viram que a separação era uma necessidade absolute se desejavam obedecer à Palavra de Deus. Não ousavam tolerar erros fatais a sue própria alma, a dar exemplo que pusesse em perigo a fé de seus filhos a netos. Pare assegurar a paz e a unidade, estavam prontos a fazer qualquer concessão coerente tom a fidelidade pare corn Deus: mss acharam que rnesmo a paz seria comprada demasiado taro tom sacrifício dos princípios. Se a unidade só se pudesse conseguir comprometendo a verdade e a justiça, seria preferível que prevalecessem as diferenças a as conseqüentes lutes.
     Born retie à igreja a ao mundo se os princípios que atuavam naquelas almas inabaláveis revivessem no coração do professo povo de Deus. Há alarmante indiferença em relação às doutrinas que são as colunas da fé cristã. Ganha terreno a opinião de que, em última análise, não são de importância vital. Esta degenerescência está fortalecendo as mãos dos agentes de Satanás, de modo que falser teorias a enganos fatais, que os fiéis dos séculos passados expunham a combatiam tom riscos da própria vide, são hoje considerados tom favor pot milhares que pretendem set seguidores de Cristo.
     Os primitivos cristãos eram na verdade um povo peculiar. Sua conduta irrepreensível a fé invariável eram continua reprovação a perturbar a paz dos pecadores. Se bem que poucos, sem riqueza, posição ou títulos honoríficos, constituíam um terror pare os malfeitores onde quer que seu caráter a doutrina fossem conhecidos. Eram, portanto, odiados pelos ímpios, assim como Abel o foi pelo ímpio Caim. Pela mesma razão pot que Caim matou Abel, os que procuravam repelir a restrição do Espírito Santo mataram o povo de Deus. Pelo mesmo motivo foi que os judeus rejeitaram a crucificaram o Salvador: porque a pureza a santidade de Seu caráter eram repreensão constante ao egoísmo a corrupção deles. Desde os dies de Cristo até hoje, os fiéis discípulos têm suscitado ódio a oposição dos que amam e seguem os caminhos do pecado.
     Como, pois, pode o evangelho ser chamado mensagem de paz? Quando Isaías predisse o nascimento do Messias, conferiulhe o título de "Principe da Paz." Quando os anjos anunciaram aos pastores que Cristo nascera, cantaram sobre as planícies de Belém: "Glória a Deus nas alturas, paz na Terra, boa vontade pare com os homens." S. Lucas 2:14. Há uma aparente contradição entre estas declarações proféticas a as palevras de Cristo: "Não vim trazer paz, mas espada." S. Mateus 10:34. Mas, entendidas corretamente, ambas estão em perfeita harmonic. O evangelho é uma mensagem de paz. O cristianismo é um sistema religioso que, recebido a obedecido, espalharia paz, harmonic a felicidade por toda a Terra. A religião de Cristo ligará em íntima fraternidade todos os que the aceitarem os ensinos. Foi missão de Jesus reconciliar os homens com Deus, e assim uns com os outros. Mas o mundo em grande parte se achy sob o domínio de Satanás, o acérrimo adversário de Cristo. O evangelho apresenta-lhes princípios de vide que se acham totalmente em desacordo com seus hábitos a desejos, a eles se erguem em rebelião contra ele. Odeiam a pureza que lhes revela a condena os pecados, a perseguem a destroem os que com eles insistirem em sues justas a santas reivindicações. É neste sentido que o evangelho é chamado uma espada, visto que as elevadas verdades que traz ocasionam o ódio e a contenda.
     A misteriosa providência que permite sofrerem os justos perseguição às mãos dos ímpios, tem sido cause de grande perplexidade a muitos que são fracos na fé. Alguns se dispõem mesmo a lançar de si a confiança em Deus, por permitir Ele que os mais vis dos homens prosperem, enquanto os melhores e mais puros são afligidos a atormentados pelo cruel poder daqueles. Como, pergunta-se, pode Aquele que é justo a misericordioso, a que também é de poder infinito, tolerar tal injustiça a opressão? É esta uma questão com que nada temos que ver. Zeus deu suficientes evidências de Seu amor, a não devemos duvidar de Sua bondade por não podermos compreender a operação de Sua providência. Disse o Salvador a Seus discípulos, prevendo as dúvidas que lhes oprimiriam a alma nos digs de provação a trevas: "Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu Senhor. Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós." S. João 15:20. Jesus sofreu por nós mais do que qualquer de Seus seguidores poderá sofrer pale crueldade de homens ímpios. Os qua são chamados a suportar a torture e o martírio não estão senão seguindo as pegadas do dileto Filho de Deus.
     "O Senhor não retards a Sua promessa." 2 S. Pedro 3:9. Ele não Se esquece de Seus filhos, nem os negligencia; mss permite qua os ímpios revelem seu verdadeiro caráter, pare qua ninguém qua deseje fazer a Sua vontade posse ser iludido com relação a ales. Outrossim, os justos são postos na fornalha da aflição pare qua ales próprios possam ser purificados, pare qua seu exemplo posse convencer a outros da realidade da fé a piedade, a também pare qua sue coerente conduta posse condenar os ímpios a incrédulos.
     Zeus permite qua os ímpios prosperem a revelem inimizade pare com Ele, a fim de qua, quando encherem a medida de sue iniqüidade, todos possam, em sue complete destruição, ver a justiça a misericórdia divines. Apressa-se o die de Sua vingança, no qual todos os qua transgrediram a lei divine a oprimiram o povo de Zeus receberão a juste recompense de sues ações; em qua todo ato de crueldade a injustiça pare com os fiéis será punido como se Posse feito ao próprio Cristo.
     Há outra questão mail importante qua deveria ocupar a atenção das igrejas de hoje. O apóstolo S. Paulo declare qua "todos os qua piamente querem viver em Cristo Jesus padecerão perseguiçòes." 2 Timóteo 3:12. Por qua é, pois, qua a perseguição, em grande parse, parece adormentada? A única razão é qua a igreja se conformou com a norms do mundo, a portanto não suscita oposição. A religião qua em nosso tempo prevalece não é do caráter puro a santo qua assinalou a fé cristã nos dias de Cristo a Seus apóstolos. É unicamente por cause do espíruo de transigência corn o pecado, por serem as grandes verdades. da Palavra de Deus tão indiferentemente consideradas, por haver tão pouca piedade vital na igreja, que o cristianismo é aparentemente tão popular no mundo. Haja um reavivamento da fé a poder da igreja primitive, e o espíruo de opressão reviverá, reacendendo-se as fogueiras da perseguição.


 
CAPÍTULO 3

Como Começaram as Trevas Morais

     O apóstolo S. Paulo, em sua segunda carts aos tessalonicenses, predisse a grande apostasia que teria como resultado o estabelecimento do poder papal. Declarou que o dia de Cristo não viria "sem que antes venha a apostasia, a se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição; o qual se opõe e se levanta contra tudo o que se chama Zeus, ou se adora; de some que se assentará, como Zeus, no templo de Deus, querendo parecer Deus." 2 Tessalonicenses 2:3 a 4. E, ainda mais, o apóstolo adverte os irmãos de que " já o mistério da injustiça opera." 2 Tessalonicenses 2:7. Mesmo naqueles primeiros tempos viu ele, insinuando-se na igreja, erros que preparariam o caminho para o desenvolvimento do papado.
     Pouco a pouco, a princípio furtiva a silenciosamente, a depois mais ás claras, à medida em que crescia em força a conquistava o domínio da mente dos homens, o mistério da iniqüidade levou avante sua obra de engano a blasfêmia. Quase imperceptivelmente os costumes do paganismo tiveram ingresso na igreja cristã. O espírito de transigência a conformidade fora restringido durance algum tempo pelas terríveis perseguições que a igreja suportou sob o paganismo. Mss, errs cessando a perseguição a entrando o cristianismo nas comes a palácios dos refs, pôs ela de lado a humilde simplicidade de Cristo a Seus apóstolos, em troca da pompa a orgulho dos sacerdotes a governadores pagãos; a em lugar das ordenanças de Zeus colocou teorias e tradições humanas. A conversão nominal de Constantino, na primeira pane do século quarto, causou grande regozijo; e o mundo, sob o manto de justiça aparente, introduziu-se na igreja. Progredia rapidamente a obra de corrupção. O paganismo, conquanto parecesse suplantado, tornou-se o vencedor. Seu espíruo dominava a igreja. Suas doutrinas, cerimônias a superstições incorporaram-se à fé a culto dos professos seguidores de Cristo.
     Esta mútua transigência entre o paganismo e o cristianismo resultou no desenvolvimento do "homem do pecado," predito na profecia como se opondo a Deus a exaltando-se sobre Ele. Aquele gigantesco sistema de religião falsa é a obra-prima do poder de Satanás - monumento de seus esforços para sentarse sobre o trono a governar a Terra segundo a sua vontade.
     Urns vez Satanás se esforçou por estabelecer um compromisso mútuo com Cristo. Chegando-se ao Filho de Deus no deserto da tentação, a mostrando lhe todos os reinos do mundo e a glória dos mesmos, ofereceu-se a entregar tudo em Suas mãos se tão-somente reconhecesse a supremacia do príncipe das trevas. Cristo repreendeu o pretensioso tentador a obrigou-o a retirar-se. Mas Satanás obtém maior êxito em apresentar ao homem as mesmas tentações. Para conseguir proveitos a honras humanas, a igreja foi levada a buscar o favor a apoio dos grandes homens da Terra; e, havendo assim rejeitado a Cristo, foi induzida a prestar obediência ao representante de Satanás - o bispo de soma.
     Uma das principais doutrinas do romanismo é que o papa é a cabeça visível da igreja universal de Cristo, investido de autoridade suprema sobre os bispos a pastores em todas as partes do mundo. Mais do que isto, tern-se dado ao papa os próprios títulos da Divindade. Tem sido intitulado: "Senhor Deus, o Papa" (Ver Apêndice), a foi declarado infalível. Exige ele a homenagem de todos os homens. A mesma pretensão em que insistia Satanás no deserto da tentação, ele ainda a encarece mediante a igreja de Roma, a enorme número de pessoas estão prontas para render-the homenagem.
     Mas os que temem a reverenciam a Deus enfrentam esta audaciosa presunção do mesmo modo por qua Cristo enfrentou as solicitações do insidioso adversário: "Adorarás ao Senhor teu Deus, e a Ele somente servirás." S. Lucas 4:8. Deus jamais deu em Sua Palavra a minima sugestão de qua tivesse designado a algum homem pare ser a cabeça da igreja. A doutrina da supremacia papal opõe-se diretamente aos ensinos das Escrituras Sagradas. O papa não pode tar poder algum sobre a igreja de Cristo, senão por usurpação.
     Os romanistas têm persistido em acusar os protestantes de heresia a voluntária separação da verdadeira igreja. Semelhantes acusações, porém, aplicam-se antes a ales próprios. São ales os qua depuseram a bandeira de Cristo, a se afastaram da "fé qua urea vez foi dada aos santos". S. Judas 3.
     Satanás barn sabia qua as Escrituras Sagradas habilitariam os homens a discernir seus enganos a resistir a seu poder. Foi pale Palavra qua mesmo o Salvador do mundo resistiu a seus ataques. Em cads assalto Cristo apresentou o escudo da verdade eterna, dizendo: "Está escrito". A cads sugestão do adversário, opunha a sabedoria a poder da Palavra. A fim de Satanás manter o seu domínio sobre os homens a estabelecer a autoridade humane, deveria conservá-los na ignorância das Escrituras. A Bíblia exaltaria a Deus a colocaria o homem finito em sue verdadeira posição; portanto, suss sagradas verdades deveriam ser ocultadas a suprimidas. Esta lógica foi adotada pale Igreja de Rorna. Durante séculos a circulação da Escritura foi proibida. Ao povo era vedado lê-la ou tê-la em case, a sacerdotes a prelados sem escrúpulos interpretavam-lhe os ensinos de modo a favorecerem sues pretensões. Assim o chafe da igreja veio a ser quase universalmente reconhecido como o vigário de Deus na Terra, dotado de autoridade sobre a igreja e o Estado.
     Suprimido o revelador do erro, agiu Satanás, a seu bel-prazer. A profecia declarara qua o papado havia de cuidar "em mudar os tempos e a lei". Daniel 7:25. Pare cumprir esta obra não foi vagaroso. A fim de proporcionar aos conversos do paganismo uma-substituiçâo à adoração de ídolos, a promover assim sue aceitação nominal do cristianismo, foi gradualmente introduzida no culto cristão a adoração das imagens a relíquias. O decreto de um concílio geral (Ver Apêndice) estabeleceu, por fire, este sistema de idolatria. Pare completar a obra sacrílega, Rome pretendeu eliminar da lei de Deus, o segundo mandamento, que proíbe o culto das imagens, a dividir o décimo mandamento a fim de conservar o número deles.
     Este espírito de concessão ao paganismo abriu caminho pare desrespeito ainda maior da autoridade do Céu. Satanás, operando por meio de não consagrados dirigentes da igreja, intrometeu-se também com o quarto mandamento a tentou pôr de lado o amigo sábado, o die que Deus tinha abençoado a santificado (Gênesis 2:2 a 3), exaltando em seu lugar a festa observada pelos pagãos como "o venerável die do Sol." Esta mudança não foi a princípio tentada abertamente. Nos primeiros séculos o verdadeiro sábado foi guardado por todos os cristãos. Eram ester ciosos da honra de Deus, e, crendo que Sua lei é imutável, zelosamente preservavam a santidade de seus preceitos. Mas com grande argúcia, Satanás operava mediante sews agentes pare efetuar seu objetivo. Pare que a atenção do povo pudesse ser chamada pare o domingo, foi feito deste uma festividade em honra da ressurreiçào de Cristo. Atos religiosos eram nele realizados; era, porém, considerado como ,die de recreio, sendo o sábado ainda observado como die santificado.
     A fim de preparar o caminho pare a obra que intentava cumprir, Satanás induzira os judeus, antes do advento de Cristo, a sobrecarregarem o sábado com as mais rigorosas imposições, tornando sue observância um fardo. Agora, tirando vantagem da false luz sob a qual ele assim fizera com que fosse considerado, lançou o desdém sobre o sábado como instituição judaica. Enquanto os cristãos geralmente continuavam a observer o domingo como festividade prazenteira, ele os levou, a fim de mostrarem seu ódio ao judaísmo, a fazer do sábado die de jejum, de tristeza a pesar.
     Na primeira parte do século quarto, o imperador Constantino promulgou um decreto fazendo do domingo uma festividade pública em todo o Império Romano (Ver Apêndice). O die do Sol era venerado por seus súditos pagãos a honrado pelos cristãos; era política do imperador unir os interesses em con
     flito do paganismo e cristianismo. Com ele se empenharam para fazer isto os bispos da igreja, os quais, inspirados pela ambição e sede do poder, perceberam que, se o mesmo dia fosse observado tanto por cristãos como pagãos, promoveria a aceitação nominal do cristianismo pelos pagãos, e assim adiantaria o poderio e glória da igreja. Mas, conquanto muitos cristãos tementes a Deus fossem gradualmente levados a considerar o domingo como possuindo certo grau de santidade, ainda mantinham o verdadeiro sábado como o dia santo do Senhor, e observavam-no em obediência ao quarto mandamento.
     O arquienganador não havia terminado a sua obra. Estava decidido a congregar o mundo cristão sob sua bandeira, e exercer o poder por intermédio de seu vigário, o orgulhoso pontífice que pretendia ser o representante de Cristo. Por meio de pagãos semiconversos, ambiciosos prelados e eclesiásticos amantes do mundo, realizou ele seu propósito. Celebravam-se de tempos em tempos vastos concílios aos quais do mundo todo concorriam os dignitários da igreja. Em quase todos os concílios o sábado que Deus havia instituído era rebaixado um pouco roais, enquanto o domingo era em idêntica proporção exaltado. Destarte a festividade pagã veio finalmente a ser honrada corno instituição divina, ao mesmo tempo em que se declarava ser o sábado bíblico relíquia do judaísmo, amaldiçoando-se seus observadores.
     O grande apóstata conseguira exaltar-se "contra tudo o que se chama Deus, ou se adora." 2 Tessalonicenses 2:4. Ousara mudar o único preceito da lei divina que inequivocamente indica a toda a humanidade o Deus verdadeiro e vivo. No quarto mandamento Deus é revelado como o Criador do céu e da Terra, e por isso Se distingue de todos os falsos deuses. Foi para memória da obra da criação que o sétimo dia foi santificado como dia de repouso para o homem. Destinava-se a conservar o Deus vivo sempre diante da mente humana como a fonte de todo ser e objeto de reverência e culto. Satanás esforça-se por desviar os homens de sua aliança para com Deus e de prestarem obediência à Sua lei; dirige seus esforços, portanto, especialmente contra o mandamento que aponta a Deus como o Criador.
     Os protestantes hoje insistem em que a ressurreição de Cristo no domingo fê-lo o sábado cristão. Não existe, porém, evidência escriturística para isto. Nenhuma honra semelhante foi conferida ao dia por Cristo ou Seus apóstolos. A observância do domingo como instituição cristã teve origem no "mistério da injustiça" (2 Tessalonicenses 2:7) que, já no tempo de S. Paulo, começara a sua obra. Onde e quando adotou o Senhor este filho do papado? Que razão poderosa se poderá dar para uma mudança que as Escrituras não sancionam?
     No século sexto tornou-se o papado firmemente estabelecido. Fixou-se a sede de seu poderio na cidade imperial e declarou-se ser o bispo de Roma a cabeça de toda a igreja. (Ver Apêndice.) O paganismo cedera lugar ao papado. O dragão dera à besta "o seu poder, e o seu trono, e grande poderio." Apocalipse 13:2. E começaram então os 1260 anos da opressão papal preditos nas profecias de Daniel e Apocalipse. (Daniel 7:25; Apocalipse 13:5-7.) Os cristãos foram obrigados a optar entre renunciar sua integridade e aceitar as cerimônias e culto papais, ou passar a vida nas masmorras, sofrer a morte pelo instrumento de tortura, pela fogueira, ou pela machadinha do verdugo. Cumpriam-se as palavras de Jesus: "F, até pelos pais, e irmãos, e parentes, e amigos sereis entregues, e matarão alguns de vós. F, de todos sereis odiados por causa de Meu nome." S. Lucas 21:16 e 17.
     Desencadeou-se a perseguição sobre os fiéis com maior fúria do que nunca, e o mundo se tornou um vasto campo de batalha. Durante séculos a igreja de Cristo encontrou refúgio no isolamento e obscuridade. Assim diz o profeta: "A mulher fugiu para o deserto, onde já tinha lugar preparado por Deus, para que ali fosse alimentada durante anil e duzentos e sessenta dias." Apocalipse 12:6.
     O acesso da Igreja de Roma ao poder assinalou o início da escura Idade Média. Aumentando o seu poderio, mais se adensavam as trevas. De Cristo, o verdadeiro fundamento, transferiu-se a fé para o papa de Roma. Em vez de confiar no Filho de Deus para o perdão dos pecados e para a salvação eterna, o povo olhava para o papa e para os sacerdotes e prelados a quero delegava autoridade. Ensinava-se-lhe ser o papa seu mediador terrestre, e que ninguém poderia aproximar-se de Deus senão por seu intermédio; e mais ainda, que ele ficava para eles em lugar de Deus e deveria, portanto, ser implicitamente obedecido. Esquivar-se de suas disposições era motivo suficiente para se infligir a mais severa punição ao corpo e alma dos delinqüentes. Assim, a mente do povo desviava-se de Deus para homens falíveis e cruéis, e mais ainda, para o próprio príncipe das trevas que por meio deles exercia o seu poder. O pecado se disfarçava sob o manto de santidade. Quando as Escrituras são suprimidas e o homem vem a considerar-se supremo, só podemos esperar fraudes, engano e aviltante iniqüidade. Com a elevação das leis e tradições humanas, tornou-se manifesta a corrupção que sempre resulta de se pôr de lado a lei de Deus.
     Dias de perigo foram aqueles para a igreja de Cristo. Os fiéis porta-estandartes eram na verdade poucos. Posto que a verdade não fosse deixada sem testemunhas, parecia, por vezes, que o erro e a superstição prevaleceriam completamente, e a verdadeira religião seria banida da Terra. Perdeu-se de vista o evangelho, mas multiplicaram-se as formas de religião, e o povo foi sobrecarregado de severas exigências.
     Ensinava-se-lhes não somente a considerar o papa como seu mediador, ruas a confiar em suas próprias obras para expiação do pecado. Longas peregrinações, atos de penitência, adoração de relíquias, ereção de igrejas, relicários e altares, bem como pagamento de grandes sornas à igreja, tudo isto e muitos atos semelhantes eram ordenados para aplacar a ira de Deus ou assegurar o Seu favor, corno se .Deus fosse idêntico aos homens, encolerizando-Se por ninharias, ou apaziguando-Se com donativos ou atos de penitência!
     Apesar de que prevalecesse o vício, mesmo entre os chefes da Igreja de Roma, sua influência parecia aumentar constantemente. Mais ou menos ao findar o oitavo século, os romanistas começaram a sustentar que nas primeiras épocas da igreja os bispos de Roma tinham possuído o mesmo poder espiritual que assumiam agora. Para confirmar essa pretensão, era preciso empregar alguns meios com o fito de lhe dar aparência de autoridade; e isto foi prontamente sugerido pelo pai da mentira. Antigos escritos foram forjados pelos monges. Decretos de concílios de que antes nada se. ouvira foram descobertos, estabelecendo a supremacia universal do papa desde os primeiros tempos. E a igreja que rejeitara a verdade, avidamente aceitou estes enganos (Ver Apêndice).
     Os poucos fiéis que construíram sobre o verdadeiro fundamento (1 Coríntios 3:10 e 11), ficaram perplexos e entravados quando o entulho das falsas doutrinas obstruiu a obra. Como os edificadores sobre o muro de Jerusalém no tempo de Neemias, alguns se prontificaram a dizer: "Já desfaleceram as forças dos acarretadores, e o pó é muito e nós não podemos edificar o muro." Neemias 4:10. Cansados da constante luta contra a perseguição, fraude, iniqüidade e todos os outros obstáculos que Satanás pudera engendrar para deter-lhes o progresso, alguns que haviam sido fiéis edificadores, desanimaram; e por amor da paz e segurança de sua propriedade e vida, desviaramse do verdadeiro fundamento. Outros, sem se intimidarem com a oposição de seus inimigos, intrepidamente declaravam: "Não os temais: lembrai-vos do Senhor grande e terrível" (Neemias 4:14); e prosseguiam com a obra, cada qual core a espada cingida ao lado (Efésios 1:17).
     O mesmo espírito de ódio e oposição à verdade tem inspirado os inimigos de Deus em todos os tempos, e a mesma vigilância e fidelidade têm sido exigidas de Seus servos. As palavras de Cristo aos primeiros discípulos aplicam-se aos Seus seguidores até ao final do. tempo: "E as coisas que vos digo, digo-as a todos: Vigiai." S. Marcos 13:37.
     As trevas pareciam tornar-se mais densas. Generalizou-se a adoração das imagens. Acendiam-se velas perante imagens e orações se lhes dirigiam. Prevaleciam os costumes mais absurdos e supersticiosos. O espírito dos homens era a tal ponto dirigido pela superstição que a razão mesma parecia haver perdido o domínio. Enquanto os próprios sacerdotes e bispos eram amantes do prazer; sensuais e corruptos, só se poderia esperar que o povo que os tinha como guias se submergisse na ignorância e vício.
     Outro passo ainda deu a presunção papal quando, no sécul XI, o papa Gregório VII proclamou a perfeição da Igreja d Roma. Entre as proposições por ele apresentadas uma havi declarando que a igreja nunca tinha errado, nem jamais erre ria, segundo as Escrituras. Mas as provas escriturísticas nã acompanhavam a asserção. O altivo pontífice também preter dia o poder de depor imperadores; e declarou que sentenç alguma que pronunciasse poderia ser revogada por quero que que fosse, mas era prerrogativa sua revogar as decisões de todo os outros. (Ver Apêndice.)
     Uma flagrante ilustração do caráter tirânico do papa Gregório VII se nos apresenta no modo por que tratou o impe rador alemão Henrique IV. Por haver intentado desprezar
     autoridade do papa, declarou-o este excomungado e destronado. Aterrorizado pela deserção e ameaças de seus próprios príncipes, que por mandado do papa eram acoroçoados na rebeliãc contra ele, Henrique pressentiu a necessidade de fazer as pazes com Roma. Em companhia da esposa e de um servo fiel, atravessou os Alpes em pleno inverno, a fim de humilhar-se perante o papa. Chegando ao castelo para onde Gregório se retirara, foi conduzido, sem seus guardas, a um pátio externo, e ali, no rigoroso frio do inverno, com a cabeça descoberta, descalço e miseravelmente vestido, esperou a permissão do papa a fim de ir à sua presença. O pontífice não se dignou de conceder-lhe perdão senão depois de haver ele permanecido três dias jejuando e fazendo confissão. Isso mesmo, apenas coro a condição de que o imperador esperasse a sanção do papa antes de reassumir as insígnias ou exercer o poder da realeza. E Gregório, envaidecido com seu triunfo, jactava-se de que era seu dever abater o orgulho dos reis.
     Quão notável é o contraste entre o despótico orgulho deste altivo pontífice e a mansidão e a suavidade de Cristo, que representa a Si mesmo à porta do coração a rogar que seja ali admitido, a fim de poder entrar para levar perdão e paz, e que ensinou a Seus discípulos: "Qualquer que entre vós quiser ser o primeiro seja vosso servo." S. Mateus 20:27.
     Os séculos que se seguiram testemunharam aumento constante de erros nas doutrinas emanadas de Roma. Mesmo antes do estabelecimento do papado, os ensinos dos filósofos pagãos haviam recebido atenção e exercido influência na igreja. Muitos que se diziam conversos ainda se apegavam aos dogmas de sua filosofia pagã, e não somente continuaram no estudo desta, ruas encareciam-no a outros como meio de estenderem sua influência entre os pagãos. Erros graves foram assim introduzidos na fé cristã. Destaca-se entre outros o da crença na imortalidade natural do homem e sua consciência na morte. Esta doutrina lançou o fundamento sobre o qual Roma estabeleceu a invocação dos santos e a adoração da Virgem Maria. Disto também proveio a heresia do tormento eterno para os que morrem impenitentes, a qual logo de início se incorporara à fé papal.
     Achava-se então preparado o caminho para a introdução de ainda outra invenção do paganismo, a que Roma intitulou purgatório e empregou para amedrontar as multidões crédulas e supersticiosas. Com esta heresia afirma-se a existência de um lugar de tormento, no qual as almas dos que não mereceram condenação eterna devem sofrer castigo por seus pecados, e do qual, quando libertas da impureza, são admitidas no Céu. (Ver Apêndice.)
     Ainda uma outra invencionice era necessária para habilitar Roma a aproveitar-se dos temores e vícios de seus adeptos. Esta foi suprida pela doutrina das indulgências. Completa remissão dos pecados, passados, presentes e futuros, e livramento de todas as dores e penas em que os pecados importara, eram prometidos a todos os que se alistassem nas guerras do pontífice para estender seu domínio temporal, castigar seus inimigos e exterminar os que ousassem negar-lhe a supremacia espiritual. Ensinava-se também ao povo que, pelo pagamento de dinheiro à igreja, poderia livrar-se do pecado e igualmente libertar as almas de seus amigos falecidos que estivessem condenados às chamas atormentadoras. Por esses meios Roma abarrotou os cofres e sustentou a magnificência, o luxo e os vícios dos pretensos representantes dAquele que não tinha onde reclinar a cabeça. (Ver Apêndice.)
     A ordenança escriturística da ceia do. Senhor fora suplantada pelo idolático sacrifício da missa. Sacerdotes papais pretendiam, mediante esse disfarce destituído de sentido, converter o simples pão e vinho no verdadeiro "corpo e sangue de Cristo." - Conferências Sobre a "Presença Real," do Cardeal Wiseman. Com blasfema presunção pretendiam abertamente o poder de criarem Deus, o Criador de todas as coisas. Aos cristãos exigia-se, sob pena de morte, confessar sua fé nesta heresia horrível, que insulta ao Céu. Multidões que a isto se recusaram foram entregues às chamas. (Ver Apêndice.)
     No século XIII foi estabelecido o mais terrível de todos os estratagemas do papado a inquisição. O príncipe das trevas trabalhava com os dirigentes da hierarquia papal. Em seus concílios secretos, Satanás e seus anjos dirigiam a mente de homens maus, enquanto, invisível entre eles, estava urre anjo de Deus, fazendo o tremendo relatório de seus iníquos decretos e escrevendo a história de ações por demais horrorosas para serem desvendadas ao humano olhar. "A grande Babilônia" estava "embriagada do sangue dos santos." Os corpos mutilados de milhões de mártires pediam vingança a Deus contra o poder apóstata.
     O papado se tornou o déspota do mundo. Reis e imperadores curvavam-se aos decretos do pontífice romano. O destino dos homens, tanto temporal como eterno, parecia estar sob seu domínio. Durante séculos as doutrinas de Roma tinham sido extensa e implicitamente recebidas, seus ritos reverentemente praticados, suas festas geralmente observadas. Seu clero era honrado e liberalmente mantido. Nunca a Igreja de Roma atingiu maior dignidade, magnificência ou poder.
     Mas "o meio-dia do papado foi a meia-noite do mundo." História do Protestantino, de Wylie. As Sagradas Escrituras eram quase desconhecidas, não somente pelo povo mas pelos sacerdotes. Como os fariseus de outrora, os dirigentes papais odia-vam a luz que revelaria os seus pecados. Removida a lei de Deus - a norma de justiça - exerciam eles poder sem limites e praticavam os vícios sem restrições. Prevaleciam a fraude, a avareza, a libertinagem. Os homens não recuavam de crime algum pelo qual pudessem adquirir riqueza ou posição. Os palácios dos papas e prelados eram cenários da mais vil devassidão: Alguns dos pontífices reinantes eram acusados de crimes tão revoltantes que os governadores seculares se esforçavam 'por depor esses dignitários da igreja como monstros demasiado vis para serem tolerados. Durante séculos a Europa não fez progresso no saber, nas artes ou na civilização. Unha paralisia moral e intelectual caíra sobre a cristandade.
     A condição do mundo sob o poder romano apresentava o cumprimento terrível e surpreendente das palavras do profeta Oséias: "O Meu povo foi destruído, porque lhe faltou o conhecimento: porque tu rejeitaste o conhecimento, também Eu te rejeitarei, . . . visto que te esqueceste da lei do teu Deus, também Eu Me esquecerei de teus filhos". Oséias 4:6. "Não há verdade, nem benignidade, nem conhecimento de Deus na Terra. Só prevalecera o perjurar, e o mentir, e o matar, e o furtar, e o adulterar, e há homicídios sobre homicídios". Oséias 4:1 e 2. Foram estes os resultados do banimento da Palavra de Deus.


 
CAPÍTULO 4

Um Povo que Difunde Luz

     Por entre as trevas que baixaram à Terra durante o longo período da supremacia papal, a luz da verdade não poderia ficar inteiramente extinta. Em cada época houve testemunhas de Deus — homens que acalentavam fé em Cristo como único mediador entre Deus e o homem, que mantinham a Escritura Sagrada como a única regra de vida, e santificavam o verdadeiro sábado. Quanto o mundo deve a estes homens, a posteridade jamais saberá. Foram estigmatizados como hereges, impugnados os seus motivos, criticado o seu caráter, e suprimidos, difamados ou mutilados os seus escritos. No entanto, permaneceram firmes, e de século em século mantiveram a fé em sua pureza como sagrado legado às gerações vindouras.
     A história do povo de Deus durante os séculos de trevas que se seguiram à supremacia de Roma, está escrita no Céu, mas pouco espaço ocupa nos registros humanos. Poucos traços de sua existência se podem encontrar, a não ser nas acusações de seus perseguidores. Foi tática de Roma obliterar todo vestígio de dissidência de suas doutrinas ou decretos. Tudo que fosse herético, quer pessoas quer escritos, procurava ela destruir. Expressões de dúvida ou questões quanto à autoridade dos dogmas papais eram suficientes para tirar a vida do rico ou pobre, elevado ou humilde. Roma se esforçava também por destruir todo registro de sua crueldade para com os que dissentiam dela. Os concílios papais decretavam que livros ou escritos contendo relatos desta natureza deviam ser lançados às chamas. Antes da invenção da imprensa, os livros eram pouco numerosos, e de forma desfavorável à preservação; portanto, pouco havia a impedir que os romanistas levassem a efeito o seu desígnio.
     Nenhuma igreja dentro dos limites da jurisdição romana ficou muito tempo sem ser perturbada no gozo da liberdade de consciência. Mal o papado obtivera poder, estendeu os braços para esmagar a todos os que se recusassem a reconhecer-lhe o domínio; e, uma após outra, submeteram-se as igrejas ao seu governo.
     Na Grã-Bretanha o primitivo cristianismo muito cedo deitou raízes. O evangelho, recebido pelos bretões nos primeiros séculos, não se achava então corrompido pela apostasia romana. A perseguição dos imperadores pagãos, que se estendeu mesmo até àquelas praias distantes, foi a única dádiva que a primeira igreja da Bretanha recebeu de Roma. Muitos dos cristãos, fugindo da perseguição na Inglaterra, encontraram refúgio na Escócia; daí a verdade foi levada à Irlanda, sendo em todos estes países recebida com alegria.
     Quando os saxões invadiram. a Bretanha, o paganismo conseguiu predomínio. Os conquistadores desdenharam ser instruídos por seus escravos, e os cristãos foram obrigados a retirarse para as montanhas e agrestes pauis. Não obstante, a luz por algum tempo oculta continuou a arder. Na Escócia, um século mais tarde, brilhou ela com um fulgor que se estendeu a mui longínquas terras. Da Irlanda vieram o piedoso Columba e seus colaboradores, os quais, reunindo em torno de si os crentes díspersos da solitária ilha de lona, fizeram desta o centro de seus trabalhos missionários. Entre estes evangelistas encontrava-se um observador do sábado bíblico, e assim esta verdade foi introduzida entre o povo. Estabeleceuh-se uma escola em lona, da qual saíram missionários, não somente para a Escócia e Inglaterra, mas para a Alemanha, Suíça e mesmo para a Itália.
     Roma, porém, fixara os olhos na Bretanha e resolvera pô-la sob sua supremacia. No sexto século seus missionários empreenderam a conversão dos pagãos saxões. Foram recebidos com favor pelos orgulhosos bárbaros, e induziram muitos milhares a professar a fé romana. O trabalho progredia e os dirigentes papais e seus conversos encontraram os cristãos primitivos. Eloquente contraste se apresentou. Os últimos eram simples, humildes e de caráter, doutrina e maneiras segundo as Escrituras, ao passo que os primeiros manifestavam a superstição, a pompa e a arrogância do papado. O emissário de Roma exigiu que estas igrejas cristãs reconhecessem a-supremacia do soberano pontífice. Os bretões mansamente replicaram que desejavam amar a todos os homens, mas que o papa não tinha direito à supremacia na igreja, e que eles poderiam prestar-lhe somente a submissão devida a todo seguidor de Cristo. Repetidas tentativas foram feitas para se conseguir sua adesão a Roma; mas esses humildes cristãos, espantados com o orgulho ostentado por seus emissários, firmemente replicavam que não conheciam outro mestre senão a Cristo. Revelou-se, então, o verdadeiro espírito do papado. Disse o chefe romano: "Se não receberdes irmãos que vos trazem paz, recebereis inimigos que vos trarão guerra. Se vos não unirdes conosco para mostrar aos saxões o caminho da vida, recebereis deles o golpe de morte." - His tória da Reforma do Décimo-sexto Século, D'Aubigné. Não era isto simples ameaça. Guerra, intriga e engano foram empregados contra as testemunhas de uma fé bíblica, até que as igrejas da Bretanha foram destruídas ou obrigadas a submeter-se à autoridade do papa.
     Em terras que ficavam além da jurisdição de Roma, existiram por muitos séculos corporações de cristãos que permaneceram quase inteiramente livres da corrupção papal. Estavam rodeados de pagãos e, no transcorrer dos séculos, foram afetados por seus erros; mas continuaram a considerar a Escritura Sagrada como a única regra de fé, aceitando muitas de suas verdades. Estes cristãos acreditavam na perpetuidade da lei de Deus e observavam o sábado do quarto mandamento. Igrejas que se mantinham nesta fé e prática, existiram na África Central e entre os armênios, na Ásia.
     Mas dentre os que resistiram ao cerco cada vez mais apertado do poder papal, os valdenses ocuparam posição preeminente. A falsidade e corrupção papal encontraram a roais decidida resistência na própria terra em que o papa fixara a sede. Durante séculos as igrejas do Piemonte mantiveram-se independentes; ruas afinal chegou o tempo em que Roma insistiu em submetê-las. Depois de lutas inúteis contra a tirania, os dirigentes destas igrejas reconheceram relutantemente a supremacia do poder a que o mundo todo parecia render homenagem. Alguns houve, entretanto, que se recusaram a ceder à autoridade do papa ou do prelado. Estavam decididos a manter sua fidelidade a Deus, e preservar a pureza e simplicidade de fé. Houve separação. Os que se apegaram à antiga fé, retiraram-se; alguns, abandonando os Alpes nativos, alçaram a bandeira da verdade em terras estrangeiras; outros se retraíram para os vales afastados e fortalezas das montanhas, e ali preservaram a liberdade de culto a Deus.
     A fé que durante muitos séculos fora mantida e ensinada pelos cristãos valdenses, estava em assinalado contraste com as falsas doutrinas que Roma apresentava. Sua crença religiosa baseavase na Palavra escrita de Deus o verdadeiro documento religioso do cristianismo. Mas aqueles humildes camponeses, em seu obscuro retiro, excluídos do mundo e presos à labuta diária entre seus rebanhos e vinhedos, não haviam por si sós chegado à verdade em oposição aos dogmas e heresias da igreja apóstata. A fé que professavam não era nova. Sua crença religiosa era a herança de seus pais. Lutavam pela fé da igreja apostólica - a "fé que uma vez foi dada aos santos." S. Judas 3. "A igreja no deserto" e não a orgulhosa hierarquia entronizada na grande capital do mundo, era a verdadeira igreja de Cristo, a depositária dos tesouros da verdade que Deus confiara a Seu povo para ser dada ao mundo.
     Entre as principais causas que levaram. a igreja verdadeira a separar-se da de Roma, estava o ódio desta ao sábado bíblico. Conforme fora predito pela profecia, o poder papal lançou a verdade por terra. A lei de Deus foi conculcada no pó, enquanto se exaltavam as tradições e costumes dos homens. As igrejas que estavam sob o' governo do papado, foram logo compelidas a honrar o domingo como dia santo. No meio do erro e superstição que prevaleciam, muitos, mesmo dentre o verdadeiro povo de Deus, ficaram tão desorientados que ao mesmo tempo erre que observavam o sábado, abstinham-se ' do trabalho também no domingo. Isto, porém, não satisfazia aos chefes papais. Exigiam não somente que fosse santificado o domingo, mas que o sábado fosse profanado; e com a mais violenta linguagem denunciavam os que ousavam honrá-lo. Era unicamente fugindo ao poder de Roma que alguém poderia em paz obedecer à lei de Deus.
     Os valdenses foram os primeiros dentre os povos da Europa a obter a tradução das Sagradas Escrituras. (Ver Apêndice.) Centenas de anos antes da Reforma, possuíam a Bíblia em manuscrito, na língua materna. Tinham a verdade incontaminada, e isto os tornava objeto especial do ódio e perseguição. Declaravam ser a Igreja de Roma a Babilônia apóstata do Apocalipse, e com perigo de vida erguiam-se para resistir a suas corrupções. Opressos pela prolongada perseguição, alguns comprometeram sua fé, cedendo pouco a pouco em seus princípios distintivos, enquanto outros sustentavam firme a verdade. Durante séculos de trevas e apostasia, houve alguns dentre os valdenses que negavam a supremacia de Roma, rejeitavam o culto às imagens como idolatria e guardavam o verdadeiro sábado. Sob as mais atrozes tempestades da oposição conservaram a fé. Acossados embora pela espada dos saboianos e queimados pela fogueira romana, mantiveram-se sem hesitação ao lado da Palavra de Deus e de Sua honra.
     Por trás dos elevados baluartes das montanhas - em todos os tempos refúgio dos perseguidos e oprimidos - os valdenses encontraram esconderijo. Ali, conservou-se a luz da verdade a arder por entre as trevas da Idade Média. Ali, durante mil anos, testemunhas da verdade mantiveram a antiga fé.
     Deus providenciara para Seu povo um santuário de majestosa grandeza, de acordo com as extraordinárias verdades confiadas à sua guarda. Para os fiéis exilados, eram as montanhas um emblema da imutável justiça de Jeová. Apontavam eles a seus filhos as alturas sobranceiras, em sua imutável majestade, e falavam-lhes dAquele em quem não há mudança nem sombra de variação, cuja Palavra é tão perdurável como os montes eternos. Deus estabelecera firmemente as montanhas e as cingira de fortaleza; braço algum, a não ser o do Poder infinito, poderia movê-las do lugar. De igual maneira estabelecera Ele a Sua lei - fundamento de Seu governo no Céu e na Terra. O braço do homem poderia atingir a seus semelhantes e destruir-lhes a vida; mas esse braço seria tão impotente para desarraigar as montanhas de seu fundamento e precipitá-las no mar, como para mudar um preceito da lei de Jeová ou anular qualquer de Suas promessas aos que Lhe fazem a vontade. Na fidelidade para com 'a Sua lei, os servos de Deus deviam ser tão firmes como os outeiros imutáveis.
     As montanhas que cingiam os fundos vales eram testemunhas constantes do poder criador de Deus e afirmação sempre infalível de Seu cuidado protetor. Esses peregrinos aprenderam a amar os símbolos silenciosos da presença de Jeová. Não condescendiam com murmurações por causa das agruras da sorte; nunca se sentiam abandonados na solidão das montanhas. Agradeciam a Deus por haver-lhes provido refugio da ira e crueldade dos homens. Regozijavam-se diante dele na liberdade de prestar culto. Muitas vezes, quando perseguidos pelos inimigos, a fortaleza das montanhas se provara ser defesa segura. De muitos rochedos elevados entoavam eles louvores a Deus e os exércitos de Roma não podiam fazer silenciar seus cânticos de ações de graças.
     Pura, singela e fervorosa era a piedade desses seguidores de Cristo. Os princípios da verdade, avaliavam-nos eles acima de casas e terras, amigos, parentes e mesmo da própria vida. Semelhantes princípios ardorosamente procuravam eles gravar no coração dos jovens. Desde a mais tenra infância os jovens eram instruídos nas Escrituras, e ensinava-se-lhes a considerar santos os requisitos da lei de Deus. Sendo raros os exemplares das Escrituras Sagradas, eram suas preciosas palavras confiadas à memória. Muitos eram capazes de repetir longas porções tanto do Velho como do Novo Testamento. Os pensamentos de Deus associavam-se ao sublime cenário da Natureza e às humildes bênçãos da vida diária. Criancinhas aprendiam a olhar com gratidão a Deus como o Doador de toda mercê e conforto.
     Os pais, ternos e afetuosos como eram, tão sabiamente amavam os filhos que não permitiam que se habituassem à condescendência própria. Esboçava-se diante deles uma vida de provações e agruras, talvez a morte de mártir. Eram ensinados desde a infância a suportar rudezas, a sujeitar-se ao domínio, e contudo a pensar e agir por si mesmos. Muito cedo eram ensinados a arrostar responsabilidades, a serem precavidos no falar e a compreenderem a sabedoria do silêncio. Uma palavra indiscreta que deixassem cair no ouvido dos inimigos, poderia pôr em perigo não somente a vida do que falava, roas a de centenas de seus irmãos; pois, semelhantes a lobos à caça da presa, os inimigos da verdade perseguiam os que ousavam reclamar liberdade para a fé religiosa.
     Os valdenses haviam sacrificado a prosperidade temporal por amor à verdade, e com paciência perseverante labutavam para ganhar o pão. Cada recanto de terra cultivável entre as montanhas era cuidadosamente aproveitado; fazia-se com que os vales e as encostas menos férteis das colinas também produzissem. A economia e a severa renúncia de si próprio formavam parte da educação que os filhos recebiam como seu único legado. Ensinava-se-lhes que Deus determinara fosse a vida uma disciplina e que suas necessidades poderiam ser supridas apenas mediante o trabalho pessoal, previdência, cuidado e fé. O processo era laborioso e fatigante, mas salutar, precisamente o de que o homem necessita em seu estado decaído - escola que Deus proveu para o seu ensino e desenvolvimento. Enquanto os jovens se habituavam ao trabalho e asperezas, a cultura do intelecto não era negligenciada. Ensinava-se-lhes que todas as suas capacidades pertenciam a Deus, e que deveriam todas ser aperfeiçoadas e desenvolvidas para o Seu serviço.
     As igrejas valdenses, em sua pureza e simplicidade, assemelhavam-se à igreja dos tempos apostólicos. Rejeitando a supremacia do papa e prelados, mantinham a Escritura Sagrada corno a única autoridade suprema, infalível. Seus pastores, diferentes dos altivos sacerdotes de Roma, seguiam o exemplo de seu Mestre que "veio não para ser servido, mas para servir." Alimentavam o rebanho de Deus, guiando-o às verdes pastagens e fontes vivas de Sua santa Palavra. Longe dos monumentos da pompa e orgulho humano, o povo congregava-se, não em igrejas suntuosas ou grandes catedrais, mas à sombra das montanhas nos vales alpinos, ou, em tempo de perigo, em alguma fortaleza rochosa, a fim de escutar as palavras da verdade proferidas pelos servos de Cristo. Os pastores não somente pregavam o evangelho, ruas visitavam os doentes, doutrinavam as crianças, admoestavam aos que erravam e trabalhavam para resolver as questões e promover harmonia e amor fraternal. Em tempos de paz eram sustentados por ofertas voluntárias do povo; ruas, como S. Paulo, o fabricante de tendas, cada qual aprendia um ofício ou profissão, mediante a qual, sendo necessário, proveria o sustento próprio.
     De seus pastores recebiam os jovens instrução. Conquanto se desse atenção aos ramos dos conhecimentos gerais, fazia-se da Escritura Sagrada o estudo principal. Os evangelhos de S. Mateus e S. João eram confiados à memória, juntamente com muitas das epístolas. Também se ocupavam em copiar as Escrituras. Alguns manuscritos continham a Bíblia toda, outros apenas breves excertos, a que algumas simples explicações do texto eram acrescentadas por aqueles que eram capazes de comentar as Escrituras. Assine se apresentavam os tesouros da verdade durante tanto tempo ocultos pelos que procuravam exaltar-se acima de Deus.
     Mediante pacientes e incansáveis labores, por vezes nas profundas e escuras cavernas da Terra, à luz de archotes, eram copiadas as Escrituras Sagradas, versículo por versículo, capítulo por capítulo. Assim a obra prosseguia, resplandecendo, qual ouro puro, a vontade revelada de Deus; e quanto mais brilhante, clara e poderosa era por causa das provações que passavam por seu amor, apenas o poderiam compreender os que se achavam empenhados em obra semelhante. Anjos celestiais circundavam os fiéis obreiros.
     Satanás incitara sacerdotes e prelados a enterrarem a Palavra da verdade sob a escória do erro, heresia e superstição; mas de modo maravilhosíssimo foi ela conservada incontaminada através de todos os séculos de trevas. Não trazia o cunho do homem, mas a impressão divina. Os homens se têm demonstrado incansáveis em seus esforços para obscurecer o claro e simples sentido das Escrituras, e fazê-las contradizerem seu proprio testemunho; porém, semelhante à arca sobre as profundas águas encapeladas, a Palavra de Deus leva de vencida as borrascas que a ameaçam de destruição. Assim como tem a mina ricos veios de ouro e prata ocultos por sob a superfície, de maneira que todos os que desejem descobrir os preciosos depósitos devem cavar, assim as Sagradas Escrituras têm tesouros de verdade que são revelados unicamente ao ardoroso, humilde e devoto pesquisador. Deus destinara a Bíblia a ser um compêndio para toda a humanidade, na infância, juventude e idade madura, devendo ser estudada através de todos os tempos. Deu Sua Palavra aos homens como revelação de Si mesmo. Cada nova verdade que se divisa é uma nova revelação do caráter de seu Autor. O estudo das Escrituras é o meio divinamente ordenado para levar o homem a mais íntima comunhão com seu Criador e dar-lhe mais claro conhecimento de Sua vontade. É o meio de comunicação entre Deus e o homem.
     Conquanto os valdenses considerassem o temor do Senhor como o princípio da sabedoria, não eram cegos no tocante à importância do contato com o mundo, do conhecimento dos homens e da vida ativa, para expandir o espírito e avivar as percepções. De suas escolas nas montanhas alguns dos jovens foram enviados a instituições de ensino nas cidades da França ou Itália, onde havia campo mais vasto para o estudo, pensamento e observação, do que nos Alpes nativos. Os jovens assim enviados estavam expostos à tentação, testemunhavam o vício, defrontavam-se com os astuciosos agentes de Satanás, que lhes queriam impor as mais sutis heresias e os mais perigosos enganos. Mas sua educação desde a meninice fora de molde a prepará-los para tudo isto.
     Nas escolas aonde iam, não deveriam fazer confidentes a quem quer que fosse. Suas vestes eram preparadas de maneira a ocultar seu máximo tesouro os preciosos manuscritos das Escrituras. A estes, fruto de meses e anos de labuta, levavam consigo e, sempre que o podiam lazer sem despertar suspeita, cautelosamente punham urna porção ao alcance daqueles -cujo coração parecia aberto para receber a verdade. Desde os joelhos da mãe a juventude valdense havia sido educada com este propósito em vista; comer-e.isiam o trabalho, e fielmente o executavam. Ganhavam-se conversos à verdadeira fé nessas Instituições de ensino, e freqüentemente se encontravam seus princípios a penetrar a escola toda; contudo os chefes papais não podiam pelo mais minucioso inquérito descobrir a fonte da chapada heresia corruptora.
     O espírito de Cristo é espírito missionário. O primeiro impulso do coração regenerado é levar outros ; também ao Salvador. Tal foi o espírito dos cristãos valdenses. Compreendiam que Deus exigia mais deles do que simplesmente preservar a verdade em pua pureza, nas suas próprias igrejas; e que sobre eles repousava a solene responsabilidade de deixarem sua luz aos que se achavam em trevas. Pelo forte poder da Palavra de Deus procuravam romper o cativeiro que Roma havia imposto.
     Os :ministros valdenses eram educados cismo missionários. exigindo-se primeiramente de cada um que tivesse a eypectativa de entrar para o ministério, aquisição de experiência como evangelista. Cada um deveria servir três anos m algum campo Missionário antes de assumir o encargo de uma igreja em seu país. Este serviço, exigindo logo de começo renúncia e sacrificio era introdução apropriada à vida pastoral naqueles tempos que punham à prova a alma. Os jovens que recebiam a ordenação para o sagrado mister, viam diante de si, não' a perspectiva de riquezas e glória terrestre, mas urna vida de trabalhos e perigo, e possivelmente o destino de mártir. Os missionários iam de dois em dois, como Jesus enviara Seus discípulos. Cada jovem tinha usualmente por companhia um homens de idade e experiência, achando-se aquele sob a orientação do companheiro, que ficava responsável por seu ensino, e a cuja instrução se esperava que seguisse. Estes coobreiros não estavam sempre juntos, mas muitas vezes se reuniam para orar e aconselhar-se, fortalecendo-se assim mutuamente na fé.
     Tornar conhecido o objetivo de sua missão seria assegurar a derrota; ocultavam, portanto, cautelosamente seu verdadeiro caráter. Cada ministro possuía conhecimento de algum ofício ou profissão e os missionários prosseguiam na obra sob a aparência de vocação secular. Usualmente escolhiam a de mercador ou vendedor ambulante. "Levavam sedas, jóias e outros artigos, que naquele tempo não se compravam facilmente, a não ser em mercados distantes; e eram bem recebidos como negociantes onde teriam sido repelidos como missionários". Wylie. Em todo o tempo seu coração se levantava a Deus rogando sabedoria a fim de apresentar um tesouro mais precioso do que o ouro ou jóias. Levavam secretamente consigo exemplares da Escritura Sagrada, no todo ou em parte; quando quer que se apresentasse oportunidade, chamavam a atenção dos fregueses para os manuscritos. Muitas vezes assim se despertara o interesse de ler a Palavra de Deus, e alguma porção era de bom grado deixada com os que a desejavam receber.
     A obra destes missionários começava nas planícies e vales ao pé de suas próprias montanhas, mas estendia-se muito além destes limites. Descalços e core vestes sie-elas e poentas da jornada como eram as de seu Mestre, passavam por grandes cidades e penetravam em longínquas terras. Por toda parte espalhavam a preciosa verdade. Surgiam igrejas em seu caminho e o sangue dos mártires testemunhava da verdade. O dia de Deus revelará rica messe de almas enceleiradas pelos labores destes homens fiéis. Velada e silenciosa, a Palavra de Deus rompia caminho através da cristandade e tinha alegre acolhida nos lares e corações.
     Para os valdenses não eram as Escrituras simplesmente o registro do trato de Deus para com os homens no passado e a revelação das responsabilidades e deveres do presente, mas o desvendar dos perigos e glórias do futuro. Acreditavam que o fim de todas as coisas não estava muito distante; e, estudando a Bíblia cora oração e lágrimas, reais profundamente se impressionavam com suas preciosas declarações e com o dever de tornar conhecidas a outros as suas verdades salvadoras. Viam o plano da salvação claramente revelado nas páginas sagradas e encontravam conforto, esperança e paz crendo em Jesus. Ao iluminar-lhes a luz o entendimento e ao alegrar-lhes ela o coração, anelavam derramar seus raios sobre os que se achavam nas trevas do erro papal.
     Viam que sob a direção do papa e sacerdotes, multidões debalde se esforçavam por obter perdão afligindo o corpo por causa do pecado da alma. Ensinados a confiar nas boas obras para se salvarem, estavam sempre a olhar para si mesmos, ocupando a mente com a sua condição pecaminosa, vendo-se expostos à ira de Deus, afligindo alma e corpo, não achando, contudo, alívio. Almas conscienciosas eram, destarte, enredadas pelas doutrinas de Roma. Milhares abandonavam amigos e parentes, passando a vida nas celas dos conventos. Por meio de freqüentes jejuns e cruéis açoitamentos, por vigílias à meia-noite, prostrando-se durante horas cansativas sobre as lajes frias .e úmidas de sua lúgubre habitação, por longas peregrinações, penitências humilhantes e terrível tortura, milhares procuravam baldadamente obter paz de consciência. Oprimidos por uma intuição de pecado e perseguidos pelo temor da ira vingadora de Deus, muitos continuavam a sofrer até que a natureza exausta se rendia e, sem um resquício de luz ou esperança, baixavam à sepultura.
     Os valdenses ansiavam por partir a estas almas famintas o pão da vida, revelar-lhes as mensagens de paz das promessas de Deus e apontar-lhes a Cristo como a única esperança de salvação. Tinham por falsa a doutrina de que as boas obras podem expiar a transgressão da lei de Deus. A confiança nos méritos humanos faz perder de vista o amor infinito de Cristo. Jesus morreu como sacrifício pelo homem porque a raça caída nada pode fazer para se recomendar a Deus. Os méritos de um Salvador crucificado e ressurgido são o fundamento da fé cristã. A dependência da alma para com Cristo é tão real, e sua união com Ele deve ser tão íntima como a do membro para com o corpo, ou da vara para com a videira.
     Os ensinos dos papas e sacerdotes haviam levado os homens a considerar o caráter de Deus, e mesmo o de Cristo, como severo, sombrio e repelente. Representava-se o Salvador tão destituído de simpatia para com o homem em seu estado decaído, que devia ser invocada a mediação de sacerdotes e santos. Aqueles cuja mente fora iluminada pela Palavra de Deus, anelavam guiar estas almas a Jesus, como seu compassivo e amante Salvador que permanece de braços estendidos a convidar todos a irem a Ele com seu fardo de pecados, seus cuidados e fadigas. Almejavam remover os obstáculos que Satanás havia acumulado para que os homens não pudessem ver as promessas, e ir diretamente a Deus, confessando os pecados e obtendo perdão e paz.
     Ardorosamente desvendava o missionário valdense as preciosas verdades do evangelho ao espírito inquiridor. Citava com precaução as porções cuidadosamente copiadas da Sagrada Escritura. Era a sua máxima alegria infundir esperança à alma conscienciosa, ferida pelo pecado, e que tão-somente podia ver um Deus de vingança, esperando para executar justiça. Com lábios trêmulos e olhos lacrimosos, muitas vezes com os joelhos curvados, expunha a seus irmãos as preciosas promessas que revelam a única esperança do pecador. Assim a luz da verdade penetrava muita alma obscurecida, fazendo recuar a nuvem lúgubre até que o Sol da justiça resplandecesse no coração, trazendo saúde em seus raios. Dava-se amiúde o caso de alguma porção das Escrituras ser lida várias vezes, desejando o ouvinte que fosse repetida, como se quisesse assegurar-se de que tinha ouvido bem. Em especial se desejava, de maneira ávida, a repetição destas palavras: "O sangue de Jesus Cristo, Seu Filho, nos purifica de todo o pecado." 1 S. João 1:7. "Corno Moisés levantou a serpente no deserto, assim importa que o Filho do homem seja levantado; para que todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna." S. João 3:14 e 15.
     Muitos não se iludiam em relação às pretensões de Roma. Viam quão vã é a mediação de homens ou anjos em favor do pecador. Raiando-lhes na mente a verdadeira luz, exclamavam com regozijo: "Cristo é meu Sacerdote; Seu sangue é meu sacrifício; Seu altar é meu confessionário." Confiavam-se inteiramente aos méritos de Jesus, repetindo as palavras: "Sem fé é impossível agradar-Lhe." Hebreus 11:6. "Nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos." Atos 4:12.
     A certeza do amor de um Salvador parecia, a algumas destas pobres almas agitadas pela tempestade, coisa por demais vasta para ser abrangida. Tão grande era o alívio que sentiam, tal a inundação de luz que lhes sobrevinha, que pareciam transportadas ao Céu. Punham confiantemente suas mãos na de Cristo; firmavam os pés sobre a Rocha dos séculos. Bania-se todo o temor da morte. Podiam agora ambicionar a prisão e a fogueira se desse modo honrassem o nome de seu Redentor.
     Em lugares ocultos era a Palavra de Deus apresentada e lida, algumas vezes a uma única alma, outras, a um pequeno grupo que anelava a luz e a verdade. Amiúde a noite toda era passada desta maneira. Tão grande era o assombro e admiração dos ouvintes que o mensageiro da misericórdia freqüentemente se via obrigado a cessar a leitura até que o entendimento pudesse apreender as boas-novas da salvação. Era comum proferirem-se palavras como estas: "Aceitará Deus em verdade a minha oferta? Olhar-me-á benignamente? Perdoar-me-á Ele?" Lia-se a resposta: "Vinde a Mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei." S. Mateus 11:28.
     A fé se apegava à promessa, ouvia-se a alegre resposta: "Nada mais de longas peregrinações; nada de penosas jornadas aos relicários sagrados. Posso ir a Jesus tal como estou, pecador e ímpio, e Ele não desprezará a oração de arrependimento. 'Perdoados te são os teus pecados.' Os meus pecados, efetivamente os meus, podem ser perdoados!"
     Enchia o coração uma onda de sagrada alegria, e o nome de Jesus era engrandecido em louvores e ações de graças. Estas almas felizes voltavam para casa a fim de difundir a luz, repetir a outros, tão bem quanto podiam, a nova experiência, de que acharam o Caminho verdadeiro e vivo. Havia um estranho e solene poder nas palavras das Escrituras, que falava diretamente ao coração dos que se achavam anelantes pela verdade. Era a voz de Deus e levava a convicção aos que ouviam.
     O mensageiro da verdade continuava o seu caminho; mas seu aspecto de humildade, sua sinceridade, ardor e profundo fervor, eram assuntos de observação freqüente. Em muitos casos os ouvintes não lhe perguntavam donde viera ou para onde ia. Ficavam tão dominados, a princípio pela surpresa e depois pela gratidão e alegria, que não pensavam em interrogá-lo. Quando insistiam com ele para os acompanhar a suas casas, respondia-lhes que devia visitar as ovelhas perdidas do rebanho. Não seria ele um anjo do Céu? indagavam.
     Em muitos casos não mais se via o mensageiro da verdade. Seguira para outros países, ou a vida se lhe consumia em algum calabouço desconhecido, ou talvez seus ossos estivessem alvejando no local em que testificara da verdade. Mas as palavras que deixara após si, não poderiam ser destruídas. Estavam a fazer sua obra no coração dos homens; os benditos resultados só no dia do juízo se revelarão plenamente.
     Os missionários valdenses estavam invadindo o reino de Satanás, e os poderes das trevas despertaram para maior vigilância. Todo esforço para avanço da verdade era observado pelo príncipe do mal, e ele excitava os temores de seus agentes. Os chefes papais viram grande perigo para a sua causa no trabalho destes humildes itinerantes. Se fosse permitido à luz da verdade resplandecer sem impedimento, varreria as pesadas nuvens de erro que envolviam o povo; haveria de dirigir o espírito dos homens a Deus unicamente, talvez destruindo, afinal, a supremacia de Roma.
     A própria existência deste povo, mantendo a fé da antiga igreja, era testemunho constante da apostasia de Roma, e portanto excitava o ódio e perseguição mais atrozes. Sua recusa de renunciar às Escrituras era também ofensa que Roma não podia tolerar. Decidiu-se ela a exterminá-los da Terra. Começaram então as mais terríveis cruzadas contra o povo de Deus em seus lares montesinos. Puseram-se inquisidores em suas pegadas, e a cena do inocente Abel tombando ante o assassino Caim repetia-se freqüentemente.
     Reiteradas vezes foram devastadas as suas férteis terras, destruídas as habitações e capelas, de maneira que onde houvera campos florescentes e lares de um povo simples e laborioso, restava apenas um deserto. Assim como o animal de rapina se torna mais feroz provando sangue, a ira dos sectários do papa acendia-se com maior intensidade com o sofrimento de suas vítimas. Muitas destas testemunhas da fé pura foram perseguidas através das montanhas e caçadas nos vales em que se achavam escondidas, encerradas por enormes florestas e píncaros rochosos.
     Nenhuma acusação se poderia fazer contra o caráter moral da classe proscrita. Mesmo seus inimigos declaravam serem eles um povo pacífico, sossegado e piedoso. Seu grande crime era não quererem adorar a Deus segundo a vontade do papa. Por tal crime, toda humilhação, insulta e tortura que homens ou diabos podiam inventar, amontoaram-se sobre eles.
     Determinando-se Roma a exterminar a odiada seita, uma bula foi promulgada pelo papa, condenando-os como hereges e entregando-os ao morticínio. (Ver Apêndice). Não eram acusados como ociosos, desonestos ou desordeiros; mas declaravase que tinham uma aparência de piedade e santidade que seduzia "as ovelhas do verdadeiro aprisco." Portanto ordenava o papa que "aquela maligna e abominável seita de perversos," caso se recusasse a abjurar, "fosse esmagada como serpentes venenosas." - Wylie. Esperava o altivo potentado ter de responder por estas palavras? Sabia que estavam registradas nos livros do Céu, para lhe serem apresentadas no juízo? "Quando o fizestes a um destes Meus pequeninos irmãos," disse Jesus, "a Mim o fizestes." S. Mateus 25:40.
     Essa bula convocava a todos os membros da igreja para se unirem à cruzada contra os hereges. Como incentivo para se empenharem na obra cruel, "absolvia de todas as penas e castigos eclesiásticos, gerais e particulares; desobrigava a todos os que se unissem à cruzada, de qualquer juramento que pudessem ter feito; legitimava-lhes o direito a qualquer propriedade que pudessem ter ilegalmente adquirido; e prometia remissão de todos os pecados aos que matassem algum herege. Anulava todos os contratos feitos em favor dos valdenses, ordenava que seus criados os abandonassem, proibia a toda pessoa dar-lhes qualquer auxílio que fosse e a todos permitia tomar posse de sua propriedade." - Wylie. Este documento revela claramente o espírito que o ditou. É o bramido do dragão, e não a voz de Cristo, que nele se ouve.
     Os dirigentes papais não queriam conformar seu caráter com a grande norma da lei de Deus, mas erigiram uma norma que lhes fosse conveniente, e decidiram obrigar todos a se conformarem com a mesma porque Roma assim o desejava. As mais horríveis tragédias foram encenadas. Sacerdotes e papas corruptos e blasfemos estavam a fazer a obra que Satanás lhes designava. A misericórdia não encontrava guarida em sua natureza. O mesmo espírito que crucificou Cristo e matou os apóstolos, o mesmo que impulsionou o sanguinário Nero contra os Fiéis de seu tempo, estava em operação a fim de exterminar da Terra os que eram amados de Deus.
     As perseguições desencadeadas durante muitos séculos sobre este povo temente a Deus, foram por ele suportadas com uma paciência e constância que honravam seu Redentor. Apesar das cruzadas contra eles e da desumana carnificina a que foram sujeitos, continuavam a mandar seus missionários a espalhar a preciosa verdade. Eram perseguidos até à morte; contudo, seu sangue regava a semente lançada, e esta não deixou de produzir fruto. Assim os valdenses testemunharam de Deus, séculos antes do nascimento de Lutero. Dispersos em muitos países, plantaram a semente da Reforma que se iniciou no tempo de Wiclef, cresceu larga e profundamente nos dias de Lutero, e deve ser levada avante até ao final do tempo por aqueles que também estão dispostos a sofrer todas as coisas pela "Palavra de Deus, e pelo testemunho de Jesus Cristo." Apocalipse 1:9.


 
CAPÍTULO 5

Arautos de uma Era Melhor

     Antes da Reforma, houve por vezes pouquíssimos exemplares da Escritura Sagrada; mas Deus não consentira que Sua Palavra fosse totalmente destruída. Suas verdades não deveriam estar ocultas para sempre. Tão facilmente poderia Ele desacorrentar as palavras da vida como abrir portas de prisões e desaferrolhar portais de ferro para pôr em liberdade a Seus servos. Nos vários países da Europa homens eram movidos pelo Espírito de Deus a buscar a verdade como a tesouros escondidos. Providencialmente guiados às Santas Escrituras, estudavam as páginas sagradas com interesse profundo. Estavam dispostos a aceitar a luz, a qualquer custo. Posto que não vissem todas as coisas claramente, puderam divisar muitas verdades havia muito sepultadas. Como mensageiros enviados pelo Céu, saíam, rompendo as cadeias do erro e superstição e chamando aos que haviam estado durante tanto tempo escravizados, a levantar-se e assegurar sua liberdade.
     Com exceção do que se passava entre os valdenses, a Palavra de Deus estivera durante séculos encerrada em línguas apenas conhecidas pelos eruditos; chegara, porém, o tempo para que as Escrituras fossem traduzidas e entregues ao povo dos vários países em sua língua materna. Passara para o mundo a meia-noite. As horas de trevas estavam a esvair-se, e em muitas terras apareciam indícios da aurora a despontar.
     No século XIV surgiu na Inglaterra um homem que devia ser considerado "a estrela da manhã da Reforma." João Wiclef foi o arauto da Reforma, não somente para a Inglaterra mas para toda a cristandade. O grande protesto contra Roma, que lhe foi dado proferir, jamais deveria silenciar. Aquele protesto abriu a luta de que deveria resultar a emancipação de indivíduos, igrejas e nações.
     Wiclef recebeu educação liberal, e para ele o temor do Senhor era o princípio da sabedoria. No colégio se distinguira pela fervorosa piedade bem como por seus notáveis talentos e perfeito preparo escolar. Em sua sede de saber procurava familiarizar-se com todo ramo de conhecimento. Foi educado na filosofia escolástica, nos cânones da igreja e na lei civil, especialmente a de seu próprio país. Em seus trabalhos subseqüentes evidenciou-se o valor destes primeiros estudos. Um conhecimento proficiente da filosofia especulativa de seu tempo, habilitou-o a expor os erros dela; e, mediante o estudo das leis civis e eclesiásticas, preparou-se para entrar na grande luta pela liberdade civil e religiosa. Não só sabia manejar as armas tiradas da Palavra de Deus, mas também havia adquirido a disciplina intelectual das escolas e compreendia a tática dos teólogos escolásticos. O poder de seu gênio e a extensão e proficiência de seus conhecimentos impunham o respeito de amigos bem como de inimigos. Seus adeptos viam com satisfação que seu herói ocupava lugar preeminente entre os espíritos dirigentes da nação; e seus inimigos eram impedidos de lançar o desprezo à causa da Reforma, exprobrando a ignorância ou fraqueza do que a mantinha.
     Quando ainda no colégio, Wiclef passou a estudar as Escrituras Sagradas. Naqueles primitivos tempos em que a Bíblia existia apenas nas línguas antigas, os eruditos estavam habilitados a encontrar o caminho para a fonte da verdade, o qual se achava fechado às classes incultas. Assim, já fora preparado o caminho para o trabalho futuro de Wiclef como Reformador. Homens de saber haviam estudado a Palavra de Deus e encontrado a grande verdade de Sua livre graça, ali revelada. Em seus ensinos tinham disseminado o conhecimento desta verdade e levado outros a volver aos Oráculos vivos.
     Quando a atenção de Wiclef se volveu às Escrituras, passou a investigá-las com a mesma proficiência que o havia habilitado a assenhorear-se da instrução das escolas. Até ali tinha ele sentido grande necessidade que nem seus estudos escolásticos nem o ensino da igreja puderam satisfazer. Na Palavra de Deus encontrou o que antes em vão procurara. Ali viu revelado o plano da salvação, e Cristo apresentado como único advogado do homem. Entregou-se ao serviço de Cristo e decidiuse a proclamar as verdades que havia descoberto.
     Semelhante aos reformadores posteriores, Wiclef não previu, ao iniciar a sua obra, até onde ela o levaria. Não se opôs deliberadamente a Roma. A dedicação à verdade, porém, não poderia senão levá-lo a conflito com a falsidade. Quanto mais claramente discernia os erros do papado, mais fervorosamente apresentava os ensinos da Escritura Sagrada. Via que Roma abandonara a Palavra de Deus pela tradição humana; destemidamente acusava o sacerdócio de haver banido as Escrituras, e exigia que a Bíblia fosse devolvida ao povo e de novo estabelecida sua autoridade na igreja. Wiclef era ensinador hábil e ardoroso, eloqüente pregador, e sua vida diária era urna demonstração das verdades que pregava. O conhecimento das Escrituras, a força de seu raciocínio, a pureza de sua vida e sua coragem e integridade inflexíveis conquistaram-lhe geral estima e confiança. Muitas pessoas se tinham tornado descontentes com sua fé anterior, ao verem a iniqüidade que prevalecia na Igreja de Roma, e saudaram com incontida alegria as verdades expostas por Wiclef; mas os dirigentes papais encheram-se de raiva quando perceberam que este reformador conquistava maior influência que a deles mesmos.
     Wiclef era perspicaz descobridor de erros e atacou destemidamente muitos dos abusos sancionados pela autoridade de Roma. Quando agia como capelão do rei, assumiu ousada atitude contra o pagamento do tributo que o papa pretendia do monarca inglês e mostrou que a pretensão papal de autoridade sobre os governantes seculares era contrária tanto à razão como à revelação. As exigências do papa tinham excitado grande indignação e os ensinos de Wiclef exerceram influência sobre o espírito dos dirigentes do país. O rei e os nobres uniram-se em negar as pretensões do pontífice à autoridade temporal. e na recusa do pagamento do tributo. Destarte, um golpe eficaz foi desferido contra a supremacia papal na Inglaterra.
     Outro mal contra que o reformador sustentou longa e resoluta batalha, foi a instituição das ordens dos frades mendicantes. Estes frades enxameavam na Inglaterra, lançando unia nódoa à grandeza e prosperidade da nação. A indústria, a educação, a moral, tudo sentia a influência debilitante. A. vida de ociosidade e mendicidade dos monges não só era grande escoadouro dos recursos do povo, mas lançava o desdém ao trabalho útil. A juventude se desmoralizava e corrompia. Pela influência dos frades muitos eram induzidos a entrar para o claustro e dedicar-se à vida monástica, e isto não só sem o consentimento dos pais, mas mesmo sem seu conhecimento e contra as suas ordens. Um dos primitivos padres da Igreja de Roma, insistindo sobre as exigências do monasticismo acima das obrigações do amor e dever filial, declarou: "Ainda que teu pai se encontrasse deitado diante de tua porta, chorando e lamentando, e a tua mãe te mostrasse o corpo que te carregou e os seios que te nutriram, tê-los-ás de pisar a pés e ir avante diretamente a Cristo." Por esta "monstruosa desumanidade," como mais tarde Lutero a denominou, "que cheira mais a lobo e a tirano do que a cristão ou homem," empedernia-se o coração dos filhos contra os pais. - Vida de Luro, de Barnas Sears. Assim, os dirigentes papais, como os fariseus de outrora, tornavam sem efeito o mandamento de Delas, com a sua tradição. Assira se desolavam lares, e pais ficavam privados da companhia dos filhos e filhas.
     Mesmo os estudantes das universidades eram enganados p elas falsas representações dos monges, e induzidos a unir-se ás suas ordens. Muitos mais tarde se arrependiam deste- passo. vendo que haviam prejudicado sua própria vida e causado tristeza aos pais; mas, uma vez presos na armadilha, era-lhes impossível obter-liberdade. Muitos pais, temendo a influência dos monges, recusavam-se a enviar os filhos às universidades. Houve assinalada redução no número de estudantes que freqüentavam os grandes centros de ensino. As escolas feneciam e prevalecia a ignorância.
     O papa conferira a esses monges a faculdade de ouvir confissões e conceder perdão. Isto se tornou fonte de grandes males. Inclinados a aumentar seus lucros, os frades estavam tão dispostos a conceder absolvição que criminosos de todas as espécies a eles recorriam e, como resultado, aumentaram : rapidamente os vícios mais detestáveis. Os doentes e os pobres eram deixados a sofrer, enquanto os donativos que lhes deveriam suavizar as necessidades, iam para os monges que com ameaças exigiam esmolas do povo, denunciando a impiedade dos que retivessem os donativos de suas ordens. Apesar de sua profissão de pobreza, a riqueza dos frades aumentava constantemente e seus suntuosos edifícios e lautas mesas tornavam mais notória a pobreza crescente da ração. E enquanto despendiam o tempo em luxo e prazeres, enviavam em seu lugar homens ignorantes que apenas podiam narrar histórias maravilhosas, lendas, pilhérias para divertir o povo, e dele fazer ainda mais cornpletamente o iludido dos monges. Contudo, os frades continuavam a manter o domínio sobre as multidôes supersticiosas, e a levá-las a crer que todo dever religioso se resumia em reconhecer 3 supremacia do papa, adorar os santos e fazer donativos aos nonges, e que isto era suficiente para lhes garantir lugar no Céu.
     Homens de sabe: e piedade haviam trabalhado em vão para efetuar uma reforma nessas ordens monásticas; Wiclef, porém. coce intuição mais clara, feriu o mal pela y-aiz. declarando que â própria organização era falsa e que deveria Ser abolida. Despertavam-se discussões e indagações. Atravessando os monges e pais,vendendo perdões do papa, muitos oram levados a duvidar da possibilidade de comprar perdão com dinheiro e suscitaram a questão se não deveriam antes buscar de Deus) perdão em vez de buscá-lo do pontifice de Roma. (Ver Apêndice.) Não mucos se alarmavam com a capacidade dos frades, cuja avidez pareci-a nunca se satisfazer. "Os monges e sacerdotes de Roma," diziam eles, "estão-nos comendo como um cancro. Deus nos deve livrar. ou o povo perecerá." — D' Aubigné. Para. encobrir sua avareza, pretendiam os monges mendicantes seguir o exemplo do Salvador, declarando que Jesus e Seus discípulos haviam sido sustentados pela caridade do povo. Esta pretensão resultou em prejuízo de sua causa, pois levou muitos à Escritura Sagrada, a fim de saberem por si mesmos a verdade — resultado que de todos os outros era o menos desejado de Roma. A mente dos homens foi dirigida à Fonte da verdade, que era o objetivo de Roma ocultar.
     Wiclef começou a escrever e publicar folhetos contra os frades, porém não tanto procurando entrar em discussão com eles como despertando o espírito do povo, aos ensinos da Bíblia e seu Autor. Ele declarava que o poder do perdão ou excomunhão não o possuía o papa em maior grau do que os sacerdotes comuns, e que ninguém pode ser verdadeiramente excomungado a menos que primeiro haja trazido sobre si a condenação de Deus. De nenhuma outra maneira mais eficaz poderia ele ter empreendido a demolição da gigantesca estrutura de domínio espiritual e temporal. que o papa erigira, e em que alma e corpo de milhões se achavam retidos em cativeiro.
     De novo foi Wiclef chamado para defender os direitos da coroa inglesa contra as usurpações de Roma; e, sendo designado embaixador real, passou dois anos na Holanda, em conferência com os emissários do papa. Ali entrou em contato com eclesiásticos da França, Itália e Espanha, e teve oportunidade de devassar os bastidores e informar-se de muitos fatos que lhe teriam permanecido ocultos na Inglaterra. Aprendeu muita coisa que o orientaria em seus trabalhos posteriores. Naqueles representantes da corte papal lia ele o verdadeiro caráter e objetivos da hierarquia. Voltou para a Inglaterra a fim de repetir mais abertamente e com maior zelo seus ensinos anteriores, declarando que a cobiça, o orgulho e o engano eram os deuses de Roma.
     Num de seus folhetos disse ele, falando do papa e seus coletores: "Retiram de nosso país os meios de subsistência dos pobres, e muitos milhares de marcos, anualmente, do dinheiro do rei, para sacramentos e coisas espirituais, o que é amaldiçoada heresia de simonia, e fazem com que toda a cristandade consinta nesta heresia e a mantenna. E, na verdade, ainda que nosso reino tivesse uma gigantesca montanha de ouro, e nunca homem algum dali tirasse a não ser somente o coletor deste orgulhoso e mundano sacerdote, com o tempo ela se esgotaria; pois sempre ele tira dinheiro de nosso país e nada devolve a não ser a maldição de Deus pela sua simonia." — História da Vida e Sofrimentos de J. Wiclef, do Rev. João Lewis.
     Logo depois de sua volta à Inglaterra, Wiclef recebeu do rei nomeação para a reitoria de Lutterworth. Isto correspondia a uma prova de que o monarca ao menos não se desagradara de sua maneira franca no falar. A influência de Wiclef foi sentida no moldar a ação da corte, bem como a crença da nação. Os trovões papais logo se desencadearam contra ele. Três bulas foram expedidas para a Inglaterra: para a universidade, para o rei e para os prelados, ordenando todas as medidas imediatas e decisivas para fazer silenciar o ensinador de heresias, (Ver Apêndice.) Antes da chegada das bulas, porém, os bispos, em seu zelo, intimaram Wiclef a comparecer perante eles para julgamento. Entretanto, dois dos mais poderosos príncipes do reino o acompanharam ao tribunal; e o povo, rodeando o edifício e invadindo-o, intimidou de tal maneira os juízes que o processo foi temporariamente suspenso, sendo-lhe permitido ir-se em paz. Um pouco mais tarde faleceu Eduardo III, a quem em sua idade avançada os prelados estavam procurando influenciar contra o reformador, e o anterior protetor de Wiclef tornou-se regente do reino.
     Mas a chegada das bulas papais trazia para toda a Inglaterra a ordem peremptória de prisão e encarceramento do herege. Estas medidas indicavam de maneira direta a fogueira. Parecia certo que Wiclef logo deveria cair vítima da vingança de Roma. Mas Aquele que declarou outrora a alguém: "Não temas, . . . Eu sou teu escudo" (Gênesis 15:1), de novo estendeu a mão para proteger Seu servo. A morte veio, não para o reformador, mas para o pontífice que lhe decretara destruição. Gregório XI morreu, e dispersaram-se os eclesiásticos que se haviam reunido para o processo de Wiclef.
     A providência de Deus encaminhou ainda mais os aconte cimentos para dar oportunidade ao desenvolvimento da Reforma. A morte de Gregório foi seguida da eleição de dois papas rivais. Dois poderes em conflito, cada um se dizendo infalível, exigiam agora obediência. (Ver Apêndice.) Cada qual apelava para os fiéis a fim de o ajudarem a fazer guerra contra o outro, encarecendo suas exigências com terríveis anátemas contra os adversários e promessas de recompensas no Céu aos que o apoiavam. Esta ocorrência enfraqueceu grandemente o poderio do papado. As facções rivais fizeram tudo que podiam para atacar uma a outra, e durante algum tempo Wiclef teve repouso. Anátemas e recriminações voavam de um papa a outra, e derramavam-se torrentes de sangue para sustentar suas pretensões em conflito. Crimes e escândalos inundavam a igreja. Nesse ínterim, o reformador, no silencioso retiro de sua paróquia de Lutterworth, estava trabalhando diligentemente para, dos papás contendores, dirigir os homens a Jesus, o Príncipe da paz.
     O cisma, com toda a contende e corrupção que produziu, preparou o caminho para a Reforma, habilitando povo a ver o que o papado realmente era. Num folheto que publicou — "Sobre o Cisma dos Papas"  Wiclef apelou para o povo a fim de que considerasse se esses dois sacerdotes estavam a falar a verdade ao condenarem um ao outro como o antichristo. "Deus," disse ele, "não mais quis consentir que o demônio recriasse em um único sacerdote tal, mas . . . tez divisão entre dois, de modo que os homens, em nome de Cristo, possam mais facilmente vencê-los a ambos." - Viria e Opiniões de João Wiclef, de Vaughan.
     Wiclef. a exemplo de seu Mes-l:-re, pregou o evangelho ares pobres. Não contente com espalhar a luz tios lares humildes em sua própria paróquia de Lutterworth, concluiu que ela deveria ser levada a todas as partes da Inglaterra. Para realizar isto organizou um corpo de pregadores: homens simples e dedicados, que amavam a verdade e nada desviavam tanto coiro o propagá-la. Estes homens iam por toda parte. ensinando mis praças, nas ruas das grandes cidades e nos atamos do interior. Procuravam os idosos, os doentes e os pobres, e desvendavam-lhes as alegres novas da graça de Deus.
     Conto professor de teologia em Oxford. Wíclef pregou Palavra de Deus nos salões da universidade. Tão fielmente apresentava ele a verdada aos estudantes sob sua instrução, que recebeu o título de "Doutor do Evangelho."
     Mas a maior obra da vida de Wiclef deveria ser a tradução das Escrituras para a língua inglesa. Num livro Sobre a Verdade e Sentido das Escrituras - exprimiu a intenção de traduzir a Bíblia, de maneira que todos na Inglaterra pudessem ler, na língua materna, as maravilhosas obras de Deus.
     Subitamente, porém, interromperam-se as suas atividades. Posto que não tivesse ainda sessenta anos de idade, o trabalho incessante, o estudo e os assaltos dos inimigos haviam posto à prova suas forças, tornando-o prematuramente velho. Foi atacado de perigosa enfermidade. A notícia disto proporcionou grande alegria aos frades. Pensavam então que se arrependeria amargamente do mal que tinha feito à igreja e precipitaramse ao seu quarto para ouvir-lhe a confissão. Representantes das quatro ordens religiosas, com quatro oficiais civis, reuniram-se em redor do suposto moribundo. "Tendes a morte em vossos lábios," diziam; "comovei-vos com as vossas faltas, e retratai em nossa presença tudo que dissestes para ofensa nossa." O reformador ouviu em silêncio; mandou então seu assistente levantálo no leito e, olhando fixamente para eles enquanto permaneciam esperando a retratação, naquela voz firme e forte que tantas vezes os havia feito tremer, disse: "Não hei de morrer, mas viver, e novamente denunciar as más ações dos frades." D'Aubigné. Espantados e confundidos, saíram os monges apressadamente do quarto.
     Cumpriram-se as palavras de Wiclef. Viveu a fim de colocar nas mãos de seus compatriotas a mais poderosa de todas as armas contra Roma, isto é, dar-lhes a Escritura Sagrada, o meio indicado pelo Céu para libertar, esclarecer e evangelizar o povo. Muitos e grandes obstáculos havia a vencer na realização dessa obra. Wiclef achava-se sobrecarregado de enfermidades; sabia que apenas poucos anos lhe restavam para o trabalho; via a oposição que teria de enfrentar; mas, animado pelas promessas da Palavra de Deus, foi avante sem intimidar-se de coisa alguma. Quando em peno vigor de suas capacidades intelectuais, rico em experiências, foi ele preservado e preparado por especial providência de Deus para esse trabalho - o maior por ele realizado. Enquanto a cristandade se envolvia em tumultos, o reformador em sua reitoria de Lutterworth, alheio à tempestade que fora esbravejava, dedicava-se à tarefa que escolhera.
     Concluiu-se, por fim, o trabalho: a primeira tradução inglesa que já se fizera da Escritura Sagrada. A Palavra de Deus estava aberta para a Inglaterra. O reformador não temia agora prisão ou fogueira. Colocara nas chãos do povo inglês uma luz que jamais se extinguiria. Dando a Bíblia aos seus compatriotas, fizera mais no sentido de quebrar os grilhões da ignorância e do vício, mais para libertar e enobrecer seu país, do que já se conseguira pelas mais brilhantes vitórias nos campos de batalha.
     Sendo ainda desconhecida a arte de imprimir, era unicamente por trabalho moroso e fatigante que se podiam multiplicar os exemplares da Escritura Sagrada. Tão grande era o interesse por se obter o Livro, que muitos voluntariamente se emmpenharam na obra de o transcrever; mas era com dificuldade que os copistas podiam atender aos pedidos. Alguns dos roais ricos compradores desejavam a Bíblia toda. Outros compravam apenas parte. Em muitos casos várias famílias se uniam para comprar um exemplar. Assim, a Bíblia de Wiclef logo teve acesso aos lares do povo.
     O apelo para a razão despertou os homens de sua submissão passiva aos dogmas papais. Wiclef ensinava agora doutrinas distintivas do protestantismo: salvação pela fé em Cristo, e a infalibilidade das Escrituras unicamente.
     Os pregadores que enviara disseminaram a Bíblia, juntamente com os escritos do reformador, e com êxito tal que a nova fé foi aceita por quase metade do povo da Inglaterra.
     O aparecimento das Escrituras produziu estupefação às autoridades da igreja. Tinham agora de enfrentar um fator mais poderoso do que Wiclef, fator contra o qual suas armas pouco valeriam. Não havia nesta ocasião na Inglaterra lei alguma proibindo a Bíblia, pois nunca dantes fora ela publicada na língua do povo. Semelhantes leis foram depois feitas e rigorosamenteexecutadas. Entretanto, apesar dos esforços dos padres, houve durante algum tempo oportunidade para a circulação da Palavra de Deus.
     Novamente os chefes papais conspiraram para fazer silenciar a voz do reformador. Perante três tribunais foi ele sucessivamente chamado a juízo, mas sem proveito. Primeiramente um sínodo de bispos declarou heréticos os seus escritos e, ganhando o jovem rei Ricardo II para o seu lado, obtiveram um decreto real sentenciando à prisão todos os que professassem as doutrinas condenadas.
     Wiclef apelou do sínodo para o Parlamento; destemidamente acusou a hierarquia perante o conselho nacional e pediu uma reforma dos enormes abusos sancionados pela igreja. Com poder convincente, descreveu as usurpações e corrupções da sé papal. Seus inimigos ficaram confusos. Os que eram amigos de Wiclef e o apoiavam, tinham sido obrigados a ceder, e houvera a confiante expectativa de que o próprio reformador, em sua avançada idade, só e sem amigos, curvar-se-ia ante a autoridade combinada da coroa e da tiara. Mas, em vez disso, os adeptos de Roma viram-se derrotados. O Parlamento, despertado pelos estimuladores apelos de Wiclef, repeliu o edito perseguidor e o reformador foi novamente posto em liberdade.
     Pela terceira vez foi ele chamado a julgamento, e agora perante o mais elevado tribunal eclesiástico do reino. Ali não se mostraria favor algum para com a heresia. Ali, finalmente, Roma triunfaria e a obra do reformador seria detida. Assim pensavam os romanistas. Se tão-somente cumprissem seu propósito, Wiclef seria obrigado a abjurar suas doutrinas, ou sairia da corte diretamente para as chamas.
     Wiclef, porém, não se retratou; não usou de dissimulação. Destemidamente sustentou seus ensinos e repeliu as acusações de seus perseguidores. Perdendo de vista a si próprio, sua posição e o momento, citou os ouvintes perante o tribunal divino, e pesou seus sofismas e enganos na balança da verdade eterna. Sentiu-se o poder do Espírito Santo na sala do concílio. Os ouvintes ficaram como que fascinados. Pareciam não ter forças para deixar o local. Como setas da aljava do Senhor, as palavras do reformador penetravam-lhes a alma. A acusação da heresia que contra ele haviam formulado, com poder convincente reverteu contra eles mesmos. Por que, perguntava ele, ousavam espalhar seus erros? Por amor do lucro, para da graça de Deus fazerem mercadoria?
     "Com quem," disse finalmente, "julgais estar a contender com um ancião às bordas da sepultura? Não! com a Verdade - Verdade que é mais forte do que vós, e vos vencerá." Wylie. Assim dizendo, retirou-se da assembléia e nenhum de seus adversários tentou impedi-lo.
     A obra de Wiclef estava quase terminada; a bandeira da verdade que durante tanto tempo empunhara, logo lhe deveria cair da mão; mas, uma vez mais, deveria ele dar testemunho do evangelho. A verdade devia ser proclamada do próprio reduto do reino do erro. Wiclef foi chamado a julgamento perante o tribunal papal em Roma, o qual tantas vezes derramara o sangue dos santos. Não ignorava o perigo que o ameaçava; contudo, teria atendido à chamada se um ataque de paralisia lhe não houvesse tornado impossível efetuar a viagem. Mas, se bem que sua voz não devesse ser ouvida em Roma, poderia falar por carta, e isto se decidiu a fazer. De sua reitoria o reformador escreveu ao papa uma carta que, conquanto respeitosa nas expressões e cristã no espírito, era incisiva censura a pompa e orgulho da sé papal.
     "Em verdade me regozijo," disse, "por manifestar e declarar a todo homem a fé que mantenho, e especialmente ao bispo de Roma, o qual, como suponho ser íntegro e verdadeiro, de mui boa vontade confirmará minha dita fé, ou, se é ela errónea. corrigi-la-á.
     "Em primeiro lugar, creio que o evangelho de Cristo é o corpo todo da lei de Deus . . . . Declaro e sustento que o bispo de Roma, desde que se considera o vigário de Cristo aqui na Terra, está obrigado, mais do que todos os outros homens, à lei do evangelho. Pois a grandeza entre os discípulos de Cristo não consistia na dignidade e honras mundanas, mas em seguir rigorosamente, e de perto, a Cristo em Sua vida e maneiras .... Jesus, durante o tempo de Sua peregrinação na Terra, foi homem paupérrimo, desdenhando e lançando de Si todo o domínio e honra mundanos ....
     "Nenhum homem fiel deveria seguir quer ao próprio papa. quer a qualquer dos santos, a não ser nos pontos em que seguirem ao Senhor Jesus Cristo; pois S. Pedro e os filhos de Zebedeu, desejando honras mundanas, contrárias ao seguimento dos passos de Cristo, erraram, e portanto nestes erros não devem ser seguidos ....
     "O papa deve deixar ao poder secular todo o domínio e governo temporal, e neste sentido exortar e persuadir eficazmente todo o clero; pois assim fez Cristo, e especialmente por Seus apóstolos. Por conseguinte, se errei em qualquer destes pontos, submeter-me-ei muito humildemente à correção, mesmo pela morte, se assim for necessário; e se eu pudesse agir segundo minha vontade ou desejo, certamente me apresentaria em pessoa perante o bispo de Roma; mas o Senhor determinou o contrário, e ensinou-me a obedecer antes a Deus do que aos homens."
     Finalizando, disse: "Oremos a nosso Deus para que Ele de tal maneira influencie nosso papa Urbano VI, conforme já começou a fazer, que juntamente com o clero possa seguir ao Senhor Jesus Cristo na vida e nos costumes, e com eficácia ensinar o povo, e que eles de igual maneira, fielmente os sigam nisso." -Atos e Monumentos, de Foxe.
     Assim Wiclef apresentou ao papa e aos cardeais a mansidão e humildade de Cristo, mostrando não somente a eles mesmos, mas a toda a cristandade, o contraste entre eles e o Mestre, a quem professavam representar.
     Wiclef esperava plenamente que sua vida seria o preço de sua fidelidade. O rei, o papa e os bispos estavam unidos para levá-lo a ruína, e parecia certo que, quando muito, em poucos meses o levariam à fogueira. Mas sua coragem não se abalou. "Por que falais em procurar longe a coroa do martírio?" dizia. "Pregai o evangelho de Cristo aos altivos prelados e o martírio não vos faltará. Que! viveria eu e estaria silencioso? . . . Nunca! Venha o -golpe, eu o estou aguardando." — D'Aubigné.
     Mas Deus, em Sua providência, ainda escudou a Seu servo. O homem que durante toda a vida permanecera ousadamente na defesa da verdade, diariamente em perigo de vida, não deveria cair vítima do ódio de seus adversários. Wiclef nunca procurara escudar-se a si mesmo, mas o Senhor lhe fora o protetor; e agora, quando seus inimigos julgavam segura a presa, a mão de Deus o removeu para além de seu alcance. Em sua igreja, em Lutterworth, na ocasião em que ia ministrar a comunhão, caiu atacado de paralisia, e em pouco tempo rendeu a vida.
     Deus designara a Wiclef a sua obra. Pusera-lhe na boca a Palavra da verdade e dispusera uma guarda a seu redor para que esta Palavra pudesse ir ao povo. A vida fora-lhe protegida e seus trabalhos se prolongaram, até ser lançado o fundamento para a grande obra da Reforma.
     Wiclef saíra das trevas da Idade Média. Ninguém havia que tivesse vivido antes dele, por meio de cuja obra pudesse modelar seu sistema de reforma. Suscitado como João Batista para cumprir uma missão especial, foi ele o arauto de uma nova era. Contudo, no sistema de verdades que apresentava, havia uma unidade e perfeição que os reformadores que o seguiram não excederam e que alguns não atingiram, mesmo cem anos mais tarde. Tão amplo e profundo foi posto o fundamento, tão Firme e verdadeiro o arcabouço, que não foi necessário serem reconstruídos pelos que depois dele vieram.
     O grande movimento inaugurado por Wiclef, o qual deveria libertar a consciência e o intelecto e deixar livres as nações, durante tanto tempo jungidas ao carro triunfal de Roma, teve sua fonte na Escritura Sagrada. Ali se encontrava a origem da corrente de bem-aventurança, que, como a água da vida, tem manado durante gerações desde o século XIV. Wiclef aceitava as Sagradas Escrituras cora implícita fé, como a inspirada revelação da vontade de Deus, como suficiente regra de fé e prática. Fora educado de modo a considerar a Igreja de Roma como autoridade divina, infalível, e aceitar cola indiscutível reverência. os ensinos e costumes estabelecidos havia um milênio; mas de tudo isto se desviou para ouvir a santa Palavra de Deus. Esta era a autoridade que ele insistia com o povo para que reconhecesse. Em vez da igreja falando pelo papa, declarou ser a única verdadeira autoridade a voz de Deus falando por Sua Palavra. E não somente ensinava que a Bíblia é a perfeita revelação da vontade de Deus, mas que o Espírito Santo é o seu único intérprete, e que todo homem, pelo estudo de seus ensinos, deve aprender por si próprio o dever. Desta maneira fazia volver o espírito, do papa e da igreja de Roma, para a Palavra de Deus.
     Wiclef foi um dos maiores reformadores. Na amplidão de seu intelecto, clareza de pensamentos, firmeza em manter a verdade e ousadia para defendê-la, por poucos dos que após ele vieram foi igualado. Pureza de vida, incansável diligência no estudo e trabalho, incorruptível integridade, amor e fidelidade cristã no ministério caracterizaram o primeiro dos reformadores. E isto apesar das trevas intelectuais e corrupção moral da época de que ele emergiu.
     O caráter de Wiclef é testemunho do poder educador e transformador das Sagradas Escrituras. Foram estas que dele fizeram o que foi. O esforço para aprender as grandes verdades da revelação, comunica frescura e vigor a todas as faculdades. Expande a mente, aguça a percepção, amadurece o juízo. O estudo da Bíblia enobrece a todo pensamento, sentimento e aspiração, como nenhum outro estudo o pode fazer. Dá estabilidade de propósitos, paciência, coragem e fortaleza; aperfeiçoa o caráter e santifica a alma. O esquadrinhar fervoroso e reverente das Escrituras, pondo o espírito do estudante em contato direto com a mente infinita, daria ao inundo homens de intelecto mais forte e irais ativo, bem como de princípios mais nobres, do que os que já existiram como resultado do mais hábil ensino que proporciona a filosofia humana. "A exposição das Tuas palavras dá luz," diz o salmista; "dá entendimento aos símplices." Salmo 119:130.
     As doutrinas por Wiclef ensinadas continuaram durante algum tempo a espalhar-se; seus seguidores, conhecidos como wiclefitas e lolardos, não somente encheram a Inglaterra, mas, espalharam-se em outros países, levando o conhecimento do evangelho. Agora que seu guia fora tomado dentre os vivos, os pregadores trabalhavam com zelo maior do que antes, e multidões se congregavam para ouvi-los. Alguns da nobreza e mesto a esposa do rei se encontravam entre os conversos. Em muitos lugares houve assinalada reforma nos costumes do povo, e os símbolos do romanismo foram removidos das igrejas. Logo, porém, a impiedosa tempestade da perseguição irrompeu sobre os que haviam ousado aceitar a Escritura Sagrada como guia. Os monarcas ingleses, ávidos de aumentar seu poder mediante o apoio de Roma, não hesitaram em sacrificar os reformadores. Pela primeira vez na história da Inglaterra a fogueira foi decretada contra os discípulos do evangelho. Martírios sucederam a martírios. Os defensores da verdade, proscritos e torturados, cediam tão-somente elevar seus clamores ao ouvido do Senhor dos exércitos. Perseguidos como inimigos da igreja e traidores de reino, continuaram a pregar em lugares secretos, encontrando airigo o melhor que podiam nos humildes lares dos pobres, e muiras vezes refugiando-se mesmo em brenhas e cavernas.
     Apesar da fúria da perseguição, durante séculos continuou a ser proferido um protesto calmo, devoto, fervoroso, paciente, contra as dominantes corrupções da fé religiosa. Os crentes daqueles primitivos tempos tinham apenas conhecimento parcial da verdade, unas haviam aprendido a amar e obedecer à Palavra de Deus, e pacientemente sofriam por sua causa. Como os discípulos dos dias apostólicos, muitos sacrificavam suas posses deste mundo pela causa de Cristo. Aqueles a quem era permitido permanecer em casa, abrigavam alegremente os irmãos banidos; e, quando eles também eram expulsos, animosamente aceitavam a sorte dos proscritos. Milhares, é verdade, aterrorizados pela fúria dos perseguidores, compravam a liberdade com sacrifício da fé, e saíam das prisões vestidos com a roupa dos penitentes, a fim de publicar sua abjuração. Mas não foi pequeno o número  e entre estes havia homens de nascimento nobre bem como humildes e obscuros - dos que deram destemido testemunho da verdade nos cubículos dos cárceres, nas "Torres dos Lolardos," e em meio de tortura e chamas, regozijandose de que tivessem sido considerados dignos de conhecer a "comunicação de Suas aflições."
     Os romanistas não haviam conseguido executar sua vontade em relação a Wiclef durante a vida deste, e seu ódio não se satisfez enquanto o corpo do reformador repousasse em sossego na sepultura. Por decreto do concilio de Constança, mais de luarenta anos depois de sua morte, seus ossos foram exumados e publicamente queimados, e as cinzas lançadas em um riacho vizinho. "Esse riacho," diz antigo escritor, "levou suas cinzas para o Avon, o Avon para o Severn, o Severn para os pequenos mares, e estes para o grande oceano. E assim as cinzas de Wiclef são o emblema de sua doutrina, que hoje está espalhada pelo mundo inteiro." — História Eclesiástica da Bretanha, de T. Fuller. Pouco imaginaram os inimigos a significação de seu: ato perverso.
     Foi mediante os escritos de Wiclef que João Huss. da Boêmia. ''Oi 'evado a renunciar a muitos erros do romanismo e entrar: na Gora r-Ia Reforma. E assim é que nesses dois países tão grandemente separados, foi lançada a semente da verdade. Da Boêmia a obra estendeu-se para outras terras. O espírito dos homens foi dirigido para a Palavra de Deus, havia tanto esquecida. ik mão divina estava a preparar o caminho para a Grande Reforma.


 
CAPÍTULO 6

Dois Heróis da Idade Média

     O evangelho fora implantado na Boémia já no século nono. A Bíblia achava-se traduzida, e o culto público era celebrado na língua do povo. Mas, à medida que aumentava o poderio do papa, a Palavra de Deus se obscurecia. Gregório VII, que tomara a si o abater o orgulho dos reis, não tinha menos intenções de escravizar o povo, e de acordo com isto expediu uma bula proibindo que o culto público fosse dirigido na língua boémia. O papa declarava ser "agradável ao Onipotente que Seu culto fosse celebrado em língua desconhecida, e que muitos males e heresias haviam surgido por não se observar esta regra." - Wylie. Assim Roma decretava que a luz da Palavra de Deus se extinguisse e o povo fosse encerrado em trevas. O Céu havia provido outros fatores para a preservação da igreja. Muitos dos valdenses e albigenses, pela perseguição expulsos de seus lares na França, e Itália, foram à Boêmia. Posto que não ousassem ensinar abertamente, zelosos trabalhavam em segredo. Assim se preservou a verdadeira fé de século em século.
     Antes dos dias de Huss, houve na Boémia homens que se levantaram para condenar abertamente a corrupção na igreja e a dissolução do povo. Seus trabalhos despertaram interesse que se estendeu largamente. Suscitaram-se os temores da hierarquia e iniciou-se a perseguição contra os discípulos do evangelho. Compelidos a fazer seu culto nas florestas e montanhas, davam-lhes caca os soldados, e muitos foram mortos. Depois de algum tempo se decretou que todos os que se afastassem do culto romano deviam ser queimados. Mas, enquanto os cristãos rendiam a vida, olhavam à frente para a vitória de sua causa. Um dos que "ensinavam que a salvação só se encontra pela fé no Salvador crucificado," declarou ao morrer: "A fúria dos inimigos da verdade agora prevalece contra nós, mas não será para sempre; levantar-se-á um dentre o povo comum, sem espada nem autoridade, e contra ele não poderão prevalecer." Wylie. O tempo de Lutero estava ainda muito distante; mas já se erguia alguém cujo testemunho contra Roma abalaria as nações.
     João Huss era de humilde nascimento e cedo ficou órfão pela morte do pai. Sua piedosa mãe, considerando a educação e o temor de Deus como a mais valiosa das posses, procurou assegurar esta herança para o filho. Huss estudou na escola da província, passando depois para a universidade de Praga, onde teve admissão gratuita como estudante pobre. Foi acompanhado na viagem por sua mãe; viúva e pobre, não possuía dádivas nem riquezas mundanas para conferir ao filho; mas, aproximando-se eles da grande cidade, ajoelhou-se ela ao lado de jovem sem pai, e invocou-lhe a bênção do Pai celestial. Pouco imagina: a aquela mãe como deveria sua oração ser atendida.
     Na universidade Huss logo se distinguiu pela sua incansável aplicação e rápidos progressos, enquanto á vida irrepreensível e modos afáveis e simpáticos lhe conquistaram estima geral. Era sincero adepto da igreja de Roma, e fervorosamente buscava as bênçãos espirituais que ela professa conferir. Na ocasião de um jubileu, foi à confissão, pagou as últimas poucas moedas de seus minguados recursos, e tomou parte nas procisões, a fim de poder participar da absolvição prometida. Depois de completar o curso colegial, entrou para o sacerdócio e; atingindo rapidamente à eminência, foi logo chamado à corte do rei. Tornou-se também professor e mais tarde reitor da universidade em que recebera educação. Em poucos aros o humilde estudante- que de favor se educara, tornou-se o orgulho de seu país e seu nome teve fama em toda a Europa.
     Foi, porém, em outro campo que Huss começou a obra da reforma. Vários anos após haver recebido a ordenação sacerdotal, foi nomeado pregador da capela de Belém. O fundador desta capela defendera, como assunto de grande importância, a pregação das Escrituras na língua do povo. Apesar da oposição de Roma a esta prática, ela não se interrompeu completamente na Boêmia. Havia, porém, grande ignorância das Escrituras, e os piores vícios prevaleciam entre o povo de todas as classes. Estes males Huss denunciou largamente, apelando para a Palavra de Deus a firo de encarecer os princípios da verdade e pureza por ele pregados.
     Um cidadão de Praga, Jerônimo, que depois se tornou intimamente ligado a Huss, trouxera consigo, ao voltar da Inglaterra, os escritos de Wiclef. A rainha da Inglaterra, que se convertera aos ensinos de Wiclef, era uma princesa boêmia, e por sua influência as obras do reformador foram também amplamente divulgadas em seu país natal. Estas obras lera-as Huss com interesse; cria que seu autor era cristão sincero e inclinava-se a considerar favoravelmente as reformas que advogava. Huss, conquanto não o soubesse, entrara já em caminho que o levaria longe de Roma.
     Por esse tempo chegaram a Praga dois estrangeiros da Inglaterra, homens de saber, que tinham recebido a luz, e haviam chegado para espalhá-la naquela terra distante. Começando com um ataque aberto à supremacia do papa, foram logo pelas autoridades levados a silenciar; mas, não estando dispostos a abandonar seu propósito, recorreram a outras medidas. Sendo artistas, bem como pregadores, prosseguiam pondo em prática a sua habilidade. Em local franqueado ao público pintaram dois quadros. Um representava a entrada de Cristo em Jerusalém, "manso, e assentado sobre uma jumenta" (S. Mateus 21:5), e seguido de Seus discípulos, descalços e com trajes gastos pelas viagens. O outro estampava uma procissão pontifical: o papa adornado com ricas vestes e tríplice coroa, montando cavalo, magnificamente adornado, precedido de trombeteiros, e seguido pelos cardeais e prelados em deslumbrante pompa.
     Ali estava um sermão ,que prendeu a atenção de todas as classes. Multidões vieram contemplar os desenhos. Ninguém deixara de compreender a moral, e muitos ficaram profundamente impressionados pelo contraste entre a mansidão e humildade de Cristo, o Mestre, e o orgulho e arrogância do papa, Seu servo professo. Houve grande comoção em Praga, e os estrangeiros, depois de algum tempo, acharam necessário partir, para sua própria segurança. Mas a lição que haviam ensinado não ficou esquecida. Os quadros causaram profunda impressão no espírito de Huss, levando-o a um estudo mais acurado da Bíblia e dos escritos de Wiclef. Embora ainda não estivesse preparado para aceitar todas as reformas defendidas por Wiclef, via mais claramente o verdadeiro caráter do papado, e com maior zelo denunciava o orgulho, a ambição e corrupção da hierarquia.
     Ida Boêmia a luz estendeu-se à Alemanha, pois perturbações havidas na universidade de Praga determinaram a retirada de centenas de estudantes alemães. Muitos deles tinham recebido de Huss seu primeiro conhecimento da Escritura Sagrada e, ao voltarem, espalharam o evangelho em sua pátria.
     Notícias da obra em Praga foram levadas a Roma, e Huss foi logo chamado a comparecer perante o papa. Obedecer seria expor-se à morte certa. O rei e a rainha da Boémia, a universidade, membros da nobreza e oficiais do governo, uniram-se num apelo ao pontífice para que fosse permitido a Huss permanecer em Praga e responder a Roma por meio de delegação. Em vez de atender a este pedido, o papa procedeu ao processo e condenação de Huss, declarando então achar-se interditada a cidade de Praga.
     Naquela época, esta sentença, quando quer que fosse pronunciada, despertava geral alarma. As cerimônias que a acompanhavam, eram de molde a encher de terror ao povo que considerava o papa como representante do próprio Deus, tendo as chaves do Céu e do inferno, e possuindo poder para invocar juízos temporais bem como espirituais. Acreditava-se que as portas do Céu se fechavam contra a região atingida pelo interdito; que, até que o papa fosse servido remover a excomunhão, os mortos eram excluídos das moradas da bem-aventurança. Corno sinal desta terrível calamidade, suspendiam-se todos os serviços religiosos. As igrejas estavam fechadas. Celebravam-se os casamentos no pátio da igreja. Os mortos, negando-se-lhes sepultamento em terreno consagrado, eram, sem os ritos fúnebres, inumados em fossos ou no campo. Assim, por meio de medidas que apelavam para a imaginação, Roma buscava dirigir a consciência dos homens.
     A cidade de Praga encheu-se de tumulto. Uma classe numerosa denunciou Huss como a causa de todas as suas calamidades, e rogaram fosse ele entregue à vingança de Roma. Para acalmar a tempestade, o reformador retirou-se por algum tempo à sua aldeia natal. Escrevendo aos amigos que deixara em Praga, disse: "Se me retirei do meio de vós, foi para seguir o preceito e exemplo de Jesus Cristo, a fim de não dar lugar aos mal-intencionados para atraírem sobre si a condenação eterna, e a fim de não ser para os piedosos causa de aflição e perseguição. Retirei-me também pelo receio de que os sacerdotes ímpios pudessem continuar por mais tempo a proibir a pregação da Palavra de Deus entre vós; mas não vos deixei para negar a verdade divina, pela qual, com o auxílio de Deus, estou disposto a morrer." - Os Reformadores Antes da Reforce, de Bonnechose. Huss não cessou seus labores, mas viajou pelo território circunjacente, pregando a ávidas multidões. Destarte, as medidas a que o papa recorrera a fim de suprimir o evangelho, estavam fazendo com que este mais largamente se estendesse. "Nada podemos contra a verdade, senão pela verdade." 2 Coríntios 13:8.
     "O espírito de Huss, nesta fase de sua carreira, parece ter sido cenário de doloroso conflito. Embora a igreja estivesse procurando fulminá-lo com seus raios, não havia ele renegado a autoridade dela. A igreja de Roma era ainda para ele a esposa de Cristo, e o papa o representante e vigário de Deus. O que Huss estava a guerrear era o abuso da autoridade, não o princípio em si mesmo. Isto acarretou terrível conflito entre as convicções de seu entendimento e os ditames de sua consciência. Se a autoridade era justa e infalível, como cria que fosse, como poderia acontecer achar-se obrigado a desobedecerlhe? Obedecer, compreendia-o ele, significava pecar; roas por que a obediência a unta igreja infalível levaria a tal situação? Era este o problema que não podia resolver; esta a dúvida que o torturava sempre e sempre. A solução que mais justa se igurava, era que havia acontecido novamente, como já antes, nos dias do Salvador, que os sacerdotes da igreja se tinham tornado pessoas ímpias e estavam usando da autoridade lícita para fins ilícitos. Isto o levou a adotar para sua própria orientação e para guia daqueles a quem pregava, a máxima de que os preceitos das Escrituras, comunicados por meio do entendimento, devem reger a consciência; em outras palavras, de que Deus, falando na Bíblia, e não a igreja falando pelo sacerdócio, é o único guia infalível." - Wylie.
     Quando, depois de algum tempo, serenou a excitação em Praga, Huss voltou para a sua capela de Belém, a fim de continuar com maior zelo e ânimo a pregação da Palavra de Deus. Seus inimigos eram ativos e poderosos, roas a rainha e muitos dos nobres eram seus amigos, e o povo em grande parte o apoiava. Comparando seus ensinos puros e elevados e sua vida santa com os dogmas degradantes pregados pelos romanistas e a avareza e devassidão que praticavam, muitos consideravamm urna honra estar a seu lado.
     Até aqui Huss estivera só em seus trabalhos; agora, porém, se uniu na obra da reforma Jerônimo que, durante sua estada na Inglaterra, aceitara os ensinos de Wiclef. Daí em diante os dois estiveram ligados durante toda a vida, e na morte não deveriam ser separados. Gênio brilhante, eloqüência e saber dotes que conquistaram o favor popular - possuía-os Jerônimo em alto grau; mas quanto às qualidades que constituem a verdadeira força de caráter, Huss era maior. Seu discernimento calmo servia como de restrição ao espírito impulsivo de Jerônimo, que, cora verdadeira humildade, se apercebia de seu valor e cedia aos seus conselhos. Sob o trabalho de ambos a Reforma estendeu-se raiais rapidamente.
     Deus permitiu que grande luz resplandecesse no espírito daqueles homens escolhidos, revelando-lhes muitos dos erros de Roma; mas eles' não receberam toda a luz que devia ser dada ao mundo. Por meio destes Seus servos, Deus estava guiando
     o povo para fora das trevas do romanismo; havia, porém, muitos e grandes obstáculos a serem por eles enfrentados, e Ele os guiou, passo a passo, conforme o podiam suportar. Não estavam' preparados para receber toda a luz de uma vez. Como o completo fulgor do Sol do meio-dia para os que durante muito tempo permaneceram em trevas, fosse ela apresentada, tê-los-ia feito desviarem-se. Portanto Ele a revelou aos dirigentes pouco a pouco, à medida que podia ser recebida pelo povo. De século em século, outros fiéis obreiros deveriam seguir-se para guiar o povo cada vez mais longe no caminho da Reforma.
     Persistia o cisma na igreja.- Três papas contendiam pela supremacia, e sua luta encheu a cristandade de crime e tumulto. Não contentes de lançarem anátemas, recorriam às arruas temporais. Cada qual se propôs obter armas e recrutar soldados. É claro que necessitavam dinheiro; e para arranjá-lo, os dons, ofícios e bênçãos da igreja eram oferecidos à venda. (Ver Apêndice.) Os padres também, imitando os superiores, recorriam à simonia e à guerra para humilhar seus rivais e fortalecer seu próprio poder. Com uma audácia que aumentava. dia a dia, Huss fulminava as abominações que eram toleradas em nome da religião; e o povo acusava abertamente os chefes romanistas como causa das misérias que oprimiam a cristandade.
     Novamente a cidade de Praga parecia à borda de um conflito sangrento. Como nas eras anteriores, o servo de Deus foi acusado de ser "o perturbador de Israel." 1 Reis 18:17. A cidade fora de novo gosta sob interdito, e I-Iuss retirou-se para a sua aldeia natal. Finalizara-se o testemunho tão fielmente dado, de sua amada capela de Belém. Deveria falar de uru cenário mais amplo, à cristandade toda, antes de depor a vida como testemunha da verdade.
     Para sanar os males que estavam perturbando a Europa, convocou-se um concílio geral, a reunir-se em Constança. Esse concílio fora convocado a pedido do imperador Sigismundo, por um dos três papas rivais, João XXIII. A convocação de um concilio longe esteve de ser bem recebida pelo papa João, cujo caráter e política mal poderiam suportar exame, mesmo por prelados tão frouxos na moral como eram os eclesiásticos daque-les tempos. Não ousou, contudo, opor-se à vontade de Sigismundo. (Ver Apêndice.)
     O principal objetivo a ser cumprido pelo concílio era apaziguar o cisma da igreja e desarraigar a heresia. Conseguintemente os dois antipapas foram chamados a comparecer perante ele, bem como o principal propagador das novas opiniões, João Huss. Os primeiros, tomando em consideração sua própria segurança, não estiveram presentes em pessoa, mas fizeram-se representar por seus delegados. O papa João, conquanto ostensivamente o convocador do concilio, compareceu com muitos pressentimentos, suspeitando do propósito secreto do imperador para depô-lo, receoso de ser chamado a contas pelos vícios que haviam infelicitado a tiara, bem como pelos crimes que a haviam garantido. Não obstante, fez sua entrada na cidade de Constança com grande pompa, acompanhado de eclesiásticos da anais alta ordem e seguido por um séquito de cortesãos. Todo o clero e dignitários da cidade, com imensa multidão de cidadãos, foram dar-lhe as boas-vindas. Vinha sob um pálio de ouro, carregado por quatro dos principais magistrados. A hóstia era levada diante dele, e as ricas vestes dos cardeais e nobres ofereciam um aspecto imponente.
     Enquanto isto outro viajante se aproximava de Constança. Huss era sabedor dos perigos que o ameaçavam. Despediu-se de seus amigos como se jamais devesse encontrá-los de novo, e seguiu viagem pressentindo que esta o levava para a fogueira. Apesar de haver obtido salvo-conduto do rei da Boêmia, e Igualmente recebido outro do imperador Sigismundo durante a viagem, dispôs os planos encarando a probabilidade de sua morte.
     Numa carta dirigida a seus amigos em Praga, disse: "Meus irmãos, . . . parto com um salvo-conduto do rei, ao encontro de numerosos e figadais inimigos . . . . Confio inteiramente no Deus todo-poderoso, em meu Salvador; confio em que Ele ouvirá vossas fervorosas orações; que comunicará Sua prudência e sabedoria à minha boca, a fim de que eu possa resistir a eles; e que me outorgará Seu Espírito Santo a fim de fortificar-me em Sua verdade, de maneira que eu possa defrontar com coragem tentações, prisão e, sendo necessário, uma morte cruel. Jesus
     Cristo sofreu por Seus bem-amados; deveríamos, pois, estranhar que Ele nos haja deixado Seu exemplo, para que nós mesmos possamos suportar com paciência todas as coisas para a nossa própria salvação? Ele é Deus, e nós Suas criaturas; Ele é o Senhor, e nós Seus servos; Ele é o Dominador do mundo e nós somos desprezíveis mortais: no entanto Ele sofreu! Por que, pois, não deveríamos nós também sofrer, particularmente quando o sofrimento é para a nossa purificação? Portanto, amados, se minha morte deve contribuir para a Sua glória, orai para que ela venha rapidamente, e para que Ele possa habilitar-me a suportar com constância todas as minhas calamidades. Mas se for melhor que eu volte para o meio de vós, oremos a Deus para que o possa fazer sem mancha, isto é, para que eu não suprima um til da verdade do evangelho, a fim de deixar a meus irmãos um excelente exemplo a seguir. Provavelmente, pois, nunca mais contemplareis meu rosto em Praga; Iras, se a vontade do Deus todo-poderoso dignar-se de restituir-me a vós, avancemos então com coração mais firme no conhecimento e no amor de Sua lei." - Bonnechose.
     Em outra carta, a um padre que se tornara discípulo do evangelho, Huss falava com profunda humildade de seus próprios erros, acusando-se "de ter sentido prazer em usar ricas decorações e haver despendido horas em ocupações frívolas." Acrescentou então estes tocantes conselhos: "Que a glória de Deus e a salvação das almas ocupem tua mente, e não a posse de benefícios e bens. Acautela-te de adornar tua casa mais do que tua alma; e, acima de tudo, dá teu cuidado ao edifício espiritual. Sê piedoso e humilde para com os pobres; e não consumas teus haveres em festas. Se não corrigires tua vida e te refreares das superfluidades, temo que sejas severamente castigado, como eu próprio o sou . . . . Conheces minha doutrina, pois recebeste minhas instruções desde tua meninice; é-me, portanto, desnecessário escrever-te mais a respeito. Mas conjuro-te, pela misericórdia de nosso Senhor, a não me imitares em nenhuma das vaidades em que me viste cair." No invólucro da carta acrescentou: "Conjuro-te, meu amigo, a não abrires estacarta antes que tenhas a certeza de que estou morto." - Bonnechose.
     Em sua viagem, Huss por toda parte observou indícios da disseminação de suas doutrinas e o favor com que era considerada sua causa. O povo aglomerava-se ao seu encontro, e em algumas cidades os magistrados o escoltavam pelas ruas.
     Chegado a Constança, concedeu-se a Huss plena liberdade. Ao salvo-conduto do imperador acrescentou-se uma garantia pessoal de proteção por parte do papa. Mas, com violação destas solenes e repetidas declarações, em pouco tempo o reformador foi preso, por ordem do papa e dos cardeais, e lançado em asquerosa masmorra. Mais tarde foi transferido para um castelo forte além do Reno e ali conservado prisioneiro. O papa, pouco lucrando com sua perfídia, foi logo depois entregue à mesma prisão. -Bonnechose. Provara-se. perante o concílio ser ele réu dos mais baixos crimes, além de assassínio, simonia e. adultério - "pecados que não convém mencionar." Assim o próprio concilio declarou; e finalmente foi ele despojado da tiara e lançado na prisão. Os antipapas também foram depostos, sendo escolhido novo pontífice.
     Se bem que o próprio papa tivesse sido acusado de maiores crimes que os de que Huss denunciara os padres, e contra os quais exigira reforma, o mesmo concílio que rebaixou o pontífice tratou também de esmagar o reformador. O aprisionamento de Huss despertou grande indignação na Boémia. Nobres poderosos dirigiram ao concílio protestos veementes contra o ultraje. O imperador, a quem repugnava permitir a violação de um salvo-conduto, opôs-se ao processo que lhe era movido. Mas os inimigos do reformador eram malévolos e decididos. Apelaram para os preconceitos do imperador, para os seus temores, seu zelo para com a igreja. Aduziram argumentos de grande extensão para provar que "não se deve dispensar fé aos hereges, tampouco a pessoas suspeitas de heresia, ainda que estejam munidas de salvo-conduto do imperador e reis." - História do Concílio de Comtança, de Lenfant. Assim, prevaleceram eles.
     Enfraquecido pela enfermidade e reclusão, pois que o ar úmido e impuro do calabouço lhe acarretara uma febre que quase o levara à sepultura, Huss foi finalmente conduzido perante o concilio. Carregado de cadeias, ficou em pé na presença do imperador, cuja honra e boa fé tinham sido empenhadas em defendê-lo. Durante o longo processo manteve firmemente a verdade, e na presença dos dignitários da Igreja e Estado, em assembléia, proferiu solene e fiel protesto contra as corrupções da hierarquia. Quando se lhe exigiu optar entre o abjurar suas doutrinas ou sofrer a morte, aceitou a sorte de mártir.
     Susteve-o a graça de Deus. Durante as semanas de sofrimento por que passou antes de sua sentença final, a paz do Céu encheu-lhe a alma. "Escrevo esta carta," dizia a um amigo, "na prisão e com as mãos algemadas, esperando a sentença de morte amanhã ... . Quando com o auxilio de Jesus Cristo, de novo nos encontrarmos na deliciosa paz da vida futura, sabereis quão misericordioso Deus Se mostrou para comigo, quão eficazmente me sustentou em meio de tentações e provas." Bonnechose.
     Na escuridão da masmorra previa o triunfo que teria a verdadeira fé. Volvendo em sonhos à capela de Praga, onde pregara o evangelho, viu o papa e seus bispos apagando as pinturas de Cristo que desenhara nas paredes. "Esta visão angustiou-o; mas no dia seguinte viu muitos pintores ocupados na restauração dessas figuras em maior número e cores mais vivas. Concluída que foi a tarefa dos pintores, que estavam rodeados de imensa multidão, exclamaram: 'Venham agora os papas e os bispos; nunca mais as apagarão'!" Disse o reformador ao relatar o sonho: "'Tenho isto como certo, que a imagem de Cristo nunca se apagará. Quiseram destruí-Ia, mas será pintada de novo em todos os corações por pregadores muito melhores do que eu." - D'Aubigné.
     Pela última vez Huss foi levado perante o concílio. Era uma vasta e brilhante assembléia: o imperador, os príncipes do império, os delegados reais, os cardeais, bispos e padres, e uma vasta multidão que acorrera para presenciar os acontecimentos do dia. De todas as partes da cristandade se reuniram testemunhas deste primeiro grande sacrifício na prolongada luta pela qual se deveria conseguir a liberdade de consciência.
     Chamado à decisão final, Huss declarou recusar-se a abjurar e, fixando o olhar penetrante no imperador, cuja palavra empenhada fora tão vergonhosamente violada, declarou: "Decidi-me, de minha espontânea vontade, a comparecer perante este concílio, sob a pública proteção e fé do imperador aqui presente." - Bonnechose. Intenso rubor avermelhou o rosto de Sigismundo quando o olhar de todos na assembléia para ele convergiu.
     Pronunciada a sentença, iniciou-se a cerimônia de degradação. Os bispos vestiram o preso em hábito sacerdotal, e, enquanto recebia as vestes de padre, disse: "Nosso Senhor Jesus Cristo estava, por escárnio, coberto com um manto branco, quando Herodes o mandou conduzir perante Pilatos." - Bonnechose. Sendo de novo exortado a retratar-se, replicou, voltando-se para o povo: "Com que cara, pois, contemplaria eu os Céus? Como olharia para as multidões de homens a quem preguei o evangelho puro? Não! aprecio sua salvação mais do que este pobre corpo, ora destinado à morte." As vestes foram removidas uma a uma, pronunciando cada bispo uma maldição ao realizar sua parte na cerimônia. Finalmente "puseram-lhe sobre a cabeça uma carapuça,, ou mitra de papel em forma piramidal, em que estavam desenhadas horrendas figuras de demônios, com a palavra 'Argui-herege' bem visível na frente. 'Com muito prazer,' disse Huss, 'levarei sobre a cabeça esta coroa de ignomínia por Teu amor, ó Jesus, que por mim levaste uma coroa de espinhos'."
     Quando ficou assim trajado, "os prelados disseram: 'Agora votamos tua alma ao diabo.' 'E eu,' disse João Huss, erguendo os olhos ao Céu, 'entrego meu espírito em Tuas mãos, ó Senhor Jesus, pois Tu me remiste'." - Wylie.
     Foi então entregue às autoridades seculares, e levado fora ao lugar de execução. Imenso séquito o acompanhou: centenas de homens em armas, padres e bispos em seus custosos trajes e os habitantes de Constança. Quando estava atado ao poste, e tudo pronto para acender-se o fogo, o mártir uma vez mais foi exortado a salvar-se renunciando aos seus erros. "A que erros," diz Huss, "renunciarei eu? Não me julgo culpado de nenhum. Invoco a Deus para testemunhar que tudo que escrevi e preguei assim foi feito com o fim de livrar almas do pecado e perdição; e, portanto muito alegremente confirmarei cora meu sangue a verdade que escrevi e preguei." - Wylie. Quando as chamas começaram a envolvê-lo, pôs-se a cantar: "Jesus, Filho de Davi, tem misericórdia de mim," e assim continuou até que sua voz silenciou para sempre.
     Mesmo os inimigos ficaram tocados com seu procedimento heróico. Um zeloso adepto de Roma, descrevendo o martírio de Huss, e de Jerônimo que morreu logo depois, disse: "Ambos se portaram com firmeza de ânimo quando se lhes aproximou a última hora. Prepararam-se para o fogo como se fosse a uma festa de casamento. Não soltaram nenhum grito de dor. Ao levantarem-se as chamas, começaram a cantar hinos, e mal podia a veemência do fogo fazer silenciar o seu canto." - Wylie.
     Depois de completamente consumido o corpo de Huss, suas cinzas, e a terra em que repousavam, foram ajuntadas e lançadas no Reno, e assim levadas para além do oceano. Seus perseguidores debalde imaginavam ter desarraigado as verdades que pregara. Dificilmente se dariam conta de que as cinzas naquele dia levadas para o mar deveriam ser qual semente espalhada em todos os países da Terra; de que em terras ainda desconhecidas produziriam fruto abundante em testemunho da verdade. A voz que falara no recinto do concilio em Constança, despertara ecos que seriam ouvidos através de todas as eras vindouras. Huss já não mais existia, mas as verdades por que morrera, não pereceriam jamais. Seu exemplo de fé e constância animaria multidões a permanecerem firmes pela verdade, em face da tortura e da morte. Sua execução patenteou ao mundo inteiro a pérfida crueldade de Roma. Os inimigos da verdade, posto não o soubessem, haviam estado a adiantar a causa que eles em vão procuraram destruir.
     Contudo, outra fogueira deveria acender-se em Constança. O sangue de mais uma testemunha deveria testificar da verdade. Jerônimo, ao dizer adeus a Huss à partida para o concílio, exortou-o a que tivesse coragem e firmeza, declarando que, se caísse em algum perigo, ele próprio acudiria em seu auxílio. Ouvindo acerca da prisão do reformador, o fiel discípulo imediatamente se preparou para cumprir a promessa. Sem salvoconduto, com um único companheiro, partiu para Constança. Ali chegando, convenceu-se de que apenas se havia exposto ao perigo; sem a possibilidade de fazer qualquer coisa para o livramento de Huss. Fugiu da cidade, mas foi preso em viagem para casa e conduzido de volta em ferros, sob a guarda de um grupo de soldados. Ao seu primeiro aparecimento perante o concílio, as tentativas de Jerônimo para responder às acusações apresentadas contra ele eram defrontadas com clangores: "Às chamas! Que vá às chamas!" Bonnechose. Foi lançado numa masmorra, acorrentado em posição que lhe causava grande sofrimento e alimentado a pão e água. Depois de alguns meses, as crueldades da prisão causaram-lhe uma enfermidade que lhe pôs em perigo a vida, e seus inimigos, receosos de que ele se lhes pudesse escapar, trataram-no com menos severidade, posto que permanecesse na prisão durante um ano.
     A morte de Huss não deu os resultados que os sectários de Roma haviam esperado. A violação do salvo-conduto suscitara uma tempestade de indignação, e como meio mais seguro de agir, o concílio decidiu, em vez de queimar a Jerônimo obrigá-lo, sendo possível, a retratar-se. Foi levado perante a assembléia e ofereceu-se-lhe a alternativa de abjurar, ou morrer na fogueira. A morte, no início de'sua prisão, teria sido uma misericórdia, à vista dos terríveis sofrimentos por que passara; mas agora, enfraquecido pela moléstia, pelos rigores do cárcere e pela tortura da ansiedade e apreensão, separado dos amigos e desanimado pela morte de Huss, a fortaleza de Jerônimo cedeu, e ele consentiu em submeter-se ao concilio. Comprometeu-se a aderir à fé católica, e aceitou a ação do concílio ao condenar as doutrinas de Wiclef e Huss, exceção feita, contudo, das "santas verdades" que tinham ensinado. - Bonnechose.
     Por este expediente Jerônimo se esforçou por fazer silenciar a voz da consciência e escapar da condenação. Mas, na solidão do calabouço, viu mais claramente o que havia feito. Pensou na coragem e- fidelidade de Huss, e , em contraste refletiu em sua própria negação da verdade. Pensou no divino Mestre a quem se comprometera a servir, e que por amor dele suportara a morte de cruz. Antes de sua retratação encontrara conforto, em todos os sofrimentos, na certeza do favor de Deus; mas agora o remorso e a dúvida lhe torturavam a alma. Sabia que ainda outras retratações haveria a fazer antes que pudesse estar em paz com Roma. O caminho em que estava entrando apenas poderia terminarem completa apostasia. Sua resolução estava tomada: não negaria ao Senhor para escapar de um breve período de sofrimento.
     Logo foi ele novamente levado perante o concílio. Sua submissão não satisfizera aos juízes. Sua -sede de sangue, aguçada pela morte de Huss, clamava por novas vítimas. Apenas renunciando à verdade, sem reservas, poderia Jerônimo preservar a vida. Decidira-se, porém, a confessar sua fé e seguir às chamas seu irmão mártir.
     Renunciou à abjuração anterior e, como moribundo, exigiu solenemente oportunidade para fazer sua defesa. Temendo o efeito de suas palavras, os prelados insistiram em que ele meramente afirmasse ou negasse a verdade das acusações apresentadas contra ele. Jerônimo protestou contra tal crueldade e injustiça. "Conservastes-me encerrado durante trezentos e quarenta dias, numa prisão horrível," disse ele, "em meio de imundície, repugnante mau cheiro e da maior carência de tudo; trazeisme depois diante de vós e, dando ouvidos a meus inimigos mortais, recusais-vos a ouvir-me . ... Se sois na verdade homens prudentes, e a luz do mundo, tende cuidado em não pecar contra a justiça. Quanto a mim, sou apenas um fraco mortal; minha vida não tem senão pouca importância; e, quando vos exorto a não lavrar uma sentença injusta, falo menos por mim do que por vós." - Bonnechose.
     Seu pedido foi, finalmente, atendido. Na presença dos Juízes, Jerônimo ajoelhou-se e orou para que o Espírito divino lhe dirigisse os pensamentos e palavras, de modo que nada falasse contrário à verdade ou indigno de seu Mestre. Para ele naquele dia se cumpriu a promessa de Deus aos primeiros discípulos: "Sereis até conduzidos à presença dos governadores e dos reis por causa de Mim . ... Mas, quando vos entregarem, não vos dê cuidado como, ou o que haveis de falar, porque naquela mesma hora vos será ministrado o que haveis de dizer. Porque não sois vós quem falará, mas o Espírito de vosso Pai é que fala em vós." S. Mateus 10:18-20.
     As palavras de Jerônimo excitaram espanto e admiração, mesmo a seus inimigos. Durante um ano inteiro, havia ele estado emparedado numa masmorra, impossibilitado de ler ou mesmo ver, cote grande sofrimento físico e ansiedade mental. No entanto, seus argumentos eram apresentados com tanta clareza e força como se houvesse tido oportunidade tranqüila para o estudo. Indicou aos ouvintes a longa série de homens santos que haviam sido condenados por juízes injustos. Em quase cada geração houve os que, enquanto procuravam enobrecer o povo de seu tempo, foram censurados e rejeitados, mas que em tempos posteriores mostraram ser dignos de honra. O próprio Cristo foi, por um tribunal injusto, condenado como malfeitor.
     Em sua retratação, Jerônimo consentira na justiça da sentença que condenara Huss; declarou ele agora o seu arrependimento, e deu testemunho da inocência e santidade do mártir. "Conheci-o desde a meninice," disse ele. "Foi um ótimo homem, justo e santo; foi condenado apesar de sua inocência . . . . Eu, eu também estou pronto para morrer; não recuarei diante dos tormentos que estão preparados para mim por meus inimigos e falsas testemunhas, que um dia terão de prestar contas de suas imposturas perante o grande Deus, a quem nada pode enganar." - Bonnechose.
     Reprovando-se a si mesmo por sua negação da verdade, Jerônimo continuou: "De todos os pecados que tenho cometido desde minha juventude, nenhum pesa tão gravemente em meu espírito e me causa tão pungente remorso, como aquele que cometi neste lugar fatídico, quando aprovei a iníqua sentença dada contra Wiclef, e contra o santo mártir, João Huss, meu mestre e amigo. Sim, confesso-o de coração, e declaro com horror que desgraçadamente fraquejei quando, por medo da morte, condenei suas doutrinas. Portanto suplico . . . a Deus todopoderoso, Se .digne de perdoar meus pecados, e em particular este, o mais hediondo de todos." Apontando para os juízes, disse com firmeza: "Condenastes Wiclef e João Huss, não por terem abalado a doutrina da igreja, mas simplesmente porque estigmatizaram com a reprovação os escândalos do clero: a pompa, o orgulho e todos os vícios dos prelados e padres. As coisas que eles afirmaram, e que são irrefutáveis, eu também as entendo e declaro como eles."
     Suas palavras foram interrompidas. Os prelados, trêmulos de cólera, exclamaram: "Que necessidade há de mais prova? Contemplamos com nossos próprios olhos o mais obstinado dos hereges!"
     Sem se abalar com a tempestade, Jerônimo exclamou: "Ora! supondes que receio morrer? Conservastes-me durante um ano inteiro em horrível masmorra, mais horrenda que a própria morte. Tratastes-me mais cruelmente do que a um turco, judeu ou pagão, e minha carne, em vida, literalmente apodreceu sobre os ossos, e contudo não me queixo, pois a lamentação não vai bem a um homem de coração e espírito; mas não posso senão exprimir meu espanto com tão grande barbaridade para com um cristão." - Bonnechose.
     De novo irrompeu a tempestade de cólera, e Jerônimo foi levado precipitadamente à prisão. Havia, contudo, na assembléia, alguns nos quais suas palavras produziram profunda impressão, e que desejavam salvar-lhe a vida. Foi visitado por dignitários da igreja, e instado a submeter-se ao concilio. As mais brilhantes perspectivas lhe foram apresentadas como recompensa de renunciar a sua oposição a Roma. Mas, semelhante a seu Mestre, quando se Lhe ofereceu a glória do mundo, Jerônimo permaneceu firme.
     "Provai-me pelas Sagradas Escrituras que estou em erro," disse ele, "e o abjurarei."
     "As Sagradas Escrituras!" exclamou um de seus tentadores; "então tudo deve ser julgado por elas? Quem as pode entender antes que a igreja as haja interpretado?"
     "São as tradições dos homens mais dignas de fé do que o evangelho de nosso Salvador?" replicou Jerônimo. "S. Paulo não exortou aqueles a quem escreveu, a escutarem as tradições dos homens, mas disse: 'Esquadrinhai as Escrituras'."
     "Herege!" foi a resposta; arrependo-me de ter-me empenhado tanto tempo contigo. Vejo que és impulsionado pelo diabo." — Wylie.
     Sem demora se proferiu sentença de morte contra ele. Foi levado ao mesmo local em que Huss rendera a vida. Cantando fez ele esse trajeto, tendo iluminado o semblante de alegria e paz. Seu olhar fixava-se em Cristo, e a morte para ele havia perdido o terror. Quando o carrasco, estando para acender a fogueira, passou por trás dele, o mártir exclamou: "Venha com ousadia para a frente; ponha fogo à minha vista. Se eu tivesse medo não estaria aqui."
     Suas últimas palavras, proferidas quando as chamas se levantavam em redor dele, foram uma oração. "Senhor, Pai todopoderoso," exclamou, "tem piedade de mim e perdoa meus pecados; pois sabes que sempre amei Tua verdade." - Bonnechose. Sua voz cessou, mas os lábios continuaram a mover-se em oração. Tendo o fogo efetuado a sua obra, as cinzas do mártir, com a terra sobre a qual repousavam, foram reunidas e, como as de Huss, lançadas no Reno.
     Assim pereceram os fiéis porta-luzes de Deus. Mas a luz das verdades que proclamaram - luz de seu exemplo heróico — se havia de extinguir. Tanto poderiam os homens tentar desviar o Sol de seu curso como impedir o raiar daquele dia que mesmo então despontava sobre o mundo.
     A execução de Huss acendera uma chama de indignação e horror na Boêmia. A nação inteira compreendia haver ele tombado vítima da perfídia dos padres e traição do imperador. - Declarou-se ter sido ele um fiel ensinador da verdade, e o concílio que decretou sua morte foi acusado de crime de assassínio. Suas doutrinas atraíam agora maior atenção do que nunca dantes. Pelos editos papais, os escritos de Wiclef tinham sido condenados às chamas. Aqueles, porém, que haviam escapado da destruição, foram agora tirados dos esconderijos e estudados em conexão com a Bíblia, ou partes dela que o povo podia adquirir; e muitos assim foram levados a aceitar a fé reformada.
     Os assassinos de Huss não permaneceram silenciosos a testemunhar o triunfo que alcançava a causa do reformador. O papa e o imperador uniram-se para aniquilar o movimento, e os exércitos de Sigismundo foram lançados contra a Boêmia.
     Surgiu, porém, um libertador. isca, que logo depois do início da guerra. ficou completamente cego, e que no entanto era um dos mais hábeis generais de seu tempo, foi o chefe dos boêmios. Confiando no auxilio de Deus e na justiça de sua causa, aquele povo resistiu aos mais poderosos exércitos que contra eles se poderiam levar. Reiteradas vezes, o imperador, organizando novos exércitos, invadiu a Boêmia, apenas para ser vergonhosamente repelido. Os hussitas ergueram-se acima do temor da morte, é nada poderia resistir a eles. Poucos anos depois do início da guerra, o bravo Zisca morreu; mas seu lugar foi preenchido por Procópio, que era um general igualmente bravo e hábil, e nalguns sentidos dirigente mais destro.
     Os inimigos dos boêmios, sabendo que morrera o guerreiro cego, conjeturaram ser favorável a oportunidade para recuperar tudo que haviam perdido. O papa proclama, então, uma cruzada contra os hussitas, e novamente uma imensa força se precipitou sobre a Boêmia, mas apenas para sofrer terrível desbarato. Segue-se outra cruzada. Em todos os países papais da Europa, reuniram-se homens, dinheiro e munições de guerra. Congregavam-se multidões sob o estandarte papal, seguras de que afinal se poria termo aos hereges hussitas. Confiante na vitória, a numerosa força entrou na Boêmia. O povo arregimentou-se para repeli-Ia. Os dois exércitos se aproximaram um do outro, até que apenas um rio se lhes interpunha. "Os cruzados constituíam força grandemente superior, mas em vez de se arremessarem através da torrente e travar batalha com os hussitas a quem de longe haviam vindo a combater, ficaram a olhar em silêncio para aqueles guerreiros." - Wylie. Então, subitamente, misterioso terror caiu sobre os soldados. Sem desferir um golpe, aquela poderosa força debandou e espalhou-se, como se fosse dispersa por um poder invisível. Muitos foram mortos pelo exército hussita, que perseguiu os fugitivos, e imenso despojo caiu nas mãos dos vitoriosos, de maneira que a guerra, em vez de empobrecer os boêmios, os enriqueceu.
     Poucos anos mais tarde, sob um novo papa, promoveu-se ainda outra cruzada. Como antes, homens e meios foram trazidos de todos os países papais da Europa. Grande foi o engodo apresentado aos que se deveriam empenhar nesta perigosa empresa. Assegurava-se a cada cruzado perdão completo dos mais hediondos crimes. A todos os que morressem na guerra era prometida preciosa recompensa no Céu, e os que sobrevivessem haveriam de colher honras e riquezas no campo de batalha. De novo se reuniu um vasto exército e, atravessando a fronteira, entraram na Boémia. As forças hussitas recuaram diante deles, arrastando assim os invasores cada vez mais longe para o interior do país, e levando-os a contar com a vitória já alcançada. Finalmente o exército de Procópio fez alto e, voltando-se para o inimigo, avançou para lhe dar batalha. Os cruzados, descobrindo então o seu erro, ficaram no acampamento esperando o assalto. Quando se ouviu o ruído da força que se aproximava, mesmo antes que os hussitas estivessem à vista, um pânico de novo caiu sobre os cruzados. Príncipes, generais e soldados rasos, arrojando as armaduras, fugiram em todas as direções. Debalde o núncio papal, que era o dirigente da invasão, se esforçou para reunir suas forças possuídas de terror e já desorganizadas. Apesar de seus ingentes esforços, ele próprio foi levado na onda dos fugitivos. A derrota foi completa, e novamente um imenso despojo caiu nas mãos dos vitoriosos.
     Assiro pela segunda vez, vasto exército, enviado pelas mais poderosas nações da Europa, uma hoste de homens bravos e aguerridos, treinados e equipados para a batalha, fugiu, sem dar um golpe, de diante dos defensores de uma nação pequena e, até ali, fraca.. Havia nisso uma manifestação do poder divino. Os invasores foram tomados de pavor sobrenatural. Aquele que derrotou os exércitos de Faraó no Mar Vermelho, que pós em fuga os exércitos de Midiã diante de Gideão e seus trezentos, que numa noite derribou as forças do orgulhoso assírio, de novo estendera a mão para debilitar o poder do opressor. "Eis que se acharam em grande temor, onde temor não havia, porque Deus espalhou os ossos daquele que te cercava; tu os confundiste, porque Deus os rejeitou." Salmo 53:5.
     Os líderes papais, perdendo a esperança de vencer pela força, recorreram finalmente ã diplomacia. Adotou-se um compronisso mútuo que, se bem que pretendesse conceder liberdade de consciência aos boêmios, realmente, traindo-os, entregava-os ao poder de Roma. Os boêmios tinham especificado quatrc pontos como condições de paz com Roma: pregação livre da Bíblia; o direito da igreja toda, tanto ao pão como ao vinho na comunhão, e o uso da língua materna no culto divino; a exclusão do clero de todos os ofícios e autoridades seculares; e nos casos de crime, a jurisdição das cortes civis tanto para o clero como para os leigos. As autoridades papais finalmente "concordaram em que os quatro artigos dos hussitas deveriam ser aceitos, mas que o direito de os explicar, isto é, de determinar sua significação exata, deveria pertencer ao concilio ou, em outras palavras, ao papa e ao imperador." - Wylie. Nesta base, fez-se um tratado, e Roma ganhou, pela dissimulação e fraude, o que não tinha conseguido pelo conflito; pois, dando sua própria interpretação aos artigos hussitas, como à Escritura Sagrada, ela poderia perverter-lhes o sentido de modo a convir a seus propósitos.
     Uma classe numerosa na Boêmia, vendo que isto traía sua liberdade, não se conformou com o tratado. Surgiram dissensões e divisões, que levaram à contenda e derramamento de sangue entre eles mesmos. Nesta luta o nobre Procópio sucumbiu, e pereceu a liberdade da Boêmia.
     Sigismundo, traidor de Huss e Jerônimo, tornou-se agora rei da Boêmia, e sem consideração para com o seu juramento de apoiar os direitos dos boêmios, prosseguiu com o estabelecimento do papado. Ele, porém, pouco ganhara com sua subserviência a Roma. Durante vinte anos sua vida estivera repleta de trabalhos e perigos. Seus exércitos tinham sido arruinados, e esgotados os seus tesouros por uma longa e infrutífera luta, e agora, depois de reinar um ano, morreu, deixando seu reino às bordas da guerra civil e legando à posteridade um nome estigmatizado com a infâmia.
     Seguiram-se tumultos, contendas e carnificina. Exércitos estrangeiros invadiram de novo a Boêmia, e dissensões internas continuaram a perturbar a nação. Aqueles que permaneceram fiéis ao evangelho, foram sujeitos a uma perseguição sanguinolenta.
     Como seus irmãos de outrora, entrando em pacto com Roma, houvessem aceito seus erros, os que permaneciam na antiga fé formaram-se em igreja distinta, tomando o nome de "Irmãos Unidos". Este ato acarretou sobre eles as maldições de todas as classes. Contudo sua firmeza era inabalável. Obrigados a buscar refúgio nos bosques e cavernas, congregavam-se ainda para ler a Palavra de Deus, e unir-se em Seu culto.
     Por meio de mensageiros enviados secretamente a diversos países, souberam que aqui e acolá havia "os que isoladamente confessavam a verdade, alguns numa cidade, outros noutra, como eles próprios, objeto de perseguição; e que entre as montanhas dos Alpes havia uma antiga igreja, apoiada no fundamento das Escrituras e protestando contra as corrupções idolátricas de Roma." Wylie. Esta informação foi recebida com grande alegria, e iniciou-se correspondência com os cristãos valdenses.
     Firmes no evangelho, os boêmios esperaram através da noite de sua perseguição, ainda volvendo os olhos para o horizonte, na hora mais tenebrosa, semelhantes aos homens que esperam a manhã. "Sua sorte fora lançada em dias maus, mas . . . lembravam-se das palavras primeiramente proferidas por Huss e repetidas por Jerônimo, de que um século deveria passar antes que raiasse o dia. Estas foram para os taboritas [hussitas] o que, para as tribos na casa da servidão, foram as palavras de José: 'Eu morro; mas Deus certamente vos visitará, e vos fará subir desta terra'." -Wylie. "O período final do século XV testemunhou o aumento vagaroso mas certo das igrejas dos Irmãos. Se bem que longe de não serem incomodados, gozavam de relativo descanso. No princípio do século dezesseis, suas igrejas eram em número de duzentas na Boêmia e na Morávia." Vida e Tempos de João Husss, de Gillet. "Assim, numerosos foram os restantes que, escapando da fúria destruidora do fogo e da espada, tiveram o privilégio de ver o raiar daquele dia que Huss predissera." - Wylie.


 
CAPÍTULO 7

A Influência de um Bom Lar

     Preeminente entre os que foram chamados para dirigir a igreja das trevas do papado à luz de uma fé mais pura, acha-se Martinho Lutero. Zeloso, ardente e dedicado, não conhecendo outro temor senão o de Deus, e não reconhecendo outro fundamento para a fé religiosa além das Escrituras Sagradas, Lutero foi o homem para o seu tempo; por meio dele Deus efetuou uma grande obra para a reforma da igreja e esclarecimento do mundo.
     Como os primeiros arautos do evangelho, Lutero proveio das classes pobres. Seus primeiros anos se passaram no humilde lar de um camponês alemão. Pelo trabalho diário de mineiro que era, seu pai ganhava os meios para a sua educação. Ele o destinada a ser advogado; mas Deus tencionava fazer dele um construtor no grande templo que tão vagarosamente se vinha erigindo, através dos séculos. Agruras, privações e severa disciplina foram a escola na qual a Sabedoria infinita preparou Lutero para a importante missão de sua vida.
     O pai de Lutero era homem de espírito forte e ativo, e de grande força de caráter, honesto, resoluto e correto. Era fiel às suas convicções de dever, fossem quais fossem as conseqüências. Seu genuíno bom senso levava-o a considerar com desconfiança a organização monástica. Ficou muito desgostoso quando Lutero, sem seu consentimento, entrou para o convento, só se reconciliando com o filho passados dois anos, e mesmo então suas opiniões permaneceram as mesmas.
     O pai de Lutero dispensavam grande cuidado à educação e ensino dos filhos. Esforçavam-se por instruí-los no conhecimento de eus e prática das virtudes cristãs. Ouvida por seu filho, muitas vezes ascendia ao Céu a oração do pai, a fim de que o filho pudesse lembrar-se do nome do Senhor, e um dia auxiliar no avançamento de Sua verdade. Todas as vantagens para a cultura moral ou intelectual que sua vida de trabalhos lhes permitia gozar, aproveitavam-nas avidamente aqueles pais. .ardorosos e perseverantes eram seus esforços por preparar os filhos para uma vida piedosa e útil. Com sua firmeza e força de caráter, muitas vezes exerciam severidade excessiva; mas o próprio reformador, embora consciente de que em alguns respeitos haviam errado, encontrava em sua disciplina mais para aprovar do que condenar.
     Na escola, para onde foi mandado com pouca idade, Lutero foi tratado com aspereza e mesmo violência. Tão grande era a pobreza de seus pais que, ao ir de casa para a escola noutra cidade, foi por algum tempo obrigado a ganhar o pão cantando de porta em porta, e muitas vezes passava fome. As tristes e supersticiosas idéias sobre religião, que então prevaleciam, enchiam-no de temor. À noite deitava-se com coração triste, olhando a tremer para o tenebroso futuro, e com um contínuo terror ao pensar em Deus como juiz severo e implacável, tirano cruel, em vez de bondoso Pai celestial.
     Não obstante, sob tantos e tão grandes desalentos, Lutero avançou resolutamente para a elevada norma de excelência moral e intelectual que lhe atraía a alma. Tinha sede de saber, e seu feitio de espírito ardoroso e prático, levou-o a desejar o que é sólido e útil em vez do que é vistoso e superficial.
     Quando, à idade de dezoito anos, entrou na Universidade de Erfurt, sua situação foi mais favorável e suas perspectivas mais brilhantes do que nos primeiros anos. Os pais, havendo pela economia-e trabalho conseguido certo icem-estar, puderam prestar-lhe todo o auxilio necessário. E a influência de amigos judiciosos, diminuiu até certo ponto os efeitos sombrios de seu ensino anterior. Aplicou-se ao estudo dos melhores autores, entesourando diligentemente seus mais ponderados conceitos e fazendo sua própria a sabedoria dos sábios. Mesmo sob a ríspida disciplina dos mestres anteriores, cedo apresentara ele promessa de distinção; e sob influências favoráveis, seu espírito logo se desenvolveu. Memória retentiva, vívida imaginação, poderosa faculdade de raciocinar e aplicação incansável, colocaram-no logo na primeira plana entre seus companheiros. A disciplina intelectual amadureceu-lhe o entendimento, despertando uma atividade de espírito e agudeza de percepção que o estavam preparando para os embates da vida.
     O temor do Senhor habitava no coração de Lutero, habilitando-o a manter sua firmeza de propósito e levando-o a profunda humildade perante Deus. Ele tinha uma constante intuição de sua dependência do auxílio divino, e não deixava de iniciar cada dia com oração, enquanto o íntimo estava continuamente a respirar uma súplica de guia e apoio. "Orar bem," dizia ele muitas vezes, "é a melhor metade do estudo."
     Enquanto um dia examinava os livros da Biblioteca da universidade, Lutero descobriu uma Bíblia latina. Nunca dantes vira tal Livro. Ignorava mesmo sua existência. Tinha ouvido porções dos evangelhos e epístolas, que se liam ao povo no culto público, e supunha que isso fosse a Escritura toda. Agora, pela primeira vez, olhava para o todo da Palavra de Deus. Com um misto de reverência e admiração, folheava as páginas sagradas. Pulso acelerado e coração palpitante, lia por si mesmo as palavras de vida, detendo-se aqui e acolá para exclamar: "Oh! quem dera Deus me desse tal livro!" - História da Reforma do Século XVI, D'Aubigné.Anjos celestiais estavam a seu Lado, e raios de luz procedentes do trono de Deus traziam-lhe à compreensão os tesouros da verdade. Sempre temera ofender a Deus, mas agora a profunda convicção de seu estado pecaminoso apoderou-se dele como nunca dantes.
     Um desejo ardente de se achar livre do pecado e encontrar paz com Deus, levou-o afinal a entrar para um mosteiro e dedicar-se à vida monástica. Exigiu-se-lhe, ali, efetuar os mais humildes trabalhos e mendigar de porta em porta. Estava na ida de em que o respeito e a apreciação são mais avidamente desejados, e essas ocupações servis eram profundamente mortificadoras para os seus sentimentos naturais; pacientemente, porém, suportou a humilhação, crendo ser necessária por causa de seus pecados.
     Todo momento que podia poupar de seus deveres diários empregava-o no estudo, furtando-se ao sono e cedendo mesmo a contragosto o tempo empregado em suas escassas refeições. Acima de tudo se deleitava no estudo da Palavra de Deus. Achara uma Bíblia acorrentada à parede do convento, e a ela muitas vezes recorria. Aprofundando-se suas convicções de pecado, procurou pelas próprias obras obter perdão e paz. Levava vida austera, esforçando-se por meio de jejuns, vigílias e penitências para subjugar os males de sua natureza, dos quais a vida monástica não o libertava. Não recuava ante sacrifício algum pelo qual pudesse atingir a pureza de coração que o habilitaria a ficar aprovado perante Deus. "Eu era na verdade um monge piedoso," disse, mais tarde, "e seguia as regras de minha ordem mais estritamente do que possa exprimir. Se fora possível a um monge obter o Céu por suas obras monásticas, eu teria certamente direito a ele . . . . Se eu tivesse continuado por mais tempo, teria levado minhas mortificações até à própria morte." – D-Aubigné. Como resultado desta dolorosa disciplina, perdeu as forças e sofreu de desmaios. de cujos efeitos nunca se restabeleceu por completo. Mas com todos os seus esforços, a alma sobrecarregada não encontrou alívio. Finalmente foi arrojado às bordas do desespero.
     Quando pareceu a Lutero que tudo estava perdido, Deus lhe suscitou um amigo e auxiliador. n piedoso Staupitz abriu a Palavra de Deus ao espírito de Lutero, mandando-lhe que não mais olhasse para si mesmo, que cessasse a contemplação do castigo infinito pela violação da lei de Deus, e olhasse a Jesus, seu Salvador que perdoa os pecados. "Em vez de torturar-te por causa de- teus pecados, lança-te nos braços do Redentor. Confia nEle, na justiça de Sua vida, na expiação de Sua morte . . . . Escuta ao Filho de Deus. Ele Se fez homem para te dar a certeza do favor divino." "Ama Aquele que primeiro te amou." D'Aubigné. Assim falava aquele mensageiro da misericórdia. Suas palavras produziram profunda impressão no espírito de Lutero. Depois de muita luta contra erros, longamente acalentados, pôde ele aprender a verdade e lhe veio paz à alma perturbada.
     Lutero foi ordenado sacerdote, sendo chamado do claustro para o cargo de professor da Universidade de Vitembergue. Ali se aplicou ao estudo das Escrituras nas línguas originais. Começou a fazer conferências sobre a Bíblia; e o livro dos Salmos, os Evangelhos e as Epístolas abriram-se à compreensão de multidões que se deleitavam em ouvi-lo. Staupitz, seu amigo e superior, insistia com ele para que subisse ao púlpito e pregasse a Palavra de Deus. Lutero hesitava, sentindo-se indigno de falar ao povo em lugar de Cristo. Foi apenas depois de longa luta que cedeu às solicitações dos amigos. Era já poderoso nas Escrituras, e sobre ele repousava a graça de Deus. Sua eloqüência cativava os ouvintes, a clareza e poder com que apresentava a verdade levavam-nos à convicção, e seu fervor tocava os corações.
     Lutero ainda era um verdadeiro filho da igreja papal, e não tinha idéia alguma de que houvesse de ser alguma outra coisa. Na providência de Deus foi levado a visitar Roma. Seguiu viagem a pé, hospedando-se nos ,mosteiros, pelo caminho. Em um convento na Itália, encheu-se de admiração ante a riqueza, magnificência e luxo que testemunhou. Dotados de uma receita principesca, os monges habitavam em esplêndidos compartimentos, ornamentavam-se com as mais ricas e custosas vestes, e banqueteavam-se em suntuosas mesas. Com dolorosos pressentimentos Lutero contrastou esta cena com a renúncia e rigores de sua própria vida. O espírito estava-se-lhe tornando perplexo.
     Afinal, contemplou a distância a cidade das sete colinas. Com profunda emoção prostrou-se ao solo, exclamando: "Santa Roma, eu te saúdo!" -D'Aubigné. Entrou na cidade, visitou as igrejas, ouviu as histórias maravilhosas repetidas pelos padres e monges, e cumpriu todas as cerimônias exigidas. Por toda parte via cenas que o enchiam de espanto e horror. Observava a iniqüidade que existia entre todas as classes do clero. Ouviu gracejos imorais dos prelados, e horrorizou-se com sua espantosa profanidade, mesmo durante a missa. Ao associarse aos monges e cidadãos, deparou com desregramento, libertinagem. Para onde quer que se volvesse, encontrava sacrilégio em lugar de santidade. "Ninguém pode imaginar," escreveu ele, "que pecados e ações infames se cometem em Roma; precisam ser vistos e ouvidos para serem cridos. Por isso costumam dizer: 'Se há inferno, Roma está construída sobre ele: é um abismo donde procede toda espécie de pecado'." D'Aubigné.
     Por uma decretal recente, fora prometida pelo papa certa indulgência a todos os que subissem de joelhos a "escada de Pilatos," que se diz ter sido descida- por nosso Salvador ao sair do tribunal romano, e miraculosamente transportada de Jerusalém para Roma. Lutero estava certo dia subindo devotamente esses degraus, quando de súbito uma voz semelhante a trovão pareceu dizer-lhe: "O justo viverá da fé." Romanos 1:17. Ergueu-se de um salto e saiu apressadamente do lugar, envergonhado e horrorizado. Esse texto nunca perdeu a força sobre sua alma. Desde aquele tempo, viu mais claramente do que nunca dantes a falácia de se confiar nas obras humanas para a salvação, e a necessidade de fé constante nos méritos de Cristo.
     Tinham-se-lhe aberto os olhos, e nunca anais se deveriam fechar aos enganos do papado. Quando ele deu as costas a Roma, também dela volveu o coração, e desde aquele tempo o afastamento se tornou cada vez maior, até romper todo contato coxa a igreja papal.
     Depois de voltar de Roma, Lutero recebeu na Universidade de Vitembergue o grau de doutor era teologia. Estava agora na liberdade de se dedicar, como nunca dantes, às Escrituras que ele amava. Fizera solene voto de estudar cuidadosamente a Palavra de Deus e todos os dias de sua vida pregá-la com fidelidade, e não o$ dizeres e doutrinas dos papas. Não mais era o simples monge ou professor, ruas o autorizado arauto da Bíblia. Fora chamado para pastor a fim de alimentar o rebanho de Deus, que tinha fome e sede da verdade. Declarava firmemente que os cristãos não deveriam receber outras doutrinas senão as que se apóiam na autoridade das Sagradas Escrituras. Estas palavras feriram o próprio fundamento da supremacia papal. Continham o princípio vital da Reforma.
     Lutero via o perigo de exaltar teorias humanas sobre a Palavra de Deus. Corajosamente atacava a incredulidade especulativa dos escolásticos, e opunha-se à filosofia e teologia que durante tanto tempo mantiveram sobre o povo a influência dominante. Denunciou tais estudos não somente como indignos mas perniciosos, e procurava desviar o espírito de seus ouvintes dos sofismas dos filósofos e teólogos para as verdades eternas apresentadas pelos profetas e apóstolos.
     Preciosa era a mensagem que levava às ávidas multidões, que ficavam embevecidas ante suas palavras. Nunca dantes tais ensinos lhes haviam caído aos ouvidos. As alegres novas do amante Salvador, a certeza de perdão e paz mediante Seu sangue expiatório, alegravam-lhes o coração, inspirando-lhes imorredoura esperança. Acendeu-se em Vitembergue uma luz cujos raios deveriam estender-se às regiões mais remotas da Terra, aumentando em brilho até ao final do tempo.
     Mas a luz e as trevas não podem combinar. Entre a verdade e o erro há um conflito irreprimível. Apoiar e defender um é atacar e subverter o outro. Nosso Salvador mesmo declarou: "Não vim trazer paz, mas espada." S. Mateus 10:34. Disse Lutero, alguns anos depois do início da Reforma: "Deus não me guia, Ele me impele avante, arrebata-me. Não sou senhor de mim mesmo. Desejo viver em repouso; mas sou arrojado ao meio do tumulto e revoluções." - D'Aubigné. Ele estava então a ponto de ser compelido à disputa.
     A igreja de Roma mercadejava com a graça de Deus. As mesas dos cambistas (S. Mateus 21:12) foram postas ao lado de seus altares, e o ar ressoava com o clamor dos compradores e vendedores. Com a alegação de levantar fundos para a ereção da igreja de S. Pedro, em Roma, publicamente se ofereciam à venda indulgências, por autorização do papa. Pelo preço do crime deveria construir-se um templo para o culto de Deus
     a pedra fundamental assentada corre o salário da iniqüidade! Mas os próprios meios adotados para o engrandecimento de Roma, provocaram o anais mortal dos golpes ao seu poderio e grandeza. Foi isto que suscitou o mais resoluto e eficaz dos inimigos do papado, determinando a batalha que abalou o trono papal e fez tremer na cabeça do pontífice a tríplice coroa.
     Tetzel, o oficial designado para dirigir a venda das indulgências na Alemanha, era culpado das mais ignóbeis ofensas à sociedade e à lei de Deus; havendo, porém, escapado dos castigos devidos aos seus crimes, foi empregado para promover os projetos mercenários e nada escrupulosos do papa. Corra grande desfaçatez repetia as mais deslumbrantes falsidades, e relatava histórias maravilhosas para enganar um povo ignorante, crédulo e supersticioso. Tivesse este a Palavra de eus, e não teria sido enganado dessa maneira. Foi para conservá-lo sob o domínio do papado, a fim de aumentar o poderio e riqueza de seus ambiciosos dirigentes, que a Bíblia fora dele retirada. (Ver História Eclesiástica, de Gieseler.)
     Ao entrar Tetzel numa cidade, urra mensageiro ia adiante dele, anunciando: "A graça de Deus e do santo padre está às vossas portas!" D'Aubigné. F o povo recebia o pretensioso blasfemo corno se fosse o próprio Deus a eles descido do Céu.
     O infame tráfico era estabelecido na igreja, e Tetzel, subindo ao púlpito, exaltava as indulgências coma o mais precioso dom de Deus. Declarava. que erra virtude de seus certificados de perdão, todos os pecados que o comprador mais tarde quisesse cometer ser-lhe-iam perdoados, e que -'mesmo o arrependimento não é necessário." - D'Aubigné. Mais do que isto, assegurava aos ouvintes que as indulgências tinham poder para salvar não somente os vivos mas também os mortos; que, no, mesmo instante em que o dinheiro tinia de encontro ao fundo de sua caixa, a alma erra cujo favor era pago escaparia do purgatório, ingressando no Céu. - História da Reforma, de Hagenbach.
     Quando Simão, o mago, propôs comprar dos apóstolos o poder de operar milagres, S. Pedro lhe respondeu: "O teu dinheiro seja contigo para perdição, pois cuidaste que o dom de Deus se alcança por dinheiro." Atos 8:20. A oferta de Tetzel, porém, foi aceita por ávidos milhares. Ouro e prata eram canalizados para o seu tesouro. Uma salvação que se poderia comprar com dinheiro obtinha-se mais facilmente do que a que exige o arrependimento, fé e esforço diligente para resistir ao pecado e vencê-lo. (Ver Apêndice.)
     À doutrina das indulgências tinham-se oposto homens de saber e piedade da Igreja Romana, e muitos havia que não tinham fé em pretensões tão contrárias tanto à razão corno à revelação. Nenhum prelado ousou erguer a voz contra este iníquo comércio; tuas o espírito dos homens estava-se tornando perturbado e desassossegado, e muitos com avidez inquiriam se Deus não operaria mediante algum instrumento a purificação de Sua igreja.
     Lutero, conquanto ainda católico romano da mais estrita classe, encheu-se de horror ante as blasfemas declarações dos traficantes das indulgências. Muitos de sua própria congregação haviam comprado certidões de perdão, e logo começaram a dirigir-se a seu pastor, confessando seus vários pecados e esperando absolvição, não porque estivessem arrependidos e desejassem corrigir-se, ruas sob o fundamento da indulgência. Lutero recusou-lhes a absolvição, advertindo-os de que, a menos que se arrependessem e reformassem a vida, haveriam de perecer em seus pecados. Com grande perplexidade voltaram a Tetzel, queixando-se de que seu confessor recusara-lhes o certificado; e alguns ousadamente exigiram que se lhes restituísse o dinheiro. Os frade encheu-se de cólera. Proferiu as mais terríveis maldições, fez com que se acendessem fogos nas praças públicas, e declarou haver "recebido ordem do papa para queimar todos os hereges que pretendessem opor-se às suas santíssimas indulgências." - D'Aubigné.
     Entra Lutero, então, ousadamente, em sua obra como campeão da verdade. Sua voz era ouvida do púlpito em advertência ardorosa e solene. Expôs ao. povo o caráter ofensivo do pecado, ensinando-lhes ser impossível ao homem, por suas próprias obras, diminuir as culpas ou fugir ao castigo. Nada, a não ser o arrependimento para com Deus e a fé em Cristo, pode salvar o pecador. A graça de Cristo não pode ser comprada; é dom gratuito. Aconselhava o povo a não comprar indulgências, roas a olhar com fé para um Redentor crucificado. Relatou sua própria e penosa experiência ao procurar debalde pela humilhação e penitência conseguir salvação, e afirmou a seus ouvintes que foi olhando fora de si mesmo e crendo em Cristo que encontrara paz e alegria.
     Prosseguindo Tetzel com seu comércio e ímpias pretensões, Lutero decidiu-se a um protesto mais eficaz contra esses clamorosos abusos. Logo se lhe apresentou uma ocasião. A igreja do castelo de Vitembergue possuía muitas relíquias, que em certos dias santos eram expostas ao público, e concedia-se completa remissão de pecados a todos os que então visitassem a igreja e se confessassem. Em conformidade com isto, o povo naqueles dias para ali acudia em grande número. Uma das mais importantes destas ocasiões, a festa de "Todos os Santos," estava-se aproximando.
     Na véspera, Lutero, reunindo-se às multidões que já seguiam para a igreja, afixou na porta desta um papel contendo noventa e cinco proposições contra a doutrina das indulgências. Declarou sua disposição de defender essas teses no dia seguinte na universidade, contra todos os que achassem conveniente atacá-Ias.
     Suas proposições atraíram a atenção geral. Eram lidas e relidas, e repetidas de todos os lados. Estabeleceu-se grande excitação na universidade e na cidade inteira. Mostravam essas teses que o poder de conferir o perdão do pecado e remir de sua pena, jamais fora confiado ao papa ou a qualquer outro homem. Todo esse plano era uma farsa, um artifício para extorquir dinheiro, valendo-se das superstições do povo -expediente de Satanás para destruir a alma de todos os que confiassem em suas pretensões mentirosas. Mostrou-se também claramente que o evangelho de Cristo é o mais valioso tesouro da igreja, e que a graça de Deus, nele revelada, é livremente concedida a todos os que a buscam com arrependimento e fé.
     As teses de Lutero desafiavam discussão; mas ninguém ousou aceitar o repto. As questões por ele propostas, em poucos dias se espalharam por toda a Alemanha, e em breves semanas repercutiram pela cristandade toda. Muitos dedicados romanistas que tinham visto e lamentado a terrível iniqüidade que prevalecia na igreja, mas não sabiam corno deter seus progressos, leram as proposições com grande alegria, reconhecendo nelas a voz de Deus. Pressentiam que o Senhor graciosamente estendera a mão para deter a maré de corrupção que crescia rapidamente e que promanava da Sé de Roma. Príncipes e magistrados secretamente se regozijavam de que estava para ser posto um paradeiro ao arrogante poder que negava o direito de apelar contra suas decisões.
     As multidões, supersticiosas e amantes do pecado, ficaram aterrorizadas quando se varreram os sofismas que lhes acalmavam os temores. Ardilosos eclesiásticos, interrompidos em sua obra de sancionar o crime, e vendo perigar seus lucros, encolerizaram-se e se arregimentaram para sustentar suas pretensões. O reformador teve atrozes acusadores a defrontar. Alguns o acusavam de agir precipitadamente e por impulso. Outros, de ser presunçoso, declarando mais que ele não era dirigido por Deus, mas que atuava por orgulho e ardor. "Quem é que não sabe," respondia ele, "que raramente um homem apresenta uma idéia nova, sem que tenha alguma aparência de orgulho, e seja acusado de excitar rixas? . . . Por que foram mortos Cristo e todos os mártires? Porque pareciam ser orgulhosos desprezadores da sabedoria de seu tempo, e porque apresentavam idéias novas sem ter primeiro humildemente tomado conselho com os oráculos das antigas opiniões."
     Declarou mais: "O que quer que eu faça, não será feito pela prudência do homem, mas pelo conselho de Deus. Se a obra for de Deus, quem a poderá deter? se não, quem a poderá promover? Nem minha vontade, nem a deles, nem a nossa; ruas a Tua vontade, ó santo Pai, que estás no Céu." -D'Aubigné.
     Posto que Lutero tivesse sido movido pelo Espírito de Deus para iniciar sua obra, não a deveria ele levar avante sem severos conflitos. As exprobrações dos inimigos, a difamação de seus propósitos e os injustos e maldosos reparos acerca de seu caráter e intuitos, sobrevieram-lhe como um dilúvio avassalador; e não ficaram sem efeito. Ele confiara em que os dirigentes do povo, tanto na igreja corno nas escolas, se lhe uniriam alegremente nos esforços em favor da Reforma. Palavras de animação por parte dos que se achavam em elevadas posições, haviam-lhe inspirado alegria e esperança. Já, em antecipação, vira ele um dia mais radiante despontar para a igreja. Mas a animação tinha-se transformado em censuras e condenações. Muitos dignitários, tanto da Igreja como do Estado, estavam convictos da verdade de suas teses; mas logo viram que a aceitação dessas verdades implicaria grandes mudanças. Esclarecer e reformar o povo corresponderia virtualmente a minar a autoridade de Roma, sustar milhares de torrentes que ora fluíam para o seu tesouro e, assim, grandemente cercear a extravagância e luxo dos chefes papais. Demais, ensinar o povo a pensar e agir como seres responsáveis, buscando apenas de Cristo a salvação, subverteria o trono do pontífice, destruindo finalmente sua própria autoridade. Por esta razão recusaram o conhecimento a eles oferecido por Deus, e se dispuseram contra Cristo e a verdade pela sua oposição ao homem que Ele enviara para os esclarecer.
     Lutero tremia quando olhava para si mesmo - um só homem opor-se às mais poderosas forças da ,Terra. Algumas vezes duvidava se havia sido, na verdade, levado por Deus a colocarse contra a autoridade da igreja. "Quem era eu," escreveu ele, "para opor-me à majestade do papa, perante quem . . . os reis da Terra e o mundo inteiro tremiam? . . . Ninguém poderá saber o que meu coração sofreu durante estes primeiros dois anos, e em que desânimo, poderia dizer em que desespero, me submergi." - D'Aubigné. Mas ele não foi abandonado ao desânimo. Quando faltou o apoio humano, olhou para Deus somente, e aprendeu que poderia arrimar-se em perfeita segurança Àquele todo-poderoso braço.
     A um amigo da Reforma, Lutero escreveu: "Não podemos atingir a compreensão das Escrituras, quer pelo estudo quer pelo intelecto. Teu primeiro dever é começar pela oração. Roga ao Senhor que te conceda, por Sua grande misericórdia, o verdadeiro entendimento de Sua Palavra. Não há nenhum intérprete da Palavra de Deus senão o Autor dessa Palavra, como Ele mesmo diz: 'E serão todos ensinados por Deus.' Nada esperes de teus próprios trabalhos, de tua própria compreensão: confia somente em Deus, e na influência de Seu Espírito. Crê isto pela palavra de um homem que tem tido experiência."
     D'Aubigné. Eis aqui uma lição de importância vital para os que sentem que Deus os chamou a fim de apresentar a outrem as verdades solenes para este tempo. Estas verdades suscitarão a inimizade de Satanás e dos homens que amam as fábulas que ele imaginou. No conflito com os poderes do mal, há necessidade de algo mais do que força de intelecto e sabedoria humana.
     Quando inimigos apelavam para os costumes e tradições, ou para as asserções e autoridade do papa, Lutero os enfrentava com a Bíblia, e com a Bíblia unicamente. Ali estavam argumentos que não podiam refutar; portanto os escravos do formalismo e superstição clamavam por seu sangue, como o fizeram os judeus pelo sangue de Cristo. "Ele é um herege," bradavam os zelosos romanos. "E alta traição à igreja permitir que tão horrível herege viva uma hora mais. Arme-se imediatamente para ele a forca!" - D'Aubigné.
     Lutero, porém, não caiu vítima da fúria deles. Deus tinha uma obra para ele fazer, e a fim de o proteger foram enviados anjos do Céu. Entretanto, muitos que de Lutero tinham recebido a preciosa luz, tornaram-se objeto da ira de Satanás, e por amor à verdade sofreram corajosamente tortura e morte.
     Os ensinos de Lutero atraíram a atenção dos espíritos pensantes de toda a Alemanha. De seus sermões e escritos procediam raios de luz que despertavam e iluminavam a milhares. Uma fé viva estava tomando o lugar do morto formalismo em que a igreja se mantivera durante tanto tempo. O povo estava diariamente perdendo a confiança nas superstições do romanismo. As barreiras do preconceito iam cedendo. A Palavra de Deus, pela qual Lutero provava toda a doutrina e qualquer reclamo, era semelhante a uma espada de dois gumes, abrindo caminho ao coração do povo. Por toda parte se despertava o desejo de progresso espiritual. Fazia séculos que não se via, tão generalizada, a fome e sede de justiça. Os olhos do povo, havia tanto voltados para ritos humanos e mediadores terrestres, volviam-se agora em arrependimento e fé para Cristo, e Este crucificado.
     Esse interesse generalizado, mais ainda despertou os temores das autoridades papais. Lutero recebeu intimação para comparecer a Rosna, a fim de responder pela acusação de heresia. A ordem encheu de terror a seus amigos. Sabiam perfeitamente bem o perigo que o ameaçava naquela corrupta cidade, já embriagada com o sangue dos mártires de Jesus. Protestaram contra sua ida a Roma, e requereram fosse ele interrogado na Alemanha.
     Assim se fez por fira e foi designado o núncio papal para ouvir o caso. Nas instruções comunicadas pelo pontífice a esse legado, referiu-se que Lutero fora já declarado herege. O núncio foi, portanto, encarregado, de o "processar e constranger serra demora." Se ele permanecesse firme, e o legado não conseguisse apoderar-se de sua pessoa, tinha poderes "para proscrevê-lo em todas as partes da Alemanha; banir, amaldiçoar e excomungar todos os que estivessem ligados a ele." - D'Aubigné. E, além disso, determinou a seu legado, a fim de desarraigar inteiramente a pestífera heresia, que, exceto o imperador, excomungasse de qualquer dignidade na Igreja ou Estado, a todos os que negligenciassem prender Lutero e seus adeptos, entregando-os à vingança de Roma.
     Aqui se patenteia o verdadeiro espírito do papado. Nenhum indício de princípios cristãos, ou mesmo de justiça comum, se pode notar no documento todo. Lutero estava a grande distância de Roma; não tivera oportunidade de explicar ou defendesua atitude; no entanto, antes que seu caso fosse investigado. era sumariamente declarado herege, e no mesmo dia exortado, acusado, julgado e condenado; e tudo isto por aqueie que se intitulava santo pai, a única autoridade suprema, infalível na Igreja ou no Estado!
     Nessa ocasião, em que Lutero tanto necessitava da simpatia e conselho d-e um verdadeiro amigo, a providência de Deus enviou Melâncton a Vitembergue. Jovem, modesto e tímido nas maneiras, o são discernimento de Melâncton, seu extenso saber e convincente eloqüência, combinados core a pureza e retidão de caráter, conquistaram admiração e estima gerais. O brilho de seus talentos não era mais assinalado do que a gentileza de suas maneiras. Logo se tornou um fervoroso discípulo do evangelho, o amigo de mais confiança e valioso apoio para Lutero, servindo sua brandura, prudência e exatidão de complemento à coragem e energia daquele. Sua cooperação na obra acrescentou força à Reforma, e foi uma fonte de grande animação para Lutero.
     Augsburgo fora designada como o lugar para o processo, e o reformador partiu a pé para fazer a viagem até lá. Alimentavam-se sérios temores a seu respeito. Fizeram-se abertamente ameaças de que ele seria agarrado e assassinado no caminho, e seus amigos rogaram-lhe que se não aventurasse. Solicitaramlhe mesmo que durante algum tempo saísse de Vitembergue e procurasse segurança com os que de bom grado o protegeriam. Ele, porém, não queria deixar a posição em que Deus o colocara. Deveria continuar fielmente a manter a verdade, apesar das procelas que sobre ele se abatiam. Sua expressão era: "Sou como jeremias, homem de lutas e contendas; mas, quanto mais aumentam suas ameaças, mais cresce a minha alegria . . . . já destruíram minha honra e reputação. Uma única coisa permanece: meu desprezível corpo; que o tomem, abreviarão assim, por algumas horas, a rainha vida. Mas, quanto a minha alma, não a podem tomar. Aquele que deseja proclamar a verdade de Cristo ao mundo, deve esperar a morte a cada momento." - D'Aubigné.
     As notícias da chegada de Lutero a Augsburgo deram grande satisfação ao legado papal. O perturbador herege que despertava a atenção do mundo inteiro, parecia agora era poder de Roma, e o legado decidiu que ele não escapasse. O reformador deixara de munir-se de salvo-conduto. Seus amigos insistiam em que serra ele não aparecesse perante o legado, e eles próprios se empenharam em consegui-lo do imperador. O núncio tencionava obrigar a Lutero, sendo possível, a retratarse, ou, não conseguindo isto, fazer com que fosse levado a Roma, para participar da sorte de Huss e Jerônimo. Por conseguinte, mediante seus agentes esforçou-se por induzir Lutero a aparecer sem salvo-conduto, confiante em sua misericórdia. Isto o reformador se recusou firmemente a fazer. Antes que recebesse o documento hipotecando-lhe a proteção do imperador, não compareceu à presença do embaixador papal.
     Haviam decidido os romanistas, como ardileso expediente, tentar ganhar a Lutero cora aparência de amabilidade. O legado, em suas entrevistas core ele, mostrava grande amizade; mas exigia que Lutero se submetesse implicitamente à autoridade da igreja, e cedesse em todos os pontos sem argumentação ou questões. Não avaliara devidamente o caráter do homem com quem devia tratar. Lutero, em resposta, exprimiu sua consideração pela igreja, seu desejo de verdade, sua prontidão em responder a todas as objeções ao que ele havia ensinado, e em submeter suas doutrinas à decisão de algumas das principais universidades. Mas ao mesmo tempo protestava contra a maneira de agir do cardeal, exigindo-lhe retratar-se sem ter provado estar ele em erro.
     A única resposta foi: "Retrate-se, retrate-se!" Ca reformador mostrou que sua atitude era apoiada pelas Escrituras, e declarou com firmeza que não poderia renunciar à verdade. O legado, incapaz de responder ao argumento de Lutero, cumulou-o com uma tempestade de exprobrações, zombarias, escárnios e lisonjas, entremeados de citações da tradição e dos dizeres dos pais da igreja, sem proporcionar ao reformador oportunidade de falar. Vendo que a conferência, assim continuando, seria completamente vã, Lutero obteve, por fim, relutante permissão para apresentar sua resposta por escrito.
     "Assim fazendo," disse ele, escrevendo a um amigo, "os oprimidos encontrara duplo proveito; primeiro, aquilo que escrevi pode ser submetido ao juízo de outrem; segundo, tem-se melhor oportunidade de trabalhar cora os temores, se é que não coro a consciência, de um déspota arrogante e palrador, que do contrário dominaria pela sua linguagem imperiosa." – Vida e Tempos de Lutero, de Martyn.
     Na próxima entrevista, Lutero apresentou uma exposição clara, concisa e poderosa, de suas opiniões, amplamente apoiadas por munas citações das Escrituras. Este documento, depois de o ter lido em voz alta, entregou ao cardeal que, entretanto, o lançou desdenhosamente ao lado, declarando ser ele um acervo de palavras ociosas e citações que nada provavam. Lutero, assira estimulado, defronta então o altivo prelado em seu próprio terreno - as tradições e ensinos da igreja - e literalmente derrota suas afirmações.
     Quando o prelado viu que o raciocínio de Lutero era irrespondível, perdeu todo o domínio de si mesmo e, colérico, exclamou: "Retrate-se! ou mandá-lo-ei a Roma, para ali comparecer perante os juízes comissionados para tomarem conhecimento de sua causa. Excomungá-lo-ei e a todos os seus partidários, e a todos os que em qualquer ocasião o favorecerem, e os lançarei fora da igreja." E finalmente declarou, em tom altivo e irado: "Retrate-se, ou não volte mais!" - D'Aubigné.
     O reformador de pronto se retirou com os amigos, declarando assim plenamente que nenhuma retratação se deveria esperar dele. Isto não era o que o cardeal se propusera. Ele se havia lisonjeado de poder pela violência forçar Lutero a submeter-se. Agora, deixado só com os que , o apoiavam, olhava para ura e para outro, em completo desgosto pelo inesperado fracasso de seus planos.
     Os esforços de Lutero nesta ocasião , não ficaram sem bons resultados. A grande assembléia presente tivera oportunidade de comparar os dois homens, e julgar por si do espírito manifestado por eles, bem corno da força e verdade de suas posições. Quão assinalado era o contraste! O reformador, simples, humilde, firme, permanecia na força de Teus, tendo ao seu Lado a verdade; o representante do papa, importante a seus próprios olhos, despótico, altivo e desarrazoado, achava-se sem um único argumento das Escrituras, exclamando, no entanto, veementemente: "Retrate-se, ou será enviado a Roma para o castigo!"
     Se bem que Lutero se houvesse munido de salvo-conduto, os romanistas estavam conspirando para apanhá-lo e aprisionálo. Seus amigos insistiam em que, corno lhe era inútil prolongar sua permanência, deveria serra demora voltar a Vitembergue, e que a máxima cautela se deveria ter no sentido de ocultar suas intenções. De acordo com isto, ele deixou Augsburgo antes do raiar do dia, a cavalo, acompanhado apenas de um guia a ele fornecido pelo magistrado. Com muitos pressentimentos atravessou sem ser percebido as ruas escuras e silenciosas da cidade. Inimigos, vigilantes e cruéis, estavam a conspirar para a sua destruição. Escaparia das ciladas que lhe preparavam? Eram momentos de ansiedade e fervorosas orações. Atingiu uma pequena porta no muro da cidade. Abriu-se-lhe e, com o guia, por ela passou sem impedimento. Uma vez livres do lado de fora, os fugitivos apressaram a fuga e, antes que o legado soubesse da partida de Lutero, achava-se ele além do alcance de seus perseguidores. Satanás e seus emissários estavam derrotados. O homem que haviam pensado estar em seu poder, tinha-se ido, escapara-se, como um pássaro da armadilha do caçador.
     Com as notícias da fuga de Lutero, o legado ficou opresso de surpresa e cólera. Esperara ele receber grande honra por seu tino e firmeza ao tratar com o perturbador da igreja; mas frustrara-se-lhe a esperança. Deu expressão ã sua raiva em carta a Frederico, o eleitor da Saxônia, denunciando com amargura a Lutero, e reclamando que Frederico enviasse o reformador a Roma ou que o banisse da Saxônia.
     Em sua defesa, Lutero insistia em que o legado do papa lhe mostrasse seus erros pelas Escrituras, e comprometia-se da maneira trais solene a renunciar a suas doutrinas se se pudesse mostrar estarem em desacordo com a Palavra divina. E exprimia sua gratidão a Deus por haver sido considerado digno de sofrer por uma causa tão santa.
     O eleitor possuía ainda pouco conhecimento das doutrinas reformadas, mas estava fundamente impressionado pela sinceridade, força e clareza das palavras de Lutero; e, até que se provasse estar o reformador em erro, resolveu Frederico permanecer como seu protetor. Em resposta ao pedido do legado, escreveu: "disto que o Dr. Martinho compareceu perante vós, em Augsburgo, deveríeis estar satisfeito. Não esperávamos que vos esforçásseis por fazê-lo retratar-se sem o haver convencido de seus erros. Nenhum dos homens doutos de nosso principado me informou de que a doutrina de Martinho seja ímpia, anticristã ou herética.' O príncipe recusou-se, além disso, a enviar Lutero a Roma, ou expulsá-lo de seus domínios." D'Aubigné.
     O eleitor notara uma derrocada geral das restrições morais na sociedade. Era indispensável grande obra de reforma. As complicadas e dispendiosas medidas para restringir e punir o crime seriam desnecessárias se os homens tão-somente reconhecessem e obedecessem à lei de Deus e aos ditames de uma consciência esclarecida. O eleitor via que Lutero trabalhava para conseguir este objetivo, e secretamente se regozijava de que uma influência melhor se estivesse fazendo sentir na igreja.
     Via também que, como professor na universidade, Lutero tivera extraordinário êxito. Um ano apenas se passara desde que o reformador afixara as teses na igreja do castelo e, no entanto, já havia grande baixa no número de peregrinos que visitavam a igreja na festa de Todos os Santos. Roma fora privada de adoradores e ofertas, mas seu lugar se preenchera por outra classe que agora vinha a Vitembergue, não como peregrinos para adorar suas relíquias, mas como estudantes para encher as suas salas de estudo. Os escritos de Lutero haviam suscitado por toda parte novo interesse nas Escrituras Sagradas, e não somente de todos os recantos da Alemanha, mas de outros países, se congregavam estudantes na universidade. Moços, chegando à vista de Vitembergue pela primeira vez, "erguiam as mãos ao Céu e louvavam a Deus por ter feito com que desta cidade a luz da verdade resplandecesse como de Sião, nos tempos antigos, e dali se espalhasse mesmo aos mais longínquos países." - D'Aubigné.
     Lutero ainda não estava de todo convertido dos erros do romanismo. Enquanto, porém, comparava os Santos Oráculos coro os decretos e constituições papais, enchia-se de espanto. "Estou lendo," escreveu ele, "os decretos dos pontífices, e . . . não sei se o-papa é o próprio anticristo, ou seu apóstolo, em tão grande maneira Cristo é neles representado falsamente e crucificado." D'Aubigné. No entanto, Lutero nessa ocasião era ainda adepto da Igreja de Roma, e não tinha o pensamento de que em algum tempo se separaria de sua comunhão.
     Os escritos e doutrinas do reformador estendiam-se a todas as nações da cristandade. A obra espalhou-se à Suíça e Holanda. Exemplares de seus escritos tiveram ingresso na França e Espanha. Na Inglaterra, seus ensinos eram recebidos como palavras de vida. A Bélgica e Itália também se estendeu a verdade. Milhares estavam a despertar do torpor mortal para a alegria e esperança de uma vida de fé.
     Roma exasperou-se cada vez mais com os ataques de Lutero, e por alguns de seus fanáticos oponentes foi declarado, mesmo por doutores das universidades católicas, que aquele que matasse o monge rebelde estaria sem pecado. Certo dia, uni estranho, core uma arma de fogo escondida sob a capa, aproximou-se do reformador, e perguntou porque ia assim sozinho. "Estou nas mãos de Deus," respondeu Lutero. "Ele é minha força e meu escudo. Que me poderá fazer o homem?" D'Aubigné. Ouvindo estas palavras o estranho empalideceu, e fugiu como se fosse da presença de anjos do Céu.
     Roma estava empenhada na destruição de Lutero, mas Deus era a sua defesa. Suas doutrinas eram ouvidas em toda parte, "nas cabanas e nos conventos, . . . nos castelos dos nobres, nas universidades e nos palácios dós reis;" e homens nobres surgiram por toda parte para amparar-lhe os esforços. D'Aubigné.
     Foi aproximadamente por esse tempo que Lutero, lendo as obras de Huss, achou que a grande verdade da justificação pela fé, que ele próprio procurava sustentar e ensinar, tinha sido mantida pelo reformador boêmio. "Nós todos," disse Lutero, "S. Paulo, Sto. Agostinho, e eu mesmo, temos sido hussitas, sem o saber!" "Deus certamente disso tomará contas ao mundo," continuou ele, "de que a verdade a ele pregada há um século tenha sido queimada!" - Wylie.
     Num apelo ao imperador e à nobreza da Alemanha, em favor da Reforma do cristianismo, Lutero escreveu relativamente ao papa: "É horrível contemplar o homem que se intitula vigário de Cristo, a ostentar uma magnificência que nenhum imperador pode igualar. É isso ser semelhante ao pobre Jesus, ou ao humilde S. Pedro? Ele é, dizem, o senhor do mundo! Mas Cristo, cujo vigário ele se jacta de ser, disse: 'Meu reino não é deste mundo.- Podem os domínios de um vigário estender-se além dos de seu superior?" -D'Aubigní.
     Assim escreveu ele acerca das universidades: "Receio muito que as universidades se revelem grandes portas do inferno, a menos que diligentemente trabalhem para explicar as Santas Escrituras, e gravá-las no coração dos jovens. Não aconselho ninguém a pôr seu filho onde as Escrituras não reinem supremas. Toda instituição em que os homens não se achem incessantemente ocupados com a Palavra - de Deus, tem de tornarse corrupta." - D'Aubigné.
     Esse apelo circulou rapidamente por toda a Alemanha e exerceu poderosa influência sobre o povo. A nação toda foi abalada, e multidões se animaram a arregimentar-se em redor do estandarte da Reforma. Os oponentes de Lutero, ardentes no desejo de vingança, insistiam em que o papa tomasse medidas decisivas contra ele. Decretou-se que suas doutrinas fossem imediatamente condenadas. Sessenta dias foram concedidos ao reformador e a seus adeptos, findos os quais, se não abjurassem, deveriam todos ser excomungados.
     Foi uma crise terrível para a Reforma. Durante' séculos, a sentença de excomunhão, de Roma, ferira de terror a poderosos monarcas; enchera fortes impérios de desgraça e desolação. Aqueles sobre quem, caía sua condenação, eram universalmente considerados com espanto e horror; cortavam-se-lhes as relações com seus semelhantes, e eram tratados como proscritos que se deveriam perseguir até à exterminação. Lutero não tinha os olhos fechados à tempestade prestes a irromper sobre ele, ruas permaneceu firme, confiando em que Cristo lhe seria apoio e escudo. Com fé e coragem de mártir escreveu: "O que está para acontecer não sei, nem cuido em sabê-lo . . .. Caia onde cair o golpe, não tenho receio. Nem ao menos uma folha tomba ao solo sem a vontade de nosso Pai. Quanto mais não cuidará Ele de nós! Coisa fácil é morrer pela Palavra, visto que a própria Palavra ou o Verbo, que Se fez carne, morreu. Se morrermos com Ele, coro Ele viveremos; e passando por aquilo por que Ele passou antes de nós, estaremos onde Ele está, e cora Ele habitaremos para sempre." - D'Aubigné.
     Quando a bula papal chegou a Lutero, disse ele: "Desprezo-a e ataco-a como ímpia, falsa . ... E o próprio Cristo que nela é condenado . . . . Regozijo-me por ter de suportar tais males pela melhor das causas. Sinto já maior liberdade em meu coração; pois finalmente sei que o papa é o anticristo, e que o seu trono é o do próprio Satanás." D'Aubigné.
     Todavia a ordem de Roma não foi sem efeito. A prisão, tortura e espada eram armas potentes para forçar à obediência. Os fracos e supersticiosos tremiam perante o decreto do papa; e, conquanto houvesse simpatia geral por Lutero, muitos sentiam que a vida era por demais preciosa para que fosse arriscada na causa da Reforma. Tudo parecia indicar que a obra do reformador estava a ponto de terminar.
     Mas Lutero ainda era destemido. Roma tinha arremessado seus anátemas contra ele, e o mundo olhava, nada duvidando de que perecesse ou fosse obrigado a render-se. Mas com poder terrível ele rebateu contra ela a sentença de condenação, e publicamente declarou sua decisão de abandoná-la para sempre. Na presença de uma multidão de estudantes, doutores e cidadãos de todas as classes, Lutero queimou a bula papal, com as leis canônicas, decretais e certos escritos que sustentavam o poder papal. "Meus inimigos, queimando meus livros, foram capazes," disse ele, "de prejudicar a causa da verdade no espírito do povo comum, e destruir-lhes a alma; por esse motivo consumo seus livros, em retribuição. Unta luta séria acaba de começar. Até aqui tenho estado apenas a brincar cora o papa. Iniciei esta obra no nome de Deus; ela se concluirá sem mim, e pelo Seu poder." -D'Aubigné.
     As exprobrações dos inimigos, que dele zombavam pela fraqueza de sua causa, Lutero respondia: "Quem sabe se Deus não me escolheu e chamou, e se eles não deverão temer que, ao desprezar-me, desprezem ao próprio Deus? Moisés esteve só, na partida do. Egito; Elias esteve só, no reino do rei Acabe; Isaías só, em Jerusalém; Ezequiel só, em Babilônia . ... Deus nunca escolheu como profeta nem o sumo sacerdote, nem qualquer outra grande, personagem; ruas comumente escolhia homens humildes e desprezados, e uma vez mesmo o pastor Amós. Em todas as épocas, os santos tiveram que reprovar os grandes, reis, príncipes, sacerdotes e sábios, com perigo de vida . . . . Não me considero profeta; mas digo que eles devem temer precisamente porque estou só e eles são muitos. Disto estou certo: que a Palavra de Deus está comigo, e não com eles." - D'Aubigné.
     Entretanto, não foi sem terrível luta consigo mesmo que Lutero se decidiu a uma separação definitiva da igreja. Foi aproximadamente por esse tempo que escreveu: "Sinto cada dia mais e mais quão difícil é pôr de parte os escrúpulos que a gente absorveu na meninice. Oh! quanta dor me causou, posto que eu tivesse as Escrituras a meu lado, o justificar a ruim mesmo que eu ousaria assumir atitude contra o papa, e tê-lo na conta de anticristo! Quais não foram as tribulações de meu coração! Quantas vezes não fiz a mim mesmo, com amargura, a pergunta que era tão freqüente nos lábios dos adeptos do papa: 'Só tu és sábio? Poderão todos os mais estar errados? Como será se afinal de contas, és tu que te achas errado, e estás a envolver em teu erro tantas almas, que então serão eternamente condenadas?' Era assim que eu lutava comigo mesmo e com Satanás, até que Cristo, por Sua própria e infalível Palavra, me fortaleceu o coração contra estas dúvidas." -Vida e Tempos de Lutero, de Martyn.
     O papa ameaçara Lutero de excomunhão .se ele não se retratasse, e a ameaça agora se cumprira. Apareceu nova bula, declarando a separação final do reformador, da Igreja de Roma, denunciando-o como amaldiçoado do Céu e incluindo na mesma condenação todos os que recebessem suas doutrinas. Tinhase entrado completamente na grande contenda.
     A oposição é o quinhão de todos aqueles a quem Deus emprega para apresentar verdades especialmente aplicáveis a seu tempo. Havia uma verdade presente nos dias de Lutero verdade de especial importância naquele tempo; há uma verdade presente para a igreja hoje. Aquele que todas as coisas faz segundo o conselho de Sua vontade, foi servido colocar os homens em circunstâncias várias, e ordenar-lhes deveres peculiares aos tempos em que vivem e às condições sob as quais são postos. Se prezassem a luz a eles concedida, patentear-se-iam diante deles roais amplas perspectivas da verdade. Esta, porém, não é hoje desejada pela maioria, mais do que o foi pelos romanistas que se opunham a Lutero. Há, para aceitar teorias e tradições de homens em vez de a Palavra de Deus, a mesma disposição das eras passadas. Os que apresentam a verdade para este tempo não devem esperar ser recebidos com mais favor do que o foram os primeiros reformadores. O grande conflito entre a verdade e o erro, entre Cristo e Satanás, há de aumentar em intensidade até ao final da história deste mundo.
     Disse Jesus a Seus discípulos: "Se vós fôsseis do mundo, o mundo amaria o que era seu, toas porque não sois do mundo, antes Eu vos escolhi do mundo, por isso é que o mundo vos aborrece. Lembrai-vos da palavra que vos disse: Não é o servo maior do que o seu senhor. Se a Mim Me perseguiram, também vos perseguirão a vós; se guardaram a Minha palavra, também guardarão a vossa." S. João 15:19 e 20. E, por outro lado, declarou nosso Senhor explicitamente: "Ai de vós quando todos os homens de vós disserem bem, porque assim faziam seus pais aos falsos profetas." S. Lucas 6:26. O espírito do mundo não está hoje mais em harmonia com o espírito de Cristo do que nos primitivos tempos; e os que pregam a Palavra de Deus em sua pureza não serão recebidos agora com maior favor do que o foram naquele tempo. As maneiras de oposição à verdade podem mudar, a inimizade pode ser menos manifesta porque é mais arguta; mas o mesmo antagonismo ainda existe, e se manifestará até ao fim do tempo.


 
CAPÍTULO 8

O Poder Triunfante

     Um novo imperador, Carlos V, subira ao trono da Alemanha, e os emissários de Roma se apressaram a apresentar suas congratulações e induzir o monarca a empregar seu poder contra a Reforma. De um lado, o eleitor da Saxônia, a quem Carlos em grande parte devia a coroa, rogava-lhe não dar passo algum contra Lutero antes de lhe conceder oportunidade de se fazer ouvir. O imperador ficou assim colocado em posição de grande perplexidade e embaraço. Os adeptos do papa ruão ficariam satisfeitos com coisa alguma a não ser um edito imperial sentenciando Lutero à morte. O eleitor declarara firmemente que "nem sua majestade imperial, nem outra pessoa qualquer tinha demonstrado haverem sido refutados os escritos de Lutero"; portanto, pedia "que o Dr. Lutero fosse provido de salvo-conduto, de maneira que pudesse comparecer perante um tribunal de juízes sábios, piedosos e imparciais." D'Aubigné.
     A atenção de todos os partidos dirigia-se agora para a assembléia dos Estados alemães que se reuniu em Worms logo depois da ascensão de Carlos ao poder imperial. Havia importantes questões e interesses políticos a serem considerados por esse concilio, nacional. Pela primeira vez os príncipes da Alemanha deveriam encontrar-se com seu jovem monarca numa assembléia deliberativa. De todas as partes da pátria haviam chegado os dignitários da Igreja e do Estado. Fidalgos seculares, de elevada linhagem, poderosos e ciosos de seus direitos hereditários; eclesiásticos principescos, afetados de sua consciente superioridade em ordem social e poderio; cavalheiros da corte e seus partidários armados; e embaixadores de países estrangeiros e longínquos - todos se achavam reunidos em Worms. Contudo, naquela vasta assembléia, o assunto que despertava o mais profundo interesse era a causa do reformador saxônio.
     Carlos previamente encarregara o eleitor de levar consigo Lutero à Dieta, assegurando-lhe proteção e prometendo franco estudo das questões em contenda, com pessoas competentes. Lutero estava ansioso por comparecer perante o imperador. Sua saúde achava-se naquela ocasião muito alquebrada; não obstante escreveu ao eleitor: "Se eu não puder ir a Worms cora boa saúde, serei levado para lá, doente como estou. Pois se o imperador me chama, não posso duvidar de que é o chamado do próprio Deus. Se desejarem usar de violência para comigo (e isto é muito provável, pois não é para a instrução deles que me ordenam comparecer), ponho o caso nas mãos do Senhor. Ainda vive e reina Aquele que preservou os três jovens na fornalha ardente. Se Ele me não salvar, minha vida é de pouca importância. 'ião-somente evitemos que o evangelho seja exposto ao escárnio dos ímpios; e por ele derramemos nosso sangue, de preferência a deixar que eles triunfem. Não me compete decidir se minha vida ou minha morte contribuirá mais para a salvação de todos . . . . Podeis esperar tudo de mim . . . exceto fuga e abjuração. Fugir não posso, e menos ainda me retratar." D'Aubigné.
     Quando em Worms circularam as notícias de que Lutero deveria comparecer perante a Dieta, houve geral excitação. Aleandro, o delegado papal a quem fora especialmente confiado o caso, estava alarmado e enraivecido. Via que o resultado seria desastroso para a causa papal. Instituir inquérito sobre um caso em que o papa já havia pronunciado sentença de morte, seria lançar o desdém sobre a autoridade do soberano pontífice. Além disso, tinha apreensões de que os eloqüentes e poderosos argumentos daquele homem pudessem desviar da causa do papa muitos dos príncipes.
     Com muita insistência, pois, advertiu Carlos contra o aparecimento de Lutero em Worms. Por este tempo foi publicada a bula que declarava a excomunhão de Lutero. Este fato, em acréscimo às representações do legado, induziu o imperador a ceder. Escreveu ao eleitor que, se Lutero não se retratasse, deveria permanecer em Vitembergue.
     Não contente com esta vitória, Aleandro trabalhou com toda a força e astúcia que possuía, para conseguir a condenação de Lutero. Com uma persistência digna de melhor causa, insistiu em que o caso chegasse à atenção dos príncipes, prelados e Outros membros da assembléia, acusando o reformador de sedição, rebelião e blasfêmia." Mas a veemência e paixão manifestadas pelo legado revelaram demasiadamente claro o espírito que o impulsionava. "Ele é movido pelo ódio e vingança," foi a observação geral, "muito mais do que pelo zelo e piedade." - D'Aubigné. A maior parte da Dieta estava mais do que nunca inclinada a considerar favoravelmente a causa de Lutero.
     Com redobrado zelo insistia Aleandro com o imperador sobre o dever de executar os editos papais. Mas, pelas leis da Alemanha, não se poderia fazer isto sem o apoio dos príncipes; e vencido finalmente pela importunação do legado, Carlos ordenou-lhe apresentar seu caso à Dieta.
     "Foi um dia pomposo para o núncio. A assembléia era grandiosa; a causa ainda maior. Aleandro deveria pleitear em favor de Roma, . . . mãe e senhora de todas as igrejas." Deveria reivindicar a soberania de S. Pedro perante os principados da cristandade, reunidos em assembléia. "Possuía o dom da eloqüência e ergueu-se à altura da ocasião. Determinava a Providência que Roma aparecesse e pleiteasse peio mais hábil de seus oradores, na presença do mais augusto tribunal, antes que fosse condenada." - Wylie. Com alguns receios, os que favoreciam o reformador anteviam o efeito do discurso de Aleandro. O eleitor da Saxônia não estava presente, mas por sua ordem alguns de seus conselheiros ali se achavam para tomar notas do discurso do núncio.
     Com todo o prestígio do saber e da eloqüência, Aleandro se pôs a derribar a verdade. Acusação sobre acusação lançou ele contra Lutero, corno inimigo da Igreja e do Estado, dos vivos e dos mortos, do clero e dos leigos, dos concílios e dos cristãos em geral. "Nos erros de Lutero há o suficiente," declarou ele, para assegurar a queima de "cem mil hereges."
     Em conclusão esforçou-se por atirar o desprezo aos adeptos da fé reformada: "O que são estes luteranos? Uma quadrilha de insolentes pedantes, padres corruptos, devassos monges, advogados ignorantes e nobres degradados, juntamente com o povo comum a que transviaram e perverteram. Quanto lhes é superior o partido católico em número, competência e poder! Um decreto unânime desta ilustre assembléia esclarecerá os simples, advertirá os imprudentes, firmará os versáteis e dará força aos fracos." - D'Aubigné.
     Com tais armas têm sido, em todos os tempos, atacados os defensores da verdade. Os mesmos argumentos ainda se apresentam contra todos os que ousam mostrar, em oposição a erros estabelecidos, os simples e diretos ensinos da Palavra de Deus. "Quem são estes pregadores de novas doutrinas?" exclamam os que desejara uma religião popular. "São indoutos, pouco numerosos, e das classes pobres. Contudo pretendem ter a verdade e ser o povo escolhido de Deus. São ignorantes e estão enganados. Quão superior em número e influência é a nossa igreja! Quantos grandes e ilustres homens existem entre nós! Quanto mais poder há de nosso lado!" Tais são os argumentos que têm influência decisiva sobre o mundo; mas não são mais concludentes hoje do que o foram nos dias do reformador.
     A Reforma não terminou com Lutero, como muitos supõem. Continuará até ao fim da história deste mundo. Lutero teve grande obra a fazer, transmitindo a outros a luz que Deus permitira brilhar sobre ele; contudo, não recebeu toda a luz que deveria ser dada ao mundo. Desde aquele tempo até hoje, nova luz tem estado continuamente a resplandecer sobre as Escrituras, e novas verdades se têm desvendado constantemente.
     O discurso do legado produziu profunda impressão na Dieta. Não havia-presente nenhum Lutero, com as claras e convincentes verdades da Palavra de Deus, para superar o campeão papal. Nenhuma tentativa se fez para defender o reformador.
     Era manifesta a disposição geral de não somente condená-lo e as doutrinas que ele ensinava mas, sendo possível, desarraigar a heresia. Roma fruíra da mais favorável oportunidade para defender sua causa. 'cudo que ela poderia dizer em sua própria reivindicação, fora dito. Mas a aparente vitória foi o sinal da derrota. Dali em diante o contraste entre a verdade e o erro seria visto mais claramente, ao entrarem para a luta em campo aberto. Nunca mais desde aquele dia Roma se havia de sentir tão segura corno estivera.
     Conquanto a maior parte dos membros da Dieta não tivesse hesitado em entregar Lutero à vingança de Roma, muitos deles viam e deploravam a depravação existente na igreja, desejosos da supressão dos abusos de que sofria o povo alemão em conseqüência da corrupção e cobiça da hierarquia. O legado apresentara sob a luz mais favorável o dogma papal. O Senhor então constrangeu um membro da Dieta a dar uma descrição verdadeira dos efeitos da tirania papal. Com nobre firmeza, o duque Jorge da Saxônia se levantou naquela assembléia principesca e especificou com terrível precisão os enganos e abominações do papado e seus horrendos resultados. Disse ao concluir:
     "Tais são alguns dos abusos que clamam contra Roma. Toda vergonha foi posta à pare, e seu único objetivo é .. . dinheiro, dinheiro, dinheiro, . . . de maneira que os pregadores que deveriam ensinar a verdade, nada proferem senão falsidade, e são não somente tolerados rias recompensados, porque quanto maiores forem suas mentiras, tanto maior seu gànho. h, dessa fonte impura que fluem tais águas contaminadas. A devassidão estende a mão à avareza . . . . Ai! é o escândalo causado pelo clero que arremessa tantas pobres almas à condenação eterna. Deve-se efetuar uma reforma geral." - D'Aubigné.
     Uma denúncia mais hábil e convincente contra os abusos papais não poderia ter sido apresentada pelo próprio Lutero; e o fato de ser o orador inimigo decidido do reformador, deu maior influência às suas palavras.
     Se se abrissem os olhos dos que constituíam a assembléia, teriam visto anjos de Deus no meio deles, derramando raios de luz através das trevas do erro e abrindo mentes e corações à recepção da verdade. Era o poder do Deus da verdade e sabedoria que dirigia até os adversários da Reforma, preparando assim o carrinho para a grande obra prestes a realizar-se. Martinho Lutero não estava presente; mas a voz de Alguém, maior do que Lutero, fora ouvida naquela assembléia.
     Uma comissão foi logo designada pela Dieta para apresentar um relatório das opressões papais que tão esmagadoramente pesavam sobre o povo alemão. Esta lista, contendo cento e uma especificações, foi apresentada ao imperador, com o pedido de que ele tomasse imediatas medidas para a correção de tais abusos. "Que perda de almas cristãs," diziam os suplicantes, "que depredações, que extorsões, por causa dos escândalos de que se acha rodeada a cabeça espiritual da cristandade! F nosso dever evitar a ruína e desonra de nosso povo. Por esta razão, nós, de maneira humílima, mas com muita insistência, rogamovos ordeneis uma reforma geral, e empreendais a sua realização." - D'Aubigné.
     O concílio pediu então o comparecimento do reformador a sua presença. Apesar dos rogos, protestos e ameaças de Aleandro, o imperador finalmente consentiu, e Lutero foi intimado a comparecer perante a Dieta. Com a intimação foi expedido um salvo-conduto, assegurando sua volta a um lugar de segurança. Ambos foram levados a Vitembergue por um arauto, que estava incumbido de conduzir o reformador a Worms.
     Os amigos de Lutero estavam aterrorizados, angustiados. Sabendo do preconceito e inimizade contra ele, temiam que mesmo seu salvo-conduto não fosse respeitado, e rogavam-lhe não expusesse a vida ao perigo. Ele replicou: "Os sectários do papa não desejam minha ida a Worms, mas minha condenação e morte. Não importa. Não orem por mim, mas pela Palavra de Deus . ... Cristo me dará Seu Espírito para vencer esses ministros do erro. Desprezo-os em minha vida; triunfarei sobre eles pela rainha morte. Estão atarefados em Worms com intuito de me obrigarem a abjurar; e esta será a minha abjuração: anteriormente eu dizia que o papa é o vigário de Cristo; hoje assevero ser ele o adversário de nosso Senhor e o apóstolo do diabo." - D'Aubigné.
     Lutero não deveria fazer sozinho sua perigosa viagem. Além do mensageiro imperial, três de seus amigos mais certos se decidiram a acompanhá-lo. Melâncton ardorosamente quis unirse a eles. Seu coração estava ligado ao de Lutero, e anelava segui-lo, sendo necessário, à- prisão ou à morte. Seus rogos, porém, não foram atendidos. Se Lutero perecesse, as esperança da Reforma deveriam centralizar-se neste jovem colaborador. Disse o reformador quando se despediu de Melâncton: "Se eu não voltar e meus inimigos me matarem, continua a ensinar e permanece firme na verdade. Trabalha em meu lugar . ... Se sobreviveres, minha morte terá pouca conseqüência." - D'Aubigné. Estudantes e cidadãos que se haviam reunido para testemunharem a partida de Lutero, ficaram profundamente comovidos. Uma multidão, cujo coração havia sido tocado pele evangelho, deu-lhe as despedidas, em pranto. Assim, o reformador e seus companheiros partiram de Vitembergue.
     Viram em viagem que o espírito do povo se achava oprimido por tristes pressentimentos. Nalgumas cidades honras nenhumas lhes eram tributadas. Ao pararem para o pouso, um padre amigo exprimiu seus temores, segurando diante de Lutero o retrato de um reformador italiano que sofrera o martírio. No dia seguinte souberam que os escritos de Lutero havia. sido condenados em Worms. Mensageiros imperiais estavam proclamando o decreto do imperador, e apelando ao povo para trazerem aos magistrados as obras proscritas. O arauto, temendo pela segurança de Lutero no concilio e julgando que sua resolução já pudesse estar abalada, perguntou se ele ainda desejava ir avante. Respondeu: "Posto que interdito em todas as cidades, irei.” —D'Aubigné.
     Em Erfurt, Lutero foi recebido com honras. Cercado de multidões que o admiravam, passou pelas ruas que ele muitas vezes atravessara com a sacola de pedinte. Visitou sua capela no convento e pensou nas lutas pelas quais a luz que agora inundava a Alemanha se derramara em sua alma. Insistiu-se com ele a que pregasse. Isto lhe havia sido vedado, mas o arauto concedeu-lhe permissão, e o frade que fora outrora o serviçal do convento, subiu agora ao púlpito.
     A uma multidão que ali se reunira, falou ele sobre as palavras de Cristo: "Paz seja convosco." "Filósofos, doutores e escritores," disse ele, "têm-se esforçado por ensinar aos homens o meio para se obter a vida eterna, e não o têm conseguido. Contar-vos-ei agora: . . . Deus ressuscitou dos mortos um Homero, o Senhor Jesus Cristo, para que pudesse destruir a morte, extirpar o pecado e fechar as portas do inferno. Esta é a obra da salvação . . . . Cristo venceu estas são as alegres novas; e somos salvos por Sua obra, e não pela nossa própria . . . . Disse nosso Senhor Jesus Cristo: 'Paz seja convosco; olhai Minhas mãos;' isto quer dizer: Olha, ó homem! fui Eu, Eu só, que tirei teu pecado e te resgatei; e agora tens paz, diz o Senhor."
     Continuou, mostrando que a verdadeira fé se manifestará por uma vida santa. "Visto que Deus nos salvou, ordenemos nossos trabalhos de tal maneira que possam ser aceitáveis perante Ele. Es rico? administra teus bens às necessidades dos pobres. Se teu trabalho é útil apenas para ti, o serviço que pretendes prestar a Deus é uma mentira." - D'Aubigné.
     O povo ouvia como que extasiado. O pão da vida fora partido àquelas almas famintas. Perante elas Cristo foi levantado acima de papas, legados, imperadores e reis. Lutero não f°z referência alguma à sua posição perigosa. Tão procurou fazerse objeto dos pensamentos e simpatias. Na contemplação de Cristo perdera de vista o ene. Escondera-se por trás do Homem do Calvário, procurando apenas apresentar a Jesus como o Redentor do pecador.
     Prosseguindo viagem, o reformador era em toda parte olhado com grande interesse. Uma ávida multidão acotovelava-se em redor dele, e vozes amigas advertiam-no dos propósitos dos romanistas. "Eles vos queimarão," diziam alguns, "e reduzirão vosso corpo a cinzas, como fizeram com João Huss." Lutero respondia: "Ainda que acendessem por todo o caminho de Worms a Vitembergue uma fogueira cujas chamas atingissem o céu, em nome do Senhor eu caminharia pelo meio delas; compareceria perante eles; entraria pelas mandíbulas desse hipopótamo e lhe quebraria os dentes, confessando o Senhor Jesus Cristo." -D'Aubigné.
     A notícia de sua aproximação de Worms estabeleceu grande comoção. Os amigos tremiam de receio pela sua segurança; os inimigos temiam pelo êxito de sua causa. Fizeram-se acérrimos esforços para dissuadi-lo de entrar na cidade. Por instigação dos adeptos do papa, insistiu-se com ele para que se retirasse para o castelo de um cavalheiro amigo, onde, declaravase, todas as dificuldades poderiam ser amigavelmente resolvidas. Os amigos esforçavam-se por excitar-lhe os temores, descrevendo os perigos que o ameaçavam. Todos os seus esforços falharam. Lutero, ainda inabalável, declarou: "Mesmo que houvesse tantos demônios em Worms como telhas nos telhados, eu ali entraria." D'Aubigné.
     A sua chegada em Worms, vasta multidão se congregou às portas para lhe dar as boas-vindas. Concorrência tão grande não houvera para saudar o próprio imperador. A excitação foi intensa, e do meio da multidão, uma voz penetrante e lamentosa entoava um canto fúnebre como aviso a Lutero quanto à sorte que o esperava. "Deus será a minha defesa," disse ele, ao apear-se da carruagem.
     Os chefes papais não tinham acreditado que Lutero realmente se aventurasse a aparecer em Worms, e sua chegada encheu-os de consternação. O imperador imediatamente convocou seus conselheiros para considerarem como deveriam agir. Um dos bispos, romanista rígido, declarou: Temo-nos consultado durante muito tempo acerca deste assunto. Livre-se vossa majestade imperial, de urna vez, deste homem. Não fez Sigismundo com que João Huss fosse queimado? Não somos obrigados a dar nem a observar o salvo-conduto de um herege." "Não," disse o imperador; "devemos cumprir nossa promessa." - D'Aubigné. Decidiu-se, portanto, que o reformador fosse ouvido.
     A cidade toda se achava sôfrega por ver este homem notável, e uma-multidão de visitantes logo encheu suas estalagens. Lutero havia-se apenas restabelecido de enfermidade recente; estava cansado da jornada, que levara duas semanas inteiras; deveria preparar-se para enfrentar os momentosos acontecimentos do dia seguinte, e necessitava de sossego e repouso. Tão grande, porém, era o desejo de o ver, que havia ele gozado apenas o descanso de algumas horas quando ao seu redor se reuniram avidamente nobres, cavalheiros, sacerdotes e cidadãos. Entre estes se encontravam muitos dos nobres que tão ousadamente haviam pedido ao imperador uma reforma contra os abusos eclesiásticos e que, diz Lutero, "se tinham todos libertado por meu evangelho." - Vida e Tempos de Lutero, de Martyn. Inimigos, bem como amigos foram ver o intrépido monge. Ele, porém, os recebeu com calma inabalável, respondendo a todos com dignidade e sabedoria. Seu porte era firme e corajoso. O rosto, pálido e magro, assinalado com traços de trabalhos e enfermidade, apresentava uma expressão amável e mesmo alegre. A solenidade e ardor profundo de suas palavras conferiam-lhe um poder a que mesmo seus inimigos não podiam resistir completamente. Tanto amigos como adversários estavam cheios de admiração. Alguns estavam convictos de que uma influência divina o acompanhava; outros declaravam, como fizeram os fariseus em relação a Cristo: - "Ele tem demônio.”
     No dia seguinte, Lutero foi chamado para estar presente à Dieta. Designou-se um oficial imperial para conduzi-lo até ao salão de audiência; foi, contudo, com dificuldade que ele atingiu o local. Todas as ruas estavam cheias de espectadores, ávidos de ver o monge que ousara resistir à autoridade do papa.
     Quando estava para entrar à presença de seus juízes, um velho general, herói de muitas batalhas, disse-lhe amavelmente: "Pobre monge, pobre monge, vais agora assumir posição mais nobre do que eu ou quaisquer outros capitães já assumimos nas mais sanguinolentas de nossas batalhas! Mas, se tua causa é justa, e estás certo disto, vai avante em nome de Deus e nada temas. Deus não te abandonará." - D'Aubigné.
     Finalmente Lutero se achou perante o concílio. O imperador ocupava õ trono. Estava rodeado das mais ilustres personagens do império. Nunca homem algum comparecera à presença de uma assembléia mais importante do que aquela diante da qual Martinho Lutero deveria responder por sua fé. "Aquela cena era por si mesma uma assinalada vitória sobre o papado. O papa condenara o homem, e agora estava ele em pé, diante de um tribunal que, por esse mesmo ato, se colocava acima do papa. Este o havia posto sob interdito, separando-o de toda a sociedade humana; e no entanto era ele chamado em linguagem respeitosa, e recebido perante a mais augusta assembléia do mundo. O papa condenara-o ao silêncio perpétuo, e agora estava ele prestes a falar perante milhares de ouvintes atentos, reunidos das mais longínquas partes da cristandade. Imensa revolução assim se efetuara por intermédio de Lutero. Roma descia já do trono, e era a voz de um monge que determinava esta humilhação." - D'Aubígné.
     Na presença daquela poderosa assembléia de titulares, o reformador de humilde nascimento parecia intimidado e embaraçado. Vários dos príncipes, observando sua emoção, aproximaram-se dele, e um lhe segredou: "Não temais os que matam o corpo, tuas não podem matar a alma." Outro disse: "Quando fordes levados perante os governadores e reis por Minha causa, ser-vos-á ministrado, pelo Espírito de vosso Pai, o que devereis dizer." Assim, as palavras de Cristo foram empregadas pelos grandes homens do mundo para fortalecerem Seu servo na hora de prova.
     Lutero foi conduzido a um lugar bem em frente do trono do imperador. Profundo silêncio caiu sobre a assembléia ali congregada. Então um oficial imperial se levantou e, apontando para uma coleção dos escritos de Lutero, pediu que o reformador respondesse a duas perguntas: Se ele os reconhecia como seus, e se se dispunha a retratar-se das opiniões que neles emitira. Lidos os títulos dos livros, Lutero respondeu, quanto à primeira pergunta, que reconhecia serem seus os livros. "Quanto à segunda," disse ele, "visto ser uma questão que respeita à fé e à salvação das almas, e que interessa à Palavra de Deus, o maior e mais precioso tesouro quer no Céu quer na Terra, eu-agiria imprudentemente se respondesse sem reflexão. Poderia afirmar menos do que as circunstâncias exigem, ou mais do que a verdade requer, e desta maneira, pecar contra estas palavras de Cristo: 'Qualquer que Me negar diante dos homens, Eu o negarei também diante de Meu Pai, que está nos Céus.' S. Mateus 10:33. Por esta razão, com toda a humildade, rogo a vossa majestade imperial conceder-me tempo para que eu possa responder sem ofensa à Palavra de Deus." - D'Aubigné.
     Fazendo este pedido, Lutero agiu prudentemente. Sua conduta convenceu a assembléia de que não agia por paixão ou impulso. Semelhante calma e domínio-próprio, inesperados em quem se mostrara audaz e intransigente, aumentaram-lhe o poder, habilitando-o mais tarde a responder cora urna prudência, decisão, sabedoria e dignidade que surpreendiam e decepcionavam seus adversários, repreendendo-lhes a insolência e orgulho.
     No dia seguinte deveria ele comparecer para dar sua resposta final. Durante algum tempo seu coração se abateu, ao contemplar as forças que estavam combinadas contra a verdade. Vacilou-lhe a fé; temor e tremor lhe sobrevieram, e oprimiu-o o terror. Multiplicavam-se diante dele os perigos; seus inimigos pareciam a ponto de triunfar, e os poderes das trevas, de prevalecer. Nuvens juntavam-se em redor dele, e pareciam separálo de Deus. Ansiava pela certeza de que o Senhor dos exércitos estaria com ele. Em angústia de espírito lançou-se com o rosto em terra, derramando estes clamores entrecortados, lancinantes, que ninguém, senão Deus, pode compreender perfeitamente:
     "Ó Deus, todo-poderoso e eterno," implorava ele, "quão terrível é este mundo! Eis que ele abre a boca para engolir-me, e tenho tão pouca confiança em Ti . ... Se é unicamente na força deste mundo que eu devo pôr minha confiança, tudo está acabado . . . . E vinda a minha última hora, minha conde nação foi pronunciada . . . . O Deus, ajuda-me' contra toda a sabedoria do mundo. Faze isto, . . . Tu somente; . . . pois esta não é minha obra, mas Tua. Nada tenho a fazer por rainha pessoa, e devo tratar com estes grandes do mundo . . . . Mas a causa é Tua, . . . e é uma causa justa e eterna. O Senhor, auxilia-me! Deus fiel e imutável, em homem algum ponho minha confiança . . . . Tudo que é do homem é incerto; tudo que do homem vem, falha . . . . Escolheste-me para esta obra . . . . Sê a meu lado por amor de Teu bem-amado Jesus Cristo, que é minha defesa, meu escudo e torre forte." -D'Aubigné.
     Uma providência onisciente havia permitido a Lutero compreender o perigo, para que não confiasse em sua própria força, arrojando-se presunçosamente ao perigo. Não era, contudo, o temor do sofrimento pessoal, o terror da tortura ou da morte, que parecia iminente, o que o oprimia com seus horrores. Ele chegara à crise, e sentia sua insuficiência para enfrentá-la. Pela sua fraqueza, a causa da verdade poderia sofrer dano. Não para a sua própria segurança, mas para a vitória do evangelho lutava ele com Deus. Como a de Israel, naquela luta noturna, ao lado do solitário riacho, foi a angústia e conflito de sua alma. Como Israel, prevaleceu com Deus. Em seu completo desamparo, sua fé se firmou em Cristo, o poderoso Libertador. Ele se fortaleceu com a certeza de que não compareceria sozinho perante o concílio. A paz voltou à alma, e ele se regozijou de que lhe fosse permitido exaltar a Palavra de Deus perante os governadores da nação.
     Com o espírito repousado em Deus, Lutero preparou-se para a luta que diante dele estava. Meditou sobre o plano de sua resposta, examinou passagens de seus próprios escritos e tirou das Sagradas Escrituras provas convenientes para sustentar sua atitude. Então, pondo a mão esquerda sobre o Volume Sagrado, que estava aberto diante dele, levantou a destra para o céu, e fez um voto de "permanecer fiel ao evangelho e confessar francamente sua fé, mesmo que tivesse de selar com o sangue seu testemunho." - D'Aubigné.
     Ao ser de novo introduzido à presença da Dieta, seu rosto não apresentava traços de receio ou embaraço. Calmo e cheio de paz, ainda que extraordinariamente valoroso e nobre, manteve-se como testemunha de Deus entre os grandes da Terra. O oficial imperial pediu então sua decisão sobre se desejava retratar-se de suas doutrinas. Lutero respondeu em tom submisso e humilde, sem violência nem paixão. Suas maneiras eram tímidas e respeitosas; manifestou, contudo, confiança e alegria que surpreenderam a assembléia.
     "Sereníssimo imperador, ilustres príncipes, graciosos fidalgos," disse Lutero; "compareço neste dia perante vós, em conformidade com a ordem a mim dada ontem, e pela mercê de Deus conjuro vossa majestade e vossa augusta alteza a escutar, com graça, a defesa de uma causa que, estou certo, é justa e verdadeira. Se, por ignorância, eu transgredir os usos e etiquetas das cortes, rogo-vos perdoar-me; pois não fui criado nos palácios dos reis, mas na reclusão de um convento." - D'Aubigné.
     Então, referindo-se à pergunta, declarou que suas obras publicadas não eram todas do mesmo caráter. Em algumas havia tratado da fé e das boas obras, e mesmo seus inimigos as declaravam não somente inofensivas, mas proveitosas. Abjurá-las seria condenar verdades que todos os partidos professavam. A segunda classe consistia em escritos que expunham as corrupções e abusos do papado. Revogar estas obras fortaleceria a tirania de Roma, abrindo uma porta mais larga a muitas e grandes impiedades. Na terceira classe de seus livros atacara indivíduos que haviam defendido erros existentes. Em relação a eles confessou, francamente, que tinha sido mais violento do que convinha. Não pretendia estar isento de falta; mas mesmo esses livros não poderia revogar, pois que tal procedimento tornaria audaciosos os inimigos da verdade, e então aproveitariam a ocasião para esmagar o povo de Deus com crueldade ainda maior.
     "Não sou, todavia, senão mero homem, e não Deus," continuou ele; "portanto, defender-me-ei como fez Cristo: 'Se falei mal, dá testemunho do mal.' . . . Pela misericórdia de Deus, conjuro-vos, sereníssimo imperador, e a vós, ilustríssimos príncipes, e a todos os homens de toda categoria, a provar pelos escritos dos profetas e apóstolos, que errei. Logo que estiver convicto disso, retratarei todo erro e serei o primeiro a lançar mão de meus livros e atirá-los ao fogo.
     "O que acabo de dizer, claramente mostra, eu o espero, que pesei e considerei cuidadosamente os perigos a que me exponho ruas, longe de me desanimar, regozijo-me por ver que o evangelho é hoje, como nos tempos antigos, causa de perturbação e dissensão. Este é o caráter, este é o destino da Palavra de Deus. 'Não vim trazer paz à Terra, mas espada,' disse Jesus Cristo. Deus é maravilhoso e terrível em Seus conselhos; acautelai-vos para que não aconteça que, supondo apagar dissensões, persigais a santa Palavra de Deus e arrosteis sobre vós mesmos um pavoroso dilúvio de perigos insuperáveis, de desastres presentes e desolação eterna . . . . Poderia citar muitos exemplos dos oráculos de Deus. Poderia falar dos Faraós, dos reis de Babilônia e dos de Israel, cujos trabalhos não contribuíram nunca mais eficazmente para a sua própria destruição do que quando buscavam, mediante conselhos, prudentíssimos na aparência, fortalecer seu domínio. Deus 'é O que transporta montanhas, sem que o sintam'." - D'Aubigné
     Lutero falara em alemão; foi-lhe pedido então repetir as mesmas palavras em latim. Embora exausto pelo esforço anterior, anuiu e novamente fez seu discurso, com a mesma clareza e energia que ,a princípio. A providência de Deus dirigiu isto. O espírito de muitos dos príncipes estava tão obliterado pelo erro e superstição que à primeira vez não viram a força do raciocínio de Lutero; mas a repetição habilitou-os a perceber claramente os pontos apresentados.
     Os que obstinadamente fechavam os olhos à luz e se decidiram a não convencer-se da verdade, ficaram enraivecidos com o poder das palavras de Lutero. Quando cessou de falar, o anunciador da Dieta disse, irado: "Não respondeste à pergunta feita . . .. Exige-se que dês resposta clara e precisa . .. . Retratar-te-ás ou não?"
     O reformador respondeu: "Visto que vossa serenissima majestade e vossas nobres altezas exigem de mim resposta clara, simples e precisa, dar-vo-la-ei, e é esta: Não posso submeter minha fé quer ao papa quer aos concílios, porque é claro como o dia que eles têm freqüentemente errado e se contradito um ao outro. Portanto, a menos que eu seja convencido pelo testemunho das-Escrituras ou pelo mais claro raciocínio; a menos que eu seja persuadido por meio das passagens que citei; a menos que assim submetam minha consciência pela Palavra de Deus, tão posso retratar-me e não me retratarei, pois é perigoso a um cristão falar contra a consciência. Aqui permaneço, não posso fazer outra coisa; Deus queira ajudar-me. Amém." - D'Aubigné.
     Assim se manteve este homem justo sobre o firme fundamento da Palavra de Deus. A luz do Céu iluminava-lhe o semblante. Sua grandeza e pureza de caráter, sua paz e alegria de coração, eram manifestas a todos ao testificar ele contra o poder do erro e testemunhar a superioridade da fé que vence o mundo.
     A assembléia toda ficou por algum tempo muda de espanto. Em sua primeira resposta Lutero falara em tom baixo, em atitude respeitosa, quase submissa. Os romanistas haviam interpretado isto como sinal de que lhe estivesse começando a faltar o ânimo. Consideraram o pedido de delonga simples prelúdio de sua retratação. O próprio Carlos, notando, meio desdenhoso, a constituição abar ;ria do monge, seu traje singelo e a simplicidade de suas maneiras, declarara: "Este monge nunca fará de mim um herege." A coragem e firmeza que agora ele ostentara, bem como o poder e clareza de seu raciocínio, encheram de surpresa todos os partidos. O imperador, possuído de admiração, exclamou: "Este monge fala com coração intrépido e inabalável coragem." Muitos dos príncipes alemães olhavam com orgulho e alegria a este representante de sua nação.
     Os partidários de Roma haviam sido vencidos; sua causa parecia sob a mais desfavorável luz. Procuraram manter seu poder, não apelando para as Escrituras, mas com recurso às ameaças - indefectível argumento de Roma. Disse o anunciador da Dieta: "Se não se retratar, o imperador e os governos do império consultar-se-ão quanto à conduta a adotar-se contra o herege incorrigível."
     Os amigos de Lutero, que corri grande alegria lhe ouviram a nobre defesa, tremeram àquelas palavras; mas o próprio doutor disse calmamente: "Queira Deus ser meu auxiliador, pois não posso retratar-me de coisa alguma." - D'Aubigné.
     Ordenou-se-lhe que se retirasse da Dieta, enquanto os príncipes se consultavam juntamente. Pressentia-se que chegara uma grande crise. A persistente recusa de Lutero em submeter-se. poderia afetar a história da igreja durante séculos. Decidiu-se dar-lhe mais uma oportunidade para abjurar. Pela última vez foi ele levado à assembléia. Novamente foi feita a pergunta se ele renunciaria a suas doutrinas. "Não tenho outra resposta a dar," disse ele, "a não ser a que já dei." Era evidente que ele não poderia ser induzido, quer por promessas quer por ameaças, a render-se ao governo de Roma.
     Os chefes papais aborreceram-se de que seu poderio, o qual fizera com que reis e nobres tremessem, fosse dessa maneira desprezado por um humilde monge: almejavam fazê-lo sentir sua ira, destruindo-lhe a vida com torturas. Lutero, porém, compreendendo o perigo, falara a todos com dignidade e calma cristas. Suas palavras tinham sido isentas de orgulho, paixão e falsidade. Havia perdido de vista a si próprio e aos grandes homens que o cercavam, e sentia unicamente que se achava na presença de Alguém infinitamente superior aos papas, prelados, reis e imperadores. Cristo falara por intermédio do testemunho de Lutero, com um poder e grandeza que na ocasião causou espanto e admiração, tanto a amigos como a adversários. O Espírito de Deus estivera presente naquele concílio, impressionando o coração dos principais do império. Vários dos príncipes reconheceram ousadamente a justiça da causa de Lutero. Muitos estavam convictos da verdade; mas em outros as impressões recebidas não foram duradouras. Houve outra classe que tio momento não exprimiu suas convicções, mas que, tendo pesquisado as Escrituras por si mesmos, tornaram-se em ocasião posterior destemidos sustentáculos da Reforma.
     O eleitor Frederico aguardara ansiosamente o comparecimento de Lutero perante a Dieta, e com profunda emoção ouviu seu discurso. Com alegria e orgulho testemunhou a coragem, Firmeza e dominio-próprio do doutor, e decidiu-se a permanecer mais firmemente em sua defesa. Ele contrastava as facções em contenda. e via que a sabedoria dos papas, reis e prelados, fora pelo poder da verdade reduzida a nada. O papado sofrera uma derrota alie seria sentiria entre todas as nações e em todos os tempos.
     Quando o legado percebeu o efeito produzido pelo discurso de Lutero, como nunca dantes temeu pela segurança do poderio romano e resolveu empregar todos os meios a seu alcance, para levar a termo a derrota do reformador. Com toda a eloqüência e perícia diplomática, pelas quais tanto se distinguia, apresentou ao jovem imperador a loucura e perigo de sacrificar, pela causa de um monge desprezível, a amizade e apoio da poderosa Sé de Roma.
     Suas palavras não foram destituídas de efeito. No dia que se seguiu à resposta de Lutero, Carlos fez com que fosse apresentada uma mensagem à Dieta, anunciando sua resolução de prosseguir com a política de seus predecessores, mantendo e protegendo a religião católica. Visto que Lutero se recusara a renunciar a seus erros, seriam empregadas as mais rigorosas medidas contra ele e contra as heresias que ensinava. "Um simples monge, transviado por sua própria loucura, levantou-se contra a fé da cristandade. Para deter tal impiedade, sacrificarei meus reinos, meus tesouros, meus amigos, meu corpo, meu sangue, minha alma e rainha vida. Estou para despedir o agostinho Lutero, proibindo-lhe causar a menor desordem entre c. povo; procederei então contra ele e seus adeptos como hereges contumazes, pela excomunhão, pelo interdito e por todos os meios calculados para destruí-los. Apelo para os membros dos Estados a que se portem como fiéis cristãos." - D'Aubigné. Não obstante, o imperador declarou que o salvo-conduto de Lutero deveria ser respeitado, e que, antes de se poder instituir qualquer processo contra ele, deveria ser-lhe permitido chegar a casa em segurança.
     Insistiam agora os membros da Dieta em duas opiniões contrárias. Os emissários e representantes do papa, de novo pediam que o salvo-conduto do reformador fosse desrespeitado. "O Reno," diziam eles, "deveria receber suas cinzas, como recebeu as de João, Huss, há um século." - D'Aubigné. Príncipes alemães, porém, conquanto fossem eles próprios romanistas e inimigos declarados de Lutero, protestavam contra tal brecha da pública fé, como uma nódoa sobre a honra da nação. Apontavam para as calamidades que se seguiram à morte de Huss e declaravam que não ousavam atrair sobre a Alemanha e sobre a cabeça de seu jovem imperador, a repetição daqueles terríveis males.
     O próprio Carlos, respondendo à vil proposta, disse: "Embora fossem a honra e a fé banidas do mundo todo, deveriam encontrar um refúgio no coração dos príncipes." - D'Aubigné. Houve ainda insistências por parte dos mais encarniçados inimigos papais de Lutero, a fim de tratar o reformador como Sigismundo fizera com Huss - abandonando-o à mercê da igreja; mas lembrando-se da cena em que Huss, em assembléia pública, apontara a suas cadeias e lembrara ao monarca a sua fé empenhada, Carlos V declarou: "Eu não gostaria de corar como Sigismundo." - (Ver História do Concílio de Confiança, de Lenfant).
     Não obstante, Carlos havia deliberadamente rejeitado as verdades apresentadas por Lutero. "Estou firmemente resolvido a imitar o exemplo de meus maiores," escreveu o monarca. Decidira não sair da senda do costume, mesmo para andar nos caminhos da verdade e justiça. Porque seus pais o fizeram, ele, apoiaria o papado, com toda a sua crueldade e corrupção. Assim, assumiu sua posição, recusando-se a aceitar qualquer luz em acréscimo à que seus pais haviam recebido, ou cumprir qualquer dever que eles não cumpriram.
     Muitos hoje se apegam de modo idêntico aos costumes e tradições de seus pais. Quando o Senhor lhes envia mais luz, recusam-se a aceitá-la porque, não havendo ela sido concedida a seus pais, não foi por estes acolhida. Não estamos colocados onde nossos pais se achavam; conseqüentemente nossos deveres e responsabilidades não são os mesmos. Não seremos aprovados por Deus olhando para o exemplo de nossos pais a fim de determinar nosso dever, em vez de pesquisar por nós mesmos a Palavra da verdade. Nossa responsabilidade é maior do que foi a de nossos antepassados. Somos responsáveis pela luz que receberam, e que nos foi entregue como herança; somos também responsáveis pela luz adicional que hoje, da Palavra de Deus, está a brilhar sobre nós.
     Disse Cristo acerca dos judeus incrédulos: "Se Eu não viera, nem lhes houvera falado, não teriam pecado, mas agora não têm desculpa do seu pecado." S. João 15:22. O mesmo poder divino falara por intermédio de Lutero ao imperador e príncipes da Alemanha. E, ao resplandecer a luz da Palavra de Deus, Seu Espírito contendeu pela última vez com muitos naquela assembléia. Corno Pilatos, séculos antes, permitira que o orgulho e a popularidade fechassem seu coração contra o Redentor do mundo; como o timorato Félix ordenou ao mensageiro da verdade: "Por agora vai-te, e em tendo oportunidade te chamarei;" como o orgulhoso Agripa confessou: "Por pouco me queres persuadir que me faça cristão!" (Atos 24:25-28) e no entanto se desviou da mensagem enviada pelo Céu - assim Carlos V, cedendo às sugestões do orgulho e política mundanos, decidiu-se a rejeitar a luz da verdade.
     Circularam amplamente rumores dos planos feitos contra Lutero, causando por toda a cidade grande excitação. O reformador conquistara muitos amigos que, conhecendo a traiçoeira crueldade de Roma para com todos os que ousavam expor suas corrupções, resolveram que ele não fosse sacrificado. Centenas de nobres se comprometeram a protegê-lo. Não poucos denunciaram abertamente a mensagem real como evidência de tímida submissão ao poder de Roma. Às portas das casas e em lugares públicos, foram afixados cartazes, alguns condenando e outros apoiando Lutero. Num deles estavam meramente escritas as significativas palavras do sábio: "Ai de ti, ó terra, cujo rei é criança!" Eclesiastes 10:16. O entusiasmo popular em favor de Lutero, por toda a Alemanha, convenceu tanto o imperador como a Dieta de que qualquer injustiça a ele manifesta faria perigar a paz do império e mesmo a estabilidade do trono.
     Frederico da Saxônia manteve uma estudada reserva, escondendo cuidadosamente seus verdadeiros sentimentos, para com o reformador, ao passo que o guardava com incansável vigilância, observando todos os seus movimentos e todos os de seus inimigos. Mas, muitos havia que não faziam tentativa para ocultar sua simpatia por Lutero. Ele era visitado por príncipes, condes, barões e outras pessoas de distinção, tanto leigas como eclesiásticas. "A salinha do doutor," escreveu Spalatin, "não podia conter todos os visitantes que se apresentavam." - Marfim. O povo contemplava-o corno se fosse mais que humano. Mesmo os que não tinham fé em suas doutrinas, não podiam deixar de admirar aquela altiva integridade que o levou a afrontar a morte de preferência a violar a consciência.
     Fizeram-se ardentes esforços a fim de obter o consentimento de Lutero para uma transigência coro Roma. Nobres e príncipes lembraram-lhe que, se persistisse 'em colocar seu próprio juízo contra o da igreja e dos concílios, seria logo banido do império e não teria então defesa. A este apelo Lutero respondeu: "O evangelho de Cristo não pode ser pregado sem dano . . . . Por que, pois, deveria o temor ou apreensão do perigo separar-me do Senhor, e da divina Palavra, que, unicamente, é a verdade? Não! entregaria antes meu corpo, meu sangue e minha vida." - D'Aubigné.
     De novo insistiu-se com ele para que se submetesse ao juízo do imperador, e então nada precisaria temer. "Consinto," disse ele em resposta, "de todo o meu coração, em que o imperador, os príncipes e mesmo o mais obscuro cristão, examinem e julguem os meus livros; mas, sob uma condição: que tomem a Palavra de Deus como norma. Os homens nada têm a fazer senão obedecer-lhe. Não façais violência à minha consciência, que está ligada e encadeada às Escrituras Sagradas." -D'Aubigné.
     A um outro apelo disse ele: "Consinto em renunciar ao salvo-conduto. Coloco minha pessoa e minha vida nas mãos do imperador, mas a Palavra de Deus - nunca!" - D'Aubigné. Declarou estar disposto a submeter-se à decisão de um concilio geral, mas unicamente sob a condição de que se exigisse do concilio decidir de acordo coto as Escrituras. "No tocante à Palavra de Deus e à fé," acrescentou ele, "todo cristão é juiz tão bom como pode ser o próprio papa, embora apoiado por um milhão de concílios." -Martyn. Tanto amigos como adversários finalmente se convenceram de que baldados seriam quaisquer outros esforços de reconciliação.
     Houvesse-o reformador cedido num único ponto, e Satanás e suas hostes teriam ganho a vitória. Mas sua persistente firmeza foi o meio para a emancipação da igreja e o início de uma era nova e melhor. A influência deste único homem, que ousou pensar e agir por si mesmo em assuntos religiosos, deveria afetar a igreja e o mundo, não somente em seu próprio tempo mas em todas as gerações futuras. Sua firmeza e fidelidade fortaleceriam, até ao final do tempo, a todos os que passassem por experiência semelhante. O poder e majestade de Deus se mantiveram acima do conselho dos homens, acima da potente força de Satanás.
     Por autorização do imperador foi Lutero logo ordenado a voltar para casa, e sabia que este aviso seria imediatamente seguido de sua condenação. Nuvens ameaçadoras pairavam sobre seu caminho; nuas, partindo de Worms, seu coração se encheu de alegria e louvor. "O próprio diabo," disse ele, "guardou a fortaleza do papa, mas Cristo fez nela uma larga brecha, e Satanás foi constrangido a confessar que o Senhor é mais poderoso do que ele." - D'Aubigné.
     Depois de sua partida, ainda desejoso de que sua firmeza não fosse mal-interpretada como sendo rebelião, Lutero escreveu ao imperador: "Deus, que é o pesquisador dos corações, é minha testemunha," disse ele, "de que estou pronto para, da maneira mais ardorosa, obedecer a vossa majestade, na honra e na desonra, na vida e na morte, e sem exceções, a não ser a Palavra de Deus, pela qual o homem vive. Em todas as preocupações da presente vida, minha fidelidade será inabalável, pois perder ou ganhar neste mundo é de nenhuma conseqüência para a salvação. Mas quando se acham envolvidos interesses eternos, Deus não quer que o homem se submeta ao homem; pois tal submissão em assuntos espirituais é verdadeiro culto, e este deve ser prestado unicamente ao Criador." - D'Aubigné.
     Na viagem de volta de Worms, a recepção de Lutero foi reais lisonjeira mesmo do, que na sua ida para ali. Eclesiásticos principescos davam as boas-vindas ao monge excomungado, e governadores civis honravam ao homem que o imperador denunciara. Insistiu-se com ele que pregasse e, não obstante a proibição imperial, de novo subiu ao púlpito. "Nunca ene comprometi a acorrentar a Palavra de Deus," disse ele, "nem o farei." -Marte. Não estivera ainda muito tempo ausente de Worms, quando os chefes coagiram o imperador a promulgar um edito contra ele. Nesse decreto Lutero foi denunciado como o "próprio Satanás sob a forma de homem e sob as vestes de monge." D'Aubigné. Ordenou-se que, logo ao expirar o prazo de seu salvo-conduto, se adotassem medidas para deter a sua obra. Proibia-se a todas as pessoas abrigá-lo, dar-lhe comida ou bebida, ou por palavras ou atos, em público ou em particular, auxiliá-lo ou apoiá-lo. Deveria ser preso onde quer que o pudesse ser, e entregue às autoridades. Presos deveriam ser também seus adeptos, e confiscadas suas propriedades. Deveriam destruir-se seus escritos e, finalmente, todos os que ousassem agir contrariamente àquele decreto eram incluídos em sua condenação. O eleitor da Saxônia e os príncipes mais amigos de Lutero tinham-se retirado de Worms logo depois de sua partida, e o decreto do imperador recebeu a sanção da Dieta. Achavam-se agora jubilosos os romanistas. Consideravam selada a sorte da Reforma.
     Deus provera a Seu servo nesta hora de perigo um meio para escapar ao mesmo. Um olhar vigilante acompanhava os movimentos de Lutero e um coração verdadeiro e nobre decidira o seu livramento. Era claro que Roma não se satisfaria core coisa alguma senão sua morte; unicamente ocultando-se poderia ele ser preservado das garras do leão. Deus dera sabedoria a Frederico da Saxônia para idear um plano destinado a preservar o reformador. Com a cooperação de verdadeiros amigos, executou-se o propósito do eleitor, e Lutero foi, de maneira eficiente, oculto de seus amigos e inimigos. Em sua viagem de volta para casa, foi preso, separado de seus assistentes e precipitadamente transportado através da floresta para o castelo de Wartburgo, isolada fortaleza nas montanhas. Tanto o rapto como o esconderijo foram de tal maneira envoltos em mistério, que até o próprio Frederico, durante muito tempo, não soube para onde fora ele conduzido. Esta ignorância não deixou de ter seu desígnio; enquanto o eleitor nada soubesse do paradeiro de Lutero, nada poderia revelar. Convenceu-se de que o reformador estava em segurança e com isso se sentiu satisfeito.
     Passaram-se a primavera, o verão e o outono, e chegara o inverno, e Lutero ainda permanecia prisioneiro. Aleandro e seus partidários exultavam quando a luz do evangelho parecia prestes a extinguir-se. Mas, em vez disso, o reformador enchia sua lâmpada no repositório da verdade; e sua luz deveria resplandecer com maior brilho.
     Na proteção amiga de Wartburgo, Lutero durante algum tempo se regozijou em seu livramento do ardor e torvelinho da batalha. Mas não poderia por muito tempo encontrar satisfação no silêncio e repouso. Habituado a uma vida de atividade e acirrado conflito, mal suportava o permanecer inativo. Naqueles dias de solidão, surgia diante dele o estado da igreja, e exclamava em desespero: "Ai! ninguém há neste último tempo da ira do Senhor para ficar diante dEle como uma muralha e salvar Israel." - D'Aubigné. Novamente volvia os pensamentos para si mesmo e receava ser acusado de covardia por afastar-se da contenda. Acusava-se, então, de indolência e condescendência própria. No entanto, produzia diariamente mais do que parecia possível a um homem fazer. Sua pena nunca estava ociosa. Seus inimigos, conquanto se lisonjeassem de que ele estivesse em silêncio, espantavam-se e confundiam-se pela prova palpável de que ainda exercia atividade. Sem-número de folhetos, procedentes de sua pena, circulavam pela Alemanha toda. Também prestava importantíssimo serviço a seus patrícios, traduzindo o Novo Testamento. para a língua alemã. De seu Patmos rochoso, continuou durante quase um ano inteiro a proclamar o evangelho e a repreender os pecados e erros do tempo.
     Não foi, porém, meramente para preservar Lutero da ira de seus inimigos, nem mesmo para proporcionar-lhe uma temporada de calma para esses importantes labores, que Deus retirara Seu servo do cenário da vida pública. Visavam-se resultados mais preciosos do que esses. Na solidão e obscuridade de seu retiro montesino, Lutero esteve afastado do apoio terrestre e excluído dos louvores humanos. Foi desta maneira salvo do orgulho e confiança em si próprio, tantas vezes determinados pelo êxito. Por sofrimentos e humilhação foi de novo preparado para andar em segurança na altura vertiginosa a que tão subitamente fora exaltado.
     Ao exultarem os homens na libertação que a verdade lhes traz, inclinam-se a - engrandecer aqueles que Deus empregou para quebrar as cadeias do erro e superstição. Satanás procura desviar de Teus os pensamentos e afeições dos homens, e fixálos nos fatores humanos; ele os leva a honrar o mero instrumento, e desconhecer a Mão que dirige os acontecimentos da providência. Muitas vezes dirigentes religiosos que assira são louvados e reverenciados, perdem de vista sua dependência de Deus e são levados a confiar em si próprios. Em conseqüência, procuram governar o espírito e a consciência do povo que se dispõe a esperar deles a guia, em vez de esperá-la da Palavra de Deus. A obra de reforma é muitas vezes retardada por causa deste espírito da parte dos que a amparara. Deste perigo quis Deus guardar a causa da Reforma. Ele desejava que aquela obra recebesse não os característicos do homem, mas os de Deus. Os olhos dos homens tinham-se dirigido a Lutero como o expositor da verdade; ele foi removido para que todos os olhares pudessem dirigir-se ao sempiterno Autor da verdade.


 
CAPÍTULO 9

A Luz na Suíça

     Na escolha dos instrumentos para a reforma da igreja, vê-se que Deus segue o mesmo plano adotado para sua fundação. O Mestre divino passou por alto os grandes homens da Terra, os titulares e ricos, que estavam acostumados a receber louvor e homenagem como dirigentes do povo. Eram tão orgulhosos e confiantes em si próprios, na sua alardeada superioridade, que não poderiam ser levados a simpatizar com os semelhantes e tornar-se colaboradores do humilde Homem de Nazaré. Aos indoutos e laboriosos pescadores da Galiléia fora dirigido o chamado: "Vinde após Mim, e Eu vos farei pescadores de homens." S. Mateus 4:19. Aqueles discípulos eram humildes e dóceis. Quanto menos houvessem sido influenciados pelo falso ensino de seu tempo, com tanto mais êxito poderia Cristo instruí-los e habilitá-los para Seu serviço. Assim foi nos dias da grande Reforma. Os principais reformadores foram homens de vida humilde, homens que, em seu tempo, eram os mais livres do orgulho de classe e da influência do fanatismo e astúcia dos padres. É plano de Deus empregar humildes instrumentos para atingir grandes resultados. Não será então dada a glória aos homens, mas Àquele que por meio deles opera para o querer e o efetuar de Seu próprio beneplácito.Poucas semanas depois do nascimento de Lutero na cabana de um mineiro, na Saxônia, nasceu Ulrico Zuínglio, na choupana de um pastor entre os Alpes. O ambiente era que viveu Zuínglio na meninice, e seus primeiros ensinos, foram de molde a prepará-lo para sua missão futura. Criado entre cenas de grandiosidade, beleza e solene sublimidade natural, seu espírito foi logo impressionado com o senso da grandeza, poder e majestade de Teus. A história dos heróicos feitos que tiveram por cenário suas montanhas nativas, acendrou-lhe as juvenis aspirações. E, ao lado de sua piedosa avó, ouvia as poucas e preciosas histórias bíblicas que ela rebuscara por entre as lendas e tradições da igreja. Core ávido interesse ouvia acerca dos grandes feitos dos patriarcas e profetas, dos pastores que vigiavam seus rebanhos nas colinas da Palestina, onde-anjos lhes falaram da Criancinha de Belém e do Homem do Calvário.
     Semelhante a João Lutero, o pai de Zuínglio desejava educar o filho, e o rapaz cedo foi enviado fora de seu vale natal. Desenvolveu-se-lhe rapidamente o espírito, e logo surgiu a questão de saber onde encontrar professores competentes parà instruí-lo. Na idade de treze anos foi a Berna, que então possuía a mais conceituada escola na Suíça. Ali, entretanto, se manifestou um perigo que ameaçou frustrar seu promissor futuro. Decididos esforços foram feitos pelos frades a fim de atraí-lo a um convento. Os monges dominicanos e franciscanos porfiavam pela obtenção do favor popular. Procuravam consegui-lo mediante vistosos adornos das igrejas, pela pompa das cerimônias, e pelas atrações das famosas relíquias e imagens miraculosas.
     Os dominicanos de Berna viram que se pudessem ganhar aquele talentoso jovem estudante, conseguiriam tanto proveito corno honras. Sua idade juvenil, sua natural habilidade como orador e escritor, e seu gênio para a música e poesia, seriam roais eficientes do que toda a pompa e ostentação para atrair o povo aos serviços religiosos e aumentar os proventos de sua ordem. Pelo engano e lisonja esforçaram-se por induzir Zuínglio a entrar para seu convento. Lutero, quando estudante em uma escola, havia-se sepultado na cela de um convento, e terse-ia perdido para o mundo se a Providência o não houvesse libertado. Nãofoi permitido a Zuínglio encontrar o mesmo perigo. Providencialmente seu pai recebeu notícia do intuito dos frades. Não tinha intenções de permitir que o filho seguisse a vida ociosa e inútil dos monges. Viu que sua utilidade futura estava erra perigo, e ordenou-lhe voltar sena demora para casa.
     A ordem foi obedecida; mas o jovem não poderia estar contente por muito tempo em seu vale natal, e logo reencetou os estudos, dirigindo-se depois de algum tempo a Basiléia. Foi ali que Zuínglio ouviu pela primeira vez o evangelho da livre graça de Deus. Wittenbach, professor de línguas antigas, ao estudar o grego e o hebraico, fora conduzido às Escrituras Sagradas, e assim raios de luz divina se derramaram na mente dos estudantes sob sua instrução. Declarava ele existir uma verdade mais antiga e de valor infinitamente maior que as teorias ensinadas pelos escolásticos e filósofos. Esta antiga verdade era que a morte de Cristo é o único resgate do pecador. Para Zuínglio estas palavras foram como o primeiro raio de luz que precede a aurora.
     Logo foi Zuínglio chamado de Basiléia para o serviço ativo. Seu primeiro campo de trabalho foi uma paróquia alpina, não muito distante de seu vale natal. Ordenado padre, "dedicou-se de toda a sua alma à pesquisa da verdade divina; pois estava berra ciente," declara uni companheiro de reforma, "de quanto devia saber aquele a quem o rebanho de Cristo é confiado."
     Wylie. Quanto mais pesquisava as Escrituras, mais claro aparecia o contraste entre suas verdades e as heresias de Roma. Ele se submeteu à Bíblia como a Palavra de Deus, única regra suficiente, infalível. Viu que ela deveria ser seu próprio intérprete. Não ousou tentar a explicação das Escrituras a fim de sustentar uma teoria ou doutrina preconcebida, ruas mantinha como seu dever aprender o que constituem seus ensinos diretos e óbvios. Procurou aproveitar-se de todo auxilio a fim de obter compreensão ampla e correta de seu sentido, e invocou a ajuda do Espírito Santo, que, declarou ele, o revelaria a todos que O buscassem corra sinceridade e oração.
     "As Escrituras," dizia Zuínglio, "vêm de Deus, não do homem, e mesmo aquele Deus que esclarece te dará a compreender que a palavra vem de Deus. A Palavra de Deus... não pode falhar; é clara, ensina por si mesma, desvenda-se a si própria, ilumina a alma cora toda a salvação e graça, conforta-a em Deus, humilha-a de maneira que ela se perde a si mesma, e até se despoja e abraça a Deus." - Wylie. A verdade destas palavras Zuínglio mesmo havia provado. Falando de sua experiência naquele tempo, escreveu depois: "Quando . . . comecei a devotar-me inteiramente às Escrituras Sagradas, a filosofa e a teologia (escolástica) sempre me sugeriam disputas. Finalmente cheguei a esta conclusão: 'Deves deixar toda inverdade, e aprender a significação de Deus unicamente de Sua própria e simples Palavra.' Então comecei a rogar a Deus a Sua luz, e as Escrituras foram-se tornando para mim muito mais fáceis." - Wylie.
     A doutrina pregada por Zuínglio, não a recebera ele de Lutero. Era a doutrina de Cristo. "Se Lutero prega a Cristo," disse o reformador suíço, "ele faz o que eu estou fazendo. Aqueles a quem ele levou a Cristo são mais numerosos do que os que levei. Mas isto não importa. Não pregarei nenhum outro nome a não ser o de Cristo, de quem sou soldado, e que unicamente é o meu Chefe. Nunca uma só palavra foi por mim escrita a Lutero, nem por Lutero a mim. E por quê? ... Para que se pudesse mostrar quanto é consigo mesmo concorde o Espírito de .Deus, visto que nós ambos, sem qualquer combinação comum, ensinamos a doutrina de Cristo com tal uniformidade." - D'Aubigné.
     Em 1516 Zuínglio foi convidado para ser pregador no convento de Einsiedeln. Ali deveria ter mais nítida perspectiva das corrupções de Roma e, como reformador, exercer uma influência que seria sentida muito além de seus-Alpes nativos. Entre as principais atrações de Einsiedeln havia uma imagem da Virgem que diziam ter o poder de operar milagres. Por sobre o portal do convento estava a inscrição: "Aqui se pode obter remissão plenária dos pecados." - D'A~é. Em todo tempo acorriam peregrinos ao relicário da Virgem, mas na grande festa anual de sua consagração, vinham multidões de todas as partes da Suíça, e mesmo da França e da Alemanha. Zuínglio, grandemente-aflito ante o que via, aproveitou a oportunidade para proclamar àqueles escravos das superstições a liberdade mediante o evangelho.
     "Não imagineis," disse ele, "que Deus está neste templo mais do que em 'qualquer outra parte da criação. Qualquer que seja o país em que habiteis, Deus está em redor de vós, e vos ouve . . . . Podem obras sem proveito, longas peregrinações, ofertas, imagens, invocações da Virgem ou dos santos assegurar-vos a graça de Deus? . . . Que vale a multidão de palavras em que envolvemos nossas orações? Que eficácia têm um capuz luzidio, cabeça bem rapada, vestes bem compridas e flutuantes, ou chinelas bordadas a ouro? . . . Deus olha para o coração, e nosso coração está longe dEle." "Cristo," disse ele, "que uma vez foi oferecido sobre a cruz, é o sacrifício e vítima, que por toda a eternidade proveu satisfação para os pecados dos crentes." - D'Aubigné.
     Por muitos ouvintes estes ensinos não eram bem aceitos. Era-lhes amarga decepção dizer-se-lhes que sua penosa jornada fora feita sem proveito. O perdão que livremente lhes era oferecido por meio de Cristo, não o podiam compreender. Estavam satisfeitos com o velho caminho para o Céu, que Roma lhes indicara. Recuavam ante a perplexidade de pesquisar qualquer coisa melhor. Era mais fácil confiar sua salvação aos padres e ao papa do que procurar pureza de coração.
     Outra classe, entretanto, recebia com alegria as novas da redenção por meio de Cristo. As observâncias que Roma ordenara não haviam conseguido trazer paz à alma, e pela fé aceitaram o sangue do Salvador como sua propiciação. Estes voltaram para casa a fim de revelar a outros a preciosa luz que tinham recebido. A verdade era assim levada de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, e o número de peregrinos ao relicário da Virgem diminuiu grandemente. Houve decréscimos nas ofertas e, conseqüentemente, no salário de Zuínglio, que delas era tirado. Mas isto apenas lhe causava alegria, vendo ele que o poder do fanatismo e superstição estava sendo quebrado.
     As autoridades da igreja não tinham os olhos fechados à obra que Zuínglio estava realizando; mas no momento elas se abstiveram de intervir. Esperando ainda consegui-lo para a sua causa, esforçaram-se por ganhá-lo com lisonjas; e, nesse ínterim, a verdade estava a obter posse do coração do povo.
     Os trabalhos de Zuínglio em Einsiedeln haviam-no preparado para um campo mais vasto, e neste logo deveria entrar. Depois de três anos ali, foi chamado para o cargo de pregador na catedral de Zurique. Esta era então a cidade mais importante da confederação suíça, e seria amplamente sentida a influência ali exercida. Os eclesiásticos, a cujo convite fora a Zurique, estavam entretanto desejosos de impedir quaisquer inovações, e de acordo com isto se puseram a instruí-lo a respeito de seus deveres.
     "Farás toda a diligência," disseram eles, "para coletar as receitas do capítulo, sem desprezar a menor. Exortarás os fiéis, tanto do púlpito como no confessionário, a pagar seus dízimos e impostos, e a mostrar, por ofertas, sua afeição para com a igreja. Serás diligente em aumentar as rendas que se arrecadam dos doentes, das missas e em geral de toda a ordenança eclesiástica." "Quanto à administração dos sacramentos, à pregação e ao cuidado do rebanho," acrescentaram seus instrutores, "são também deveres do capelão. Para estes, porém, podes empregar um substituto, e particularmente no pregar. Não administrarás o sacramento a ninguém, a não ser a pessoas notáveis, e unicamente quando chamado; proíbe-se fazeres isto sem distinção de pessoas." -D'Aubigné.
     Zuínglio ouviu em silêncio esta ordem e, em resposta, depois de exprimir sua gratidão pela honra de um chamado para este importante posto, pôs-se a explicar o método de ação que se propusera adotar. "A vida de Cristo," disse ele, "tem por demasiado tempo sido oculta do povo. Pregarei acerca do evangelho todo de S. Mateus, . . . tirando unicamente das fontes das Escrituras, sondando suas profundidades, comparando uma passagem com outra, e buscando compreensão pela prece constante e fervorosa. A glória de Deus, ao louvor de Seu único Filho, à salvação real das almas e à sua edificação na verdadeira fé, é que eu consagrarei meu ministério." - D'Aubigné. Posto que alguns dos eclesiásticos reprovassem este plano e se esforçassem por dissuadi-lo do mesmo, Zuínglio permaneceu firme. Declarou que não estava para introduzir nenhum método novo, mas o antigo método empregado pela igreja nos primitivos e mais puros tempos.
     Já se havia despertado interesse nas verdades que ele ensinava, e o povo afluía em grande número para ouvir sua pregação. Muitos que tinham deixado de assistir ao serviço religioso havia muito tempo, achavam-se entre os ouvintes. Iniciou seu ministério abrindo os evangelhos e lendo e explicando aos ouvintes a inspirada narrativa da vida, ensinos e morte de Cristo. Ali, como em Einsiedeln, apresentava a Palavra de Deus como a única autoridade infalível, e a morte de Cristo como o único sacrifício completo. "É a Cristo," dizia ele, "que eu desejo conduzir-vos; a Cristo, a verdadeira fonte da salvação." D'Aubigné. Em redor do pregador acotovelava-se povo de todas as classes, desde estadistas e eruditos, até os operários e camponeses. Com profundo interesse escutavam suas palavras. Não somente proclamava o oferecimento de uma salvação gratuita, mas destemidamente reprovava os males e corrupções dos tempos. Muitos voltavam da catedral louvando a Deus. "Este homem," diziam, "é um pregador da verdade. Ele será nosso Moisés, para tirar-nos das trevas egípcias." - D'Aubigné.
     Mas, conquanto a princípio seus trabalhos fossem recebidos com grande entusiasmo, depois de algum tempo surgiu a oposição. Os monges puseram-se a entravar-lhe a obra e condenar-lhe os ensinos. Muitos o assaltavam coro zombarias e escárnios; outros recorriam à insolência e ameaças. Zuínglio, porém, suportou tudo com paciência, dizendo: "Se desejamos ganhar os ímpios para Jesus Cristo, 'devemos fechar os olhos a muitas coisas." - D'Aubigné.
     Por este tempo um novo fator apareceu para promover a obra da Reforma. Um amigo da fé reformada, de Basiléia, enviou a Zurique certo Luciano com alguns dos escritos de Lutero, sugerindo que a venda desses livros poderia ser extraordinário meio para difundir a luz. "Verificai," escreveu ele a Zuínglio, "se este homem possui prudência e habilidade suficientes; se assim for, ele que leve de cidade em cidade, de vila em vila, de aldeia em aldeia, e mesmo de casa em casa, entre suíços, as obras de Lutero, e especialmente sua exposição sobre a oração do Senhor, escrita para os leigos. Quanto mais forem conhecidas, tanto reais compradores encontrarão." -D'Aubigné. Assim teve entrada a luz.
     Na ocasião em que Deus Se prepara para quebrar as algemas da ignorância e superstição, então é que Satanás opera cora o máximo poder para envolver os homens em trevas e segurar seus grilhões ainda mais firmemente. Estando a surgir nos diferentes países homens a apresentar ao povo o perdão e a justificação pelo sangue de Cristo, Roma prosseguiu com renovada energia a abrir seu mercado por toda a cristandade, oferecendo por dinheiro o perdão.
     Todo pecado tinha seu preço, e aos homens se concedia livre permissão para o crime, contanto que o tesouro da igreja se conservasse cheio. Destarte, ambos os movimentos prosseguiram: um oferecendo o perdão do pecado por dinheiro, o outro, mediante Cristo; Roma permitindo o pecado e dele fazendo sua fonte de renda, os reformadores condenando o pecado e apontando para Cristo como a propiciação e o libertador.
     Na Alemanha, a venda das indulgências fora confiada aos frades dominicanos, e era dirigida pelo infame Tetzel. Na Suíça, foi a mesma entregue aos franciscanos, sob a direção de Sansão, monge italiano. Sansão prestara já bom serviço à igreja, tendo conseguido imensas somas da Alemanha e Suíça, para encher o tesouro papal. Atravessava então a Suíça, atraindo grandes multidões, despojando os pobres camponeses de seus minguados ganhos, e extorquindo ricos donativos das classes abastadas. A influência da Reforma, porém, já se fazia sentir, limitando aquele comércio, posto que o mesmo não pudesse deterse. Zuínglio estava ainda em Einsiedeln, quando Sansão, logo depois de entrar na Suíça, chegou com sua mercadoria a uma cidade vizinha. Informado de sua missão, o reformador imediatamente começou a opor-se-lhe. Os dois não se encontraram, mas tal foi o êxito de Zuínglio ao expor as pretensões do frade que este foi obrigado a seguir para outras localidades. Em Zurique, Zuínglio pregou zelosamente contra os vendedores de perdão; e, quando Sansão se aproximou do lugar, foi encontrado por um mensageiro do conselho com uma intimação de que se esperava passasse ele para outra parte. Por um estratagema, conseguiu afinal entrada, roas foi enviado para fora serra a venda de um único perdão, e logo depois deixou a Suíça.
     Grande impulso foi dado à Reforma 'com o aparecimento da peste, ou "grande morte," que varreu a Suíça no ano 1519. Sendo os homens assim postos em face do destruidor, muitos foram levados a sentir quão vãos e inúteis eram os perdões que tinham tão recentemente comprado; e anelavam urra fundamento mais seguro para a sua fé. Zuínglio, em Zurique, caiu doente. Ficou tão mal que abandonou toda a esperança de restabelecimento, e largamente circulou a notícia de que falecera. Naquela hora de provação, sua esperança e coragem foram inabaláveis. Olhava com fé para a cruz do Calvário, confiando na todo-suficiente propiciação pelo pecado. Quando ele voltou das portas da morte, foi pregar o evangelho com maior fervor do que nunca dantes, e suas palavras exerciam desusado poder. O povo dava com alegria as boas-vindas a seu amado pastor, a eles regressado da beira da sepultura. Eles mesmos tinham acabado de assistir os doentes e moribundos e sentiam, como nunca dantes, o valor do evangelho.
     Zuínglio chegara a uma compreensão mais clara de suas verdades, e havia mais completamente experimentado erra si seu poder renovador. A queda do homem e o plano da redenção eram os assuntos de que ele se ocupava. "Em Adão," dizia, "todos estamos mortos, submersos na corrupção e condenação." - Wylie. "Cristo . . . adquiriu-nos uma redenção intérmina . . . . Sua paixão é . . . um sacrifício eterno, e eternamente eficaz para curar; satisfaz para sempre a justiça divina, em favor de todos os que nela confiam com firme e inabalável fé." Contudo, ensinava claramente que os homens não estão, por causa da graça de Cristo, livres para continuar no pecado. "Onde quer que haja fé em Deus, ali Deus está; e onde quer que Deus habite, ali se desperta um zelo que insta com os homens e os impele às boas obras." - D'Aubigné.
     Tal era o interesse na pregação de Zuínglio que a catedral não comportava as multidões que o vinham ouvir. Pouco a pouco, à medida em que o podiam suportar, desvendava a verdade a seus ouvintes. Tinha o cuidado de não introduzir a princípio pontos que os assustariam, criando preconceitos. Seu trabalho era conquistar-lhes o coração para os ensinos de Cristo, abrandá-lo por Seu amor, e diante deles conservar Seu exemplo; e recebendo eles os princípios do evangelho, suas crenças e práticas supersticiosas inevitavelmente desapareceriam.
     Passo a passo avançava a Reforma em Zurique. Alarmados, seus inimigos levantaram-se em ativa oposição. Um ano antes o monge de Vitembergue proferira o seu "Não" ao papa e ao imperador, em Worms, e agora tudo parecia indicar urna resistência semelhante às pretensões papais em Zurique. Reiterados ataques foram feitos contra Zuínglio. Nos cantões papais, de tempos em tempos, discípulos do evangelho eram levados à tortura, ruas isto não bastava; o ensinador de heresias deveria ser reduzido ao silêncio. De acordo com isto, o bispo de Constança enviou três delegados ao conselho de Zurique, acusando Zuínglio de ensinar o povo a transgredir as leis da igreja, pondo assim em perigo a paz e a boa ordem da sociedade. Se a autoridade da igreja fosse posta de lado, insistia ele, resultaria anarquia universal. Zuínglio replicou que durante quatro anos estivera a ensinar o evangelho em Zurique, "que era mais silenciosa e pacífica que qualquer outra cidade da confederação." "Não é, então," disse ele, "o cristianismo a melhor salvaguarda da segurança geral?" Wylie.
     Os delegados aconselharam os membros do conselho a permanecer na igreja, fora da qual, declararam, não havia salvação. Zuínglio respondeu: "Não vos mova esta acusação. O fundamento da igreja é a mesma Rocha, o mesmo Cristo, que deu a S. Pedro seu nome porque ele O confessou fielmente. Em todo país, quem quer que creia de todo o coração no Senhor Jesus, é aceito por Deus. Esta, verdadeiramente, é a igreja, fora da qual ninguém pode salvar-se." - D'Aubigné. Como resultado da conferência, um dos delegados do bispo aceitou a fé reformada.
     O conselho recusou-se a agir contra Zuínglio, e Roma preparou-se para novo ataque. O reformador, ao ser informado da trama de seus inimigos, exclamou: "Eles que venham; eu os temo como o rochedo se arreceia das vagas que trovejam a seus pés." Wylie. Os esforços eclesiásticos apenas favoreceram a causa que procuravam destruir. A verdade continuou a ser espalhada. Na Alemanha seus adeptos, abatidos com o desaparecimento de Lutero, tomaram novo ânimo, quando viram o progresso do evangelho na Suíça.
     Ficando a-Reforma implantada em Zurique, seus frutos eram mais amplamente vistos na supressão do vício e promoção da ordem e harmonia. "A paz tem sua habitação em nossa cidade," escreveu Zuínglio; "nenhuma rixa, nenhuma hipocrisia, nenhuma inveja, nenhuma contenda. Donde pode tal união vir senão do Senhor e de nossa doutrina, que nos enche dos frutos de paz e piedade?" - Wylie.
     As vitórias ganhas pela Reforma estimularam os romanistas a esforços ainda reais decididos, para a subversão daquela. Vendo quão pouco fora alcançado pela perseguição no sentido de suprimir a obra de Lutero na Alemanha, decidiram-se a enfrentar a Reforma com as próprias armas da mesma. Manteriam uma discussão com Zuínglio e, havendo eles de dispor o assunto, assegurar-se-iam a vitória, escolhendo eles mesmos, não somente o local do debate, mas os juízes que decidiriam entre os contendores. E, se pudessem manter Zuínglio em seu poder, teriam cuidado em que ele lhes não escapasse. Reduzido o chefe ao silêncio, poder-se-ia rapidamente sufocar o movimento. Este propósito, contudo, foi cuidadosamente oculto.
     Fora designado que o debate tivesse lugar em Bade; mas Zuínglio não estava presente. O Conselho de Zurique, suspeitando dos intuitos dos católicos, romanos, e advertido pelas fogueiras acesas nos cantões papais para os que professavam o evangelho, proibiu a seu pastor expor-se àquele perigo. Em Zurique ele estava pronto a enfrentar todos os partidários que Roma pudesse enviar; mas ir a Bade, onde o sangue dos mártires da verdade acabara de ser derramado, seria ir para a morte certa. Oecolampadius e Haller foram escolhidos para representar os reformadores; enquanto o famoso Ter. Eck, apoiado por uma hoste de ilustres doutores e prelados, era o campeão de Roma.
     Posto que Zuínglio não comparecesse, sua influência foi sentida. Os secretários foram todos escolhidos pelos romanistas, e a outros foi vedado tornar notas, sob pena de morte. Apesar disto Zuínglio recebia diariamente um relatório fiel do que se dizia em Bade. Um estudante que assistia à discussão, fazia cada noite um relato dos argumentos naquele dia apresentados. Dois outros estudantes faziam a entrega desses papéis, juntamente com as carcas diárias de Oecolampadius, a Zuínglio, em Zurique. O reformador respondia, dando conselhos e sugestões. Suas cartas eram escritas à noite, e os estudantes voltavam com elas a Bade, de manhã. Para iludir a vigilância do guarda estacionado às portas da cidade, esses mensageiros levavam sobre a cabeça cestos com aves domésticas, e era-lhes permitido passar sem impedimento.
     Assim Zuínglio manteve a batalha cora seus ardilosos antagonistas. Ele "trabalhou mais," disse Myconius, "com suas meditações, noites de vigília e conselhos que transmitia a Bade, do que teria feito discutindo ene pessoa no meio de seus inimigos." - D'Aubigné.
     Os representantes de Roma, exultantes pelo triunfo antecipado, tinham ido a Bade ornamentados com as roais ricas vestes e resplendentes de jóias. Viviam luxuosamente e sua mesa era servida core as reais custosas iguarias e seletos vinhos. O encargo de seus deveres eclesiásticos era aliviado pela jovialidade e orgia. Em assinalado contraste apareciam os reformadores, que eram vistos pelo povo como sendo pouco melhores do que um grupo de pedintes, e cujo passadio frugal os conservava apenas pouco tempo à mesa. O hospedeiro de Oecolampadius, procurando ocasião de observá-lo em seu quarto, encontrava-o sempre empenhado no estudo ou em oração e, maravilhandose grandemente, referiu que o herege era, ao menos, "muito religioso."
     Na conferência, "Eck altivamente subiu a um púlpito esplendidamente ornamentado, enquanto o humilde Oecolampadius, mediocremente vestido, foi obrigado a tomar assento defronte de seu oponente, em um banco tosco." - D'Aubigné. A voz tonitroante e ilimitada confiança de Eck nunca lhe faltaram. Seu zelo era estimulado pela esperança do ouro bem como de renome; pois o defensor da fé deveria ser recompensado com paga liberal. Quando melhores argumentos falhavam, recorria á insultos e mesmo a blasfémias.
     Oecolampadius, modesto e não confiante em si próprio, arreceara-se do combate, e para ele entrara corri esta solene confissão: "Não reconheço outra norma para julgar a não ser a Palavra de Deus." D'Aubigné. Posto que gentil e cortês nas maneiras, mostrou-se capaz e persistente. Enquanto os católicos, romanos, segundo seu hábito, apelavam para os costumes da igreja como autoridade, o reformador apegava-se firmemente às Escrituras Sagradas. "O costume," dizia ele, "não tem força alguma em nossa Suíça, a menos que esteja de acordo coro a constituição; ora, em assunto de fé, a Bíblia é a nossa constituição." -D'Aubigné.
     O contraste entre os dois contendores não era destituído de efeito. O raciocínio calmo, claro, do reformador, tão gentil e modestamente apresentado, falava aos espíritos que se desviavam desgostosos das afirmações jactanciosas e violentas de Eck.
     A discussão continuou dezoito dias. Em seu termo, os representantes do papa, com grande confiança, pretenderam a vitória. A maior parte dos delegados ficaram ao lado de Roma, e a Dieta declarou vencidos os reformadores, e notifcou que eles, juntamente com Zuínglio, seu chefe, estavam separados da igreja. Mas os frutos da conferência revelaram de que indo, estava a vantagem. A contenda resultou em forte impulso par q a carisa protestante, e não mui-lo tempo depois, as importantes cidades de Berna e Basiléia se declararam peia reforma.


 
CAPÍTULO 10

Europa Desperta

     Adesaparecimento misterioso de Lutero excitara consternação em toda a Alemanha. Ouviam-se por toda parte indagações a respeito dele. Circulavam os mais disparatados rumores, e muitos criam que ele tivesse sido assassinado. Houve grande lamentação, não somente por seus amigos declarados, ruas por milhares que não haviam abertamente assumido atitude pela Reforma. Muitos se comprometiam, sob juramento solene, a vingar-lhe a morte.
     Os chefes romanistas viram com terror até que ponto haviam atingido os sentimentos contra eles. Conquanto a princípio jubilosos com a suposta morte de Lutero, logo desejaram ocultar-se à ira do povo. Seus inimigos não haviam sido tão perturbados com seus arrojadíssimos atos enquanto se achava entre eles, como o foram com o seu afastamento. Aqueles que em sua cólera haviamm procurado destruir o ousado reformador, estavam cheios de temor agora que ele se tornara um cativo inerme. "O único meio que resta de nos salvarmos," disse um, "consiste em acendermos tochas e sairmos à procura de Lutero pelo mundo inteiro, a fim de reintegrá-o à nação que por ele está chamando." D'Aubigné. O edito do imperador parecia tornar-se impotente. Os legados papais, estavam cheios de indignação, ao ver que o edito se impunha muito menos à atenção do que a sorte de Lutero.
     As notícias de que ele estava em segurança, embora prisioneiro, acalmavam os terrores do povo, ao passo que ainda mais suscitavam o entusiasmo a seu favor. Seus escritos eram lidos coro maior avidez do que nunca dantes. Um número crescente de pessoas aderia à causa do heróico homem que, em tão terrível contenda, defendera a Palavra de Deus. A Reforma estava constantemente ganhando forças. Germinara por toda parte a semente que Lutero lançara. Sua ausência cumpriu uma obra que sua presença não teria conseguido realizar. Outros obreiros sentiram nova responsabilidade, agora que seu grande chefe fora removido. Com nova fé e fervor, avançaram para fazer tudo que estivesse em seu poder, a iam de que não fosse impedida a obra tão nobremente iniciada.
     Mas Satanás não estava ocioso. Passou a tentar o que havia experimentado em. todos os outros movimentos de reforma enganar e destruir o povo apresentando-lhe uma contrafação erra lugar da verdadeira obra. Assim como houve falsos cristos no primeiro século da igreja cristã, surgiram também falsos profetas no século décimo sexto.
     Alguns homens, profundamente impressionados com a agitação que ia pelo mundo religioso, imaginavam haver recebido revelações especiais do Céu, e pretendiam ter sido divinamente incumbidos de levar avante, até à finalização, a Reforma que. declaravam, apenas fora iniciada debilmente por Lutero. Na verdade, estavam desfazendo o mesmo trabalho que ele realizara. Re peitavam o grande princípio que era o próprio fundamento da Reforma - que a Palavra de Deus é a todo-suficiente regra de fé e prática; e substituíram aquele guia infalível pela norma mutável, incerta, de seus próprios sentïmentos e impressões. Por este ato de pôr de lado o grande indicador do erro e falsidade. fora aberto o caminho para Satanás governar os espíritos como melhor lhe aprouvesse.
     U m desses profetas pretendia haver sido instruído pelo anjo Gabriel. Um estudante que se lhe unira, abandonara seus estudos declarando que fora pelo próprio Deus dotado de sabedoria para expor Sua Palavra. Outros que naturalmente eram propensos ao fanatismo, a eles se uniram. A ação destes entusiastas criou não pequeno excitamento. A pregação de Lutero tinha levado o povo em toda parte a sentir a necessidade de reforma, e agora algumas pessoas realmente sinceras foram transviadas pelas pretensões dos novos profetas.
     Os dirigentes do movimento seguiram para Vitembergue e instaram com Melâncton e seus cooperadores para que aceitasses suas pretensões. Disseram: "Nós somos enviados por Deus para instruir ao povo. Temos familiarmente entretido conversas com o Senhor; sabemos o que acontecerá; em uma palavra, somos apóstolos e profetas, e apelamos para o Ter. Lutero." - D'Aubigné.
     Os reformadores estavam surpresos e perplexos. Com semelhante elemento não haviam ainda deparado, e não sabiam o que fazer. Disse Melâncton: "Há efetivamente espírito extraordinário nestes homens; mas que espírito? . . . De um lado acautelemo-nos de entristecer o Espírito de Deus, e de outro, de sermos desgarrados pelo espírito de Satanás." - D'.Aubié.
     O fruto do novo ensino logo se tornou manifesto. O povo foi levado a negligenciar a Bíblia, ou lança-la inteiramente à parte. Nas escolas estabeleceu-se confusão. Estudantes, repelindo toda restrição, abandonavam seus estudos e retiravam-se da universidade. Os homens que se julgavam competentes para reanimar e dirigir a obra da Reforma, conseguiram unicarnente leva-la às bordas da ruína. Os representantes de Roma recuperaram então sua confiança, e exclamaram exultantemente: "Mais uma luta, e tudo será nosso." - D'Aubigné.
     Lutero, em Wartburgo, ouvindo o que ocorrera, disse cone profundo pesar: "Sempre esperei que Satanás nos mandaria esta praga." - D'Aubigné. Percebeu o verdadeiro caráter desses pretensos profetas, e viu o perigo que ameaçava a causa da verdade. A oposição do papa e do imperador não lhe tinha causado perplexidade e angústia tão grandes como as que experimentava agora. Dos professos amigos da Reforma haviam surgido seus piores inimigos. As mesmas verdades que lhe haviam trazido tão grande alegria e consolação, estavam sendo empregadas para provocar contenda e criar confusão na igreja.
     Na obra da Reforma, Lutero fora compelido à frente peio Espírito de Deus, e levado além do que ele pessoalmente teria ido. Não se propusera assumir as posições que assumiu, nem efetuar mudanças tão radicais. Não fora senão o instrumento nas alãos do Poder infinito. Contudo, muitas vezes estremecia pelos resultados de seu trabalho. Dissera urna vez: "Se eu soubesse que minha doutrina tivesse prejudicado a ura homem, um único homem, por humilde e obscuro que fosse o que não pode ser, pois que é o próprio evangelho eu preferiria morrer dez vezes a não retratar-me." - D'Aubigné .
     E então, Vitembergue mesmo, o próprio centro da Reforma, 'estava rapidamente a cair sob o poder do fanatismo e da anarquia. Esta terrível condição não resultara dos ensinos de Lutero; zoas por toda a Alemanha seus inimigos o estavam acusando disso. Em amargura d'alma ele algumas vezes perguntou: "Poderá, então, ser esse o fim desta grande obra da Reforma?"
     D'Aubigné. De novo, lutando com Deus em oração, encheuse-lhe de paz a alma. "A obra não é minha, mas Tua," disse ele; "não permitirás que ela se corrompa pela superstição ou fanatismo." Mas o pensamento de permanecer por mais tempo afastado do conflito, numa crise tal, tornou-se-lhe insuportável. Resolveu voltar a Vitembergue.
     Sem demora iniciou a perigosa viagem. Achava-se sob a condenação do império. Os inimigos tinham a liberdade de tirar-lhe a vida; aos amigos era vedado auxiliá-lo ou abrigá-lo. O governo imperial estava adotando as roais enérgicas medidas contra seus adeptos. Ele, porém, via que a obra do evangelho estava perigando, e em nome do Senhor saiu destemidamente para batalhar pela verdade.
     Era carta ao eleitor, depois de declarar seu propósito de deixar Wartburgo, Lutero disse: "Seja Vossa Alteza cientificado de que vou a Vitembergue sob uma proteção muito mais elevada do que a de príncipes e eleitores. Não penso em solicitar o apoio de Vossa Alteza, e longe de desejar sua proteção, eu mesmo, antes, o protegerei. Se eu soubesse que Vossa Alteza poderia ou quereria proteger-me, não iria de maneira nenhuma a Vitembergue. Não há espada que possa favorecer esta causa. Deus somente deve fazer tudo sem o auxílio ou cooperação do homem. Aquele que terra a maior fé, é o que é mais capaz de proteger." D'Aubigné.
     Em segunda carta, escrita erra caminho para Vitembergue, Lutero acrescentou: "Estou pronto para incorrer no desagrado de Vossa Alteza e na ira do mundo inteiro. Não são os habitantes de Vitembergue minhas ovelhas? Não as confiou Deus a mim? E não deveria eu, sendo necessário, expor-me à morte por sua causa? Demais, terno ver um terrível levante na Alemanha, pelo qual Deus punirá nossa nação." - D'Aubigné.
     Com grande cautela e humildade, se bem que com decisão e firmeza, entrou em seu trabalho. "Pela Palavra," disse ele, "devemos vencer e destruir o que foi estabelecido pela violência. Não farei uso da força contra os supersticiosos e incrédulos . . . . Ninguém deve ser constrangido. A liberdade é a própria essência da fé." D'Aubigné.
     Logo rumorejou em toda Vitembergue que Lutero voltara, e que deveria pregar. O povo congregou-se de todas as direções, e a igreja transbordou. Subindo ao púlpito, corra grande sabedoria e mansidão, instruiu, exortou e reprovou. Abordando o procedimento de alguns que haviam recorrido a medidas violentas para abolir a missa, disse:
     "A missa é coisa aná; Deus Se opõe a ela; deve ser abolida; e eu gostaria que no mundo inteiro fosse substituída pela Ceia do evangelho. Mas que ninguém seja dela arrancado pela força. Devemos deixar o caso nas mãos de Deus. Sua Palavra deve agir, e não nós. E por que assim? perguntareis. Porque eu não retenho o coração dos homens em minhas mãos, como o oleiro retém o barro. Temos o direito de falar: não temos o direito de agir. Preguemos; o resto pertence a Deus. Devesse eu empregar a força e que ganharia? Momice, formalidade, arremedos, ordenanças humanas e hipocrisia . . .. Mas não haveria sinceridade de coração, nem fé, nem caridade. Onde faltam estas três, falta tudo, e, eu nada daria por semelhante resultado . . . . Deus faz mais por Sua Palavra só, do que vós e eu e o mundo inteire por nóssa força unida. Deus Se apodera do coração, e tomando o coração, tudo está ganho . . . .
     "Pregarei, discutirei, escreverei; mas não constrangerei a ninguém, pois a fé é ato voluntário. Vede o que fiz. Levanteime contra o papa, seus partidários e as indulgências, nuas sem violência nem tumulto. Apresentei a Palavra de Deus; preguei e escrevi - isto é tudo que fiz. E, no entanto, enquanto eu dormia,... a Palavra que eu pregara subverteu o papado, de maneira. tal que nunca um príncipe ou imperador lhe vibrou semelhante golpe. E, contudo, nada fiz; a Palavra só, fez tudo. Se eu houvesse querido apelar para a força, a Alemanha inteira teria sido talvez inundada de sangue. Mas qual seria o resultado? Ruína e desolação tanto para o corpo como para a alma. Portanto, conservei-me quieto e deixei a Palavra sozinha correr através da mundo." - D'Aubigné.
     Dia após dia, durante uma semana inteira, Lutero continuou a pregar a ávidas multidões. A Palavra de Deus quebrou o encanto da excitação fanática. O poder do evangelho trouxe de novo para o carrinho da verdade o povo transviado.
     Lutero não tinha desejo de encontrar-se com os fanáticos, cujo proceder fora a causa de tão grande mal. Sabia que eram homens de juízo defciente e de indisciplinadas paixões, os quais conquanto pretendessem ser especialmente iluminados pelo Céu, não suportariam a mínima contradição, ou mesmo a mais benévola reiprovação ou conselho. Arrogando-se autoridade suprema, exigiam que cada um, sem qualquer questão, reconhecesse o que pretendiam. Mas, ao pedirem urna entrevista cote ele, concedeu-lha; e cote tanto êxito expôs as pretensões deles que os impostores de pronto partiram de Vitembergue.
     O fanatismo foi sustado por algum tempo; mas alguns anos mais tarde irrompeu com maior violência e mais terríveis resultados. Disse Lutero, cor i relação aos dirigentes desse movimento: "Para eles as Escrituras Sagradas não eram senão letra morta, e todos eles começaram a clamar: 'O Espírito! o Espírito!' Mas, certamente não seguirei para onde seu espírito os conduz. Deus me guarde, pela Sua misericórdia, de uma igreja em que não há senão santos. Desejo associar-me aos humildes, fracos, doentes, que conhecem e sentem seus pecados, e que, do fundo do coração, gemem e clamam continuamente a Deus, para obter dEle consolação e apoio." - D'Aubigné.
     Tomaz Münzer, o mais ativo dos fanáticos, era homem de considerável habilidade, que, corretamente dirigida, o teria capacitado a fazer .o bem; mas ele não aprendera os rudimentos da verdadeira religião. "Possuía-o o desejo de reformar o mundo e esquecia-se, como o fazem todos os entusiastas, de que a reforma deveria começar consigo mesmo." -D'Aubigné. Ambicionava obter posição e influência, e não estava disposto a ficar em segundo lugar, mesmo em relação a Lutero. Declarava que os reformadores, substituindo pela autoridade das Escrituras a do papa, estavam apenas estabelecendo uma fornia diversa de papado. Ele próprio pretendia haver sido divinamente incumbido de introduzir a verdadeira reforma. "Aquele que possui este espírito," disse Münzer, "possui a verdadeira fé, ainda que em sua vida nunca visse as Escrituras." -D'Aubígné.
     Os ensinadores fanáticos entregaram-se à direção das impressões, considerando todo pensamento e impulso como sendo a voz de Deus; conseqüentemente iam a grandes extremos. Alguns queimaram mesmo a Bíblia, exclamando: "A letra mata, mas o Espírito vivifica." O ensino de Münzer apelava para o desejo humano do maravilhoso, enquanto satisfazia seu orgulho colocando virtualmente as idéias e opiniões dos homens acima da Palavra de Deus. Suas doutrinas eram recebidas por milhares. Logo denunciou toda a ordem no culto público, e declarou que obedecer aos príncipes era tentar servir simultaneamente a Deus e a Belial.
     O espírito do povo, começando já a arremessar o jugo do papado, estava-se também tornando impaciente sob as restrições da autoridade civil. Os ensinos revolucionários de Münzer, pretendendo sanção divina, levaram-nos a romper com todo domínio e dar rédeas a seus preconceitos e paixões. Seguiram-se as mais terríveis cenas de sedição e contenda, e os campos da Alemanha embeberam-se de sangue.
     A agonia d'alma que, havia tanto tempo antes, Lutero experimentara em Erfurt, oprimia-o agora com redobrada força, vendo ele os resultados do fanatismo imputados à Reforma. Os príncipes romanistas declaravam - e muitos estavam prontos a dar crédito à declaração que a rebelião era o fruto legítimo das doutrinas de Lutero. Conquanto esta acusação não tivesse o mínimo fundamento, não poderia senão causar grande angústia ao reformador. Que a causa da verdade fosse destarte infelicitada, sendo emparelhada com o mais ignóbil fanatismo, parecia mais do que ele poderia suportar. Por outro lado, os chefes da revolta odiavam a Lutero porque ele não somente se opusera a suas doutrinas e negara ser de inspiração divina o que pretendiam, mas declarara-os rebeldes à autoridade civil. Em represália, denunciaram-no como vil pretensioso. Parecia haver acarretado sobre si a inimizade tanto de príncipes como do povo.
     Os romanistas exultavam, esperando testemunhar a rápida queda da Reforma; e culpavam a Lutero até dos erros que ele tão zelosamente se esforçara por corrigir. A facção fanática, pretendendo falsamente haver sido tratada com grande injustiça, conseguiu ganhar as simpatias de um grupo numeroso de pessoas e, conforme se dá freqüentemente com os que tomam o lado do erro, vieram a ser considerados mártires. Assim, aqueles que estavam exercendo toda energia em oposição à Reforma, eram lamentados e louvados como vítimas de crueldade e opressão. Esta era obra de Satanás, movido pelo mesmo espírito de rebelião que manifestara primeiramente no Céu.
     Satanás está constantemente procurando enganar os homens e leva-los a chamar ao pecado justiça, e à justiça pecado. Quão bem sucedido tem sido seu trabalho! Quantas vezes a censura e a exprobração são lançadas sobre os fiéis servos de Deus porque se mantêm destemidos em defesa da verdade! Os homens que não passam de agentes de Satanás, são louvados e lisonjeados, e mesmo considerados mártires, enquanto os que deveriam ser respeitados e apoiados pela sua fidelidade a Deus, são deixados sós, sob suspeita e desconfiança.
     A santidade falsificada, a santificação espúria, ainda está a fazer sua obra de engano. Sob várias formas exibe o mesmo espírito dos dias de Lutero, desviando das Escrituras os espíritos, e levando os homens a seguir seus próprios sentimentos e impressões, em vez de prestar obediência à lei de Deus. Este é um dos expedientes mais bem sucedidos de Satanás, para lançar opróbrio sobre a pureza e a verdade.
     Corajosamente Lutero defendeu o evangelho dos ataques que vinham de todos os lados. A Palavra de Deus se demonstrou uma arma poderosa em todo conflito. Com essa Palavra guerreou contra a usurpada autoridade do papa e a filosofia racionalista dos escolásticos, enquanto se mantinha firme como uma rocha contra o fanatismo que procurava aliar-se à Reforma.
     Cada um desses elementos oponentes estava, a seu modo, pondo de parte as Escrituras Sagradas e exaltando a sabedoria humana como a fonte da verdade e conhecimento religioso. O racionálismo deifica a razão e dela faz o critério para a religião. O romanismo, pretendendo para seu soberano pontífice uma inspiração que descende ininterruptamente dos apóstolos, e que é imutável em todos os tempos, dá ampla oportunidade para que toda espécie de extravagâncias e corrupção se ocultem sob a santidade da comissão apostólica. A inspiração pretendida por Münzer e seus companheiros, não procedia de uma fonte mais elevada do que as divagações da imaginação, e sua influência era subversiva a toda autoridade humana ou divina. O verdadeiro cristianismo recebe a Palavra de Deus como o grande tesouro de verdade inspirada, e como a prova de toda inspiração.
     De volta de Wartburgo, Lutero completou sua tradução do Novo Testamento, que foi logo depois entregue ao povo da Alemanha em sua própria língua. Essa tradução foi recebida com grande alegria por todos os que amavam a verdade, mas rejeitaram-na escarnecedoramente os que preferiam tradições e preceitos de homens.
     Os padres estavam alarmados com a idéia de que o povo comum agora seria capaz de discutir com eles sobre os preceitos da Palavra de Deus, e de que sua própria ignorância seria assim exposta. As arruas de seu raciocínio carnal eram impotentes contra a espada do Espírito. Roma convocou toda a sua autoridade para impedir a disseminação das Escrituras; ruas baldados foram decretos, anátemas e torturas. Quanto mais ela condenava e proibia a Bíblia, maior era a ansiedade do povo por saber o que a mesma realmente ensinava. Todos os que sabiam ler estavam ávidos por estudar por si mesmos a Palavra de Deus. Levavam-na consigo, liam-na e reliam-na, e não podiam satisfazer-se antes que confiassem à memória grandes porções. Vendo o favor com que o Novo Testamento fora recebido, Lutero imediatamente começou a tradução do Velho, publicando-o em partes, tão depressa as completava.
     Os escritos de Lutero eram bem aceitos, nas cidades como nas aldeias. "O que Lutero e seus amigos compunham, outros faziam circular. Monges, convictos do caráter ilícito das obrigações monásticas, desejosos de trocar uma longa vida de indolência por outra de ativo esforço, ruas demasiado ignorantes para proclamar a Palavra de Deus, viajavam pelas províncias, visitando aldeias e cabanas, onde vendiam os livros de Lutero e de seus amigos. Logo enxameavam pela Alemanha aqueles ousados colportores." -D'Aubigné.
     Ricos e pobres, doutos e ignorantes estudavam com profundo interesse esses escritos. À noite os professores das escolas da aldeia liam-nos em voz alta a pequenos grupos reunidos junto - à lareira. Com cada esforço, algumas almas eram convencidas da verdade e, recebendo a Palavra com alegria, por seu turno contavam as boas-novas a outros.
     Confirmou-se o que disse o cantor inspirado: "A exposição das Tuas palavras dá luz; dá entendimento aos símplices." Salmo 119:130. O estudo das Escrituras estava operando poderosa mudança no espírito e coração do povo. O governo papal colocara sobre os seus súditos um jugo de ferro que os retinha em ignorância e degradação. Uma supersticiosa observância de formas fora escrupulosamente mantida; mas em todo o seu serviço, o coração e o intelecto haviam tido pequena parte. A pregação de Lutero, expondo as plenas verdades da Palavra de Deus, e depois a própria Palavra, posta nas mãos do povo comum, despertaram-lhes as capacidades adormecidas, não somente purificando e enobrecendo a natureza espiritual, mas comunicando nova força e vigor ao intelecto.
     Podiam-se ver pessoas de todas as classes com a Bíblia nas mãos, defendendo as doutrinas da Reforma. Os romanistas que haviam deixado o estudo das Escrituras aos padres e monges, chamavam por eles agora para se apresentarem e refutarem os novos ensinos. Mas, ignorantes tanto a respeito das Escrituras como do poder de (Deus, padres e frades eram totalmente derrotados pelos que haviam denunciado como indoutos e hereges. "Infelizmente," disse um escritor católico, "Lutero persuadiu seus seguidores a não depositar fé em qualquer outro oráculo além das Escrituras Sagradas." D'Aubigné. Multidões se reuniam para ouvir a verdade advogada por homens de pouca instrução, e mesmo por eles discutida com ilustrados e eloqüentes teólogos. Patenteava-se a vergonhosa ignorância desses grandes homens, ao serem seus argumentos defrontados pelos singelos ensinos da Palavra de Deus. Operários, soldados, mulheres e mesmo crianças, estavam mais familiarizados com os ensinos da Bíblia do que o estavam os padres e ilustres doutores.
     O contraste entre os discípulos do evangelho e os mantenedores da superstição romanista manifestava-se não menos nas classes eruditas do que entre o povo comum. "Opondo-se aos velhos campeões da hierarquia, que tinham negligenciado o estudo de línguas e o cultivo da literatura . . . havia jovens de espírito lúcido, dedicados ao estudo, que investigavam as Escrituras e se familiarizavam com as obras-primas da antiguidade. Dotados de espírito altivo, alma elevada e intrépido coração, os moços logo adquiriram tal saber que durante longo período de tempo ninguém podia com eles competir . . . . Quando, pois, em qualquer assembléia, esses jovens defensores da Reforma enfrentavam os doutores do romanismo, atacavam-nos com tal facilidade e confiança que esses homens ignorantes hesitavam, ficavam embaraçados e caíam em merecido desprezo aos olhos de todos." -D'Aubigné.
     Vendo o clero romano suas congregações diminuírem, invocaram o auxilio dos magistrados e, por todos os meios ao seu alcance esforçaram-se por fazer seus ouvintes voltarem. Mas o povo encontrara nos novos ensinos aquilo que lhe supria as necessidades dá alma, e afastou-se daqueles que por tanto tempo o tinham alimentado com as inúteis bolotas de ritos supersticiosos e tradições humanas.
     Quando se acendeu a perseguição contra os ensinadores da verdade, deram atenção às palavras de Cristo: "Quando, pois, vos perseguirem nesta cidade, fugi para outra." S. Mateus 10:23. A luz penetrou em toda parte. Os fugitivos encontraram algures uma porta hospitaleira que se lhes abria e, ali morando, pregavam a Cristo, algumas vezes na igreja ou, sendo-lhes negado esse privilégio, nas casas particulares ou ao ar livre. Qualquer lugar em que pudessem obter auditório, era-lhes um templo consagrado. A verdade, proclamada com tal energia e segurança, propagava-se com poder irresistível.
     Debalde se invocavam tanto autoridades eclesiásticas como civis a fim de aniquilar a heresia. Em vão recorriam à prisão, tortura, fogo e espada. Milhares de crentes selaram a fé com seu sangue, e não obstante a obra prosseguia. A perseguição servia apenas para propagar a verdade; e o fanatismo que Satanás se esforçou por confundir com esta, teve como resultado tornar mais claro o contraste entre a obra de Satanás e a de Deus.


 
CAPÍTULO 11

Os Príncipes Amparam a Verdade

     Um dos mais nobres testemunhos já proferidos pela Reforma, foi o protesto apresentado pelos príncipes cristãos da Alemanha, na Dieta de Espira, em 1529. A coragem, fé e firmeza daqueles homens de Deus, alcançaram para os séculos que se seguiram, a liberdade de pensamento e consciência. O protesto deu à igreja reformada o nome de Protestante; seus princípios são "a própria essência do protestantismo." - D'Aubigné.
     Uma época tenebrosa e ameaçadora havia chegado para a Reforma. Apesar do edito de Worms, declarando Lutero proscrito, e proibindo o ensino ou a crença de suas doutrinas, até ali prevalecera no império a tolerância religiosa. A providência divina repelira as forças que se opunham à verdade. Carlos V estava inclinado a aniquilar a Reforma, mas, muitas vezes, quando levantara a mão para dar o golpe, fora obrigado a desviá-lo. Repetidas vezes a imediata destruição de tudo que ousava opor-se a Roma parecia inevitável; mas no momento crítico os exércitos dos turcos apareciam na fronteira oriental, ou o rei da França, ou mesmo o próprio papa, cioso da crescente grandeza do imperador, contra ele faziam guerra; e, assim, entre a contenda e o tumulto das nações, dera-se azo a que a Reforma se fortalecesse e estendesse.
     Finalmente, entretanto, os soberanos católicos coagiram seus feudos a que fizessem causa comum contra os reformadores. A Dieta de Espira, em 1526, dera a cada Estado ampla liberdade em matéria religiosa, até à reunião de um concílio geral; mas, mal haviam passado os perigos que asseguraram aquela concessão, o imperador convocou uma segunda Dieta a se reunir em Espira, em 1529, com o fim de destruir a heresia. Os príncipes deve-riam ser induzidos, por meios pacíficos, sendo possível, a se colocarem contra a Reforma; noas, se tais meios falhassem, Carlos estava preparado para recorrer à espada.
     Os romanistas estavam jubilosos. Compareceram em Espira em grande número, manifestando abertamente sua hostilidade para com os reformadores e todos os que os favoreciam. Disse Melâncton: "Nós somos a execração e a escória do mundo; mas Cristo olhará para o Seu pobre povo e o preservará." — D'Aubigné. Aos príncipes evangélicos que assistiam à Dieta foi até proibido que se pregasse o evangelho em sua residência. Mas o povo de Espira tinha sede da Palavra de Deus e, apesar da proibição, milhares se congregavam para os serviços realizados na capela do eleitor da Saxônia.
     Isso apressou a crise. Uma mensagem imperial anunciou à Dieta que, corno a resolução que concedia liberdade de consciência havia dado origem a grandes desordens, o imperador exigia fosse ela anulada. Este ato arbitrário excitou a indignação e alarma dos cristãos evangélicos. Disse um deles: "Cristo caiu de novo às mãos de Caifás e Pilatos." Os romanistas tornaram-se mais violentos. Um católico romano, fanático, declarou: "Os turcos são melhores que os luteranos; pois eles observam dias de jejum, e os luteranos os violam. Se tivéssemos de escolher entre as Escrituras Sagradas de Deus e os velhos erros da igreja, deveríamos rejeitar as primeiras." Disse Melâncton: "Cada dia, em plena assembléia, Faber lança alguma nova pedra a nós, os evangélicos." - D'Aubigné.
     A tolerância religiosa fora legalmente estabelecida, e os Estados evangélicos estavam resolvidos a opor-se à violação de seus direitos. A Lutero, ainda sob a condenação imposta pelo edito de Worms, não era permitido estar presente em Espira; mas preencheram-lhe o lugar os seus cooperadores e os príncipes que Deus suscitara para defender Sua causa nessa emergência. O nobre Frederico da Saxônia, protetor de Lutero, fora arrebatado pela morte; mas o duque João, seu irmão e sucessor, alegremente aceitara a Reforma e, conquanto fosse amigo da paz, manifestara grande energia e coragem em todos os assuntos relativos aos interesses da fé.
     Os padres pediam que os Estados que haviam aceito a Reforma se submetessem implicitamente à jurisdição romana. Os reformadores, por outro lado, reclamavam a liberdade que anteriormente lhes fora concedida. Não poderiam consentir em que Roma de novo pusesse sob seu domínio aqueles Estados que com grande alegria haviam recebido a Palavra de Deus.
     Como entendimento foi finalmente proposto que onde a Reforma não se houvesse estabelecido, o edito de Worms deveria ser rigorosamente posto em execução; e que nos Estados "em que o povo dele se desviara e não poderia conformar-se com o mesmo sem perigo de revolta, não deveriam ao menos efetuar qualquer nova Reforma, não tocariam em nenhum ponto controvertido, não se oporiam à celebração da missa, não permitiriam que católico romano algum abraçasse o luteranismo." — D'Aubigné. Essa medida foi aprovada na Dieta, com grande satisfação dos sacerdotes e prelados papais.
     Se esse edito fosse executado, "a Reforma não póderia nem estender-se . . . onde por enquanto era desconhecida, nem estabelecer-se sobre sólidos fundamentos . .. onde já existia."
     D'Aubigné. A liberdade da palavra seria proibida. Não se permitiriam conversões. E exigiu-se dos amigos da Reforma de pronto se submetessem a essas restrições e proibições. As esperanças do mundo pareciam a ponto de se extinguir. "O restabelecimento da hierarquia romana . . . infalivelmente traria de novo os antigos abusos;" e encontrar-se-ia facilmente uma ocasião para "completar a destruição de uma obra já tão violentamente abalada" pelo fanatismo e dissensão. - D'Aubigné.
     Reunindo-se o partido evangélico para consulta, entreolharam-se os presentes, pálidos de terror. De um para outro circulava a pergunta: "Que se poderá fazer?" Graves lances em relação ao mundo eram iminentes. "Submeter-se-ão os chefes da Reforma, e aceitarão o edito? Quão facilmente, nessa crise, em verdade tremenda, poderiam os reformadores ter argumentado consigo mesmos de maneira errônea! Quantos pretextos plausíveis e boas razões poderiam ter encontrado para a submissão! Aos príncipes luteranos era garantido o livre exercício de sua religião. O mesmo favor era estendido a todos os seus súditos que, anteriormente à aprovação daquela medida, haviam abraçado as idéias reformadas. Não deveria isto contentá-los? Quantos perigos não evitaria a submissão! Em quantos acasos e conflitos desconhecidos não haveria a oposição de lançá-los? Quem sabe que oportunidades poderá trazer o futuro? Abracemos a paz; agarremos o ramo de oliveira que Roma apresenta e curemos as feridas da Alemanha. Com argumentos semelhantes a estes poderiam os reformadores ter justificado a adoção de uma conduta que, com certeza, em não muito tempo resultaria na total destruição de sua causa.
     "Felizmente consideraram o princípio sobre o qual aquele acordo se baseava, e agiram com fé. Qual era o princípio? Era o direito de Roma coagir a consciência e proibir o livre exame.
     Mas não deveriam eles próprios e seus súditos protestantes gozar de liberdade religiosa? Sim, como um favor especialmente estipulado naquele acordo, mas não como um direito. Quanto a tudo que daquele acordo se exteriorizava, deveria governar o grande princípio da autoridade; a consciência estaria fora de seus domínios; Roma era juiz infalível e deveria ser obedecida.
     A aceitação do acordo proposto teria sido admissão virtual de que a liberdade religiosa se devesse limitar à Saxônia reformada; e, quanto ao resto todo da cristandade, o livre exame e a profissão da fé reformada seriam crimes, e deveriam ser castigados com a masmorra e a tortura. Poderiam eles consentir em localizar a liberdade religiosa? admitir a proclamação de que a Reforma fizera seu último converso? que conquistara seu último palmo de terra? e que, onde quer que Roma exercesse seu domínio naquela hora, ali deveria perpetuar-se esse domínio? Poderiam os reformadores alegar que eram inocentes do sangue daquelas centenas e milhares que, em conseqüência desse acordo, teriam que perder a vida nas terras papais? Isto seria trair, naquela hora suprema, a causa do evangelho e das liberdades da cristandade." — Wylie. Antes, sacrificariam ele; "tudo, mesmo os domínios, a coroa e a vida." — D'Aubigné.
     "Rejeitemos esse decreto," disseram os príncipes. "Em assun. tos de consciência, a maioria não tenra poder." Os delegados de clararam: "E ao decreto de 1526 que devemos a paz que o im. pério goza: sua abolição encheria a Alemanha de perturbaçãos e divisão. A Dieta não tem competência para fazer mais do que preservar a liberdade religiosa até que o concilio se reúna." D'Aubigné. Proteger a liberdade de consciência é dever do Estado, e isto é o limite de sua autoridade em matéria de religião. Todo governo secular que tente legislar sobre observâncias religiosas, ou impô-las pela autoridade civil, está a sacrificar o próprio princípio pelo qual os cristãos evangélicos tão nobremente lutaram.
     Os católicos romanos decidiram-se a derrubar o que denominaram "ousada obstinação." Começaram procurando ocasionar divisões entre os sustentáculos da Reforma, e intimidar a todos os que não se haviam abertamente declarado em seu favor. Os representantes das cidades livres foram finalmente convocados perante a Dieta, e exigiu-se-lhes declarar se acederiam aos termos da proposta. Pediram prazo, mas em vão. Quando levados à prova, quase a metade se declarou pela Reforma. Os que assim se recusaram a sacrificar a liberdade de consciência e do direito do juízo individual, bem sabiam que sua posição os assinalava para a crítica, a perseguição e condenação. Disse um dos delegados: "Devemos ou negar a Palavra de Deus, ou ser queimados." - D'Aubigné.
     O rei Fernando, representante do imperador na Dieta, viu que o decreto determinaria sérias divisões a menos que os príncipes pudessem ser induzidos a aceitá-lo e apoiá-lo. Experimentou, portanto, a arte da persuasão, bem sabendo que o emprego da força com tais homens unicamente os tornaria mais decididos. "Pediu aos príncipes que aceitassem o decreto, assegurando-lhes que-o imperador grandemente se agradaria deles." Mas aqueles homens leais reconheciam uma autoridade acima da dos governantes terrestres, e responderam calmamente: "Obedece remos ao imperador em tudo que possa contribuir para manter a paz e a honra de Teus." - D'Aubigné.
     Na presença da Dieta, o rei finalmente anunciou ao eleitor e a seus amigos que o edito "ia ser redigido na forma de um decreto imperial," e que "a única maneira de agir que lhes restava, seria submeter-se à maioria." Tendo assim falado, retirou-se da assembléia, não dando aos reformadores oportunidade para deliberar ou replicar. "Sem nenhum resultado enviaram uma delegação pedindo ao rei que voltasse." À sua representação respondeu somente: "É questão decidida; a submissão é tudo o que resta." - D'Aubigné.
     O partido imperial estava convicto de que os príncipes cristãos adeririam às Escrituras Sagradas como superiores às doutrinas e preceitos humanos; e sabia que, onde quer que fosse aceito este princípio, o papado seria afinal vencido. Mas, semelhantes a milhares que tem havido desde esse tempo, apenas olhavam "para as coisas que se vêem," lisonjeando-se de que a causa do imperador e do papa era forte, e a dos reformadores, fraca. Houvessem os reformadores confiado unicamente no auxílio humano, e teriam sido tão impotentes como os supunham os adeptos do papa. Mas, conquanto fracos em número e em desacordo com Roma, tinham a sua força. Apelaram "do relatório da Dieta para a Palavra de Deus, e do imperador Carlos para Jesus Cristo, Rei dos reis e Senhor dos senhores." — D'Aubigné.
     Como Fernando se recusasse a tomar em consideração suas convicções de consciência, os príncipes se decidiram a não tomar em conta a sua ausência, mas levar sem demora seu protesto perante o concílio nacional. Foi, portanto, redigida e apresentada à Dieta esta solene declaração:
     "Protestamos pelos que se acham presentes, perante Deus, nosso único Criador, Preservador, Redentor e Salvador, e que um dia será nosso juiz, bem como perante todos os homens e todas as criaturas, que nós, por nós e pelo nosso povo, não concordamos de maneira alguma com o decreto proposto, nem aderimos ao mesmo em tudo que seja contrário a Deus, à Sua santa Palavra, ao nosso direito de consciência, à salvação de nossa alma."
     "Quê! Ratificarmos esse edito! Asseveraríamos que quando o Deus todo-poderoso chama um homem ao Seu conhecimento, esse homem, sem embargo, não possa receber o conhecimento de Deus?" "Não há doutrina correta além da que se conforma com a Palavra divina . . . . O Senhor proíbe o ensino de qualquer outra doutrina . . . . As Sagradas Escrituras devem ser explicadas por outros textos mais claros; . . . este santo Livro é, em todas as coisas necessárias ao cristão, fácil de compreender e destinado a dissipar as trevas. Estamos resolvidos, com a graça de Deus, a manter a pregação pura a exclusiva de Sua santa Palavra, tal como se acha contida nos livros bíblicos do Velho e Novo Testamentos, sem the acrescentar coisa alguma que the possa ser contrária. Esta Palavra é a única verdade; é a regra segura para toda doutrina a de toda a vida, a nunca pode falhar ou iludir-nos. Aquele que edifica sobre este fundamento resistirá a todos os poderes do inferno, ao passo que todas as vaidades humanas que se estabelecem contra ele cairão perante a face de Deus."
     "Por esta razão rejeitamos o jugo que rios é imposto." "Ao mesmo tempo estamos na expectativa de que Sua Majestade imperial procederá em relação a nós como príncipe cristão que ama a Deus sobre todas as coisas; a declaramo-nos prontos a tributar-lhe, bem como a vós, graciosos fidalgos, toda a afeição e obediência que sejam nosso dever justo a legítimo." - D'Aubigné.
     Esta representação impressionou profundamente a Dieta. A maioria estava tomada de espanto a alarma ante a ousadia dos que protestavam. O futuro parecia-lhes tempestuoso a incerto. Dissensão, contenda, derramamento de sangue pareciam inevitáveis. Os reformadores, porém, certos da justiça de sua causa a confiando no braço da Onipotência, estavam "cheios de coragem a firmeza."
     "Os princípios contidos nesse célebre protesto . . . constituem a própria essência do protestantismo. Ora, este protesto se opõe a dois abusos do homem em matéria de fé: o primeiro é a intromissão do magistrado civil, e o segundo a autoridade arbitrária da igreja. Em lugar desses abusos, coloca o protestantismo o poder da consciência acima do magistrado, e a autoridade da Palavra de Deus sobre a igreja visível. Em primeiro lugar rejeita o poder civil em assuntos divinos, a diz com os profetas e apóstolos: 'Mais importa obedecer a Deus do que aos homens.' Na presença da coroa de Carlos V, ele ergue a coroa de Jesus Cristo. Mas vai mais longe: firma o princípio de que todo o ensino humano deve subordinar-se aos oráculos de Deus." - D'Aubigné. Os protestantes haviam, demais, asseverado seu direito de livremente proferir suas convicções sobre a verdade. Não haveriam de crer a obedecer somente, mas também ensinar o que a Palavra de Deus apresenta, a negavam ao padre ou magistrado, o direito de intervir. O protesto de Espira foi um testemunho solene contra a intoleráncia religiosa, a uma asseveração do direito de todos os homens de adorarem a Deus segundo os ditames de sua própria consciência.
     A declaração tinha sido feita. Estava escrita na memória de milhares a registrada nos livros do Céu, onde nenhum esforço humano poderia apagá-la. Toda a Alemanha evangélica adotou o protesto como a expressão de sua fé. Por toda parte contemplavam os homens nesta declaração a promessa de uma era nova a melhor. Disse um dos príncipes aos protestantes de Espira: "Queira o Todo-poderoso que vos deu graça para confessá-Lo enérgica, livre a destemidamente, preservar-vos nessa firmeza cristã até ao dia da eternidade." -D'Aubigné.
     Houvesse a Reforma, depois de atingir certo grau de êxito, consentido em contemporizar a fim de conseguir favor do mundo, a teria sido infiel para com Deus a para consigo mesma, além de assegurar a sua própria destruição. A experiência desses nobres reformadores contém uma lição para todas as eras subseqüentes. A maneira de agir de Satanás, contra Deus a Sua Palavra, não mudou. Ele ainda se opõe a que sejam as Escrituras adotadas como guia da vida, tanto quanto o fez no século dezesseis. Há em nosso tempo um vasto afastamento das doutrinas a preceitos bíblicos, a há necessidade de uma volta ao grande princípio protestante — a Bíblia, e a Bíblia só, como regra de fé a prática. Satanás ainda está a trabalhar com todos os meios de que pode dispor, a fim de destruir a liberdade religiosa. O poder anticristão que os protestantes de Espira rejeitaram, está hoje com renovado vigor procurando restabelecer sua perdida supremacia. A mesma inseparável adesão à Palavra de Deus que se manifestou na crise da Reforma, é a única esperança de reforma hoje.
     Apareceram então sinais de perigo para os protestantes; houve também sinais de que a mão divina estava estendida para proteger os fiéis. Foi por esse tempo que "Melâncton apressadamente conduziu pelas ruas de Espira, em direção ao Reno, seu amigo Simão Grynaeus, instando corn ele a que atravessasse o rio. Grynaeus se achava espantado com tal precipitação. 'Um ancião, de fisionomia grave a solene, mas que me era desconhecido,' disse Melâncton, 'apareceu perante mim a disse: Dentro de um minuto, oficiais de justiça serão enviados por Fernando, a fim de prenderem Grynaeus'."
     Durante o dia Grynaeus ficara escandalizado com um sermão de Faber, um dos principais doutores papais; e, no final, protestou por defender aquele "certos erros detestáveis." "Faber dissimulou sua ira, mas imediatamente se dirigiu ao rei, de quem obteve uma ordem contra o importuno professor de Heidelbergue. Melâncton não duvidou de que Deus havia salvo seu amigo, enviando um de Seus santos anjos para avisá-lo.
     "Imóvel à margem do Reno, esperou até que as águas daquele rio houvessem libertado Grynaeus de seus perseguidores. 'Finalmente,' exclamou Melâncton, vendo-o do lado oposto, 'finalmente está ele arrancado das garras cruéis daqueles que têm sede de sangue inocente.' Ao voltar para casa, foi Melâncton informado de que oficiais, à procura de Grynaeus, a haviam remexido de alto a baixo." - D'Aubigné.
     A Reforma devia ser levada a maior preeminência perante os potentados da Terra. O rei Fernando havia-se negado a ouvir os príncipes evangélicos; mas a estes deveria ser concedida oportunidade-de apresentar sua causa na presença do imperador a dos dignitários da Igreja a do Estado, em assembléia. A fim de acalmar as dissensóes que perturbavam o império, Carlos V, no ano que se seguiu ao protesto de Espira, convocou uma Diets em Augsburgo, anunciando sua intenção de presidir a ela em pessoa. Para ali foram convocados os dirigentes protestantes.
     Grandes perfigos ameaçavam a Reforms; mss seus defensores ainda confiavam sua causa a Deus a se comprometiam a ser leafs ao evangelho. Os conselheiros do eleitor da Saxônia insistiram com ele para que não comparecesse á Diets. O imperador, diziam eles, exigia a assistência dos príncipes a fim de atraí-los a uma cilada. "Não é arriscar tudo, it a encerrarse alguém dentro dos muros de uma cidade, com um poderoso inimigo?" Outros, porém, nobremente declaravam: "Portem-se tão-somente os príncipes com coragem, e a causa de Deus está salva." "Dens é feel; Ele não nos abandonará.," disse Lutero.
     D'Aubigné. O eleitor, juntamente com seu sequin, partiu para Augsburgo. Todos estavam cientes dos perfigos que o ameaçavam, a muitos seguiram com semblante triste a coração perturbado. Mas Lutero, que os acompanhou até Coburgo, reviveulhes a fé bruxuleante, cantando o hino, escrito naquela viagem: "Castelo forte é nosso Deus." Ao som dos acordes inspirados, foram banidos muitos aflitivos presságios a aliviados muitos corações sobrecarregados.
     Os príncipes reformados resolveram redigir uma declaração sistematizada de suss opiniões, com as provas das Escrituras, apresentando-a à Diets; a .a tarefa da preparação da mesma foi confiada a Lutero, Melâncton a seus companheiros. Esta Confissão foi aceita pelos protestantes como uma exposição de sua fé, a reuniram-se para assinar o importante documento. Foi um tempo solene a probante. Os reformadores mostravam insistência em que sua causa não fosse confundida com questões políticas; compreendiam que a Reforms não deveria exercer outra influência além da que procede da Palavra de Deus. Ao virem para a frente os príncipes cristãos a fim de assinar a Confissão, Melâncton se interpôs, dizendo: "Compete aos teólogos a ministros propor estas coisas; reservemos para outros assuntos a autoridade dos poderosos da Terra." "Deus não permits," replicou João da Saxônia, "que me excluais. Estou resolvido a fazer o que é reto sem me perturbar acerca de minha coroa. Desejo confessar o Senhor. Meu chapéu de eleitor a meus arminhos não são para mim tão preciosos como a cruz de Jesus Cristo." Tendo assim falado assinou o nome. Disse outro dos príncipes ao tomar a pena: "Se a honra de meu Senhor Jesus Cristo o exige, estou pronto . . . para deixar meus bens a vida." "Renunciaria de preferência a meus súditos e a meus domínios, deixaria de preferência o país de meus pais, com o bordão na mão," continuou ele, "a receber qualquer outra doutrina que não a que se contém nesta Confissão." - D'Aubigné. Tal era a fé e a ousadia daqueles homens de Deus.
     Chegou o tempo designado para comparecer perante o imperador. Carlos V, sentado no (trono rodeado de seus eleitores e príncipes, deu audiência aos reformadores protestantes. Foi lida a Confissão de sua fé. Naquela augusta assembléia, as verdades do evangelho foram claramente apresentadas, a indicados os erros da igreja papal. Com razão foi aquele dia declarado "o maior dia da Reforma, a um dos mais gloriosos na história do cristianismo a da humanidade." - D'Aubigné.
     Entretanto, poucos anos se haviam passado desde que o monge de Vitembergue estivera em Worms, sozinho, perante o conselho nacional. Agora, em seu lugar estavam os mais nobres e poderosos príncipes do império. A Lutero fora proibido comparecer em Augsburgo, mas estivera presente pór suas palavras e orações. "Estou jubilosíssimo," escreveu, "de que eu tenha vivido até esta hora, na qual Cristo é publicamente exaltado por tão ilustres pessoas que o confessam, em uma assembléia tão gloriosa." - D'Aubigné. Assim, cumpriu-se o que dizem as Escrituras: "Falarei dos Teus testemunhos perante os reis." Salmo 119:46.
     Nos dias do apóstolo S. Paulo, o evangelho pelo qual estava preso foi assim levado perante os príncipes a nobres da cidade imperial. Igualmente, nesta ocasião, aquilo que o imperador proibira fosse pregado do púlpito, era proclamado em palácio; aquilo que muitos tinham considerado inconveniente que os próprios servos ouvissem, era com admiração ouvido pelos senhores a fidalgos do império. Reis a grandes homens constituíam o auditório; príncipes coroados eram os pregado-res; e o sermão era a régia verdade de Deus. "Desde a era apostólica," diz um escritor, "nunca houve obra maior nem mais magnificente Confissão." D'Aubigné.
     "Tudo quanto os luteranos disseram é verdade; não o podemos negar," declarou um bispo romano. "Podeis refuter por meio de sãs razões a Confissão feita pelo eleitor a seus aliados?" perguntou outro, ao Dr. Eck. "Com os escritos dos apóstolos e profetas, não!" foi a resposta; "mas com os coos pais da igreja e dos concílios, sim!" "Compreendo," respondeu o inquiridor. "Os luteranos, segundo vós o dizeis, estão com as Escrituras, e nós nos achamos fore delas." - D'Aubigné.
     Alguns dos príncipes da Alemanha foram ganhos pare a fé reformada. O próprio imperador declarou que os artigos protestantes não eram senão a verdade. A Confissão foi traduzida pare muitas línguas, a circulou por toda a Europe; a tem sido, em sucessivas gerações, aceita por milhões como a expressão de sue fé.
     Os fiéis servos de Zeus não estavam labutando sós. Enquanto "principados," "potestades" a "hostes espirituais da maldade nos lugares celestiais" se coligavam contra eles, o Senhor não Se esquecia de Seu povo. Se pudessem seus olhos abrir-se, teriam visto uma prove da presença a auxilio divinos, tão assinalada como fore concedida aos profetas de outrora. Quando o serve de Eliseu mostrou a seu senhor o exército hostil que os cercava, excluindo toda possibilidade de escape, o profeta orou: "Senhor, peço-Te que the abras os olhos pare que veja." 2 Reis 6:17. E eis que a montanha estava cheia de carros a cavalos de fogo, o exército do Céu estacionado pare proteger o homem de Deus. Desta maneira guardaram os anjos os obreiros na cause da Reforma.
     Um dos princípios mais firmemente mantidos por Lutero era que não deveria haver recurso ao poder secular em apoio da Reforma, e, tampouco, apelo às armas pare a sue defesa. Regozijava-se de que o evangelho fosse professado por príncipes do império; mas, quando se propuseram unir-se em uma liga defensive, declarou que "a doutrina do evangelho seria defendida por Dens somente . . . . Quanto menos o homem se entremetesse na obra,. mais surpreendente seria a intervenção de Deus em prol da mesma. Todas as precauções políticas sugeridas eram, em sua opinião, atribuíveis ao temor indigno e pecaminosa desconfiança." - D'Aubigne'.
     Quando poderosos adversários se estavam unindo para destruir a fé reformada, a milhares de espadas pareciam preste~ a desembainhar-se contra era, Lutero escreveu: "Satanás estaexercendo a sua fúria; ímpios pontífices estão conspirando; f nós somos ameaçados de guerra. Exortai o povo a contender valorosamente perante o trono do Senhor, pela fé a oração, de modo que nossos inimigos, vencidos pelo Espírito de Deus, possam ser constrangidos à paz. Nossa principal necessidade, nosso trabalho principal, é a oração; saiba o povo que, no momento, se encontra exposto ao gume da espada e à cólera de Satanás, a ore." - D'Aubigné.
     Novamente, em data posterior, referindo-se à aliança sugerida pelos príncipes reformados, Lutero declarou que a única arma empregada nesta luta deveria ser "a espada do Espírito." Escreveu ao eleitor da Saxônia: "Não podemos perante nossa consciência aprovar a aliança proposta. Morreríamos dez vezes de preferência a ver nosso evangelho fazer derramar uma gota de sangue. Nossa parte é sermos semelhantes a cordeiros no matadouro. Temos de tomar a cruz de Cristo. Seja Vossa Alteza sem temor. Faremos mais com as nossas orações do que todos os nossos inimigos com sua jactância. Tão-somente não sejam vossas mãos manchadas com o sangue de irmãos. Se o imperador exigir que sejamos entregues aos seus tribunais, estamos prontos a comparecer. Não podeis defender a nossa fé: cada um deve crer com seu próprio risco a perigo." - D',Aubígné.
     Do local secreto da oração proveio o poder que abalou o mundo na grande Reforma. Ali, com santa calma, os servos do Senhor colocaram os pés sobre a rocha de Suas promessas. Durante a luta em Augsburgo, Lutero "não passou um dia sem dedicar três horas pelo menos à oração, a eram horas escolhidas dentre as mais favoráveis ao estudo." Na intimidade de sua recâmara era ere ouvido a derramar sua alma perante Deus em palavras "cheias de adoração, temor a esperança, -omo quando alguém fala a um amigo." "Eu sei que Tu és nosso Pai a nosso Deus," dizia ele, "e que dispersarás os perseguidores de Teus filhos; pois Tu mesmo corres perigo conosco. Toda esta causa é Tua, e é unicamente constrangidos por Ti que lançamos mãos à mesma. Defende-nos, pois, ó Pai!" - D'Aubigné.
     A Melâncton, que se achava aniquilado sob o peso da ansiedade a temor, ele escreveu: "Graça a paz em Cristo - em Cristo, digo eu, a não no mundo. Amém. Odeio com ódio enorme esses extremos cuidados que vos consomem. Se a causa é injusta, abandonai-a; se a causa é justa, por que desmentiríamos as promessas dAquele que nos manda dormir sem temor? . . . Cristo não faltará à obra de justiça a verdade. Ele vive, Ele reina; que temor, pois, poderemos ter?" - D'Aubigné.
     Deus ouviu os clamores de Seus servos. Deu aos príncipes e ministros graça a coragem para manterem a verdade contra os dominadores das trevas deste mundo. Diz o Senhor: "Eis que ponho em Sião a pedra principal da esquina, eleita a preciosa: a quem nela crer não será confundido." 1 S. Pedro 2:6. Os reformadores protestantes haviam edificado sobre Cristo, e as portas do inferno não prevaleceriam contra eles.


 
CAPÍTULO 12

Os Nobres da França

     O protesto de Espira e a Confissão de Augsburgo, que assinalaram a vitória da Reforma na Alemanha, foram seguidos de anos de conflitos a trevas. Enfraquecido por divisões entre sews mantenedores, atacado por poderosos inimigos, o protestantismo parecia destinado a ser totalmente destruído. Milhares selaram seu testemunho com o próprio sangue. Irrompeu a guerre civil; a cause protestante foi traída por um de sews principais adeptos; os mais nobres dos príncipes reformados caíram nas mãos do imperador a foram, de cidade em cidade, arrastados como cativos. Mas, no momento de seu triunfo aparente, foi o imperador afligido com a derrota. Viu a presa arrancada ao seu poder, sendo, por fim, obrigado a conceder tolerância às doutrinas cuja destruição fore o anelo de sue vide.
     Pusera em risco o reino, sews tesouros e a própria vide, no intuito de esmagar a heresia. Via agora os exércitos assolados pelas batalhas, os tesouros exaustos, sews muitos reinos ameaçados de revolta, enquanto, por toda parte, a fé due debalde se esforçara por suprimir, estava a estender-se.. Carlos V estivera a batalhar contra o Poder onipotente. Deus dissera: "raja luz," mas o imperador havia procurado perpetuar as trevas. Falhara o seu propósito; e, prematuramente envelhecido a consumido pela Tonga lute, abdicou o trono a sepultou-se em urn claustro.
     Na Suíça, como na Alemanha, houve pare a Reforma dies tenebrosos. Ao mesmo tempo em que muitos cantões aceitaram a fé reformada, outros se apegaram com cega persistência ao credo de Roma. Sua perseguição aos que desejavam receber a verdade, deu finalmente origem à guerra civil. Zuínglio, a muitos que a ele se haviam unido na Reforma, caíram no campo de sangue de Cappel. Oecolampadius, vencido por estes terríveis desastres, morreu logo depois. Roma estava triunfante, e em muitos lugares parecia prestes a recobrar tudo o que perdera. Mas Aquele cujos conselhos são desde a eternidade, não abandonara Sua causa nem Seu povo. Sua mão 'ihes traria o livramento. Suscitara, em outros países, obreiros para levar avante a Reforma.
     Em França, antes que o nome de Lutero fosse ouvido como reformador, já o dia começara á raiar. Um dos primeiros a receber a luz foi o idoso Lefèvre, homem de extenso saber, professor na Universidade de Paris a sincero a zeloso romanista. Em suas pesquisas da literatura antiga, sua atenção foi dirigida para a Escritura, a introduziu o estudo desta entre os seus alunos.
     Lefèvre era entusiasta adorador dos santos, a empreendera a preparação de uma história dos santos a mártires, como a apresentam as lendas da igreja. Era esta uma obra que implicava grande trabalho; entretanto, is ele bem adiantado na obra, quando, julgando que poderia obter proveiroso auxilio da Escritura Sagrada, começou o estudo desta com esse objetivo. Ali encontrou, na verdade, referência a santos, mas não idênticas às que figuravam no calendário romano. Um caudal de luz divina irrompeu-lhe no espírito. Com espanto a desgosto abandonou a tarefa que se propusera, a dedicou-se á Palavra de Deus. Pôs-se logo a ensinar as preciosas verdades que nela descobrira.
     Em 1512, antes que Lutero ou Zuínglio houvessem iniciado a obra da Reforma, Lefévre, escreveu: "E Deus que dá, pela fé, a justiça que, somente pela graça, justifica para a vida eterna." - Wylie. Tratando dos mistérios da redenção, exclamou: "Oh? que indizível grandeza a daquela permuta - é condenado Aquele que não tem pecado, e o que é culpado fica livre; o Bem-aventurado suporta a maldição, e o maldito recebe a bênção; a Vida morre, a os mortos vivem; a Glória é submersa em trevas, e érevestido de glória aquele que nada conhecia além da confusão de rosto!" -D'Aubigné.
     E ao mesmo tempo em que ensinava pertencer unicamente a Deus a glória da salvação, declarava também que pertence ao homem o dever de obediência. "Se és rnembro da igreja de Cristo," dizia ele, "és membro de Seu corpo; se és de Seu corpo, então estás cheio da natureza divina . .. . Oh! se tão-somente pudessem os homens chegar à compreensão deste privilégio, quão pura, casta a santamente viveriam, a quão desprezível considerariam toda a glória deste mundo, quando comparada com a glória interior, glória que o olho carnal não pode ver!" D'Aubigné.
     Houve entre os discípulos de Lefèvre alguns que avidamente the ouviam as palavras, a que, muito tempo depois que a voz do mestre silenciasse, deveriam continuar a anunciar a verdade. Um destes foi Guilherme Farel. Filho de pais piedosos a ensinado a aceitar com fé implícita os ensinos da igreja, poderia, com o apóstolo S. Paulo, ter declarado com respeito a si mesmo: "Conforme a mais severa seita da nossa religião, vivi fariseu." Atos 26:5. Como devoto romanista, ardia em zelo para destruir a todos os que ousassem opor-se à igreja. "Eu rangia os dentes qual lobo furioso," declarou ele mais tarde, referindo-se a esse período de sua vida, "quando ouvia alguém falar contra o papa."
     Wylie. Fora incansável na adoração dos santos, percorrendo em companhia de Lefévre as igrejas de Paris, adorando nos altares, a com dádivas adornando os santos relicários. Vitas estas observâncias não podiam trazer paz à alma. Fortalecia-se nele a convicção do pecado, a qual todos os atos de penitência que praticava não conseguiam banir. Como se fora voz do Céu, escutou as palavras do reformador: "A salvação ê de graça." "O inocente é condenado, e o criminoso absolvido." "É unicamente a cruz de Cristo que abre as portas do Céu a fecha as do inferno." - Wylie.
     Farel aceitou alegremente a verdade. Por uma conversão semelhante à de S. Paulo, tornou do cativeiro da tradição à liberdade dos filhos de Deus. "Em vez de ter o coração assassino de um lobo devorador, voltou tranqüilamente, qual cordeiro manso a inofensivo, tendo o coração de todo desviado do papa, e ehtregue a Jesus Cristo." - D'Aubigné.
     Enquanto Lefèvre continuava a propagar a luz entre seus discípulos, Farel, tão zeloso na causa de Cristo como fora na do papa, saiu para anunciar a verdade em público. Um dignitário da igreja, o bispo de Meaux, logo depois a ele se uniu. Outros ensinadores, notáveis por sua habilidade a saber, uniram-se à proclamação do evangelho, conquistando adeptos entre todas as classes, desde os lares dos artífices a camponeses até ao palácio real. A irmã de Francisco I, o monarca reinante de então, aceitou a fé reformada. O próprio rei e a rainha-mãe pareceram por algum tempo considerá-la com benevolência, a com grandes esperanças os reformadores aguardaram o futuro em que a França seria ganha para o evangelho.
     Suas esperanças, porém, não deveriam realizar-se. Provações e perseguições estavam reservadas aos discípulos de Cristo. Isto, entretanto, foi misericordiosamente velado a seus olhos. Houve urn tempo de paz, para que pudessem ganhar forças a fim de enfrentar a tempestade; e a Reforma fez: rápidos progressos. O bispo de Meaux trabalhou zelosamente em sua própria diocese para instruir tanto o clero como o povo. Removiam-se padres ignorantes a imorais e, tanto quanto possível, eram substituídos por homens de saber a piedade. O bispo desejava grandemente que seu povo, por si mesmo, tivesse acesso à Palavra de Deus, a isto foi logo cumprido. Lefèvre empreendeu a tradução do Novo Testamento; e, ao .mesmo tempo em que a Bíblia alemã de Lutero saía do prelo em Vitembergue, era publicado o Novo Testamento em francês, em. Meaux. O bispo não poupou esforços ou gastos a fim de disseminá-la em suas paróquias, a breve os camponeses de Meaux estavam de posse das Santas Escrituras.
     Assim como os viajantes que perecem à sede acolhem com alegria uma fonte de água viva, assim receberam aquelas almas a mensagem do Céu. Trabalhadores no campo, artífices nas ofïcinas, suavizavam a labuta diária conversando acerca das preciosas verdades da Blblia. A noite, em vez de- se dirigirem para a5 tabernas, congregavam-se nas casas uns dos outros para ler a Palavra de Deus, a unir-se em oração a louvor. Grande mudança logo se manifestou nessas comunidades. Posto que pertencessem à mais humilde classe, camponeses indoutos a de rudes trabalhos que eram, viu-se em sua vida o poder reformador a enobrecedor da graça divina. Humildes, amorosos a santos, mantiveram-se como testemunhas do que o evangelho efetuará pelos que o recebem com sinceridade.
     A luz acendida em Meaux derramou seus raios ao longe. Aumentava todos os dias o número de conversos. O rancor da hierarquia foi por algum tempo contido pelo rei, que desprezava o acanhado fanatismo dos monges; mas os chefes papais prevaleceram finalmente. Ateou-se então a fogueira. O bispo de Meaux, forçado a escolher entre a fogueira e a retratação, aceitou o caminho mais fácil; mas, apesar da queda do chefe, o rebanho permaneceu firme. Muitos testifìcaram da verdade entre as chamas. Por sua coragem a fidelidade na tortura, esses humildes cristãos falaram a milhares que, em dias de paz, nunca tinham ouvido seu testemunho.
     Não foram somente os humildes a os pobres que, entre sofrimento a escárnio, ousaram dar testemunho de Cristo. Nos salões senhoriais do castelo a do palácio, houve almas régias por quem a verdade era mais apreciada do que a riqueza, posição social ou mesmo a vida. As armaduras reais ocultavam espírito mais sobranceiro a resoluto do que o faziam as - vestes e a mitra do bispo. Luís de Berquin era de nascimento nobre, cavalheiro bravo a cortês, dedicado ao estudo, polido nas maneiras, a de moral irrepreensível. "Ele era," diz certo escritor, "fiel seguidor das ordenanças papais, a grande ouvinte de missas a sermões, . . . e, a coroar todas as demais virtudes, tinha pelo luteranismo aversão especial." Mas, semelhante a tantos outros, guiado providencialmente à Escritura, maravilhou-se de encontrar ali, "não as doutrinas de Roma, mas as de Lutero." - Wylie. Desde então se entregou com devotamento completo à causa do evangelho.
     "Como o mais douto dos nobres da França," seu gênio e eloqüência, sua coragem indomável a heróico zelo, assim como sua influência na corte - pois era favorito do rei - faziam com que fosse considerado por muitos como destinado a ser o reformador de seu país. Disse Beza: "Berquin teria sido um segundo Lutero, caso houvesse encontrado em Francisco I um segundo eleitor." "É pior do que Lutero," exclamavam os romanistas. Mais temido era ele, na verdade, pelos romanistas de França. Arrojaram-no á prisão como herege, mas foi posto em liberdade pelo rei. Durante anos manteve a luta. Francisco, claudicando entre Roma e a Reforma, alternadamente tolerava a restringia o zelo feroz dos monges. Berquin foi três vezes preso pelas autoridades papais, apenas para ser liberto pelo monarca que, admirando-lhe o gênio e, nobreza de cara'ter, recusou sacrificálo à maldade do clero.
     Foi Berquin repetidas vezes avisado do perigo que o ameaçava em França, a corn ele instou-se para que seguisse os passos dos que haviam encontrado segurança no exílio voluntário. O tímido Erasmo, subserviente às circunstâncias de seu tempo, e a quern, corn todo o esplendor de sua erudição, faltava aquela grandeza moral que mantém a vida e a honra a serviço da verdade, escreveu a Berquin: "Pede para serer enviado como embaixador a algum país estrangeiro; vai viajar na Alemanha. Conheces Beda a outros como ele; é um monstro de mil cabeças, lançando veneno por todos os lados. Teus inimigos se contain por legiões. Fosse a tua causa melhor do que a de Jesus Cristo, e não to deixariam it antes de to haverem miseravelmente destruído. Não confies muito na proteção do rei. Seja como for, não me comprometas corn a faculdade de teologia." - Wylie.
     Mas, intensificando-se os perfigos, o zelo de Berquin apenas se tornou mais forte. Assim, longe de adotar o expediente egóísta sugerido por Erasmo, decidiu-se a medidas ainda mais ousadas. Não somente permaneceria na defesa da verdade, mar atacaria o erro. A acusação de heresia que os romanistas estavam procurando firmar contra ele, volvê-la-ia contra eles próprios. Os mais ativos a cruéis de seus oponentes eram os ilustrados doutores a monges do departamento teológico da grande Universidade de- Paris, uma das mais elevadas autoridades eclesiásticas tanto da cidade como da nação. Dos escritos desses doutores Berquin tirou doze proposições que publicamente declarou "em oposição à Bi'blia a heréticas;" a apelou pare o rei no sentido de agir como juiz na controvérsia.
     Não repugnando ao monarca pôr em contraste a força a agudeza dos campeões rivais, a contente com a oportunidade de humilhar o orgulho dos altivos monges, mandou aos romanistas que defendessem sue cause pela Escritura Sagrada. Esta arena, been o sabiam, pouco lhes adiantaria; a prisão, a torture e a fogueira eram as arenas que melhor sabiam manejar. Agora a situação estava invertida, a viam-se prestes a cair no fosso em que haviam esperado submergir Berquin. Perplexos, procuravam em torno um meio de escape.
     "Exatamente por este tempo uma imagem da virgem apareceu mutilada na esquina de uma das rues." Houve grande agitação na cidade. Multidões de pessoas se ajuntaram no local, com expressões de lamento a indignação. O rei também ficou profundamente abalado. Ali estava uma circunstância de que os monges se poderiam valer, a apressaram-se em aproveitar-se dela. "São estes os frutos das doutrinas de Berquin," exclamavam. "Tudo está a ponto de ser subvertido - religião, leis, o próprio trono - por esta conspiração luterana." -Wylie.
     De novo foi preso Berquin. O rei saiu de Paris, a os monges ficaram assim livres pare agir a seu talante. O reformador foi julgado a condenado à morte; a receosos de que Francisco mesmo então se interpusesse pare salvá-lo, a sentença foi executada no próprio die em que fore pronunciada. Ao meio-dia Berquin foi conduzido ao lugar fatal. Imensa multidão se reunira pare testemunhar o acontecimento, a ali estavam muitos que viram com espanto a terror, que a vítima fore escolhida dentre as melhores, mais valorosas a nobres famílias da França. Espanto, ire, escárnio a ódio figadal entenebreciam o rosto daquela multidão agitada; mas sobre um único semblante nenhuma sombre pairava. Os pensamentos do mártir estavam longe daquela cena de tumulto; estava cônscio apenas da presença de seu Senhor.
     O hediondo carro enlameado em que ia, o rosto carregado de seus perseguidores, a morte terrível pare a qual caminhava, não os tomava ele em consideração; estava a seu lado Aquele que vive a foi morto, a vivo estará para sempre, a tem as chaves da morte a do inferno. O semblante de Berquin estava radiante com a luz a paz do Céu. Vestira trajes festivos, usando "uma capa de veludo, um gibão de cetim a damasco, a meias douradas." História da Reforma no Tempo de Calvino, D'Aubigné. Ele estava para testificar de sua fé na presença do Rei dos reis, a do Universo, que assistia à cena; a nenhum sinal de lamento the devia empanar a alegria.
     Enquanto o cortejo se movia vagarosamente através das ruas regurgitantes de povo, este notava com admiração a imperturbável paz, o alegre triunfo que trazia no olhar a porte. "Ele está," diziam, "como alguém que se senta num templo a medita sobre coisas santas." - Wylie.
     Junto à fogueira, Berquin esforçou-se por dirigir algumas palavras ao povo; mas os monges, temendo o resultado, começaram a gritar, a os soldados a chocar as armas, e o rumor abafou a voz do mártir. Assim, em 1529, a mais alta autoridade literária a eclesiástica da culta Paris, "deu à populaça de 1793 o indigno exemplo de sufocar na forca as palavras sagradas do moribundo." -Wylie.
     Berquin foi estrangulado, a seu corpo consumido nas chamas. As notícias de sua morte causaram tristeza aos amigos da Reforma por toda a França. Mas seu exemplo não foi debalde. "Estamos também prontos," disseram as testemunhas da verdade, "para enfrentar com ânimo a morte, pondo nossos olhos na vida por vir." - História da Reforma no Tempo de Calvino, D'Aubigné.
     Durante a perseguição em Meaux, os ensinadores da fé reformada foram proibidos de pregar, a partiram para outros campos. Lefévre, depois de algum tempo, tomou rumo da Alemanha. Farel voltou para sua cidade natal, na França oriental, a fim de disseminar a luz no lugar de sua infância. Já se haviam recebido notícias do que se passava em Meaux, e a verdade, por ele ensinada com destemido zelo, atraía ouvintes. Levantaram-se logo as autoridades para fazê-lo silenciar, sendo ele banido da cidade. Posto que não mais pudesse trabalhar publicamente, atravessou as planícies a aldeias, ensinando nas casas particulares, nos prados isolados, encontrando abrigo nas florestas a entre as cavernas rochosas que haviam sido sua guarida nos tempos de rapaz. Deus o estava preparando para maiores provas. "Não têm faltado as cruzes, perseguições a maquinações de Satanás, de que eu estava prevenido," disse ele; "são mesmo muito mais atrozes do que poderia suportar por mim mesmo; mas Deus é meu Pai; Ele me proveu a sempre há de prover-me da força que peço." -D'Aubigné.
     Como nos dias dos apóstolos, a perseguição contribuíra "para maior proveito do evangelho." Filipenses 1:12. Expulsos de Paris a Meaux, "os que andavam dispersos iam por toda a parte, anunciando a Palavra." Atos 8:4. E assim a luz teve acesso a muitas das afastadas províncias de França.
     Deus estava ainda a preparar obreiros para ampliar a Sua causa. Em uma das escolas de Paris havia um jovem refletido, quieto, a que dava mostras de espírito robusto a penetrante, e não menos notável pela correção de vida do que pelo ardor intelectual a devoção religiosa. Seu gênio a aplicação logo o fizeram o orgulho do colégio, a tinha-se como certo que João Calvino seria um dos mais hábeis a honrados defensores da igreja. Mas um raio de luz divina penetrou ate ao próprio interior das paredes do escolasticismo a superstição em que se achava Calvino encerrado. Estremeceu ao ouvir das novas doutrinas, nada duvidando de que os hereges merecessem o fogo a que eram entregues. Contudo, sem disso se dar conta, foi posto face a face com a heresia, a obrigado a submeter à prova o poder da teologia romana no combate ao ensino protestante.
     Estava em Paris um primo de Calvino, que se havia unido aos reformadores. Os dois parentes muitas vezes se encontravam, a juntos discutiam as questões que estavam perturbando a cristandade. "Não há senão duas espécies de religiões no mundo," dizia o protestante Olivetan. "Uma é a espécie de religiões que os homens inventaram, a em todas as quais o homem se salva por cerimônias a boas obras; a outra é a religião que está revelada na Escritura Sagrada a ensina o homem a esperar pela salvação unicamente da livre graça de Deus."
     "Não quero nenhuma das tuas novas doutrinas," exclamou Calvino; "achas que tenho vivido em erro todos os meus dias?" - Wylie.
     No espírito, porém, haviam-se-ihe despertado pensamentos de que se não podia livrar de todo. Sozinho em seu quarto, ponderava as palavras do primo. Não o deixara a convicção do pecado; via-se sem intercessor, na presença de um santo a justo to juiz. A mediação dos santos, as boas obras, as cerimônias da igreja, tudo era impotente para expiar o pecado. Nada via diante de si, além do Negro do desespero eterno. Em vão os doutores da igreja se esforçavam por aliviar-lhe a infelicidade. Debalde recorria à confissão a penitência; estas não podiam reconciliar a alma com Deus.
     Enquanto ainda se empenhava nessas lutas infrutíferas, Calvino, visitando casualmente uma das praças públicas, testemunhou ali a queima de um herege. Ficou deveras maravilhado ante a expressão de paz que se esboçava no semblante do mártir. Entre as torturas daquela morte cruel, e sob a mais terrível condenação da igreja, manifestou uma fé a coragem que o jovem estudante dolorosamente contrastou com o seu próprio desespero a escuridão, embora vivesse em estrita obediência à igreja. Na Biblia, sabia ele, fundamentavam os hereges a sua fé. Resolveu estudaste a descobrir, se o pudesse, o segredo da alegria deles.
     Na Bíblia achou a Cristo. "Ó Pai," exclamou ele, "Seu sacrifício apaziguou Tua ira; Seu sangue lavou minhas impurezas; Sua cruz arrostou minha maldição; Sua morte fez expiação por mim. Imaginamos para nós muitas tolices inúteis, mas Tu colocaste Tua Palavra diante de mim como uma tocha, a tocaste-me o coração, a fim de que eu abominasse todos os outros méritos, com exceção dos de Jesus." - Martyn.
     Calvino tinha sido educado para o sacerdócio. Quando contava apenas doze anos de idade, foi designado para o cargo de capelão de pequena igreja, sendo-lhe pelo bispo tonsurada a cabeça, de acordo com o cânon da igreja. Não recebeu consagração, nem-cumpria os deveres de sacerdote, mas tornou-se membro do clero, mantendo o título de seu ofício a recebendo um estipêndio em consideração ao mesmo.
     Ora, compreendendo que jamais poderia tornar-se padre, volveu por algum tempo ao estudo das leis, mas abandonou finalmente este propósito a resolveu dedicar a vide ao evangelho. Hesitou, porém, em se fazer pregador público. Era naturalmente tímido, a pesava-lhe a intuição das graves responsabilidades daquele cargo, desejando ainda dedicar-se ao estudo. Os ardorosos rogos de seus amigos, entretanto, alcançaram finalmente o seu consentimento. "E maravilhoso," disse ele, "que pessoa de tão humilde origem fosse exaltada a tão grande dignidade." - Wylie.
     Calmamente deu Calvino início à sue obra, a sues palavras foram como o orvalho que caía pare refrigerar a terra. Deixara Paris, a então se encontrava numa cidade provinciana sob a proteção da princess Margarida, que, amando o evangelho, estendia seu amparo aos discípulos do mesmo. Calvino era ainda jovem, de porte gentil a despretensioso. Começou o trabalho nos fares do povo. Rodeado dos membros da família, lie a Escritura a desvendava as verdades da salvação. Os que ouviam a mensagem, levavam as boas-novas a outros, a logo o ensinador passou pare além da cidade, às vitas e aldeias adjacentes. Encontrava ingresso Canto no castelo como na cabana a is avante, lançando o fundamento de igrejas que deveriam dar corajoso testemunho da verdade.
     Decorridos alguns meses, achou-se de novo em Paris. Havia desusada agitação nas rodas dos homens ilustrados a eruditos. O estudo das línguas antigas conduzira os homens à BíbIia, a muitos, cujo coração não fore tocado pelas sues verdades, discutiam-nas avidamente, dando mesmo combate aos campeões do romanismo. Calvino, se bem que fosse hábil lutador nos cameos da controvérsia religiosa, tinha ;r cumprir uma missão mais elevada do que a daqueles teólogos ruidosos. O espírito dos homens estava agitado, a esse era o tempo pare lhes desvendar a verdade. Enquanto os salões da universidade ecoavam do rumor das discussões teológicas, Calvino prosseguia de case em case; abrindo a Escritura ao povo, falando-lhes de Cristo, o Crucificado.
     Na providência de Deus, Paris deveria receber outro convite para aceitar o evangelho. Rejeitara o apelo de Lefëvre a Farel, mas de novo a mensagem deveria ser ouvida por todas as classes naquela grande capital. O rei, influenciado por considerações políticas, não tinha ainda tomado completamente sua atitude ao lado de Roma contra a Reforma. Margarida ainda se apegava à esperança de que o protestantismo triunfasse na França. Resólveu que a fé reformada fosse pregada em Paris. Durante a ausência do rei, ordenou a um ministro protestante que pregasse nas igrejas da cidade. Sendo isto proibido pelos dignitários papais, a princesa abriu as portas do palácio. Um de seus compártimentos foi improvisado em capela a anunciouse que diariamente, em hora determinada, seria pregado um sermão, sendo o povo de todas as classes a condições convidado a comparecer. Multidões congregavam-se para assistir ao serviço religioso. Não somente a capela, mas as antecâmaras a vestíbulos regurgitavam. Milhares se reuniam todos os dias - nobres, estadistas, advogados, negociantes a artífices. O rei, em vez de proibir essas assembléias, ordenou que duas das igrejas de Paris fossem abertas. Nunca dantes fora ,a cidade tão comovida pela Palavra de Deus. O espírito de vida, proveniente do Céu, parecia estar bafejando o povo. Temperança, pureza, ordem a indústria estavam a tomar o lugar da embriaguez, libertinagem, contenda a ociosidade.
     A hierarquia, porém, não estava ociosa. O rei ainda se recusava intervir no sentido de sustar a pregação, a aquela se volveu para a populaça. Não se poupavam meios para excitar os temores, preconceitos a fanatismo das multidões ignorantes e supersticiosas. Entregando-se cegamente a seus falsos ensinadores, Paris, como Jerusalém na antiguidade, não conheceu o tempo de sua visitação, nem as coisas que pertenciam à sua paz. Durante dois anos a Palavra de Deus foi pregada na capital; mas, ao mesmo tempo em que havia muitos que aceitavam o evangelho, a maioria das pessoas o rejeitavam. Francisco dera mostra de tolerância, meramente para servir a seus próprios propósitos, é os romanistas conseguiram readquirir a ascendência. De novo se fecharam as igrejas a ateou-se a fogueira.
     Calvino ainda estava em Paris, preparando-se pelo estudo, meditação a oração, para os seus futuros labores, a continuando a disseminar a luz. Finalmente, porém, firmou-se contra ele a suspeita. As autoridades resolveram levá-lo às chamas. Considerando-se seguro em sua reclusão, não tinha idéia do perigo, quando amigos vieram precipitadamente a seu quarto com as notícias de que oficiais estavam a caminho para prendê-lo. Naquele instante ouviu-se uma forte pancada na por-ta exterior. Não havia um momento a perder. Alguns amigos detiveram os oficiais à porta, enquanto outros ájudavam o reformador a descer por uma janela; a rapidamente saiu para os extremos da cidade. Encontrando abrigo na cabana de um trabalhador amigo da Reforma, disfarçou-se nos trajes de seu hospedeiro e, levando ao ombro uma enxada, partiu em sua jornada. Viajando para o sul, encontrou novamente refúgio nos domínios de Margarida. - História da Reforma no Tempo de Calvino. - Ver D'Aubigné.
     Ali, por alguns meses, permaneceu em segurança sob a proteção de poderosos amigos, a como dantes, empenhado no estudo. Mas seu coração estava determinado a fazer a evangelização da França, a ele não poderia ficar por muito tempo inativo. Logo que a tempestade amainou um pouco, procurou um novo campo de trabalho em Poitiers, onde havia uma universidade, a onde já as novas opiniões alcançavam aceitação. Pessoas de todas as classes ouviam alegremente o evangelho. Não havia pregação pública, mas na casa do magistrado principal, em seus próprios cômodos, a algumas vezes num jardim público, Calvino desvendava as palavras de vida eterna aos que as desejavam ouvir. Depois de algum tempo, aumentando o número dos ouvintes, foi considerado mais seguro reunirem-se fora da cidade. Uma caverna ao lado de uma garganta profunda a estreita, onde árvores a pedras salientes tornavam a reclusão ainda mais completa, fora escolhida como o local para as reuniões. Pequenos grupos, que deixavam a cidade por estradas diferentes, dirigiam-se para ali. Neste ponto isolado, a Escritura era lida a explicada. Ali, pela primeira vez, foi pelos protestantes da França celebrada a ceia do Senhor. Dessa pequena igreja foram enviadós vários f-léis evangelistas.
     Mais uma vez Calvino voltou a Paris. Mesmo então não podia abandonar a esperança de que a França, como nação, aceitasse a Reforma. Encontrou, porém, fechadas para o trabalho quase todas as portas. Ensinar o evangelho era tomar o caminho direto para a fogueira, a finalmente resolveu partir para a Alemanha. Apenas deixara a França, quando irrompeu sobre os protestantes uma tempestade que certamente o teria envolvido na ruína geral, caso houvesse ele permanecido.
     Os reformadores franceses, ansiosos por ver seu país acompanhar a Alemanha e a Suíça, decidiram-se a desferir contra a superstição de Roma um golpe audaz, que despertaria a nação inteira. De conformidade com isto, em uma noite foram afixados, por toda a França, cartazes que atacavam a missa. Em vez de promover a Reforma, este movimento zeloso, mas mal-interpretado, acarretou ruína, não somente para seus propagadores, mas também para os amigos da fé reformada na França inteira. Deu aos romanistas o que havia muito desejavam - um pretexto para pedirem a destruição completa dos hereges como agitadores perigosos à estabilidade do trono a da paz da nação.
     Por alguma mão secreta - se a de um amigo imprudente, ou a de um ardiloso adversário, nunca se soube - um dos cartazes foi colocado à porta do quarto particular do rei. O monarca encheu-se de horror. Naquele papel eram atacadas sem reservas superstições que haviam recebido a veneração dos séculos. E a audácia, sem precedentes, de introduzir à presença real estas asserções claras a surpreendentes, suscitou a ira do rei. Em espanto ficou ele por um pouco de tempo a tremer a com a voz embargada. Então sua raiva encontrou expressão nestas terríveis palavras: "Sejam sem distinção agarrados todos os que são suspeitos de luteranismo. Exterminá-los-ei a todos." Estava lançada a sorte. O rei se decidira a pôr-se completamente do lado de Roma De pronto foram tomadas medidas para a prisão de todos os luteranos em Paris. Um pobre artífice, adepto da fé reformada, que se havia acostumado a convocar os crentes para as
     suas assembléias secretas, foi agarrado e, sob a ameaça de morte instantânea na fogueira, ordenou-se-lhe conduzir o emissário papal á casa de todos os protestantes na cidade. Ele estremeceu de horror ante a vil proposta, mas finalmente o medo das chamas prevaleceu, a concordou em se fazer traidor dos irmãos. Precedido da hóstia, a rodeado de um séquito de padres, incensadores, monges a soldados, Morin, agente policial do rei, com o traidor, vagarosa a silenciosamente passaram pelas ruas da cidade. Aquela demonstração era ostensivamente em honra ao "santo sacramento," um ato de expiação pelo insulto feito pelos protestantes à missa. Mas, por sob aquele espetáculo escondiase um propósito mortal. Chegado defronte da casa de um luterano, o traidor fazia um sinal, mas nenhuma palavra era proferida. O cortejo fazia alto, entravam na casa, a família era arrastada a acorrentada, e o terrível séquito prosseguia em procura de novas vítimas. "Não poupavam casa, grande ou pequena, nem mesmo os colégios da Universidade de Paris . . . Morin fez abalar toda a cidade . . . . Era o reinado do terror." - História da Reforma no Tempo de Calvino, de D'Aubigné.
     As vítimas foram mortas com tortura cruel, sendo ordenado especialmente que o fogo fosse abaixado, a fim de prolongarlhes a agonia. Morreram, porém, como vencedores. Sua constãncia foi inabalável, imperturbada sua paz. Os perseguidores, impotentes para abalar-lhes a inflexível firmeza, sentiram-se derrotados. "Os cadafalsos foram distribuídos por todos os bairros de Paris, a as fogueiras arderam durante dias sucessivos, no intuito de, espalhando as execuções, espalhar o terror da heresia. A vantagem, entretanto, ficou afinal com o evangelho. Toda Paris habilitou-se a ver que espécie de homens as novas opiniões produziram. Não havia púlpito como a fogueira do mártir. A serena alegria que iluminava o rosto daqueles homens, ao se encaminharem . . . para o lugar da execução; seu heroísrno, estando eles entre as chamas atrozes; seu meigo perdão às injúrias, em não poucos casos transformavam a cólera em piedade e o ódio em amor, pleiteando com irresistível eloqüência em prol do evangelho." - Wylie.
     Os padres, dispostos a conservar em seu auge a fúria popular, faziam circular as mais terríveis acusações contra os protestantes. Eram acusados de conspirar para o massacre dos católicos, subverter o governo a assassinar o rei. Nem uma sombra sequer de provas podiam aduzir em apoio das alegações. No entanto, aquelas profecias de males deveriam ter cumprimento; sob circunstâncias, porém, muito diversas a por causas de caráter oposto. As crueldades que foram pelos católicos infligidas aos inocentes protestantes, acumularam um peso de retribuições e, séculos depois, ocasionaram a mesma sorte que eles haviam predito estar iminente sobre o rei, seu governo a seus súditos; mas produziram-na os incrédulos a os próprios romanistas.. Não foi o estabelecimento do protestantismo, mas sim a sua supressão que, trezentos anos mais tarde, deveria trazer sobre a França essas horrendas calamidades.
     Suspeita, desconfiança a terror invadiam agora todas as classes da sociedade. Entre o alarma geral, viu-se quão profundamente c ensino luterano se havia apoderado do espírito dos hómens que mais se distinguiam pela educação, influência a excelência de caráter. Cargos de confìiança a honra foram subitamente encontrados vagos. Artífices, impressores, estudantes, professores das universidades, autores a mesmo cortesãos, desapareceram. Centenas fugiram de Paris, constituindo-se voluntariamente exilados de sua terra natal, dando assim em muitos casos a primeira demonstração de que favoreciam a fé reformada. Os romanistas olharam em redor de si com espanto, ao pensar nos hereges que, sem o suspeitarem, haviam sido tolerados entre eles. Sua raiva foi descarregada nas multidões de vítimas mais humildes que estavam a seu alcance. As prisões ficaram repletas, e o próprio ar parecia obscurecido com o fumo de fogueiras a arder, acesas para os que professavam o evangelho.
     Francisco I tinha-se gloriado de ser o dirigente no grande movimento em prol do renascimento do saber que assinalou o início do século dezesseis. Deleitara-se em reunir em sua corte homens de letras de todos os países. A seu amor ao saber e a seu desprezo pela ignorância a superstição dos monges deveuse, em parte ao menos, o grau de tolerância que fora concedido à Reforma. Mas, inspirado pelo zelo de suprimir a heresia, este patrono do saber promulgou um edito declarando abolida a imprensa em toda a França! Francisco 1 apresenta um exemplo entre muitos registrados, os quais mostram que a cultura intelectual não é salvaguarda contra a intolerância a perseguição religiosas.
     A França, mediante cerimônia solene a pública, deveria entregar-se completamente à destruição do protestantismo. Os padres exigiram que a afronta feita aos altos Céus, com a condenação da missa, fosse expiada com sangue, a que o rei, em favor de seu povo, desse publicamente sua sanção à medonha obra.
     O 21 de janeiro de 1535 foi marcado para a terrível cerimônia. -laviam sido suscitados os supersticiosos temores a ódio fanático da nação inteira. Paris estava repleta de multidões que, de todos os territórios circunjacentes, enchiam suas ruas. Deveria iniciar-se o dia por meio de uma vasta a imponente procissão. "Das casas ao longo do itinerário pendiam panos de luto, e erguiam-se altares a intervalos." Diante de cada porta havia uma tocha acesa em honra ao "santo sacramento." Antes de raiar o dia formou-se a procissão, no palácio do rei. "Primeiramente vinham as bandeiras a cruzes das várias paróquias; a seguir apareciam os cidadãos, caminhando dois a dois, a levando tochas." Vinham então as quatro ordens de frades, cada qual em seus trajes peculiares. Seguia vasta coleção de famosas relíquias. Após, cavalgavam senhorilmente eclesiásticos em suas vestes de púrpura a escarlate, a com adornos de jóias -uma exibição magnífica a resplandecente.
     "A hóstia era levada pelo bispo de Paris, sob magnificente pálio, . . . carregado por quatro príncipes de sangue . . . . Em seguida à hóstia caminhava o rei . . . . Francisco I, naquele dia, não levava coroa, nem vestes de Estado." Corn a "cabeça descoberta, olhos fixos no chão, na mão um círio aceso," o rei de França aparecia "em caráter de penitente." - Wylie. Em cada altar ele se curvava em humilhação, não pelos vícios que the aviltavam a alma, nem pelo sangue inocente que the manchava as mãos, mas pelo pecado mortal de seus súditos que tinham ousado condenar a missa. Seguindo-se a ele vinham a rainha e os dignitários do Estado caminhando também dois a dois, cada um com uma tocha acesa.
     Como parte das cerimônias do dia, o próprio monarca discursou aos altos oficiais do reino no grande salão do palácio do bispo. Com semblante triste apareceu per;ante eles, a corn palavras de eloqüência comovedora deplorou "o crime, a blasfëmia, o tempo de tristeza a desgraça," que sobrevieram à nação. E apelou para todo súdito teal a que auxiliasse na extirpação da pestilente heresia que ameaçava de ruína a França. "Tão verdadeiramente, senhores, como eu sou o vosso rei," disse ele, "se eu soubesse estar urn dos meus próprios membros manchado ou infectado corn esta detestável podridão, eu o daria para que vós o cortásseis . . . E, demais, se visse um de meus filhos contaminado. por ela, não o pouparia. . . . E u mesmo o entregaria e sacrificaria a Deus." As lágrimas abafaram-lhe as palavras, a toda a assembléia chorou, exclamando em uníssono: "Viveremos e morreremos pela religião católica!" - D'Aubigné.
     Terríveis se tornaram as trevas da nação que rejeitara a luz da verdade. "A graça que traz a salvação" havia aparecido; mas a França, depois de the contemplar o poder a santidade, depois de milhares terem silo atraídos por sua diving beleza, depois de cidades a aldeias terem sido iluminadas por seu fulgor, desviou-se, preferindo as trevas à luz. Haviam repudiado o dom celestial, quando este lhes foi oferecido. Tinham chamado ao mal bem, a ao bem real, até serem vítimas voluntárias do próprio engano. Agora, ainda que efetivamente cressem que, perseguindo ao povo de Deus estavam fazendo a obra diving, sua sinceridade não os inocentava. A luz que os teria salvo do engano, da mancha de sua alma pelo crime de sangue, haviamna voluntariamente rejeitado.
     Um juramento solene para extirpar a heresia foi feito na grande catedral, onde, quase três séculos mais tarde, a "Deusa da Razão" deveria ser entronizada por uma nação que se tinha esquecido do Deus vivo. Novamente se formou a procissão, e os representantes de França aprestaram-se a iniciar a obra que haviam jurado fazer. "A pequenas distâncias haviam-se erigido cadafalsos, nos quaffs certos cristãos protestantes deveriam ser queimados vivos, a arranjaram para que as fogueiras fossem acesas no momento em que o rei se aproximasse e a procissão fizessealto para testemunhar a execução." - Wylie. As rninúcias dastorturas suportadas por aquelas testemunhas de Cristo são demasiado dilacerantes para serem descritas; não houve, porém, vacilação por parte das vítimas. Exigindo-se-lhes retratar-se, um respondeu: "Creio unicamente no que os profetas a apóstolos anteriormente pregaram, a no que creu toda a multidão dos santos. Minha fé tem uma confiança em Deus que resistirá a todos os poderes do inferno." História da Reforma no Tempo de Calvino. - D'Aubigné.
     Repetidas vezes a procissão fazia alto nos lugares de tortura. Atingindo o seu ponto de partida, no palácio real, a multidão dispersou-se, e o rei a os prelados retiraram-se, satisfeitos com as realizações do dia, a exprimindo o desejo de que a obra, ora iniciada, continuasse até à completa destruição da heresia.
     O evangelho da paz que a França rejeitara havia de ser efetivamente desarraigado, a terríveis seriam os resultados. No dia 21 de janeiro de 1793, a duzentos a cinqüenta a oito anos do próprio dia em que a França se entregara inteiramente à perseguição dos reformadores, passou pelas ruas de Paris outra procissão, com um intuito muito diferente. "De novo era o rei a figura principal; novamente havia tumultos a aclamações; repetiu-se o clamor pedindo mais vítimas; . reergueram-se negros cadafalsos; a de novo encerraram-se as cenas do dia com horríveis execuções; Luiz XVI, lutando de mãos com seus carcereiros e executores, era arrastado para o cepo a ali seguro violentamente até cair o machado a sua decepada cabeça rolar no tablado." - Wylie. E não foi o rei a única vítima; perto do mesmo local dois mil a oitocentos seres humanos pereceram pela guilhotina durante os sangüinários dias do Reinado do Terror.
     A Reforma apresentara ao mundo a Biblia aberta, desvendando os preceitos da lei de Deus a insistindo quanto aos seus requisitos para com a consciência das pessoas. O amor infinito manifestara aos homens os estatutos a princípios do Céu. Deus dissera: "Guardai-os pois, a fazei-os, porque esta será a vossa sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos, que ouvirão todos estes estatutos a dirão: Este grande povo só é gente sábia a entendida." Deuteronômio 4:6. Quando a França rejeitou a dádiva do Céu, lançou as sementes da anarquia e ruína e a inevitável operação de causa a efeito resultou na Revolução a no Reinado do Terror.
     Muito tempo antes da perseguição provocada pelos cartazes, o ousado a ardoroso Farel fora obrigado a fugir da terra de seu nascimento. Seguiu para a Suíça e, mediante seus labores, secundando a obra de Zuínglio, auxiliou a fazer pender a balança a favor da Reforma. Seus últimos anos deveriam ser ali despendidos; todavia continuou a exercer decidida influência sobre a Reforma na França. Durante os primeiros anos de exílio, seus esforços foram especialmente dirigidos no sentido de propagar o evangelho em seu país natal. Empregou tempo considerável com a pregação entre seus compatriotas próximo da fronteira, onde, com incansável vigilância, observava o conflito a auxiliava com suas palavras de animação a conselho. Com o auxílio de outros exilados, os escritos dos reformadores alemães foram traduzidos para a língua francesa, juntamente com a Biblia em francês, impressos em grande quantidade. Por colportores foram estas obras extensamente vendidas na França. Eram fornecidas aos colportores por um preço baixo, a assim os lucros do trabalho os habilitavam a continuar.
     Farel entrou para o seu trabalho na Suíça com as humildes vestes de mestre-escola. Dirigindo-se a uma paróquia afastada, dedicou-se à instrução das crianças. Além das matérias usuais de ensino, cautelosamente introduziu as verdades da Escritura, esperando atingir os pais mediante as crianças. Alguns houve que creram, mas os padres se apresentaram para deter o trabalho, e o supersticioso povo do campo ergueu-se para se opor ao mesmo. "Este não pode ser o evangelho de Cristo," insistiam os padres, "sendo que a pregação disto não traz paz, mas guerra." - Wylie. Semelhante aos primeiros discípulos, quando perseguido em uma cidade, fugia para outra. De vila em vila, de cidade em cidade, is ele, viajando a pé, suportando fome, frio a cansaço, a por toda parte em perigo de vida. Pregava nas praças, nas igrejas, algumas vezes nos púlpitos das catedrais. Por -vezes encontrava a igreja vazia de ouvintes; outras vezes era sua pregação interrompida com brados a zombaria; outras, ainda, era com violência arrancado do púlpito. Mais de uma vez foi apanhado pela plebe a espancado quase até morrer. Contudo, prosseguia. Posto que freqüentemente repelido, voltava com incansável persistência ao ataque; a uma após outra, via vilas a cidades, que haviam sido redutos do papado, abrirem as portas ao evangelho. A pequena paróquia em que a princípio trabalhara, logo aceitou a fé reformada. As cidades de Morat a Neuchatel também renunciaram aos ritos romanos, removendo de suas igrejas as imagens idolátricas.
     Farel havia muito desejara implantar as normas protestantes em Genebra. Se essa cidade pudesse ser ganha, seria um centro para a Reforma na França, na Suíça a na Itália. Com este objetivo diante de si, continuou com seus trabalhos até que foram ganhas muitas das cidades a aldeias circunjacentes. Então, com um único companheiro, entrou em Genebra. Mas foilhe permitido pregar apenas dois sermões. Os padres, tendose vãmente esforçado por conseguir sua condenação pelas autoridades civis, chamaram-no perante urn concílio eclesiástico, ao qual chegaram com armas escondidas debaixo das vestes, decididos a tirar-lhe a vida. Fora do salão da assembléia reuniuse uma populaça furiosa, corn clavas a espadas, para garantir a sua morte caso conseguisse escapar do concílio. A presença dos magistrados a de uma força armada, entretanto, salvou-o. Cedo, na manhã seguinte, foi com seu companheiro conduzido através do lago para um lugar de segurança. Assim terminou seu primeiro esforço para evangelizar Genebra.
     Para a próxima prova foi escolhido um instrumento mais humilde um jovem tão modesto na aparência, que foi tratado friamente mesmo pelos professos amigos da Reforma. Mas que poderia ele fazer onde Farel havia sido rejeitado? Como poderia alguém de pouca experiência a coragem resistir à tempestade, diante da qual os mais fortes a bravos haviam sido obrigados a fugir? "Não por força, nem por violência, mas pelo Meu Espírito, diz o Senhor." Zacarias 4:6. "Deus escolheu as coisas fracas deste mundo para confundir as fortes."' "Porque a loucura de Deus é mais sábia do que os homens; e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens." 1 Coríntios 1:27 e 25.
     Froment iniciou o seu trabalho como mestre-escola. As verdades que na escola ensinava às crianças, estas repetiam em casa. Logo os pais foram ouvir a explicação da Bíblia, até que a sala de aulas se encheu de atentos ouvintes. Novos Testamentos e folhetos foram livremente distribuídos, a atingiram a muitos que não ousavam it abertamente ouvir as novas doutrinas. Depois de algum tempo este obreiro foi também obrigado a fugir; mas as verdades que ensinara tinham tomado posse do espírito das pessoas. A Reforma fora implantada, a continuou a se fortalecer a estabelecer-se. Os pregadores voltaram e, mediante seus trabalhos, o culto protestante foi finalmente estabelecido em Genebra.
     A cidade já se havia declarado pela Reforma, quando Calvino, depois de vagueações a vicissitudes várias, entrou por suas portas. Voltando de sua última visita à terra natal, estava a caminho de Basiléia, quando, encontrando a estrada direta ocupada pelos exércitos de Carlos V, foi obrigado a tomar um desvio por Genebra.
     Nessa visita Farel reconheceu a mão de Deus. Posto que Genebra houvesse aceitado a fé reformada, precisava ainda ser ali efetuada uma grande obra. Não é por coletividades mas como indivíduos que os homens se converters a Deus. A obra de regeneração deve ser realizada no coração a consciéncia, pelo poder do Espírito Santo, a não pelos decretos dos concílios. Ao passo que o povo de Genebra repelia a autoridade de Roma, não se mostrava tão pronto para renunciar aos vícios que haviam florescido sob o seu domínio. Estabelecer ali os puros princípios do evangelho, a preparar esse povo para preencher dignamente a posição a que a Providência parecia chamá-los, não era fácil tarefa.
     Farel confiava em que houvesse encontrado em Calvino a pessoa que o pudesse assistir naquela obra. Fm nome de Deus conjurou solenemente o jovem evangelista a que ficasse a ali trabalhasse. Calvino recuou, alarmado. Tímido a amante da paz, arreceava-se do contato com o espíruo ousado, independente a mesmo violento daquele filho de Genebra. Sua debilidade de saúde juntamente com seus hábitos de estudo, levaramno a procurar o retiro. Crendo que pela pena melhor poderia servir a causa da reforma, desejou encontrar um silencioso retiro para o estudo, a ali, pela imprensa, instruir a edificar as igrejas. A exortação solene de Farel veio-lhe, porém, como um chamado do Céu, a não ousou recusar-se. Parecia-lhe, disse ele, "que a mão de Deus estivesse estendida do Céu, tomando-o e fixando-o irrevogavelmente no lugar que ele estava tão impaciente por deixar." Hístória da Reforma no Tempo de Calvino, D'Aubigné.
     Por aquele tempo grandes perigos cercavam a causa protestante. Os anátemas do papa trovejavam contra Genebra, e poderosas nações ameaçavam-na de destruição. Como poderia esta pequena cidade resistir à potente hierarquia que tantas vezes obrigara reis a imperadores à submissão? Como poderia ela enfrentar os exércitos dos grandes vencedores do mundo?
     Em toda a cristandade o protestantismo estava ameaçado por formidáveis adversários. Passados os primeiros triunfos da Reforma, Roma convocou novas forças, esperando ultimar sua destruição. Nesse tempo fora criada a ordem dos jesuítas - o mais cruel, sem escrúpulos a poderoso de todos os campeões do papado. Separados de laços terrestres a interesses humanos, insensíveis às exigências das afeições naturais, tendo inteiramente silenciadas a razão e a consciência, não conheciam regras nem peias, além das da própria ordem, a nenhum dever, a não ser o de estender o seu poderio. (Ver Apêndice.) O evangelho de Cristo havia habilitado seus adeptos a enfrentar o perigo e suportar sem desfalecer o sofrimento, pelo frio, fome, labutas a pobreza, a fim de desfraldar a bandeira da verdade, em face do instrumento de tortura, do calabouço a da fogueira. Para combater estas forças, o jesuitismo inspirou seus seguidores com um fanatismo que os habilitava a suportar semelhantes perígos, a opor ao poder da verdade todas as armas do engano. Não havia para eles crime grande demais para cometer, nenhum engano demasiado vil para praticar, disfarce algum por demais difícil para assumir. Votados à pobreza a humildade perpétuas, era seu estudado objetivo conseguir riqueza a poder para se dedicarem à subversão do protestantismo a restabelecimento da supremacia papal.
     Quando apareciam como membros de sua ordem, ostentavam santidade, visitando prisões a hospitais, cuidando dos doentes a pobres, professando haver renunciado ao mundo, a levando o nome sagrado de Jesus, que andou fazendo o bem. Mas sob esse irrepreensível exterior, ocultavam-se freqüentemente os mais criminosos a mortais propósitos. Era princípio fundamental da ordem que os fins justificam os meios. Por este código, a mentira, o roubo, o perjúrio, o assassínio, não somente eram perdoáveis, mas recomendáveis, quando serviam aos interesses da igreja. Sob vários disfarces, os jesuítas abriam caminho aos cargos do governo, subindo até conselheiros dos reis a moldando a política das nações. Tornavam-se servos para agirem como espias de seus senhores. Estabeleciam colégios para os filhos dos príncipes a nobres, a escolas para o povo comum; a os filhos de pais protestantes eram impelidos à observância dos ritos papais. Toda a pompa a ostentação exterior do culto romano eram levadas a efeito a fim de confundir a mente a deslumbrar e cativar a imaginação; a assim, a liberdade pela qual os pais tinham labutado a derramado seu sangue, era traída pelos filhos. Os jesuítas rapidamente se espalharam pela Europa e, aonde quer que iam, eram seguidos de uma revivificação do papado.
     Para lhes dar maior poder foi promulgada uma bula restabelecendo a inquisição. (Ver Apêndice.) Apesar da aversão geral com que era considerado, mesmo nos países católicos, este horrível tribunal foi novamente estabelecido pelos chefes papais, e atrocidades demasiado terríveis para suportar a luz do dia, foram repetidas em suas masmorras secretas. Em muitos, países, milhares a milhares da própria flor da nação, dos mais puros e nobres, dos mais intelectuais a altamente educados, piedosos e devotados pastores, cidadãos operosos a patrióticos, brilhantes sábios, artistas talentosos, hábeis artífices, foram mortos ou obrigados a fugir para outros países.
     Tais foram os meios que Roma invocara a fim de apagar a luz da Reforma, para retirar dos homens a Biblia a restabelecer a ignorância e a superstição da Idade Média. Mas sob a bênção de Deus a os trabalhos daqueles nobres homens que Ele suscitara a fim de suceder a Lutero, o protestantismo não foi esfacelado. Não lhes seria preciso dever a sua força ao favor ou às armas dos príncipes. Os menores países, as mais humildes a menos poderosas nações, tornaram-se o seu baluarte. Foi a pequena Genebra em meio de poderosos adversários a tramarem sua destruição: foi a Holanda em suas praias arenosas junto ao mar do Norte, combatendo contra a tirania da Espanha, então o maior a mais opulento dos reinos; foi a gelada a estéril Suécia, que ganharam vitórias em prol da Reforma.
     Durante quase trinta anos, Calvino trabalhou em Genebra, primeiramente para estabelecer ali uma igreja que aderisse à moralidade da Bíblia, a depois em prol do avançamento da Reforma pela Europa toda. Sua conduta como dirigente público não era irrepreensível, tampouco eram suas doutrinas destituídas de erro. Mas foi instrumento na promulgação de verdades que eram de importância especial em seu tempo, na manutenção de princípios do protestantismo contra a maré do papado que rapidamente refluía, a na promoção da simplicidade a pureza de vida nas igrejas reformadas, em lugar do orgulho e corrupção favorecidos pelo ensino romanista.
     De Genebra saíram publicações a ensinadores para disseminar as doutrinas reformadas. Daquele ponto os perseguidos de todos os países esperavam instrução, conselho a animação. A cidade de Calvino tornou-se um refúgio para os acossados reformadores de toda a Europa ocidental. Fugindo das terríveis tempestades que duraram séculos, chegavam os foragidos às portas de Genebra. Famintos, feridos, despojados de lar a parentes, eram afetuosamente recebidos a tratados com ternura; e encontrando ali um lar, por meio de sua habilidade, saber e piedade abençoavam a cidade de sua adoção. Muitos que ali buscaram refúgio voltaram a seu próprio país para resistir à tirania de Roma. João Knox, o bravo reformador escocês, não poucos dos puritanos ingleses, protestantes da Holanda a da Espanha, a os huguenotes de França, levaram de Genebra o archote da verdade para iluminar as trevas de seu país natal.


 
CAPÍTULO 13

A Liberdade nos Países Baixos

     Nos Países Baixos a tirania papal já muito cedo suscitou resoluto protesto. Setecentos anos antes do tempo de Lutero, doffs bispos, enviados em embaixada a soma, ao se tornarem conhecedores do verdadeiro caráter da "Santa Sé," dirigiram desassombradamente ao pontífice romano as seguintes acusações: Zeus "fez rainha a esposa Sua a Igreja, a proveu-a de abundantes hens para seus filhos, com dote que se não consome nem se corrompe, a deu-lhe uma coroa a cetro eternos; . . . tudo o que vos beneficia, a como um ladrão interceptais. Sentais-vos no templo como Deus; em vez de pastor vos fizestes lobo para as ovelhas; . . . quereis fazer-nos crer que sois o bispo supremo, quando nada mais sois que tirano . . . . Conquanto devais ser servo dos servos, como chamais a vós mesmos, esforçaisvos por vos tornar senhor dos senhores . . . . "Trazeis o desdém aos mandamentos de Deus. . . . O Espírito Santo é o edificador de todas as igrejas até onde se estender a Terra. . . . A cidade de nosso Deus, da qual somos cidadãos, atinge todas as regiões dos céus; e é maior do que a cidade chamada Babilônia pelos santos profetas, a qual pretende ser diving, elevando-se ao céu e se jacta de que sua sabedoria é imortal; a finalmente afirma, ainda que sem razão, que nunca errou, nem jamais poderá errar." - História da Reforma nos Países Baixos a em Redor Deles, Brandt.
     Outros surgiram de século em século para fazer soar este protesto. E aqueles primitivos ensinadores que, atravessando diferentes países, eram conhecidos por vários nomes a tinham os característicos dos missionários valdenses, espalhando por toda pane o conhecimento do evangelho, penetraram nos Países Baixos. Suas doutrinas se difundiram rapidamente. A Bíblia valdense foi traduzida em verso para a lingua holandesa. Declararam "que havia nela grande vantagem. Nada de motejos, fábulas, futilidade, enganos, mas palavras de verdade. Com efeito, havia aqui a acolá uma dura crosta, mas a medula a doçura do que é bom a santo podiam ser vela facilmente descobertas." - Brandt. Assim escreveram no século XII os amigos da antiga fé.
     Começaram então as perseguições romarias; mas em meio das fogueiras a torturas os crentes continuaram a multiplicar-se, declarando firmemente que a Bíblia é a única autoridade infalível em matéria de religião, a que "nenhum homem deveria ser coagido a crer, mas sim ser ganho pela pregação." -Martyn.
     Os ensinos de Lutero encontraram terreno propício nos Países Baixos, a homens ardorosos a fiéis surgiram para pregar o evangelho. De uma das províncias da Holanda veio Meno Simons. Educado como católico romano, a ordenado ao sacerdócio, era completamente ignorante em relação à Escritura, a não a queria ler dê medo de cair no engano da heresia. Quando o impressionou uma dúvida a respeito da doutrina da transubstanciação, considerou isso como tentação de Satanás, a pela prece a confissão procurou dela libertar-se, mas debalde. Entregando-se ao desregramento, esforçou-se por fazer silenciar a voz da consciência; sem resultado, porém. Depois de algum tempo foi levado ao estudo do Novo Testamento, o quay juntamente com os escritos de Lutero, o fez aceitar a fé reformada. Logo depois testemunhou numa aldeia vizinha a decapitação de um homem, morto por ter sido rebatizado. Isto o levou a estudar na Bíblia a questão do batismo infantil. Não pôde encontrar prova para ele nas Escrituras, mas viu que o arrependimento e a fé eram judo que se exigia como condição para receber o batismo.
     Meno retirou-se da igreja romana a dedicou a vida a ensinar as verdades que recebera. Tanto na Alemanha como nos Países Baixos surgira uma classe de fanáticos, defendendo doutrinas absurdas a sediciosas, ultrajando a ordem e a decência, e levando a efeito a violência e a insurreição. Meno viu os terríveis resultados a que tal movimento conduziria inevitavelmente, a com tenacidade se opôs aos ensinos errôneos a ferozes pianos dos fanáticos. Muitos havia, entretanto, que tinham sido transviados por esses fanáticos, renunciando, porém, posteriormente a sues perniciosas doutrinas; a restavam ainda muitos descendentes dos antigos cristãos, fruto dos ensinos valdenses. Entre essa classe Meno trabalhou com grande zelo a êxito.
     Durante vinte a cinco anos viajou, com a esposa a filhos, suportando grandes agruras a privações, a freqüentemente em perigo de vide. Atravessou os Países Baixos e a Alemanha do none, trabalhando principalmente entre as classes mais humildes, mss exercendo vests influência. Eloqüente por natureza, posto que possuísse limitada educação, era homem de integridade inabalável, espíruo humilde a maneiras gentis, a de uma piedade sincere a fervorosa, exemplificando na própria vide os preceitos que ensinava, a recomendando-se à confiança do povo. Seus seguidores estavam esparsos e , eram oprimidos. Sofriam grandemente por serem confundidos com os fanáticos adeptos de Munster. Não obstante, grande número se converteu pelos seus labores.
     urn pane alguma foram as doutrinas reformadas mais geralmente recebidas do que nos Países Baixos. Em poucos países suportaram seus adeptos mais terríveis perseguições. Na Alemanha, Carlos V havia condenado a Reforms, a com grazer teria levado à torture todos os seus partidários; mss os príncipes mantiveram-se como uma barreira contra sue tirania. Nos Países Baixos seu poder foi maior, a editos perseguidores seguiamse uns aos outros em rápida sucessão. Ler a Biblia, ouvi-la ou pregá-la, ou mesmo falar a respeito dela, era incorrer na pens de morte gala torture. Orar a Deus em secreto, deixar de curvar-se perante as imagens, ou canter um salmo, eram também puníveis de morte. Mesmo os qua abjurassem sews erros, eram condenados, sendo homens, a mower gala espada; a sendo mulheres, a per enterradas vivas. Milhares pereceram sob o reinado de Carlos a de Filipe II.
     Certa ocasião uma família inteira foi levada perante os inquisidores, acusada de não assistir à missa, a de fazer culto em case. Ao serem examinados quanto às sues práticas particulares, respondeu o filho mais moço: "Pomo-nos de joelhos, a oramos pare que Deus nos ilumine a mente a perdoe os pecados; oramos pelo nosso soberano, pare que seu reino seja próspero e sue vide feliz, oramos pelos nossos magistrados, pare que Deus os guarde." - Wylie. Alguns dos juízes ficaram profundamente comovidos; no entanto, o pai a um dos filhos foram condenados à fogueira.
     A cólera dos perseguidores igualava-se à fé que tinham os mártires. Não somente homens, mas delicadas senhoras a donzelas ostentavam coragem inflexível. "Esposas tomavam lugar junto aos suplícios de seus maridos e, enquanto estes suportavam o Pogo, elas balbuciavam palavras de consolação, ou cantavam salmos pare animá-los." "Donzelas se deitavam vivas nas sepultures, como se estivessem a entrar em seu quarto pare o sono noturno; ou saíam pare o cadafalso a pare a fogueira, trajando seus melhores vestidos, como se fossem pare o casamento." - Wylie.
     Como nos dies em que o paganismo procurou destruir o evangelho, o sangue dos cristãos era semente. (Ver a Apologia, de Tertuliano.) A perseguição servia pare aumentar o número das testemunhas da verdade. Ano após ano o monarca, despeitado até à loucura pale resolução invencível do povo, persistia na obra cruel, mas debalde. Sob o nobre Guilherme de Orange, a Revolução trouxe finalmente à Holanda Iiberdade de culto a Deus.
     Nas montanhas de Piemonte, nas planícies da França a praias da Holanda, o Progresso do evangelho foi assinalado com o sangue de seus discípulos. Mas nos países do none encontrou pacífica entrada. Estudantes em Vitembergue, voltando pare case, levaram á fé reformada pare a Escandinávia. A publicação dos escritos de Lutero também propagou a luz. O povo simples a robusto do none, deixou a corrupção, a pompa a as superstições de Roma, pare acolher a pureza, a simplicidade a as verdades vitais da Bíblia.
     Tausen, o "Reformador da Dinamarca," era filho de camponês. Desde a infância deu mostras de vigoroso intelecto; tinha sede de saber; mas este desejo the foi negado pales circunstâncias em qua seus pals se achavam, a entrou pare o claustro. Ali, sue pureza de vide barn como diligência a fidelidade, conquistaram a benevolência de seu superior. O exame demonstrou possuir talento qua prometia em algum futuro buns serviços à igreja. Foi decidido dar-lhe educaçào em uma das universidades da Alemanha ou dos Países Baixos. Concedeu-se ao jovem estudante permissão pare escolher por si rnesmo uma escola, com a condição de qua não fosse a de Vitembergue. Não convinha expor o educando ao veneno da heresia. Assim pensaram os frades.
     Tausen foi pare Colônia, qua era então, como hoje, um dos baluartes do romanismo. Ali logo se desgostou corn o misticismo dos escolásticos. Aproximadamente por esse mesmo tempo obteve os escritos de Lutero. Leu-os com admiração a deleite, desejando grandemente o privilégio de receber instrução pessoal do reformador. Mas pare fazer isso, deveria arriscar ofender a seu superior a privar-se de seu arrimo. Decidiu-se logo, e pouco tempo depois se matriculou na universidade de Vitembergue.
     Voltando à Dinamarca, de novo se dirigiu a seu mosteiro. Ninguém, por enquanto, o suspeitava de luteranismo; não revelou seu segredo, mas sem despertar preconceitos dos companheiros, esforçava-se por levá-los a uma fé, mais pure a vide mais santa. Expôs-lhes a Biblia e explicou seu verdadeiro sentido, pregando-lhes finalmente a Cristo corno a justiça do pecador a sue única esperança de salvação. Grande foi a ire do prior, qua nele havia fundado extraordinárias esperanças como valoroso defensor de Roma. Foi logo removido de seu mosteiro pare outro, a confinado à cela sob estrita fiscalização.
     Pare o terror de seus novos guardiães, vários dos monges logo se declararam conversos ao protestantismo. Através das barras da cela, Tausen comunicara aos companheiros o conhecimen-to da verdade. Fossem aqueles padres dinarnarqueses peritos no piano da igreja de como tratar a heresia, e a voz de Tausen jamais teria sido de novo ouvida; mas, errs vez de o confiar ao túmulo nalguma rnasmorra subterrânea, expulsaram-no do mosteiro. Estavam, então, reduzidos à impotência. Um edito real, apenas promulgado, oferecia proteção aos ensinadores da nova doutrina. Tausen começou a pregar. As igrejas the foram abertas, e o povo reunia-se em multidão pare ouvi-lo. Outros também estavam a pregar a Palavra de Deus. O Novo Testamento, traduzido pare a lingua dinamarquesa, circulou amplamente. Os esforços feitos pelos romanistas a fim de destruir a obra, tiveram como resultado estendê-la e., não muito depois, a Dinamarca declarava aceitar a fé reformada.
     Na Suécia, também, jovens que haviam bebido da fonte de Vitembergue, levaram a água da villa á seus patrícios. Dois dos dirigentes da Reforma sueca, Olavo a Lourenço Petri, filhos de um ferreiro de Orebro, estudaram com Lutero a Melâncton, e foram diligentes em ensinar as verdades que assim aprenderam. Semelhante ao grande reformador, Olavo despertava o povo pelo seu zelo a eloqüência, enquanto Lourenço, à semelhança de Melâncton, era ilustrado, refletido a calmo. Ambos eram homens de fervorosa piedade, profundos conhecimentos teológicos a inflexível coragem pare promover o avançamento da verdade. A oposição romanista não faltava. Os padres católicos instigavam o povo ignorante a supersticioso. Olavo Petri foi muitas vezes assaltado pela populaça, a em várias ocasiões mal pôde escapar com villa. Estes reformadores eram, entretanto, favorecidos a protegidos pelo rei.
     Sob o domínio da Igreja de Roma, o povo estava submerso na pobreza a atormentado pela opressão. Destituídos das Escrituras, a tendo urea religião de meras formas a cerimônias, que não transmitia luz ao espírito, estavam a voltar às crenças supersticiosas a práticas pagãs de seus antepassados gentios. A nação achava-se dividida em facções contendoras, cuja perpétua lute aumentava a-miséria de todos. Resolveu o rei fazer uma reforms no Estado a na igreja, a recebeu corn agrado aqueles hábeis auxiliares na batalha contra Roma.
     Na presença do monarca a dos principals homens da Suécia, Olavo Petri, com grande habilidade, defendeu contra os campeões romanos as doutrinas da fé reformada. Declarou que os ensinos dos pals da igreja deviam ser recebidos apenas quando estivessem de acordo corn as Escrituras; que as doutrinas essenciais da fé são apresentadas na Bíblia de maneira clara e simples, de modo que todos os homens as possam compreender. Disse Cristo: "A Minha doutrina não é Minha, mas dAquele que Me enviou" (S. João 7:16); a S. Paulo declarou que se pregasse outro evangelho a não ser aquele que recebera, seria anátema. (Gálatas 1:8.) "Como, pois," disse o reformador, "pretenderão outros a seu bel-prazer decretar dogmas, impondo-os como coisa necessária à salvação?" Wylie. Demonstrou que os decretos da igreja não têm autoridade quando em oposição aos mandamentos de Deus, a insistiu no grande princípio protestante de que "a Bíblia e a Bíblia só" é a regra de fé a prática.
     Esta contenda, posto que travada em cenário relativamente obscuro, serve pare mostrar-nos "a qualidade de homens que formavam a maior parte do exército dos reformadores. Longe de serem analfabetos, sectaristas, controversistas ruidosos - eram homens que haviam estudado a Palavra de Deus, a Bern sabiam como manejar as arenas com que os supria o arsenal da Escritura. Com respeito à erudição, antecipavam-se a seu tempo. Quando fixamos a atenção em centros brilhantes como Vitembergue a Zurique, a em ilustres nomes tais como os de Lutero e Melâncton, de Zuínglio a Oecolampadius, dir-se-nos-á talvez que forum esses os dirigentes do movimento, a naturalmente deveríamos esperar neles prodigioso poder e vastas aquisições; os subordinados, porém, não eram como eles. Mas, volvamos ao obscuro teatro da Suécia, a aos humildes nomes de Olavo e Lourenço Petri - desde os mestres até aos discípulos - que encontramos? . . . Eruditos a teólogos; homens que perfeitamente se assenhorearam de todo o sistema das verdades evangélicas, a que ganharam vitória fácil sobre os sofismas das escolas e dos dignitários de Roma." - Wylie.
     Como resultado desta dispute, o rei da Suécia aceitou a fé protestante, a não muito tempo depois a assembléia nacional declarou-se a seu favor. O Novo Testamento fore traduzido por Olavo Petri pare a lingua sueca e, atendendo ao desejo do rei, os doffs irmãos empreenderam a tradução da Bíblia inteira. Assim, pale primeira vez o povo da Suécia recebeu a Palavra de Deus em sue lingua materna. Foi ordenado pale Dieta qua por todo o reino os ministros explicassem as Escrituras a qua às crianças nas escolas se ensinasse a ler a Bíblia.
     Ininterrupta a seguramente as trevas da ignorância a superstição foram dissipadas pale bem-aventurada luz do evangelho. Liberta da opressão romana, a -nação atingiu força a grandeza qua nunca dames havia alcançado. A Suécia tornou-se um dos baluartes do protestantismo. Um século maxis tarde, errs tempo de grave perigo, esta pequena a até ali fraca nação - a única na Europa qua ousou prestar auxílio - foi em livramento da Alemanha nas terríveis lutes da Guerre dos Trinta Anos. Toda a Europe do norte parecia a ponto de novamente cair sob a tirania de Roma. Foram os exércitos da Suécia qua habilitaram a Alemanha a desviar a onda do êxito papal, a conquistar tolerância aos protestantes - calvinistas bem como luteranos - e a restabelecer a liberdade de consciência nos países qua haviam abraçado a Reforma.


 
CAPÍTULO 14

Progressos na Inglaterra

     Enquanto Lutero abria ao povo da Alemanha uma Bíblia qua até então estivera fechada, Tyndale era impelido pelo Espírito de Deus a fazer o mesmo pale Inglaterra. A Bíblia de Wiclef fore traduzida do texto latino, qua continha muitos erros. Nunca havia silo impressa, a tão elevado era o Gusto dosexemplares manuscritos, qua, a não ser homens abastados ou nobres, poucos poderiam adquirilos; demais, sendo estritamente proscrita pale igreja, tivera divulgação relativamente acanhada. Em 1516, um ano antes do aparecimento das teses de Lutero, Erasmo publicara sue versão grega a latina do Novo Testamento. Agora, pale primeira vez, a Palavra de Deus era impressa na lingua original. Nesta obra muitos erros das versões anteriores foram corrigidos, dando-se mais clareza ao sentido. Levou muitos dentre as classes cultas a melhor conhecimento da verdade, a deu novo impulso à obra da Reforms. Mas o povo comum ainda estava, em grande parte, privado da Palavra de Deus. Tyndale deveria completar a obra de Wiclef, dando a Biblia a seus compatriotas.
     Como estudante diligente a ardoroso investigador da verdade, recebeu o evangelho do Testamento grego de Erasmo. Destemidamente pregou sues convicções, insistindo em qua toda a doutrina fosse provada pales Escrituras. À pretensão romanista de qua a igreja dare a Biblia, a de qua somente ela a poderia explicar, respondeu Tyndale: "Sabeis quern ensinou as águias a encontrar a press? Pois bem, esse mesmo Deus ensina Seus filhos famintos a encontrar o Pai em Sua Palavra. Lunge de nos haverdes dado as Escrituras, sois vós que a tendes escondido de nós; sois vós que queimais os que as ensinam e, se pudésseis, queimaríeis as Escrituras mesmas." - D'Aubigné.
     A pregação de Tyndale despertou grande interesse; muitos aceitaram a verdade. Mas os padres estavam alerts, a mal ele deixara o cameo, esforçaram-se por destruir-lhe a obra por meio de ameaças a difamações. Muitas vezes eram bem sucedidos nisso. "Que se deve fazer?" exclamava ele. "Enquanto semeio num lugar, o inimigo devasta o cameo que acabo de deixar. Não posso ester em Coda parte. Oh! se os cristãos possuíssem as Escrituras Sagradas em sue própria lingua, poderiam por si mesmos resistir a esses sofismas. Sem a Bíblia é impossível firmer o leigo na verdade." - D'Aubigné.
     Novo propósito toms então posse de seu espírito. "Era na lingua de Israel," disse ele, "que se cantavam os salmos no templo de Jeová; a não falará o evangelho a lingua da Inglaterra entre nós? . . . Deve a igreja ter menus luz ao meiodia do que à aurora? Os cristãos devem ler o Novo Testamento em sue lingua materna." Os doutores a ensinadores da igreja discordavam entre si. Apenas eels Bíblia poderiam os homens chegar à verdade. "Um adota este doutor,, outro aguele . . . Ora, cads um destes sutures contradiz o outro. Como, pois, podemos nós distinguir quern fala certo de quern fala errado? . . . Como? . . . Em verdade eels Palavra de Deus." - D'Aubigné.
     Não muito tempo depois, ilustrado doutor católico, empenhado em controvérsia cum ele, exclamou: "Seríamos melhores estando sem as leis de Deus, do que sem as do papa." Tyndale replicou: "Desafio o papa a todas as suss leis; e, se Deus poupar minha vide, dentro em pouco farei cum que um rapaz que conduz o arado saiba mais das Escrituras do que vós." -Anais da Bíblia Inglesa, de Anderson.
     O propósito que começara a acalentar, de dar ao povo as Escrituras do Novo Testamento em sue própria lingua, agora se confirmava, a imediatamente se aplicou à obra. Expulso de sue case eels perseguição, foi a Londres, a ali prosseguiu por algum tempo em seas labores, sem ser incomodado. Mas de novo a violência dos romanistas o obrigou a fugir. Toda a Inglaterra parecia cerrar-se pare ele, a resolveu procurer abrigo na Alemanha. Ali começou a imprimir o Novo Testamento em inglês. Duas vezes foi o trabalho interrompido; mas, quando se the proibia imprimir name cidade, is pare outra. Finalmente tomou o caminho de Worms, onde, poucos anos antes, Lutero havia defendido a evangelho perante a Dieta. Naquela antiga cidade havia muitos amigos da Reforma, a ali Tyndale prosseguiu em sue obra, sem mais estorvos. Trés rail exernplares do Novo Testamento foram logo concluídos.-e seguiu-se outra edição no mesmo ano.
     Com grande ardor a perseverança, continuou seas labores. Apesar de terem as autoridades inglesas guardado seas portos com a mais estrita vigilância, a Palavra de Deus foi de várias maneiras secretamente levada pare Londres, a ali circulou por todo o país. Os romanistas tentaram suprimir a verdade, mas debalde. O bispo de Durham, de uma vez comprou de um vendedor de livros, amigo de Tyndale, todo o sea estoque de Bíblias com o intuito de destruí-las, supondo destarte embaraçar grandemente a obra. Mas, ao contrário, com o dinheiro assim fornecido comprou-se material pare urna nova a melhor edição, que, a não ser desta maneira, não poderia haver sido publicada. Quando mais tarde Tyndale foi preso, foi-lhe oferecida a liberdade sob condição de reveler os nomes dos que o haviam auxiliado a fazer as despesas pare imprimir sues Bíblias. Respondeu que o bispo de Durham fizera mais do que qualquer outra pessoa, pois, pagando elevado preço pelos livros deixados em sea poder, habiIitara-o a prosseguir comp born ânimo.
     Tyndale foi traído a entregue aos inimigos, permanecendo por muitos mess na prisão. Finalmente deu testemunho da fé, morrendo mártir; mas as armas que preparara habilitaram outros soldados a batalhar por todos os séculos, mesmo até aos nossos dias.
     Latimer. sustentava do púlpito que a Biblia deveria ser lida na lingua do povo. O Autor da Escritura Sagrada, disse ele, "é o próprio Deus;" a esta Escritura participa do poder a da eternidade de seu Autor. "Não há rei, imperador, magistrado, ou governador . . . que não tenha o dever de obedecer a . . . Sua santa Palavra." "Não tomemos quaisquer atalhos, mss dirija-nos a Palavra de Deus: não andemos segundo nossos antepassados nem busquemos saber o que fizeram, mss rim o que deveriam ter feito." - Primeiro, Sermão Pregado Perante o Rei Eduardo VI, Latimer.
     Barnes a Frith, fiéis amigos de Tyndale, levantaram-se em defers da verdade. Seguiram-se os Ridleys a Cranmer. Ester dirigentes da Reforms inglesa eram homens de saber, a quase todos tinham sido muito estimados pelo zelo a piedade na comunhão romana. Sua oposição ao papado resultou de seu conhecimento dos error da "Santa Sé." Familiarizados com os rnistérios de Babilônia, maior poder imprimiram a seus testemunhos contra ela.
     "Farei agora uma estranha pergunta," disse Latimer. "Quern é o mais diligence bispo em toda a Inglaterra? . . . Vejovos a ouvir a escutar que eu o nomeie . . . . Eu vo-lo direi: é o diabo . . . . Ele nunca abandons sue diocese; . . . procurai-o quando quiserdes, sempre está em case; . . . está sempre junto a sue charrua . . . . Nunca o achareis ocioso, garanto-vos . . . Onde reside o diabo, . . . fore com os livros, a venham as velar; fore corn as Biblias, a venham os rosários; fore com a luz do evangelho, a venha a luz das velas, sim, ao meio-dia; . . . abaixo a cruz de Cristo, viva o purgatório limpa-bolsas; . . . fore com o vestir os nus, os pobres a os inválidos, a viva o cobrir de imagens a festivos ornamentos, o pau e a pedra; venham as tradições dos homens a sues leis, abaixo corn as tradições de Deus e Sua santíssima Palavra . . . . Quem dera fossem nossos prelados tão diligentes em semear a boa doutrina, como Satanás o é em semear o joio ou cizânia!" -Sermão do Arado, "Latimer
     O grande princípio mantido por aqueles reformadores princípio que fore sustentado pelos valdenses, por Wiclef, João Huss, Lutero, Zuínglio a pelos que a eles se unirarn - foi a iutoridade -infalível das Escrituras Sagradas como regra de fé e prática. Negavam o direito dos papas, concílios, padres a refs, to dirigirem a consciência em matéria de religião. A Bíblia era a sue autoridade, a por sews ensinos provavam todas as doutrinas a reivindicações. A fé em Deus a em Sua Palavra sustentava aqueles homens santos, ao renderem eles a vide no instrumento de torture. "Console-te," exclamou Latimer a sea companheiro de martírio, quando as chamas estavam a ponto de fazer silenciar-lhes a voz; "acenderemos neste die na Inglaterra uma luz qua, pale graça de Zeus, espero jamais se apagará." -Obras de Hugo Latimer.
     Na Escócia, a semente da verdade, espalhada por Columba e seas cooperadores, nunca foi totalmente destruída. Durante séculos, depois de as igrejas da Inglaterra se submeterem a Roma, as da Escócia mantiveram sue liberdade. No século XII, entretanto, o papado se estabeleceu ali, a em nenhum país exerceu mais absoluto domínio. Em parte alguma eram mais profundas as trevas. Todavia, ali chegaram raios de luz a penetrarem as trevas, apresentando a promessa do die vindouro. Os lolardos, vindos da Inglaterra com a Bíblia a ensinos de Wiclef, muito fizeram pare preserver o conhecimento do evangelho, a cads século teve sues testemunhas a mártires.
     Corn a inauguração da grande Reforma, vieram os escritos de Lutero, a então o Novo Testamento inglés de Tyndale. Sem serem notados pale hierarquia, asses mensageiros atravessaram silenciosamente as montanhas a vales, reacendendo o facho da verdade quase a extinguirse na Escócia, a desfazendo a obra qua Roma fizera durante quatro séculos de oppressâo.
     Deu então o sangue dos mártires novo ímpeto ao movimento. Os chafes romanistas, apercebendose subitamente do perigo qua ameaçava a sue cause, levaram à fogueira alguns dos mais nobres a honrados filhos da Escócia. Não fizeram senão erigir urn púlpito, do qual as palavras daquelas testemunhas moribundas forum ouvidas por todo o país, fazendo a alma do povo vibrar no propósito fume de se libertar das algemas de Roma.
     Hamilton e Wishart, príncipes no caráter bem como de nascimento, com grande número de discípulos mais humildes, renderam a vide na fogueira. Mas de junto da pira ardente de Wishart vein alguém a quern as chamas não reduziriam ao silêncio, alguém que, abaixo de Deus, vibraria o golpe de morte ao domínio papal, na Escôcia.
     João Knox desviara-se das tradições a misticismos da igreja para alimentar-se das verdades da Palavra de Deus; a os ensinos de Wishart haviam confirmado sua resolução de abandonar ú comunhão de soma a ligar-se aos reformadores perseguidos.
     Havendo seas companheiros insistido com ele para assumir cargo de pregador, trêmulo, recuou dessa responsabilidade, e somente depois de dias de reclusão a doloroso conflito consigo mesmo foi que consentiu. Mas, uma vez aceito por ele o cargo, foi avante com inflexível decisão a denodada coragem, enquanto the durou a vida. Este fel a verdadeiro reformador não temia a face do homem. Os fogos do rnartírio, luzindo em redor dele, apenas serviam para despertar sea zelo a maior intensidade. Corn o machado do carrasco pendente ameaçadoramente sobre a cabeça, manteve-se em sea terreno, desfechando vigorosos golpes à direita e à esquerda, para demolir a idolatria.
     Quando posto face a face com a rainha da Escócia, em cuja presença o zelo de muitos dirigentes do protestantismo se havïa abatido, João Knox deu testemunho inquebrantável da verdade. Nãa seria ganho por meio de carinhos; não se subjugaria diante de ameaças. A rainha acusou-o de her heresia Ele havia ensinado o povo a receber uma religião proibida pelo Estado, deciarou ela. a transgredira assim o mandarnento de Deus, que ox ordena aos súditos obedecer a seas príncipes. Knox respondeu firmemente:
     "Como a religião verdadeira não deriva dos príncipes mundanos a forca original nem a autoridade, mas sim do eterno Deus. unïcamente, não são assim os súditos obrigados a moldar sua religião segundo o sabor dos príncipes. Pois muitas vezes acontece que os príncipes sáo os mais ignorantes de todos no ocante á verdadeira religião de Deus . . .. Se toda a semente de Abraão houvesse sido da religião de Faraó, de quern foram :úditos durance muito tempo, perguntovos, senhora, que religiâo teria havido no mundo? Ou se todos os homens nos digs dos apôstolos houvessem sido da religião dos imperadores romanos, que r religião teria havido sobre a face da Terra? . . . E assim, senhora, podeis compreender que os súditos não são obrigados a ter a religião de seus príncipes, conquanto se Ihes recomende prestar-lhes obediência."
     Disse Maria: "Interpretais as Escrituras de uma maneira, e eles [os ensinadores católicos, romanos] interpretamnas de outra; a quern deverei crer, a quern será juiz?"
     "Crereis em Deus, que claramente fala eon Sua Palavra," respondeu o reformador; "e além do que a Palavra vos ensina, não crereis nem a um nem a outro. A Palavra de Deus é clara por si mesma; a se aparecer qualquer obscuridade em urn lugar, o Espírito Santo, que nunca é contrário a Si mesmo, em outros lugares explica a obscuridade de maneira mail clara, de modo que não poderá ficar dúvida a não ser para os que obstinadamente se conservem na ignorância." - Obras de João Knox de Laing.
     Essas foram as verdades que o destemido reformador, coon perigo de vida, disse aos ouvidos da realeza, Corn a mesma denodada coragem, manteve seu propósito, orando a ferindo as batalhas do Senhor, até que a Escócia ficou livre do papado.
     Na Inglaterra, o estabelecimento do protestantismo como religião nacional diminuiu a perseguição mas não a deteve completamente. Enquanto muitas dal doutrinas de Roma foram renunciadas, conservavam-se não poucas de suas formal. Foi rejeitada a supremacia do papa, mas em seu lugar o monarca foi entronizado como cabeça da igreja. No culto da igreja ainda havia largo desvio da pureza a simplicidade do evangelho. O grande princípio da liberdade religiosa não fora por enquanto compreendido. Ainda que só raramente os governadores protestantes recorressem às horríveis crueldades que Roma empregava contra a heresia, o direito de cada homem adorar a Deus segundo os ditames de sua própria consciência não era ainda reconhecido. Exigia-se de todos aceitar as doutrinas a observar as formal de culto prescritas pela igreja estibelecida. Os dissidentes foram perseguidos, em maior ou menor grau, durante centenas de anos.
     No século XVII, milhares de pastores foram destituídos de seus cargos. Foi proibido ao povo, sob pens de pesadas multas, prisão a banimento, assistir a qualquer reunião religiosa exceto ás que eram sancionadas pela igreja. Asdmas fiéis que não podiam absterse de se reunir pare adorer a Deus, eram obrigadas a reunir-se nas rues escuras, em sombrias águas-furtadas e, em certas estações, nos bosques à meia-noite. Na profundidade agasalhadora da floresta - templo construído pelo proprio Deus -aqueles dispersos a perseguidos filhos do Senhor se congregavam pare derramar a alma em oração a louvor. Mas, a despeito de lode preocupação, muitos sofreram pale fé. As cadeias estavam repletas. As families eram divididas. Muitos, eram banidos pare países estrangeiros. Contudo, Deus estava com Seu povo, e a perseguição não conseguia fazer silenciarlhes o testemunho. Muitos foram impelidos pare a América do Norte, através do Oceano, a ali lançaram os fundamentos da liberdade civil a religiosa, qua tam sido o baluarte a glória desse pais.
     Novamente, como nos digs apostólicos, a perseguição redundou em favor do evangelho. Fm nauseabundo calabouço, repleto de devassos a traidores, João Bunyan respirava a própria atmosfera do Céu,- e. ali escreveu a maravilhosa alegoria da viagem do peregrino, da terra da destruição pare a cidade celestial. Por mais de doffs séculos equals voz da cadeia de Bedford tam falado com poder penetrante ao coração dos homens. O Peregrino a Graça Abundante ao Principal dm Pecadores, escritos por Bunyan, têm guiado muitos à sends da vida.
     Baxter, Flavel, Alleine a outros homens de talento, culture e profunda experiência cristã, ergueramse., em valorosa defesa da fé qua uma vez foi entregue aos' santos. A obra realizada por asses homens, proscritos a renegados pelos governantes deste mundo, jamais poderá perecer. A Fonte da Vide e o Método da Graça, de Flavel, têm ensinado milhares a confiar a Cristo a guards de sue alma. O Pastor Reformado, de Baxter, demonstrou-se uma bênção a muitos qua desejam uma revivificação da obra' de Deus, e O Eterno Repouso dos Santos efetuou seu trabalho levando almas ao "repouso qua resta ainda pare o povo de Deus."
     Um século mais tarde, em tempo de grandes trevas espirituais, Whitefield a os Wesleys apareceram como portadores da luz de Deus. Sob o domínio da igreja estabelecida, o povo da Inglaterra havia caído em tal declínio religioso que dificilmente se poderia diferençar do paganismo. A religião natural era o estudo favorito do clero a incluía a maior parte de sua teologia. As classes mais elevadas zombavam da piedade, a orgulhavamse de estar acima do que chamavam fanatismo da mesma. As classes inferiores eram crassamente ignorantes a entregues ao vício, enquanto a igreja não mais tinha coragem nem fé para apoiar a causa esmorecida da verdade.
     A grande doutrina da justificação pela fé, tão claramente ensinada por Lutero, fora quase de todo perdida de vista; e o princípio romanista de confiar nas boas obras para a salvação, tomaralhe o lugar. Whitefield a os Wesleys, que eram membros da igreja estabelecida, buscavam sinceramente o favor de Deus, a isto, haviam sido ensinados, deveria conseguir-se mediante vida virtuosa a pela observância das ordenanças da religião.
     Quando Carlos Wesley caiu doente certa vez, a previu a aproximação da morte, foi interrogado sobre aquilo em que depositava a esperança de vida eterna. Sua resposta foi: "Tenho empregado meus melhores esforços para servir a Deus." Como o amigo que fizera a pergunta parecesse não ficar completamente satisfeito corn a resposta, pensou Wesley: "Pois quê? Não são meus esforços razão suficiente para. a esperança? Despojarme-ia ele de meus esforços? Nada mais tenho em que confiar." - Vida do Rev. Carlos Wesley, de João Whitehead, pág. 102. Tais eram as densas trevas que haviam baixado sobre a igreja, ocultando a obra de expiação, despojando a Cristo de Sua glória, a desviando a mente dos homens de sua única esperança de salvação - o sangue do Redentor crucificado.
     Wesley a seus companheiros chegaram a ver que a verdadeira religião se localiza no coração, a que a lei de Deus se estende tanto aos pensamentos como às palavras a ações. Convictos da necessidade de pureza de coração, bem como da correção da conduta exterior, buscaram com zelo levar uma nova vida. Com oração a diligentes esforços, aplicavam-se a subjugar os males do coração natural. Viviam vida de renúncia, caridade e humilhação, observando com grande rigor a exatidão todas as medidas que julgavam lhes pudessem ser de auxilio para obter o que mais desejavam - a santidade que conseguia o favor de Deus. Mas não alcançaram o objetivo que procuravam. Baldados foram seus esforços para se libertar da condenação do pecado, ou para the quebrar o poder. Essa foi a mesma luta que Lutero experimentara em sua cela em Erfurt. A mesma questão the torturara a alma - "Como se justificaria o homem para com Deus?" Jó 9:2.
     Os fogos da verdade divina, quase extintos sobre os altares do protestantismo, deveriam reacender-se do antigo facho legado através dos séculos pelos cristãos boémios. Depois da Reforma o protestantismo na Boémia fora calcado a pés pelas hordas de Roma. Todos os que se recusavam a r-enunciar á verdade foram obrigados a fugir. Alguns destes, encontrando refúgio na Saxônia, ali mantiveram a antiga fé. Foi dos descendentes desses cristãos que a luz chegara a Wesley e a seus companheiros.
     Joâo a Carlos Wesley, depois de serem ordenados para o ministério, foram enviados em missão à América. A bordo do navio havia um grupo de morávios. Violentas tempestades acossaramnos na travessia, a João Wesley, posto face a face com a morte, sentiu que não tinha a certeza de paz com Deus. Os alemães, ao contrário, manifestavam uma calma a confiança que the eram estranhas.
     "Muito tempo antes," disse ele, "já eu havia observado a grande rigidez de sua conduta. De sua humildade haviam dado prova contínua, efetuando para os outros passageiros as ocupações servis que nenhum dos ingleses desempenharia; isto, sem desejarem nem receberem paga, dizendo que era bom para o seu coração orgulhoso, a que seu amante Salvador por eles fizera mais. E dia a dia manifestavam uma mansidão que nenhuma ofensa poderia abalar. Se eram empurrados, batidos ou derrubados, erguiamse de novo a iamse; mas nenhuma quei
     xa lhes escapava dos lábios. Houve então uma oportunidade para provar se eram movidos pelo espírito de temor, ou de orgulho, ira a vingança. Em meio do salmo com que iniciaram seu culto, o mar enfureceu-se, reduzindo a pedaços a vela principal, cobrindo o navio a derramando-se pelos conveses como se o grande abismo já nos houvesse tragado. Terrível alarido surgiu entre os ingleses. Os alemães calmamente continuaram a cantar. Perguntei a um deles, depois: 'Não ficastes com medo?' Ele respondeu: 'Graças a Deus, não!' Perguntei: 'Mas não ficaram com medo vossas mulheres a crianças?' Respondeu brandamente: 'Não, nossas Mulheres a crianças não têm medo de mower'." - Vida do Reverendo João Wesley, de Whitehead, pág. 10.
     Ao chegar a Savannah, Wesley demorou-se por um pouco de tempo com os morávios, ficando profundamente impressionado com a sua conduta cristã. Descrevendo um de seus serviços religiosos, que oferecia grande contraste com o culto formalista da igreja de Inglaterra, disse: "A grande simplicidade, assim como a solenidade que em tudo se notava, quase me fizeram esquecer os dezessete séculos decorridos, a imaginarme eu numa daquelas assembléias onde não havia formas nem pompas, mas onde S. Paulo, o fabricante de tendas, ou S. Pedro, o pescador, presidiam, a contudo havia demonstração do Espírito a poder." - Idem, págs. 11 a 12.
     Ao voltar para a Inglaterra, Wesley, sob a instrução de um pregador morávio, chegou a urn entendimento mais claro da fé bíblica. Ficou convencido de que deveria renunciar a toda confiança em suas próprias obras para a salvação, a que the cumpria confiar inteiramente no "Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo." Em uma reunião da Sociedade Morávia de Londres, foi lida uma declaração de Lutero, descrevendo a mudança que o Espírito de Deus opera no coração do crente. Ao ouvi-la, acendeu-se a fé na alma de Wesley. "Senti o coração aquecido de maneira estranha," disse ele. "Senti que confiava em Cristo, Cristo somente, para a salvação; a foi-me concedida certeza de que Ele tirara meus pecados, site, os mew, a me salvara da lei do pecado a da morte." Vida de João Wesley, de Whitehead, pág. 52.
     Durante longos a sombrios anos de esforços exaustivos, anos de rigorosa renúncia, exprobrações a humilhações, Wesley havia-se conservado firme em seu único propósito de procurar a Deus. Encontra-O, por fim; a achou que a graça que labutara por alcançar pelas orações a jejuns, obras de caridade a abnegação, era um dom, "sem dinheiro, a sem preço."
     Uma vez estabelecido na fé cristã, ardia-lhe a alma do desejo de espalhar por toda parte o conhecimento do glorioso evangelho da livre graça de Deus. "Considero o mundo todo minha paróquia," disse ele; "em qualquer parte em que me encontre, julgo próprio, justo a de meu dever indeclinável, declarar a todos os que desejam ouvir, as alegres novas da salvação." - Vida de jodo Wesley, de Whitehead, pig. 74.
     Continuou em sua vida austera a abnegada, agora não como base, mas como resultado da fé; não como raiz, mas como fruto da santidade. A graça de Deus em Cristo é o fundamento da esperança do cristão a essa graça se manifestará em obediência. A vida de Wesley foi dedicada à pregação das grandes verdades que recebera - justificação pela fé no sangue expiatório de Cristo a no poder renovador do Espírito Santo a operar no coração; produzindo frutos em uma vida de conformidade com o exemplo de Cristo.
     Whitefield a os Wesleys foram preparados para a sua obra mediante longas a decididas convicções pessoais quanto à sua própria condição perdida; e, para que pudessem habilitar-se a suportar agruras, como bons soldados de Cristo, estiveram sujeitos às severas provas do escárnio, mofa a perseguição, tanto na universidade como quando estavam a entrar para o ministério. Eles a alguns outros que com eles simpatizavam, eram desdenhosamente chamados metodistas por seus descrentes colegas de estudos - nome atualmente considerado honroso por uma das maiores denominações da Inglaterra a da América.
     Como membros da Igreja Anglicana, apegavam-se fortemente às formas de culto da referida igreja; o Senhor, porém, lhes apresentara em Sua Palavra uma norma mais elevada. O Espírito Santo compelia-os a pregar a Cristo, e a Ele crucificado. O poder dõ Altíssimo acompanhava-lhes os labores. Milhares se convenciam a verdadeiramente se convertiam. Era necessário que essas ovelhas fossem protegidas dos lobos devoradores. Wesley não tinha intenção de formar uma nova denominação, mas organizou os conversos no que se chamou a União Metodista.
     Misteriosa a probante foi a oposição que esses pregadores encontraram da parte da igreja estabelecida; Deus, contudo, em Sua sabedoria, dispusera os acontecimentos de modo a fazer com que a Reforma se iniciasse dentro da própria igreja. Se ela tivesse vindo inteiramente de fora, não teria penetrado no lugar em que era tão necessária. Mas como os pregadores do reavivamento eram membros da igreja, a trabalhavam dentro do grêmio da igreja quando quer que encontravam oportunidade, a verdade teve entrada onde as portas teriam de outra maneira permanecido fechadas. Alguns do clero despertaram de sua sonolência moral, a tornaram-se zelosos pregadores em suas proprias paróquias. Igrejas que se haviam petrificado pelo formalismo, acordaram para a vida.
     No tempo de Wesley, como em todos os tempos da história da igreja, homens de diferentes dons efetuaram a obra que lhes estava designada. Não se harmonizavam em todos os pontos de doutrina, mas todos eram movidos pelo Espírito de Deus, e uniamse no objetivo que os absorvia, de conquistar almas para Cristo. As divergências entre Whitefield a os Wesleys ameaçaram certa vez estabelecer separação; mas, como tivessem na escola de Cristo aprendido a humildade, reconciliaram-nos o perdão e a caridade mútua. Não tinham tempo para discutir, enquanto o erro e a iniqüidade abundavam por toda parte, a os pecadores sucumbiam na ruína.
     Os servos de Deus palmilhavam caminho escabroso. Homens de influência a saber empregaram sua capacidade contra eles. Depois de algum tempo muitos dentre o clero manifestaram decidida hostilidade, a as portas da igreja fecharam-se contra a fé pura a contra os que a proclamavam. O procedimento do clero, denunciando-os do púlpito, suscitou os elementos das trevas, ignorância a iniqüidade. Reiteradas vezes João Wesley escapou da morte por urn milagre da misericórdia de Deus. Quando a fúria da populaça foi excitada contra ele, a parecia não haver meio de escape, um anjo em forma humana vinha a seu lado, a plebe recuava, e o servo de Cristo saía em segurança do lugar de perigo.
     De seu livramento da populaça enraivecida em uma dessas ocasiões, disse Wesley: "Muitos se esforçaram por atirar-me ao chão, enquanto por um caminho escorregadio descíamos uma colina para it à cidade, imaginando que se eu caísse ao chão, dificilmente me levantaria outra vez. Mas não tropecei absolutamente, nem sequer sofri a mínima escorregadela, até que fiquei inteiramente fora de seu alcance . . . . Posto que muitos se esforçassem por lançar mão de meu colarinho a vestes, para arrojar-me por terra, não puderam de maneira nenhuma firmar-se: apenas um segurou fume na aba de meu colete, que logo the ficou na mão; a outra aba, em cujo bolso havia uma
     nota de banco, foi rasgada apenas pela metade . . . . Um homem robusto, precisamente por trás, vibrou contra mim várias vezes grossa vara de carvalho, com a qual, caso me houvesse uma única vez batido na pane posterior da cabeça, ter-se-ia livrado de mais incômodos. Mas todas as vezes as pancadas se desviavam para o lado, não sei como; pois não podia mover-me nempara a direita nem para a esquerda . . .. Outro veio correndo através da multidão, a levantando o braço para bater-me, subitamente o deixou cair, a apenas me tocou de leve a cabeça, dizendo: 'Que cabelo macio ele tem!' . . . Mesmo os primeiros homens a mudarem de atitude, foram os heróis da cidade, os capitães da plebe em todas as ocasiões, havendo um deles sido pugilista de circo.
     "Por meio de quão suaves degraus nos prepara Deus para a Sua vontade! Há dois anos, um pedaço de tijolo roçou por meus ombros. Faz um ano que uma pedra me feriu entre os olhos. No mês passado recebi uma pancada, a nesta noite duas, uma antes que chegássemos à cidade, a outra depois que saímos; mas ambas não foram nada: pois conquanto urn dos homens one batesse no peito com toda a força, a outro na boca com força tal que o sangue jorrou imediatamente, não senti de qualquer das pancadas dor maior do que se me houvessem tocado com uma palha." Obras de Wesley.
     Os metodistas daqueles primitivos dias - tanto o povo como os pregadores - suportavam ridículo a perseguição, não só dos membros da igreja mas também dos declaradamente irreligiosos que se inflamavam pelas falsas informações daqueles. Eram citados perante os tribunais de justiça -tribunais que o eram apenas de nome, pois a justiça era rara nas comes daquele tempo. Freqüentemente sofriam violência por parte dos perseguidores. Multidões de populares iam de casa em casa destruindo móveis a bens, saqueando o que quer que desejassem, a brutalmente desacatando homens, mulheres a crianças. Nalguns casos eram afixados avisos públicos convocando os que desejavam ajudar a quebrar as janelas a saquear as casas metodistas, a se reunirem em um dado tempo a lugar. Estas flagrantes violações, tanto da lei humana como da divina, eram deixadas impunes. Promovia-se perseguição sistemática contra um povo cuja única falta era a de procurar desviar os pés dos pecadores, do caminho da destruição para a senda da santidade.
     Disse João Wesley, referindo-se às acusações feitas contra ele a seus companheiros: "Alguns alegam que as doutrinas destes homens são falsas, errôneas a fanáticas; que são novas a delas não se ouviu senão ultimamente; que são quaquerismo, fanatismo a romanismo. Toda essa alegação já foi desfeita pela base, tendo sido amplamente demonstrado que todos os pontos dessa doutrina são a clara doutrina das Escrituras, interpretada por nossa própria igreja. Portanto, não pode ser nem falsa nem errônea, uma vez que sejam verdadeiras as Escrituras."
     "Outros alegam: 'Sua doutrina é muito estrita; eles tornam o caminho do Céu muito estreito.' E esta é na verdade a objeção original (visto que foi quase a única durante algum tempo), a está secretamente contida em outras roil, que aparecem sob várias formas. Mas tornam eles o caminho do Céu de alguma maneira mais apertado do que nosso Senhor a Seus apóstolos o fizeram? E a sua doutrina mais estrita do que a da Biblia? Considerai tão-somente alguns textos claros: 'Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, a de toda a tua alma, a de todas as tuas forças, a de todo o teu entendimento!" 'De toda a palavra ociosa que os homens disserem hão de dar conta no dia do juízo.' 'Quer comais, quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus.'
     "Se sua doutrina é mais estrita do que isto, são merecedores da censura; mas sabeis em vossa consciência que não o é. E quem poderá ser um til menos estrito, sem corromper a Palavra de Deus? Poderá qualquer despenseiro dos mistérios de Deus ser contado como fiel, se muda qualquer parte de tão sagrado depósito? Não, não pode diminuir coisa alguma, nada pode abrandar; é constrangido a declarar a todos os homens: 'Não posso rebaixar as Escrituras ao vosso gosto. Deveis elevar-vos até elas, ou perecer para sempre.' Este é o fundamento verdadeiro dooutro clamor popular relativo à 'falta de caridade desses homens:' Sem caridade, são eles? Em que sentido? Não ali
     mentam o faminto, nem vestem o nu? 'Não, não é esse o caso: não estão em falta nisto. Mas são tão sem caridade no julgar! Acham que ninguém mais pode salvar-se além dos que seguem o caminho deles'." - Obras de Wesley.
     O declínio espiritual ocorrido na Inglaterra precisamente antes do tempo de Wesley, foi em grande parte o resultado do ensino antinômico. Muitos afirmavam que Cristo abolira a lei moral, a que, portanto, os cristãos não estão na obrigação de a observar; que o crente está livre da "servidão das boas obras." Outros, admitindo embora a perpetuidade da lei, declaravam não ser ela necessária aos ministros a fim de exortarem o povo à obediência de seus preceitos, desde que aqueles a quem Deus elegera para a salvação "seriam, pelo impulso irresistível da graça divina, levados à prática da piedade a virtude," ao passo que os que estavam destinados à condenação eterna "não tinham força para obedecer à lei divina."
     Outros, sustentando também que "os eleitos não podem cair da graça, nem privar-se do favor divino," chegavam à conclusãc ainda mais horrível de que "as ações ímpias que cometem não são realmente pecaminosas, nem devem considerar-se como violação da lei divina por parte deles, a que em conseqüência não têm motivo- quer para confessar os pecados, quer para com os mesmos romper pelo arrependimento." - Enciclopédia de McClintok a Strong, artigo "Antinomias." Declaravam, portanto, que mesmo um dos mais vis pecados, "universalmente considerado como enorme violação da lei divina, não é pecado à vista de Deus," cometido por um dos eleitos, "porque é urn dos característicos essenciais a distintivos dos eleitos o não poderem fazer coisa alguma que seja desagradável a Deus ou proibida pela lei."
     Estas monstruosas doutrinas são essencialmente as mesmas que o ensino posterior dos educadores a teólogos populares, de que não há lei divina imutável como norma do que é reto, mas que o padrão da moralidade é indicado pela própria sociedade, e tem estado constantemente sujeito a mudança. Todas estas idéias são inspiradas pelo mesmo espírito superior, sim, por aquele que mesmo entre os habitantes celestiais, sem pecado, iniciou sua obra de procurar derruir as justas restrições da lei de Deus.
     A doutrina dos decretos divinos, que inalteravelmente fixam o caráter dos homens, havia conduzido muitos à rejeição virtual da lei de Deus. Wesley perseverantemente se opôs aos erros dos ensinadores antinomistas, demonstrando que esta doutrina que levava ao antinomismo é contrária às Escrituras. "A graça de Deus se há manifestado, trazendo salvação a todos os homens." "Isto é bom a agradável diante de Deus nosso Salvador, que quer que todos os homem se salvem, a venham ao conhecimento da verdade. Porque há um só Deus, a um só Mediador entre Deus a os homens, Jesus Cristo homem, o qual Se deu a Si mesmo em preço de redenção por todos." Tito 2:11; 1 Timóteo 2:3-6. O Espírito de Deus é concedido livremente, para habilitar todos os homens a apoderar-se dos meios de salvação. Assim Cristo, "a verdadeira Luz," "ilumina a todo o homem que vem ao mundo." S. João 1:9. Os homens não conseguem a salvação, pela recusa voluntária da luz da vida.
     Em resposta à alegação de que pela morte de Cristo foram abolidos os preceitos do decálogo, juntamente com a lei ceremonial, disse Wesley: "A lei moral, contida nos Dez Mandamentos e encarecida pelos profetas, Cristo não a abrogou. Não era desígnio de Sua vinda revogar qualquer parte da mesma. Ela é uma lei que jamais poderá ser destruída, que 'permanece firme como a fiel testemunha no Céu.' . . . Existiu desde o princípio do mundo, sendo 'escrita não em tábuas de pedra,' mas no coração de todos os filhos dos homens, quando saíram das mãos do Criador. E conquanto as letras que uma vez foram escritas pelo dedo de Deus ora estejam em grande parte apagadas pelo pecado, não podem elas contudo ser totalmente obliteradas, enquanto tivermos qualquer consciência do bem a do mal. Todos os requisitos desta lei devem continuar vigorando para toda a humanidade, a em todos os tempos, não dependendo isto do tempo ou do lugar, nem de qualquer outra circunstãncia sujeita a mudança, mas da natureza de Deus a da natureza do homem, a da imutável relação existente entre um e outro.
     "'Não vim para destruir, mas cumprir' . . .. Inquestionavelmente, o que Ele quer dizer neste passo, em conformidade com tudo que precede a segue, é: Vim para estabelecêla em sua plenitude, a despeito de todas as interpretações dos homens; vim para colocar em uma perspectiva ampla a clara o que quer que nela fosse obscuro; vim para declarar a significação verdadeira e completa de cada parte da lei; para mostrar o comprimento a largura, a extensão total, de cada mandamento nela contido, e a altura a profundidade, a inconcebível pureza a espiritualidade dela, em todas as suas panes." - Obras de Wesley.
     Wesley advogou a harmonia perfeita da lei a do evangelho. "Há, portanto, a mais íntima ligação que se pode conceber, entre a lei e o evangelho. Por um lado a lei continuamente nos abre o caminho para o evangelho, a no-to aponta; por outro, o evangelho nos conduz ao cumprimento mais exato da lei. A lei, por exemplo, exige de nós amar a Deus a ao próximo, sermos mansos, humildes a santos. Sentimos não ser capazes destas coisas; sim, 'isto para o homem é impossível:' mas vemos uma promessa de que Deus nos concederá esse amor, a nos fará humildes, mansos a santos; lançamos mão deste evangelho, destas alegres novas; é-nos feito segundo a nossa fé; a 'a justiça da lei se cumpre em nós,' pela fé em Cristo Jesus . . . .
     "Entre osmais acérrimos inimigos do evangelho de Cristo," disse Wesley, "estão os que aberta a explicitamente 'julgam a lei,' 'falam mal da lei;' ensinam os homens a destruir (anular, afrouxar, desfazer a obrigação de observância), não apenas um dos menores ou dos maiores mandamentos, mas todos eles, de uma vez . ... A mais surpreendente de todas as circunstâncias que acompanham este grande engano, é que os que a ele se entregam crêem que realmente honram a Cristo subvertendo Sua lei, a que estão a engrandecer-Lhe o caráter quando se encontram a destruir Sua doutrina! Sim, honram-nO exatamente como fez Judas, quando disse: 'Eu Te saúdo, Mestre, e o beijou.' E Ele pode de maneira igualmente justa dizer a cada um deles: 'Trais o Filho do homem com um beijo?' Não é outra coisa senão traí-Lo com um beijo, falar de Seu sangue a arrancar-Lhe a coroa, considerando levianamente qualquer parte de Sua lei, sob o pretexto de fazer avançar Seu evangelho. Nem em verdade poderá escapar desta acusação alguém que pregue a fé de qualquer maneira que, direta ou indiretamente, tenda a pôr de parte qualquer ponto de obediência; que pregue a Cristo de modo a, de qualquer forma, anular ou enfraquecer o menor dos mandamentos de Deus." - Obras de Wesley.
     Aos que insistiam em que "a pregação do evangelho responde a todos os fins da lei," Wesley replicava: "Isto negamos expressamente. Não corresponde ao primeiro objetivo da própria lei, a saber: convencer os homens do pecado, despertar aos que ainda dormem às bordas do inferno." O apóstolo S. Paulo declara que "pela lei vem o conhecimento do pecado;" "e antes que o homem esteja convicto do pecado, não sentirá verdadeiramente a necessidade do sangue expiatório de Cristo . . . . 'Não necessitam de médico os que estão sãos,' como nosso Senhor mesmo observa, 'mas, sim, os que estão enfermos.' É, absurdo, portanto, oferecer médico aos que estão sãos, ou que ao menos se imaginam assim. Deveis primeiramente convencê-los de que estão doentes; de outra maneira não vos agradecerão o trabalho. É igualmente absurdo oferecer Cristo àqueles cujo coração está são, não tendo ainda sido quebrantado." Obras de Wesley
     Assim, enquanto pregava o evangelho da graça de Deus, Wesley, a exemplo de seu Mestre, procurava engrandecer a lei e torná-la gloriosa. Fielmente cumpriu a obra que Deus lhe confiara, a gloriosos foram os resultados que the foi permitido contemplar. No final de sua longa vida de mais de oitenta anos - havendo sido mais de meio século empregado no ministério itinerante - seus adeptos declarados eram em número de mais de meio milhão de almas. Mas a multidão que mediante seus labores foi erguida da ruína a degradação do pecado, para vida mais elevada a pura, e o número dos que pelo seu ensino alcançaram experiência mais profunda a mais rica, nunca se conhecerão antes que a família toda dos resgatados seja reunida no reino de Deus. A vida de Wesley apresenta a todo cristão uma lição de inapreciável valor. Oxalá a fé e a humildade, o incansável zelo, o espírito abnegado e a devoção deste servo de Cristo se reflitam nas igrejas de hoje!


 
CAPÍTULO 15

A Escritura Sagrada e a Revolução Francesa

     No século XVI, a Reforms, apresentando ao povo uma Bíblia aberta, procurava admissão em todos os países da Europe. Algumas nações receberam-na corn alegria, como um mensageiro do Céu. Em outras terras o papado conseguiu em grande pane impedir-lhe a entrada; e a luz do conhecimento da Escritura Sagrada, corn sue enobrecedora influência, foi quase totalmente excluída. Em um país, posto que a luz encontrasse entrada, não foi compreendida por cause das muitas trevas. Durante séculos a verdade e o erro lutaram pelo predomínio. Finalmente o real triunfou e a verdade diving foi rejeitada. "Esta é a condenação, que a luz vein ao mundo, a os homens amaram mais as trevas do que a luz." S. João 3:19. Permitiuse que a nação colhesse os resultados da conduta que adotara. A restrição do Espírito de Zeus foi removida de um povo que tinha desprezado o dom de Sua graça. Consentiu-se que o mal chegasse a sazonar. E todo o mundo viu os frutos da rejeiçào voluntária da luz.
     Esta guerre contra a Escritura Sagrada, prosseguida durante Cantos séculos na França, culminou nas cenas da Revolução. Aquela terrível carnificina foi apenas o resultado legítimo da supressão da Escritura por pane de Roma. (Ver Apêndice.) Apresentou -ao mundo o mais flagrante exemplo da operação dos princípios papais - exemplo dos resultados a que por mais de mil anos tendia o ensino da Igreja de Roma.
     A supressão das Escrituras durante o período da supremacia papal, foi predita pelos profetas; e o Revelador (o apóstolo S. João) indica também os terríveis resultados que deveriam sobrevir especialmente à França pelo domínio do "homem do pecado.
     Disse o anjo do Senhor: "Pisarão a santa cidade por quarenta a dois meses. E darei poder às Minhas duas Testemunhas, e profetizarão por roil, duzentos a sessenta dias, vestidas de saco . . . . E, quando acabarem o seu testemunho, a besta que sobe do abismo lhes fará guerra, a os vencerá, a os matará. E jazerão seus corpos mortos na praça da grande cidade que espiritualmente se charm Sodorna a Egito, onde o seu Senhor também foi crucificado . . . . E os que habitam ria Terra se regozijarão sobre eles, a se alegrarão, a mandarão presentes uns aos outros; porquanto estes dois profetas tinham atormentado os que habitam sobre a Terra. E depois daqueles três dias a meio o espírito de vida, vindo de Deus, entrou neles; a puseram-se sobre seus pés, a caiu grande temor sobre os que os viram." Apocalipse 11:2-11.
     Os períodos aqui mencionados - "quarenta a does meses” e "roil, duzentos a sessenta dies" - são o mesmo, representando igualmente o tempo em que a igreja de Cristo deveria sofrer opressão de Roma. Os 1.260 anos da supremacia papal começaram em 538 de nossa era a terminariam, portanto, em 1798. (Ver Apêndice.) Nessa ocasião um exercito trances entrou em Rome a tomou prisioneiro o papa, que morreu no exílio. Posto que logo depois fosse eleito novo papa, a hierarquia papal nunca pôde desde então exercer o poder que antes possuíra.
     A perseguição da igreja não continuou durante o período todo dos 1.260 anos. Deus, em misericórdia pare com Seu povo, abreviou o tempo de sue dolorosa prove. Predizendo a "grande tribulação" a sobrevir à igreja, disse o Salvador: "Se aqueles dies não fossem abreviados, nenhuma carne se salvaria; mas por cause dos escolhidos serão abreviados aqueles dies." S. Mateus 24:22. Pela influência da Reforma, a perseguição veio a termo antes de 1798.
     Relativamente às dues testemunhas, declare mail o profeta: "Estas são as duas oliveiras, a os dois castiçais que estão diante do Deus de toda a Terra." "Tua Palavra," diz o salmista, "f lâmpada para meus pés, a luz para o meu caminho Apocalipse 11:4; Salmo 119:105. As duas testemunhas representam as Escrituras do Velho a Novo Testamentos. Ambos são importantes testemunhas quanto à origem a perpetuidade da lei de Deus Ambos são também testemunhas do plano da salvação. Os tipos, sacrifícios a profecias do Velho Testamento apontam pare um Salvador por vir. Os evangelhos a His epístolas do Novo Testamento falam acerca de um Salvador que veio exatamente da maneira predita pelos tipos a profecias.
     "Profetizarão por mil, duzentos a sessenta dias, vestidas de saco." Durante a maior parte deste período, as testemunhas de Deus permaneceram em estado de obscuridade. O poder papal procurava ocultar do povo a Palavra da verdade a colocar diante dele testemunhas falsas para contradizerem o testemunhc daquela. (Ver Apêndice.) Quando a Bíblia foi proscrita pela autoridade religiosa a secular; quando seu testemunho foi pervertido, fazendo homens a demônios todos os esforços para descobrir como desviar da mesma o espírito do povo; quando os que ousavam proclamar suas sagradas verdades eram acossados, traídos, torturados, sepultados nas celas das masmorras, martirizados por sua fé, ou obrigados a fugir para a fortaleza das montanhas a para as covas a cavernas da Terra - então profetizavam as fiéis testemunhas vestidas de saco. Contudo, continuaram com seu testemunho por todo o período de 1.260 anos. Nos mais obscuros tempos houve fiéis que amavam a Palavra de Deus a eram ciosos de Sua honra. A esses fiéis servos foram dados sabedoria, autoridade a poder para anunciar Sua verdade durante aquele tempo todo.
     "Se alguém lhes quiser fazer mal, fogo sairá da sua boca, e devorará os seus inimigos; e, se alguém lhes quiser fazer mal, importa que assim seja morto." Os homens não poderão impunemente conculcar a Palavra de Deus. O sentido desta terrível declaração é apresentado no capítulo final do Apocalipse: "Eu testifico a todo aquele que ouvir as palavras da profecia deste livro que, se alguém lhes acrescentar alguma coisa, Deus fará vir sobre ele as pragas que estão escritas neste livro; e, se alguém tirar quaisquer palavras do livro desta profecia, Deus tirará a sua parte da árvore da vida, a da cidade santa, que estão escritas neste livro." Apocalipse 11:5; 22:18 a 19.
     Estas são as advertências que Deus deu para guardar os homens de mudar de qualquer maneira o que revelou ou ordenou. Essas solenes declarações de castigo se aplicam a todos os que por sua influência levam os homens a considerar levianamente a lei de Deus. Deveriam fazer tremer aos que petulantemente declaram ser coisa de pouca monta obedecer ou não à lei de Deus. Todos os que exaltem suas próprias opiniões acima da revelação divina, todos os que mudem o sentido claro das Escrituras para acomodá-lo à sua própria conveniência ou pelo motivo de se conformar com o mundo, estão a trazer sobre si terrível responsabilidade. A Palavra escrita, a lei de Deus, aferirá o caráter de todo homem, a condenará a todos a quem esta infalível prova declarar em falta.
     "Quando acabarem [estiverem acabando] seu testemunho . . . ." O período em que as duas testemunhas deveriam profetizar vestidas de saco, finalizou-se em 1798. Aproximando-se elas do termo de sua obra em obscuridade, deveria fazer guerra contra elas o poder representado pela "besta que sobe do abismo." Em muitas das nações da Europa os poderes que governaram na Igreja a no Estado foram durante séculos dirigidos por Satanás, por intermédio do papado. Aqui, porém, se faz referência a uma nova manifestação do poder satânico.
     Fora a política de Roma, sob profissão de reverência para com a Biblia, conservá-la encerrada numa língua desconhecida, ocultando-a do povo. Sob seu domínio as testemunhas profetizaram "vestidas de saco." Mas um outro poder -a besta do abismo - deveria surgir para fazer guerra aberta a declarada contra a Palavra de Deus.
     A "grande cidade" em cujas ruas as testemunhas foram mortas, a onde seus corpos mortos jazeram, é "espiritualmente" o Egito. De todas as nações apresentadas na história biíblica, o Egito, de maneira mais ousada, negou a existência do Deus vivo a resistiu aos Seus preceitos. Nenhum monarca já se aventurou a -ebelião mais aberta a arrogante contra a autoridade do Céu do que o fez o rei do Egito. Quando, em nome do Senhor, a mensagem the fora levada por Moisés, Faraó orgulhosamente, respondeu: "Quem é o Senhor cuja voz eu ouvirei, para deixar it Israel? Não conheço o Senhor, nem tão pouco deixarei it Israel." Exodo 5:2. Isto é ateísmo; e a nação representada pelo Egito daria expressão a uma negação idêntica às reivindicações do Deus vivo, a manifestaria idêntico espírito de incredulidade a desafio. A "grande cidade" é também comparada "espiritualmente" com Sodoma. A corrupção de Sodoma na violação da lei de Deus, manifestou-se especialmente na licenciosidade. E este pecado também deveria ser característico preeminente da nação que cumpriria as especificações deste texto.
     Segundo as palavras do profeta, pois, um pouco antes do ano 1798, algum poder de origem a caráter satânico se levantaria para fazer guerra à Escritura Sagrada. E na terra em que o testemunho das duas testemunhas de Deus deveria assim ser silenciado, manifestar-se-ia o ateísmo de Faraó e a licenciosidade de Sodoma.
     Esta profecia teve exatíssimo a preciso cumprimento na história de França. Durante a Revolução, em 1793, "o mundo pela primeira vez ouviu uma assembléia de homens, nascidos e educados na civilização, a assumindo o direito de governar uma das maiores nações européias, levantar a voz em coro para negar a mais solene verdade que a alma do homem recebe, a renunciar unanimemente à crença na Divindade a culto à mesma." - Vida de Napoleâo Bonaparte, de Sir Walter Scott. "A França é a única nação do mundo relativamente à qual se conserva registro autêntico de que, como nação, se levantou em aberta rebelião contra o Autor do Universo. Profusão de blasfemos, profusão de incrédulos, tem havido a ainda continua a haver, na Inglaterra, Alemanha, Espanha a em outras terras; mas a França fica à parte, na história universal, como o único Estado que, -por decreto da Assembléia Legislativa, declarou não haver Deus, a em cuja capital a população inteira, a vasta maioria em toda parte, mulheres assim como homens, dançaram e cantaram com alegria ao ouvirem a declaração." - Blackwood's Magazine, de novembro de 1870.
     A França também apresentou o característico que mais distinguiu a Sodoma. Durante o período revolucionário mostrouse um estado de rebaixamento moral a corrupção semelhante ao que trouxera destruição às cidades da planície. E o historiador apresenta juntamente o ateísmo e a licenciosidade de França, conforme os dá a profecia: "Ligada intimamente a estas leis que afetam a religião, estava a que reduzia a união pelo casamento - o mais sagrado ajuste que seres humanos podem formar, cuja indissolubilidade contribui da maneira mais eficaz para a consolidação da sociedade - à condição de mero contrato civil de caráter transitório, em que quaisquer duas pessoas poderiam empenhar-se a que, à vontade, poderiam desfazer . . . . Se os demônios se houvessem disposto a trabalhar para descobrir o modo mais eficaz de destruir o que quer que seja venerável, belo ou perdurável na vida doméstica, a de obter ao mesmo tempo certeza de que o mal que era seu objetivo criar se perpetuaria de uma geração a outra, não poderiam ter inventado plano mais eficiente do que a degradação do casamento . . . . Sofia Arnoult, atriz famosa pelos ditos espirituosos que proferia, descreveu o casamento republicano como sendo 'o sacramento do adultério'." - Scott.
     "Onde o seu Senhor também foi crucificado." Esta especificação da profecia também foi cumprida pela França. Em nenhum país fora o espírito de inimizade contra Cristo ostentado mais surpreendentemente. Em nenhum país encontrara a verdade mais atroz a cruel oposição. Na perseguição que a França infligiu aos que professavam o evangelho, crucificou a Cristo na pessoa de Seus discípulos.
     Século após século o sangue dos santos fora derramado. Enquanto os valdenses, "pela palavra de Deus a pelo testemunho de Jesus Cristo," depunham a vida nas montanhas do Piemonte, idêntico testemunho da verdade era dado por seus irmãos, os albigenses de França. Nos dias da Reforma seus discípulos foram mortos com horríveis torturas. Rei a nobres, senhoras de alto nascimento a delicadas moças, o orgulho e a nobreza da nação, haviam recreado os olhos com as agonias dos mártires de Jesus. Os bravos huguenotes, batendo-se pelos direitos que o coração humano preza como os mais sagrados, tinham derramado seu sangue em muitos campos de rudes combates. Os protestantes eram tidos na conta de proscritos, punha-se a preço a sua cabeça a eram acossados como animais selvagens.
     A "igreja no deserto," os poucos descendentes dos antigos cristãos que ainda penavam na França no século dezoito, ocultando-se nas montanhas do sul, acariciavam. ainda a fé de seus pais. Aventurando-se a reunir-se à noite ao lado das montanhas ou dos pauis solitários, eram caçados por cavalarianos a arrastados para a escravidão nas galeras, por toda a vida. "Os mais puros, cultos a inteligentes dos franceses, foram acorrentados, em horríveis torturas, entre ladrões a assassinos." - Wylie. Outros, tratados com mais misericórdia, eram fuzilados a sangue frio, caindo, inermes a desamparados, de joelhos, em oração. Centenas de homens idosos, indefesas mulheres a inocentes crianças eram deixados mortos sobre a terra em seu lugar de reunião. Atravessando-se a encosta das montanhas ou a flores. ta, onde estavam acostumados a reunir-se, não era raro encontrarem-se "a cada passo corpos mortos, pontilhando a relva, e cadáveres a balouçar suspensos das árvores." Seu território, devastado pela espada, pelo machado, pela fogueira, "converteuse em vasto a triste deserto." "Estas atrocidades não eram ordenadas . . . em qualquer , época obscura, mas na era brilhante de Luís XIV. Cultivavam-se então as ciências, as letras floresciam, os teólogos da corte a da capital eram homens doutos e eloqüentes, aparentando perfeitamente as graças da humildade a caridade." -Wylie.
     O mais negro, porem, do negro catálogo de crimes, a mais horrível entre as ações diabólicas de todos os hediondos séculos, foi o massacre de S. Bartolomeu. O mundo ainda recorda com estremecimento de horror as cenas daquele assalto covardíssimo e cruel. O rei de França, com quern sacerdotes a prelados romanos insistiram, sancionou a hedionda obra. Um sino, badalando à noite dobres fúnebres, foi o sinal para o morticínio. Milhares de protestantes que dormiam tranqüilamente em suas casas, confiando na honra empenhada de seu rei, eram arrastados para fora sem aviso prévio a assassinados a sangue frio.
     Como Cristo fora o chefe invisível de Seu povo ao ser tirado do cativeiro egípcio, assim foi Satanás o chefe invisível de seus súditos na horrível obra de multiplicar os mártires. Durante sete dias perdurou o massacre em Paris, sendo os primeiros três com inconcebível fúria. Não se limitou unicamente à cidade, mas por ordem especial do rei estendeu-se a todas as províncias e cidades onde se encontravam protestantes. Não se respeitava nem idade nem sexo. Não se poupava nem a inocente criancinha, nem o homem de cabelos brancos. Nobres a camponeses, velhos a jovens, mães a filhos, eram juntamente abatidos. Por toda a França a carnificina durou dois meses. Pereceram setenta mil da legítima flor da nação.
     "Quando as notícias do massacre chegaram a Roma, a exultação entre o clero não teve limites. O cardeal de Lorena recompensou o mensageiro com mil coroas; o canhão de Santo Ângelo reboou em alegre salva; os sinos tangeram em todos os campanários; fogueiras festivas tornaram a noite em dia; a Gregório XIII, acompanhado dos cardeais a outros dignitários eclesiásticos, foi, em longa procissão, à igreja de S. Luís, onde o cardeal de Lorena cantou o Te Deum . . . . Uma medalha foi cunhada para comemorar o massacre, a no Vaticano ainda se podem ver três frescos de Vasari descrevendo o ataque ao almirante, o rei em conselho urdindo a matança, e o próprio morticínio. Gregório enviou a Carlos a Rosa de Ouro; a quatro meses depois da carnificina, . . . ouviu complacentemente ao sermão de um padre francês, . . . que falou daquele 'dia tão cheio de felicidade a regozijo, em que o santíssimo padre recebeu a notícia, a foi em aparato solene dar graças a Deus e a S. Luís'." - O Massacre de S. Bartolomeu, de Henry White.
     O mesmo espírito sobrenatural que instigou o massacre de S. Bartolomeu, dirigiu também as cenas da Revolução. Foi declarado ser Jesus Cristo um impostor e o grito de mofa dos incrédulos franceses era: "Esmagai o Miserável!" querendo dizer Cristo. Blasfémia que desafiava o Céu a abominável impiedade iam de mãos dadas, a os mais vis dentre os homens, os mais execráveis monstros de crueldade a vício, eram elevados aos mais altos postos. Em -tudo isto, prestava-se suprema homenagem a Satanás, enquanto Cristo, em Seus característicos de verdade, pureza a amor abnegado, era crucificado.
     "A besta que sobe do abismo lhes fará guerra, a os vencerá, e os matará." O poder ateísta que governou em França durante a Revolução a reinado do terror, desencadeou contra Deus e Sua santa Palavra uma guerra como jamais o testemunhara o mundo. O culto à Divindade fora abolido pela Assembléia Nacional. Bíblias eram recolhidas a publicamente queimadas com toda a manifestação de escárnio possível. A lei de Deus era calcada a pés. As instituições das Escrituras Sagradas, abolidas. O dia de repouso semanal foi posto de lado, a em seu lugar cada décimo dia era dedicado à orgia a blasfêmia. O batismo e a comunhão foram proibidos. E anúncios afixados visivelmente nos cemitérios, declaravam ser a morte um sono eterno.
     Disseram estar o temor de Deus tão longe do princípio da sabedoria que era o princípio da loucura. Todo culto religioso foi proibido, exceto o da liberdade a do país. O bispo constitucional de Paris foi obrigado a desempenhar a parte principal na farsa mais impudente a escandalosa que já se levou à cena em face de uma representação nacional . . . . Em plena procissão foi ele empurrado a fim de declarar à Convenção que a religião por ele ensinada durante tantos anos, era, em todo o sentido, uma peça de artimanha padresca, destituída de fundamento tanto na História como na verdade sagrada. Negou em termos solenes a explícitos a existência da Divindade a cujo culto fora consagrado, dedicando-se, para o futuro, à homenagem da liberdade, igualdade, virtude a moralidade. Depôs então sobre a mesa os paramentos episcopais, recebendo fraternal abraço do presidente da Convenção. Vários , padres apóstatas seguiram o exemplo deste prelado." - Scott.
     "E os que habitam na Terra se regozijarão sobre eles, a se alegrarão, a mandarão presentes uns aos outros; porquanto estes dois profetas tinham atormentado os que habitam sobre a Terra." A França incrédula fìzera silenciar a voz reprovadora das duas testemunhas de Deus. A Palavra da verdade jazeu morta em suas ruas, a os que odiavam as restrições a exigências da lei de Deus estavam jubilosos. Os homens publicamente desafiavam o Rei dos Céus. Semelhantes aos pecadores da aniguidade, clamavam: "Como o sabe Deus? ou há conhecimentos no Altíssimo?" Salmo 73:11.
     Com blasfema ousadia, que se diria incrível, disse um dos padres da nova ordem: "Deus, se existis, vingai Vosso nome injuriado. Fu Vos desafio! Conservais-Vos em silêncio; não ousais fazer use de Vossos trovôes. Quem depois disso crerá em Vossa existência?" - História, de Lacretelle, a Historia da Europa, de Alison. Que eco fiel é isto, da pergunta de Faraó: "Quem é o Senhor para que eu obedeça a Sua voz?" "Não conheço o Senhor!"
     "Disse o néscio em seu coração: Não há Deus." Salmo 14:1. E declara o Senhor relativamente aos que pervertem a verdade: "A todos será manifesto o seu desvario." 2 Timóteo 3:9. Depois que a França renunciou ao culto do Deus vivo, "o Alto e o Sublime que habita na eternidade," pouco tempo se passou até descer ela à idolatria degradante, pelo culto da deusa da Razão, na pessoa de uma mulher dissoluta. F isto na assembléia representativa da nação, a pelas suas mais altas autoridades civis a legislativas! Diz o historiador: "Uma das cerimônias deste tempo de loucuras permanece sem rival pelo absurdo combinado com a impiedade. As portas da Convenção foram abertas de par em par a uma banda de música, seguida dos membros da corporação municipal, que entraram em solene procissão, cantando um hino de louvor à liberdade a escoltando, como o objeto de seu futuro culto, uma mulher coberta com um véu, a quem denominavam a deusa da Razão. Levada à tribuna, tirou-se-lhe o véu com grande pompa, a foi colocada à direita do presidente, sendo por todos reconhecida como dançarina da ópera. . .. A essa pessoa, como mais apropriada representante da razão a que adoravam, a Convenção Nacional de França prestou homenagem pública.
     "Essa momice, ímpia a ridícula, entrou em voga; e o instituir a deusa da Razão foi repetido a imitado, por todo o país, nos lugares em que os habitantes desejavam mostrar-se à altura da Revolução." - Scott.
     Disse o orador que apresentou o culto da Razão: "Legisladores! O fanatismo foi substituído pela razão. Seus turvos olhos não poderiam suportar o brilho da luz. Neste dia, imenso público se congregou sob aquelas abóbadas góticas que, pela primeira vez, fizeram ecoar a verdade. Ali, os franceses celebraram o único culto verdadeiro - o da Liberdade, o da Razão. Ali formulamos votos de prosperidade às armas da República. Ali abandonamos ídolos inanimados para seguir a Razzão, esta imagem animada, a obra-prima da Natureza." - História da Revolução Francesa, de Thiers, Vol. 2, págs. 370 a 371.
     Ao ser a deusa apresentada à Convenção, o orador tomou-a pela mão e, voltando-se à assembléia, disse: "Mortais, cessai de tremer perante os trovões impotentes de um Deus que vossos temores criaram. Não reconheçais, doravante, outra divindade senão a Razão. Ofereço-vos sua mais nobre a pura imagem; se haveis de ter ídolos, sacrificai apenas aos que sejam como este . ... Caí perante o augusto Senado da Liberdade, ó Véu da Razão! . . .
     "A deusa, depois de ser abraçada pelo presidente, foi elevada a um carro suntuoso a conduzida, por entre vasta multidão, à catedral de Notre Dame para tomar o lugar da Divindade. Ali foi ela erguida ao altarmor a recebeu a adoração de todos os presentes." - Alison.
     Não muito depois, seguiu-se a queima pública da Escritura Sagrada. Em uma ocasião, "a Sociedade Popular do Museu" entrou no salão da municipalidade, exclamando: "Víve La Raison!" e carregando na extremidade de um mastro cps restos meio queimados de vários livros, entre os quais breviários, missais, e o Velho a Novo Testamentos, livros que "expiavam em grande fogo," disse o presidente, "todas as loucuras que tinham feito a raça humana cometer." - Journal de Pans-, 14 de novembro de 1793 (N° 318).
     Foi o papado que começara a obra que o ateísmo estava a completar. A política de Roma produzira aquelas condições sociais, políticas a religiosas, que estavam precipitando a França na ruína. Referindo-se aos horrores da Revolução, dizem escritores que esses excessos devem ser atribuídos ao trono e à igreja. (Ver Apêndice.) Com estrita justiça devem ser atribuídos à igreja. O papado envenenara a mente dos reis contra a Reforma, como inimiga da coroa, elemento de discórdia que seria fatal à paz a harmonia da nação. Foi o gênio de Roma que por este meio inspirou a mais espantosa crueldade a mortificante opressão que procedeu do trono.
     O espírito de liberdade acompanhava a Bíblia. Onde quer que o evangelho era recebido, despertava-se o povo. Começavam os homens a romper as algemas que os haviam conservado escravos da ignorância, vício a superstição. Começavam a pensar a agir como homens. Os monarcas, ao verem isto, temeram pelo seu despotismo.
     Roma não foi tardia em inflamar seus ciosos temores. Disse o papa ao regente de França em 1525: "Esta mania (o protestantismo), não somente confundirá a destruirá a religião, mas todos os principados, nobreza, leis, ordens a classes juntamente." História dos Protestantes da França, C. de Félice. Poucos anos mais tarde um núncio papal advertiu ao rei: "Majestade, não vos enganeis. Os protestantes subverterão toda a ordem civil a religiosa . . . . O trono está em tão grande perigo como o altar . . . . A introdução de uma nova religião deve necessariamente introduzir novo governo." - História da Reforma no Tempo de Calvino, D'Aubigné. E os teólogos apelavam para os preconceitos do povo, declarando que a doutrina protestante "instiga os homens à novidade a loucura; despoja o rei da dedicada afeição de seus súditos a devasta tanto a Igreja como o Estado.-Assim Roma conseguiu predispor a França contra a Reforma. "Foi para manter o trono, preservar os nobres a conservar as leis, que pela primeira vez se desembainhou na França a espada da perseguição." - Wylie.
     Mal imaginavam os governantes do país os resultados daquela política fatal. O ensino da Escritura Sagrada teria implantado no espírito a no coração do povo os princípios de justiça. temperança, verdade, eqüidade a benevolência, que são a própria pedra basilar da prosperidade da nação. "A justiça exalta as nações." Donde, "com justiça se estabelece o trono." Provérbios 14:34; 16:12. "O efeito da justiça será paz, e a operação da justiça repouso a segurança, para sempre." Isaías 32:17. C que obedece à lei divina é o que melhor respeitará a obedecer.às leis de seu país. O que teme a Deus honrará ao rei no exercício de toda a autoridade justa a legítima. Mas a desditosa França proibiu a Bíblia a condenou seus discípulos. Séculc após século, homens de princípios a integridade, homens de agudeza intelectual a força moral, que tinham coragem de confessar suas convicções a fé para sofrer pela verdade, sim, durante séculos esses homens labutaram corno escravos nas galeras, pereceram na fogueira, ou apodreceram nas celas das masmorras. Milhares a milhares encontraram segurança na fuga; e isto continuou por duzentos a cinqüenta anos depois do início da Reforma.
     "Quase não houve geração de franceses, durante esse longo período, que não testemunhasse os discípulos do evangelho fugindo diante da fúria insana do perseguidor, levando consigo a inteligência, as artes, a indústria, a ordem, nas quaffs, em regra, grandemente se distinguiam, para o enriquecimento das terras em que encontravam asilo. E à medida que enchiam outros países com esses valiosos dons, privavam deles o seu próprio país. Se tudo que então foi repelido se houvesse conservado na França; se, durante esses trezentos anos, a habilidade industrial dos exilados tivesse estado a cultivar seu solo; se durante esses trezentos anos, seu pendor artístico tivesse estado a aperfeiçoar suas indústrias; se durante esses três séculos, seu gênio inventivo a poder analítico tivessem estado a enriquecer sua literatura e a cultivar sua ciência; se a sabedoria deles estivesse a guiar seus conselhos, a bravura a pelejar em suas batalhas e a eqüidade a formular suas leis, a estivesse a religião da Biblia a fortalecer o intelecto e a governar a consciência de seu povo, que glória não circundaria hoje a França! Que país grandioso, próspero a feliz - modelo das nações - não teria ela sido!
     "Mas o fanatismo cego a inexorável baniu de seu solo todo ensinador da virtude, todo campeão da ordem, todo defensor honesto do trono, dizendo aos homens que teriam dado ao país 'renome a glória' na Terra: Escolhei o que quereis: a fogueira ou o exílio. Finalmente a ruína do Estado foi complete; não mais restavam consciências para serem proscritas; não mais religião pare arrastar-se à fogueira; não mais patriotismo pare ser desterrado." - Wylie. E a Revolução, com todos os seus horrores, foi o tremendo resultado.
     "Com a fuga dos huguenotes, um declínio geral baixou sobre a França. Florescentes cidades manufatureiras caíram em decadência; férteis distritos voltaram a sue natural rusticidade; embotamento intelectual a decadência moral sucederam-se a um período de desusado progresso. Paris tornou-se um vasto asilo de mendicidade, a calcula-se que, ao romper a Revolução, duzentos mil pobres reclamavam caridade das mãos do rei. Somente os jesuítas floresciam na nação decadente, a governavam corn terrível tirania sobre escolas a igrejas, prisões a galés."
     O evangelho teria proporcionado à França a solução dos problemas politicos a sociais que frustravam a habilidade de seu clero, seu rei a seus legisladores, a que finalmente mergulharam a nação na anarquia a ruína. Sob o domínio de Roma, porém, o povo tinha perdido as benditas lições do Salvador acerca do sacrifício a amor abnegado. Tinham sido afastados da prática da abnegação em favor dos outros. Os ricos não haviam recebido repreensão alguma por sue opressão aos pobres; estes, nenhum auxilio pale sue servidão a degradação. O egoísmo dos abastados a poderosos se tornou mail a mais visível z opressivo. A cobiça e a dissolução dos nobres, durante séculos, tiveram como resultado a esmagadora extorsão pare com os camponeses. Os ricos lesavam os pobres, a estes odiavam aqueles.
     Em muitas províncias as propriedades eram conservadas pelos nobres, sendo as classes trabalhadoras apenas arrendatárias; achavam-se à mercê dos proprietários a obrigados a sujeitar-se às sues exigências escorchantes. O encargo de sustentar tanto a Igreja como o Estado recaía sobre as classes média a baixa, pesadamente-oneradas pales autoridades civis a pelo clero. "O capricho . dos nobres arvorava-se em lei supreme; os lavradores e camponeses podiam perecer de force sem qua isso comovesse os opressores . . . . O povo era obrigado a consultar sempre o interesse exclusivo do proprietário. A vida dos trabalhadores agrícolas era de labuta incessante a miséria sem alívio; suss queixas, se é que ousavarn queixar-se, eram tratadas com insolente desprezo. Os tribunais de justiça ouviam sempre ao nobre de preferência ao camponês; os juízes aceitavam abertamente o suborno, e o mais simples capricho da aristocracia tinha força de lei, em virtude deste sistema de corrupção universal. Dos impostor extorquidos do povo comum, pelos magnatas seculares de um lado a pelo clero do outro, nem a metade sequer tinha acesso ao tesouro real ou episcopal; o resto era desbaratado em condescendências imorais. E os mesmos homens que assim empobreciam seus compatriotas, estavam isentos de impostos, e, pals lei a costumes, com direitos a todos os cargos do Estado. Os membros das classes privilegiadas orçavam por ups canto a cinqüenta mil, a para a satisfação delas, milhões estavam condenados a levar uma vida de degradação irremediável." (Ver Apêndice.)
     A come achava-se entregue ao luxo e à libertinagem. Pouca confiança existia entre o povo a os governantes. Prendia-se a todos os atos do governo a suspeita de serem mal interpretados e egoístas. Durante mais de meio século antes do tempo da Revolução, o trono foi ocupado por Luís XV qua, mesmo naqueles maus tempos, se distinguiu como monarca indolente, frívolo e sensual. Com uma aristocracia depravada a cruel, uma classe inferior empobrecida a ignorante, achando-se o Estado em embaraços financeiros, e o povo exasperado, não se necessitava do olhar de profeta para prever uma iminente a terrível erupção. Às advertências de seus conselheiros estava o rei acostumado a responder: "Procurai fazer com qua as coisas continuem tanto tempo quanto eu provavelmente possa viver; depois de minha morte, seja como for." Era em vão qua se insistia sobre a necessidade de reforms. Ele via os males, mss não tinha nem a coragem nem a força para enfrentà-los. Sua resposta indolente a egoísta sintetizava, com verdade, a sorte qua aguardava a França: "Depois de mim, o dilúvio!"
     Valendo-se dos ciúmes dos refs a das classes governantes, Roma os influenciara a conservar o povo na escravidão, bem sabendo que o Estado assim se enfraqueceria, tendo por este meio o propósito de firmar em seu cativeiro tanto príncipes como o povo. Com política muito previdente, percebeu que, para escravizar os homens de modo eficaz, deveria algemar-lhes a alma; que a maneira mais certa de impedi-los de escapar de seu cativeiro era torná-los incapazes de libertar-se. Mil vezes mais terrível do que o sofrimento físico que resultava de sua política, era a degradação moral. Despojado da Escritura Sagrada, a abandonado ao ensino do fanatismo a egoísmo, o povo estava envolto em ignorância a superstição, submerso no vício, achandose, destarte, completamente inapto para o governo de si próprio.
     Mas a conseqüência de tudo isto foi grandemente diversa do que Roma tivera em mira. Em vez de manter as massas populares em submissão cega aos seus dogmas, sua obra teve como resultado torná-las incrédulas a revolucionárias. Desprezavam o romanismo como uma artimanha do clero. Consideravam-no como um partido que as oprimia. O único deus que conheciam era o deus de Roma; seu ensino era a única religião que professavam. Consideravam sua avidez a crueldade como os legítimos frutos da Bíblia, da qual nada queriam saber.
     Roma tinha representado falsamente o caráter de Deus e pervertido Seus mandamentos, a agora os homens rejeitavam tanto a Escritura Sagrada como seu Autor. Exigira fé cega nos seus dogmas, sob o pretenso apoio das Escrituras. Na reação, Voltaire a seus companheiros puseram inteiramente de lado a Palavra de Deus, disseminando por toda pane o veneno da incredulidade. Roma calcara o povo sob seu tacão de ferro; agora as massas, degradadas a embrutecidas, ao sublevarem-se contra a tirania, arrojaram de si toda a restrição. Enraivecidos com o disfarçado embuste a que durante tanto tempo haviam prestado homenagem, rejeitaram a um tempo a verdade e a falsidade; a erroneamente tomando a libertinagem pela liberdade, os escravos do vício exultaram em sua liberdade imaginária.
     No início da Revolução foi, por concessão do rei, outorgada ao povo uma representação mais numerosa do que a dos nobres a do clero reunidos. Assim a balança do poder estava em suas mãos; mas não se achavam preparados para fazer use deste poder com sabedoria a moderação. Ávidos de reparar os males que tinham sofrido, decidiram-se a empreender a reconstrução da sociedade. Uma turba ultrajada, cujo espírito estava de há muito pejado de dolorosas lembranças, resolveu sublevarse contra aquele estado de miséria que se tornara insuportável, vingando-se dos que considerava como responsáveis por seus sofrimentos. Os oprimidos puseram em prática a lição que tinham aprendido sob a tirania, a tornaram-se os opressores dos que os haviam oprimido.
     A desditosa França ceifou em sangue a messe do que semeara. Terríveis foram os resultados de sua submissão ao poder subjugador de Roma. Onde a França, sob a influência do romanismo, acendera a primeira fogueira ao começar a Reforma, erigiu a Revolução a sua primeira guilhotina. No local em que os primeiros mártires da fé protestante foram queimados no século dezesseis, as primeiras vítimas foram guilhotinadas no século dezoito. Rejeitando o evangelho que the teria trazido cura, a França abrira a porta à incredulidade a ruina. Quando as restrições da lei de Deus foram postas de lado, verificou-se que as leis dos homens eram impotentes para sustar a avassalante onda da paixão humana; e a nação descambou para a revolta e anarquia. A guerra contra a Bíblia inaugurou uma era que se conserva na História Universal como "o reinado do terror." A paz e a felicidade foram banidas dos lares a do coração dos homens. Ninguém se achava seguro. O que hoje triunfava era alvo de suspeitas a condenado amanhã. A violência e a cobiça exerciam incontestável domínio.
     Rei, clero a nobreza foram obrigados a submeter-se às atrocidades do povo excitado a enlouquecido, cuja sede de vingança subiu de ponto com a execução do rei; a os que haviam decretado sua morte logo o seguiram no cadafalso. Foi ordenado um morticínio geral de todos os que eram suspeitos de hostilizar a Revolução. As prisões estavam repletas, contendo em certa ocasião mais de duzentos mil prisioneiros. Multiplicavamse nas cidades do reino as cenas de horror. Um partido dos revolucionários era contra outro, e a França tornou-se um vasto campo de massas contendoras, dominadas pela fúria das paixões. "Em Paris, tumulto sucedia a tumulto, a os cidadãos estavam divididos numa mistura de facções, que não pareciam visar coisa alguma a não ser a exterminação mútua." E para aumentar a miséria geral, a nação envolveu-se em prolongada a devastadora guerra com as grandes potências da Europa. "O país estava quase falido, o exército a clamar pelos pagamentos em atraso, os parisienses passando fome, as províncias taladas pelos salteadores, e a civilização quase extinta em anarquia e licenciosidade."
     Muito bem havia o povo aprendido as lições de crueldade e tortura que Roma tão diligentemente ensinara. Chegara finalmente o dia da retribuição. Não eram mais os discípulos de Jesus que se arrojavam nas masmorras a arrastavam à tortura. Havia muito tempo que esses tinham perecido, ou sido expulsos para o exílio. Roma, inexorável, sentia agora o poder mortífero daqueles a quem havia ensinado a deleitar-se nas práticas sanguinárias. "O exemplo de perseguição que o clero de França por tantos séculos dera abertamente, achava-se agora revertido contra ele mesmo com assinalado vigor. Os cadafalsos estavam tintos do sangue dos sacerdotes. As galés a prisões, que em outro tempo se povoaram de huguenotes, estavam agora repletas de seus perseguidores. Acorrentados ao banco ou labutando com os remos, o clero católico romano experimentou todas as desgraças que sua igreja tão livremente infligira aos benignos hereges." (Ver Apêndice.)
     "Vieram então os dias em que o mais bárbaro dos códigos foi posto em vigor pelo mais bárbaro dos tribunais; em que ninguém poderia saudar os vizinhos ou fazer orações . . . sem perigo de cometer um crime capital; em que espias se emboscavam de todos os lados; em que todas as manhãs a guilhotina funcionava em trabalho rápido a prolongado; em que as cadeias estavam tão cheias como a custódia de um navio de escravos; em que, nas sarjetas, o sangue corria espumante para o Sena . . . . Enquanto diariamente carradas de vítimas eram levadas ao seu destino através das ruas de Paris, os procônsules, a quem a comissão soberana enviara aos departamentos, recreavam-se extravagantemente com crueldade desconhecida mesmo na capital. O cutelo da máquina mortífera levantava-se demasiado vagarosamente para a obra de morticínio. Longas fileiras de prisioneiros eram ceifadas a metralha. Faziam-se rombos no fundo dos barcos repletos. Lião se tornou um deserto. Arras, mesmo a cruel misericórdia de uma morte rápida era negada aos prisioneiros. Por toda a extensão do Loire, de Saumur até à desembocadura no oceano, grandes bandos de corvos a milhanos banqueteavam-se nos cadáveres nus, juntamente irmanados em hediondos abraços. Não se mostrava misericórdia a sexo ou idade. O número de moços a moças de dezessete anos que foram assassinados por aquele governo execrável, deve ser computado às centenas. Criancinhas arrancadas dos seios eram arrojadas, de chuço em chuço, ao longo das fileiras jacobinas." (Ver Apêndice.)
     No curto espaço de dez anos, pereceram multidões de criaturas humanas.
     Tudo isto foi como Satanás queria. Durante séculos se empenhara por consegui-lo. Sua política é o engano desde o princípio até ao fim, a seu propósito fixo é acarretar a desgraça e a miséria aos homens, desfigurar a aviltar a obra de Deus, desvirtuar os propósitos divinos de benevolência a amor, ocasionando assim o pesar no Céu. Então, por suas artes ilusórias, cega o espírito dos homens, induzindo-os a responsabilizar a Deus pelos males de sua obra, como se toda essa miséria fosse resultado do plano do Criador. De igual modo, quando os que foram degradados a embrutecidos pelo seu poder cruel alcançam a liberdade, ele os compele a excessos a atrocidades. Então este quadro de desenfreada licenciosidade é apontado pelos tiranos a opressores como ilustração dos resultados da liberdade.
     Quando é descoberto o erro sob um aspecto, Satanás apenas o mascara sob disfarce diverso, a as multidões o recebem tão avidamente como a princípio. Quando o povo descobriu ser o romanismo-um engano, a Satanás não pôde por este agente levá-lo à transgressão da lei de Deus, compeliu-o a considerar todas as religiões como fraude e a Escritura Sagrada como fábula; e, pondo de lado os estatutos divinos, entregaram-se a desenfreada iniqüidade.
     O erro fatal que trouxe semelhante desgraça aos habitantes da França, foi a ignorância desta única a grande verdade: que a genuína liberdade reside dentro das prescrições da lei de Deus. "Ah! se tivesses dado ouvidos aos Meus mandamentos! Então seria a tua paz como o rio, e a tua justiça como as ondas do mar." "Os ímpios não têm paz, disse o Senhor." "Mas o que Me der ouvidos habitará seguramente, a estará descansado do temor do mal." Isaías 48:18 a 22; Provérbios 1:33.
     Ateus, incrédulos a apóstatas opunham-se à lei de Deus e acusavam-na; mas os resultados de sua influência provam que o bem-estar do homem se prende à obediência aos estatutos divinos. Os que não leram esta lição no Livro de Deus, são convidados a lê-Ia na história das nações.
     Quando Satanás agiu mediante a igreja de Roma a fim de desviar os homens da obediência, fê-lo ocultamente a com disfarce tal, que a degradação e a miséria resultantes nem foram vistas como sendo o fruto da transgressão. E seu poder foi tão grandemente contrabalançado pela operação do Espírito de Deus, que seus propósitos não lograram alcançar completa realização. O povo não ligava o efeito à causa, nem descobria a fonte de suas misérias. Na Revolução, porém, a lei de Deus foi abertamente posta de lado pelo Conselho Nacional. E no reinado do terror que se seguiu, todos puderam ver a operação de causa a efeito.
     Quando a França publicamente rejeitou a Deus a pôs de parte a Escritura Sagrada, os homens ímpios a os espíritos das trevas exultaram com a consecução do objetivo havia tanto acalentado - urn reino livre das restrições da lei de Deus. Porque a sentença contra uma obra má não fosse imediatamente executada, o coração dos filhos dos homens ficou "inteiramente disposto para praticar o mal." Eclesiastes 8:11. Mas datransgressão de uma lei justa a reta deve inevitavelmente resultar a miséria a ruína. Conquanto não fosse de pronto visitada com juízos, a impiedade dos homens estava, não obstante, operando seguramente a sua condenação. Séculos de apostasia a crime tinham estado a acumular a ira para o dia da retribuição; e. quando se completou sua iniqüidade, os desprezadores de Deus aprenderam demasiado tarde que coisa terrível é haver esgotado a paciência divrina. O moderador Espírito de Deus, que põe limite ao poder cruel de Satanás, foi removido em grande medida, permitindo-se que realizasse a sua vontade aquele cujo único deleite consiste na miséria humana. Os que haviam escolhido servir à rebelião, foram deixados a colher seus frutos, até que a Terra se encheu de crimes demasiado horrendos para que a pena os descreva. Das províncias devastadas a cidades arruinadas ouviu-se urn grito terrível - grito de amargurada angústia. A França foi abalada como se fosse por um terremoto. Religião, leis, ordem social, família, Estado, Igreja, tudo foi derribado pela mão ímpia que se insurgira contra a lei de Deus. Com verdade disse o sábio: "O ímpio cairá pela sua própria impiedade." "Ainda que o pecador faça mal cem vezes, a os dias se the prolonguem, eu sei com certeza que bem sucede aos que temem a Deus, aos que temerem diante dEle. Mas ao ímpio não irá bem." Eclesiastes 8:12 a 13. "Aborreceram o conhecimento; a não preferiram o temor do Senhor;" "portanto, comerão, do fruto do seu caminho, a fartar-se-ão dos seus próprios conselhos." Provérbios 1:29 a 31.
     As fiéis testemunhas de Deus, mortas pelo poder blasfemo que subiu "do abismo," não deveriam por muito tempo ficar em silêncio. "Depois daqueles três dias a meio, o espirito de vida, vindo de Deus, entrou neles; a puseram-se sobre seus pés, e caiu grande temor sobre os que os viram." Apocalipse 11:11. Foi em 1793 que os decretos que aboliam a religião cristã a punham de parte a Escritura Sagrada, passaram na Assembléia francesa. Três anos a meio mais tarde foi adotada pelo mesmo corpo legislativo uma resolução que ab-rogava esses decretos, concedendo assim tolerância às Escrituras. O mundo ficou estupefato ante a enormidade dos crimes que tinham resultado da rejeição dos Oráculos Sagrados, a os homens reconheceram a necessidade da fé em Deus a em Sua Palavra como fundamento da virtude a moralidade. Diz o Senhor: "A quem atrontaste e de quem blasfemaste? E contra quem alçaste a voz, a erguesto os teus olhos ao alto? Contra o Santo de Israel." Isaías 37:23. "Portanto, eis que lhes faréi conhecer, desta vez lhes farei conhecer a Minha mão e o Meu poder; a saberão que o Meu nome é o Senhor." Jeremias 16:21.
     Relativamente às duas testemunhas, declara o profeta ainda: "E ouviram uma grande voz do Céu, que lhes dizia: Subi cá. E subiram ao Céu em uma nuvem: a os seus inimigos os viram." Apocalipse 11:12. Desde que a França fez guerra às duas testemunhas de Deus, elas têm sido honradas como nunca dantes. Em 1804 foi organizada a Sociedade Bíblica Britânica a Estrangeira. Seguiram-se-lhe organizações semelhantes, com numerosas filiais no continente europeu. Em 1816 fundou-se a Sociedade Biblica Americana. Quando se formou a Sociedade Britânica, a Biblia havia sido impressa a circulara em cinqüenta línguas. Desde então foi traduzida em mais de mil línguas a dialetos [1939]. (Ver Apêndice.)
     Durante os cinqüenta anos anteriores a 1792, pouca atenção se dera à obra das missões estrangeiras. Nenhuma nova sociedade se formou, a não havia senão poucas igrejas que envidavam algum esforço para a propagação do cristianismo nas terras gentílicas. Mas pelo fìm do século dezoito, grande mudança ocorreu. Os homens se tornaram descontentes com os resultados do racionalismo a compenetraram-se da necessidade da revelação divina a da religião experimental. Desde esse tempo a obra das missões estrangeiras tem atingido crescimento sem precedentes. (Ver Apêndice.)
     Os aperfeiçoamentos da imprensa deram impulso à obra da circulação da Escritura Sagrada. As ampliadas facilidades de comunicação entre os diferentes países, a derrocada de antigas barreiras de preconceitos a exclusivismo nacional, e a perda do poder secular pelo pontítice de Roma, têm aberto o caminho para a entrada da Palavra de Deus. Há anos a Biblia tem sido vendida sem restrições nas ruas de Roma, a atualmente está sendo levada a cada parte habitável do globo.
     O incrédulo Voltaire jactanciosamente disse certa vez: "Estou cansado de ouvir dizer que doze homens estabeleceram a religião cristã. Eu provarei que basta um homem para suprimi-la." Faz mais de um século que morreu. Milhões têm aderido à guerra contra a Escritura Sagrada. Mas tão longe está de ser destruída que, onde havia cem no tempo de Voltaire, há hoje dez mil, ou antes, cem mil exemplares do Livro de Deus. Nas palavras de um primitivo reformador, relativas à igreja cristã, a "Biblia é uma bigorna que tem gasto muitos martelos." Disse o Senhor: "Toda a ferramenta preparada contra ti, não prosperará; a toda a língua que se levantar contra ti em juízo, to a condenarás." Isaías 54:17.
     "A Palavra de nosso Deus subsiste eternamente." "Fiéis [são] todos os Seus mandamentos. Permanecem fìrmes para todo o sempre; são feitos em verdade a retidão." Salmo 111:7 a 8. O que quer que seja edificado sobre a autoridade do homem será destruído; mas subsistirá eternamente o que se acha fundado sobre a rocha da imutável Palavra de Deus.


 
CAPÍTULO 16

O Mais Satrrado Direito do Homem

     Os reformadores ingleses, conquanto renunciassem às doutrinas do romanismo, retiveram muitas de suas formas. Assim, posto que rejeitados a autoridade e o credo de Roma, não poucos de seus costumes a cerimônias foram incorporados ao culto da Igreja Anglicana. Alegava-se clue essas coisas não constituíam questões de consciência, a que, embora não ordenadas nas Escrituras, a conseguintemente não essenciais, não eram más em si mesmas, visto não serem proibidas. Sua observâncià tendia a diminuir o abismo que separava de Roma as igrejas reformadas, a insistia-se que promoveriam a aceitação da fé protestante pelos romanistas.
     Aos conservadores a condescendentes, pareciam decisivos estes argumentos. Havia, porém, outra classe que assim não pensava. O fato de que esses costumes "tendiam a lançar uma ponte sobre o abismo entre Roma e a Reforma" (Martyr), era em sua opinião um argumento concludente contra o retê-los. Olhavam para eles como distintivos da escravidão de que haviam sido libertados, a para a qual não se sentiam dispostos a voltar. Raciocinavam que Deus, em Sua Palavra, estabeleceu regras para ordenar o Seu culto, a que os homers não estão na liberdade de acrescentar a essas regras ou delas tirar qualquer coisa. O princípio mesmo da grande apostasia consistiu em procurar fazer da autoridade da igreja um suplemento da autoridade de Zeus. Roma começou por ordenar o que Deus não tinha proibido, a acabou por proibir o qua Ele havia explicitamente ordenado.
     Muitos desejavam fervorosamente voltar à pureza a simplicidade qua caracterizavam a igreja primitive. Consideravam muitos dos costumes estabelecidos pale Igreja Anglicans como monumentos da idolatria, a não podiam conscienciosamente unirse a seu culto. Mas a igreja, apoiada pale autoridade civil, não permitia opiniões contrárias às sues formas. A assistência aos seus serviços religiosos era exigida por lei, a proibiam-se as assembléias pare culto religioso qua não tivessem autorização, sob pens de encarceramento, exílio a morte.
     No início do século XVII, o monarca qua acabara de subir ao trono da Inglaterra declarou sue decisão de fazer com qua os puritanos "se conformassem ou . . . oprimi-los-ia pare saírem do país, ou faria coisa pior." -História dos Estados Unidos da América, George Bancroft. Acossados, perseguidos a aprisionados, não podiam divisar no futuro vislumbres de melhores dies, e muitos chegaram à convicção de qua, para os qua quisessem servir a Deus segundo os ditames de sue consciência, "a Inglaterra estava deixando de ser pare sempre um lugar habitável." História da Nova Inglaterra, J. G. Palfrey. Alguns resolveram, por fim, buscar refúgio na Holanda. Arrostaram dificuldades, prejuízos a prisão. Seus intuitos foram contrariados, a ales entregues às mãos de seus inimigos. Mas a inabalável perseverança venceu finalmente, a encontraram abrigo nas praias amigas da República holandesa.
     Lm sue fuga deixaram cases, bans a meios de vide. Eram estrangeiros em terra estranha, entre um povo de lingua a costumes diferentes. Foram obrigados a recorrer a ocupações novas e a qua não estavam afeitos, a fim de ganhar o pão. Homens de meia-idade, qua haviam despendido a vide no cultivo do solo, tiveram agora de aprender ofícios mecânicos.. Animosamente, porém, enfrentaram a situação, a não perderam tempo em ociosidade ou murmurações. Posto qua muitas vezes premidos-pela pobreza, agradeciam a Deus as bênçãos qua ainda lhes eram concedidas, a encontravam alegria na tranqüila comunhão espiritual. "Sabiam qua eram peregrinos, a não olhavam muito pare essas coisas, mas levantavam os olhos ao Céu, seu mais caro país, a acalmavam o espírito." - Bancroft.
     Em meio de exilio a agruras, cresciam o amor e a fé. Con'fïavam nas promessas do Senhor, a Ele não faltava com elas no tempo de necessidade. Seus anjos estavam a seu lado, pare animá-los a ampará-los. E, quando a mão de Deus pareceu apontar-Ihes através do mar uma terra em que poderiam fundar pare si um Estado a deixar a seus fïlhos o precioso legado da liberdade religiosa, seguiram eles, sem se arrecear, pela senda da Providência.
     Deus permitira que viessem provações a Seu povo a fïm de prepará-lo pare o cumprimento de Seu misericordioso propósito em relação a ele. A igreja sofrera humilhações, pare que pudesse ser exaltada. Deus estava a ponto de ostentar o Seu poder em favor dela, pare dar ao mundo outra prove de que não abandonará os que nEle confiam. Dispusera os acontecimentos de maneira a fazer com que a ire de Satanás a as tramas de homens maus promovessem a Sua glória a levassem Seu povo a um lugar de segurança. A perseguição e o exilio estavam abrindo o caminho pare a liberdade.
     Quando constrangidos pela primeira vez a separar-se da Igreja Anglicans, os puritanos se uniram em solene concerto, como o povo livre do Senhor, "pare andarem juntos em todos os Seus caminhos, por eles conhecidos ou a serem conhecidos." Ds Pals Peregrinos, J. Proven. Ali estava o verdadeiro espírito da Reforms, o princípio vital do protestantismo. Foi com este intuito que os peregrinos partiram da Holanda pare buscar um lar no Novo Mundo. João Robinson, seu pastor, que providenciálmente foi impedido de os acompanhar, em sue alocução de despedida aos exilados, disse:
     "Irmãos: Em breve havemos de separar-nos, a só o Senhor sate se viverei pare que de novo veja o vosso rosto. Mas, seja qual for a diving vontade, conjuro-vos perante Deus a Seus santos anjos que não me sigais além do que eu haja seguido a Cristo. Se Dens vos reveler algo mediante qualquer outro instrumento Seu, sede tão prontos pare recebê-lo como sempre fostes pare acolher qualquer verdade por intermédio de meu ministério; pois estou seguro de que o Senhor tem mais verdade a luz, a irradiar de Sua Palavra." - Mate.
     "De minha parte, não posso deplorar suficientemente a condição das igrejas reformadas, que, em religião, chegaram a um período estaciónário, a não irão agora mais longe do que os instrumentos de sue reforms. Os luteranos não poderão ser arrastados a it além do que Lutero viu; . . . e os calvinistas, vós os vedes, estacam onde foram deixados por aquele grande homem de Deus, que não vira contudo todas as coisas. Esta é uma calamidade muito pare se lamentar; pois, embora fossem fuzes a arder a brilhar em seu tempo, não penetraram em todo o conselho de Deus; mss, se vivessem hoje, estariam tão dispostos a receber mais luz como o estiveram pare aceitar a que a princípio acolheram." - História dos Puritanos, D. Neal.
     "Lembrai-vos de vosso concerto com a igreja, no qual concordastes em andar em todos os caminhos do Senhor, já revelados ou por serem ainda revelados. Lembrai-vos de vossa promessa a concerto com Deus, a de uns com os outros, de aceitar qualquer luz a verdade que se vos fïzesse conhecida pela Palavra escrita; mss, além disso, tende cuidado, eu vos rogo, com o que recebeis por verdade, a comparai-o, pesai-o com outros textos da verdade antes de o aceitar; pois não é possível que o mundo cristão, depois de haver por lento tempo permanecido em tão densas trevas anticristãs, obtivesse de pronto um conhecimento perfeito em lodes as coisas." - Martyn.
     Foi o desejo de liberdade de consciência que inspirou os peregrinos a enfrentar os perigos da longs jornada através do mar, a suportar as agruras a riscos das selves a lançar, com a bênção de Deus, nas praias da América, o fundamento de uma poderosa nação. Entretanto, sinceros a tementes a Deus comp eram, os peregrinos não compreendiam ainda o grande princípio da liberdade religiosa. A liberdade, por cuja obtenção tanto se haviam sacrifïcado, não estavam igualmente dispostos a conceder a outros. "Muito poucos, mesmo dentre os mais eminentes pensadores a moralistas do século XVII, tinham exata concepção do grandioso princípio - emanado do Novo Testamemo que reconhece a Deus como único juiz da fé human.." Martyn.
     A doutrina de que Deus confiara à igreja o direito de reger a, consciência a de definir a punir a heresia, é um dos erros papais mais profundamente arraigados. Conquanto os reformadores rejeitassem o credo de Roma, não estavam inteiramente livres de seu espírito de intolerância. As densas trevas em que, através dos longos séculos de domínio, havia o papado envolvido a cristandade inteira, não tinham sido mesmo então completamente dissipadas. Disse um dos princïpais ministros da colônia da Baía de Massachusetts: "Foi a tolerância que tornou o mundo anti-cristão; e a igreja nunca sofreu dano com a punição dos hereges." - Martyn. Foi adotado pelos colonos o regulamento de que apenas membros da igreja poderiam ter voz ativa no governo civil. Formou-se uma espécie de Estado eclesiástico, exigindo-se de todo o povo que contribuísse para o sustento do clero, concedendo-se aos magistrados autorização para suprimir a heresia. Assim, o poder secular encontrava-se was mãos da igreja. Não levou muito tempo a que estas medidas tivessem o resultado inevitável: a perseguição.
     Onze anos depois do estabelecimento da primeira colônia, Rogério Williams vein ao Novo Mundo. Semelhantemente aos. primeiros peregrinos, viera para gozar de liberdade religiosa; mas, divergindo deles, viu (o que tão poucos em seu tempo já haviam visto) que esta liberdade é direito inalienável de todos, seja qual for o credo professado. Era ele fervoroso inquiridor da verdade, sustentando, juntamente com Robinson, ser impossível que toda a luz da Palavra de Deus já houvesse sido rece- bida. Williams "foi a primeira pessoa da cristandade moderna a estabelecer o governo civil sobre a doutrina da liberdade de consciência, da igualdade de opiniões perante a lei." - Bancroft. Declarou ser o dever do magistrado restringir o crime, mas nunca dominar a consciência. "O público ou os magistrados podem decidir," disse, "o que é devido de homem para homem; mas, quando .tentam prescrever os deveres do homem para com Deus, estão fora de seu lugar, a não poderá haver segurança; pois é claro que, se o magistrado tern esse poder, pole decretar um conjunto de opiniões ou crenças hoje a outro amanhã, como tem sido feito na Inglaterra por diferentes refs a rainhas, e por diferentes papas a concilios na igreja romana, de maneira que semelhante crença degeneraria em acervo de confusão." – Martyn
     A assistência aos cultos da igreja ofìcial era exigida sob pena de multa ou prisão. "Williams reprovou a lei; o pior regulamento do Código inglês era o que tornava obrigatória a assistência à igreja da paróquia. Obrigar os homens a unirem-se aos de credo diferente, considerava ele como flagrante violação de seus direitos naturais; arrastar ao culto público os irreligiosos a os que não queriam, apenas se assemelhava a exigir a hipocrisia . . . .'Ninguém deveria ser obrigado a fazer culto,' acrescentava ele, 'ou custear um culto, contra a sua vontade.' 'Pois quê?' exclamavam seus antagonistas, aterrados com os seus dogmas, 'não é o obreiro digno de seu salário?' 'Sim,' replicou ele, 'dos que o assalariam'." - Bancroft.
     Rogério Williams era respeitado a amado como ministro fìel e homem de raros dons, de inflexível integridade a verdadeira benevolência; contudo, sua inabalável negação do direito dos magistrados civis à autoridade sobre a igreja, a sua petição de liberdade religiosa, não podiam ser toleradas. A aplicação desta nova doutrina, dizia-se insistentemente, 'subverteria o fundamento do Estado a do governo do país." - Bancroft. Foi sentenciado a ser banido das colônias, a fìnalmente, para evitar a prisão, obrigado a fugir para a floresta virgem, debaixo do frio a das tempestades do inverno.
     "Durante catorze semanas," diz ele, "fui dolorosamente torturado pelas inclemências do tempo, sem saber o que era pão ou cama." Mas "os corvos me alimentaram no deserto." E uma árvore oca muitas vezes the serviu de abrigo. - Martyn. Assim continuou a penosa fuga através da neve a das ínvias florestas, até que encontrou refúgio numa tribo indígena, cuja confïança e afeição conquistara enquanto se esforçava por lhes ensinar as verdades do evangelho.
     Tomando fïnalmente, depois de mews de vicissitudes a vagueações, rumo às praias da Baía de Narragansett, lançou ali os fundamentos do primeiro Estado dos tempos modernos que, no mais amplo sentido, reconheceu o direito da liberdade religiosa.
     O princípio fundamental da colônia de Rogério Williams era "que todo homem teria liberdade pare adorer a Deus segundo os ditames de sue própria consciência." - Martyn. Seu pequeno Estado - Rhode Island -tornou-se o refúgio dos oprimidos, e cresceu a prosperou até que sews princípios básicos - a liberdade civil a religiosa - se tornaram as pedras angulares da República Americana.
     No grandioso a amigo documento que aqueles homens estabeleceram como a carte de seas direitos - a Declaração de Independência - afirmavam: " Consideramos como verdade evidente que todas as pessoas foram criadas iguais; que foram dotadas por sea Criador de certos direitos inalienáveis, encontrando-se entre estes a vide, a liberdade e a busca da felicidade." E a Constituição garante, nos termos mais explícitos, a inviolabilidade da consciência: "Nenhum requisito religioso jamais se exigirá como qualificação pare qualquer cargo de confiança pública nos Estados Unidos." "O Congresso não fará nenhuma lei que estabeleça uma religião ou proiba sea livre exerciclo.
     "Os elaboradores da Constituição reconheceram o eterno princípio de que a relação do homem pare com o sea Deus está acima de legislação humane, a de que seas direitos de consciência são inalienáveis. Não foi necessário o raciocínio pare estabelecer esta verdade; temos consciência dela em nosso próprio íntimo. F essa consciência que, em desafio às leis humanas, tem sustentado Cantos mártires nas tortures a nas chamas. Sentiam que sea dever pare com Deus era superior às ordenanças humanas, a que nenhum homem poderia exercer autoridade sobre sue consciência. E um princípio inato que nada pode desarraigar." Documentos Congregacionais (E. U. da América do Norte.)
     Espalhando-se pelos países da Europe a notícia de uma terra onde todo homem gozava o fruto de sea próprio trabalho, obedecendo às convicções de sue consciência, milhares se concentraram nas praias do Novo Mundo. Multiplicaram-se rapidamente as colônias. "Massachusetts, em virtude de lei especial, estendia cordiais boas-vindas a auxílio, à expensa pública, aos cristãos de qualquer nacionalidade que fugissem através do Atlântico 'para escaparem de guerras ou force, ou da opressão de seus perseguidores.' Assim os fugitivos a opressos pela lei se faziam hóspedes da comunidade pública." - Martyrs. Vinte anos depois do primeiro embarque de Plymouth, outros tantos milhares de peregrinos se tinham estabelecido em Nova Inglaterra.
     A fïm de assegurarem o objetivo que procuravam, "contentavam-se com ganhar parca subsistência, por uma vida de frugalidade a labuta. Nada pediam do solo senão o razoável produto de seu próprio labor. Nenhuma visão dourada projetava falsa luz sobre seu caminho . . . . Estavam contentes com o progresso vagaroso mas fìrme de sua política social. Suportavam pacientemente as privações do sertão, regando a árvore da liberdade com lágrimas a com o suor de seu rosto, até deitar ela profundas raízes na terra."
     A Escritura Sagrada era tida como fundamento da fé, a fonte da sabedoria e a carta da liberdade. Seus princípios eram diligentemente ensinados no lar, na escola a na igreja, a seus frutos se faziam manifestos na economia, inteligência, pureza a temperança. Poderia alguém morar durante anos nas colônias dos puritanos, "e não ver um ébrio nem ouvir uma imprecação ou encontrar um mendigo." - Bancroft. Estava demonstrado que os princípios da Biblia constituem a mais segura salvaguarda da grandeza nacional. As fracas a isoladas colônias desenvolveram-se em confederação de poderosos Éstados, e o mundo notava com admiração a paz a prosperidade de "uma igreja sem papa a um Estado sem rei."
     Mas as praias da América atraíam um número de imigrantes sempre maior, em que atuavam motivos grandemente diversos dos que nortearam os primeiros peregrinos. Conquanto a fé e a pureza primitiva exercessem ampla a modeladora intluência, vein a tornar-se cada vez menor ao aumentar o número dos que buscavam unicamente vantagens seculares.
     O regulamento adotado pelos primeiros colonos, permitindo apenas a membros da igreja voter ou ocupar cargos no governo civil, teve os mais perniciosos resultados. Esta medida fore aceita como meio pare preserver a pureza do Estado, mss resultou na corrupção da igreja. Estipulando-se o professar religião como condição pare o sufrágio a pare o exercício de cargos públicos, muitos, influenciados apenas por motivos de conveniência mundane, uniram-se à igreja sem mudança de coração. Assim as igrejas vieram a compor-se, em considerável proporção, de pessoas não convertidas; a mesmo no ministério havia os que não somente mantinham erros de doutrinas, mss que eram ignorantes acerca do poder renovador do Espírito Santo. Assim novamente se demonstraram os maus resultados, tantas vezes testemunhados na história da igreja, desde os dies de Constantino até ao presente, de procurer edifïcar a igreja com o auxílio do Estado, apelando pare o poder temporal em apoio do evangelho dAquele que declarou: "Meu reino não é deste mundo." S. João 18:36. A união da Igreja com o Estado, não imports quão frets posse ser, conquanto pareça lever o mundo mais perto da igreja, não leva, em realidade, senão a igreja mais perto do mundo.
     O grande princípio tão nobremente advogado por Robinson e Rogério Williams, de que a verdade é progressive, de que os cristãos devem ester prontos pare aceitar toda a luz que resplandecer da santa Palavra de Deus, foi perdido de vista por seus descendentes. As igrejas protestantes da América, assim como as da Europe, tão altamente favorecidas pelo recebimento das bênçãos da Reforms, deixaram de prosseguir na sends que se haviam traçado. Posto que de tempos errs tempos surgissem alguns homens fïéis, a fim de proclamar novas verdades a denunciar erros longamente acariciados, a maioria, como os judeus do tempo de Cristo ou os romanistas do tempo de Lutero, contentava-se em crer como creram seus pais, a viver como eles viveram. Portanto, a religião degenerou novamente em formalismo; a erros a superstições que, houvesse a igreja continuado a andar da Palavra de Deus, teriam sido repudiados, foram acalentados a retidos. Destarte, o espírito que fore inspirado pela Reforms, foi gradualmente arrefecendo até haver quase tão Grande necessidade de reforma nas igrejas protestantes come na igreja romana ao tempo de Lutero. Havia o mesmo mundanismo a apatia espiritual, idêntica reverência às opiniões de homens, a substituição dos ensinos da Palavra de Deus pelas teorias humanas.
     A ampla circulação da Escritura Sagrada nos princípios do século XIX, e a grande luz assim derramada sobre o mundo, não foram seguidas de urn correspondence progresso no conhecimento da verdade revelada a na piedade prática. Satanás não pôde, come nos séculos anteriores, privar o povo da Palavra de Deus; esta foi posta ao alcance de todos; com o intuito, porém, de ainda cumprir seu objetivo, levou muitos a tê-la em pouca conta. Os homens negligenciavam pesquisar as Fscrituras, a assim continuaram a aceitar falsas interpretações a acalentar doutrinas que não tinham fundamento na Bíblia.
     Vendo o malogro de seus esforços em aniquilar a verdade pela perseguição, Satanás de novo recorreu ao plane de condescendência, que deu come resultado a grande apostasia e a formaçào da Igreja de Roma. Induziu os cristãos a se aliarem, não com os pagãos, mas com os que, per seu apego às coisas deste mundo, tinham demonstrado ser tão verdadeiramente idólatras come o eram os adoradores de imagens de escultura. F os resultados desta união não foram menos perniciosos então do que nos séculos anteriores; o orgulho e a extravagância eram acoroçoados sob o disfarce de religião, a as igrejas se tornaram corruptas. Satanás continuou a perverter as doutrinas da Escritura Sagrada, a tradições que deveriam fazer a ruína de milhões estavam a deitar profundas raízes. A, igreja mantinha e defendia essas tradições, em vez de contender pela "fé que uma vez foi dada aos santos." Assim se degradaram os princípios per que os reformadores tanto haviam realizado a sofrido.


 
CAPÍTULO 17

A Esperança que Infunde Alegria

     Uma das verdades mais solenes, a não obstante mais gloriosas, reveladas na Escritura Sagrada, é a da segunda vinda de Cristo, para completar a grande obra da redenção. Ao povo de Deus, por tanto tempo a peregrinar em sua jornada na "região a sombra da morte," é dada uma esperança preciosa e inspiradora de alegria, na promessa do aparecimento dAquele que é "a ressurreição e a vida," a fïm de levar de novo ao lar Seus fïlhos exilados. A doutrina do segundo advento é, verdadeiramente, a nota tónica das Sagradas Escrituras. Desde o dia em que o primeiro par volveu os entristecidos passos para fora do Eden, os fïlhos da fé têm esperado ;a vinda do Prometido, para quebrar o poder do destruidor a de novo levá-los ao Paraíso perdido. Santos homens de outrora aguardavam o advento do Messias em glória, para a consumação de sua esperança. Enoque, apenas o sétimo na descendência dos que habitaram no Éden, a que na Terra durante três séculos andou com Deus, teve permissão para contemplar de muito longe a vïnda do Libertador. "Eis que é vindo o Senhor," declarou ele, "com milhares de Seus santos, para fazer juízo contra todos." S. Judas 14 a 15.O patriarca Jó, em a noite de sua aflição, exclamou com inabalável confïança: "Eu sei que o meu Redentor vive, e que por fìm Se levantará sobre a Terra:... ainda em minha carne verei a Deus. Vê-Lo-ei por mim mesmo, a os meus olhos, e não outros, o verão." Jó 19:25-27.
     A vinda de Cristo, para inaugurar o reino de justiça, tern inspirado as mais sublimes a exaltadas declarações dos escritores sagrados. Os poetas a videntes da Biblia dela trataram corn palavras incendidas de fogo celestial. O salmista cantou do poder e majestade do Rei de Israel: "Desde Sião, a perfeição da formosura, resplandeceu Deus. Virá o nosso Dens, a não Se calará . . .. Chamará os céus, do alto, a a Terra, para julgar o Seu povo." Salmo 50:2-4. "Alegrem-se os céus, a regozije-se a Terra: . .. ante a face do Senhor, porque vem, porque vem a julgar a Terra: julgará o mundo corn justiça, a os povos corn a Sua verdade." Salmo 96:11-13.
     Disse o profeta Isaías: "Despertai a exultai, os que habitais no pó, porque o tea orvalho será como o orvalho das ervas, e a terra lançará de si os mortos." "Os teas mortos viverão, os teas mortos ressuscitarão." "Aniquilará a morte para sempre, e assim enxugará o Senhor Jeová as lágrimas de todos os rostos, a tirará o opróbrio do Seu povo de toda a Terra; porque o Senhor o disse. E, naquele dia se dirá: Eis que este é o nosso Deus, a quern aguardávamos, a Ele nos salvará: este é o Senhor, a quern aguardávamos: na Sua salvação gozaremos a nos alegraremos." Isaías 26:19; 25:8 a 9.
     E Habacuque, transportado em santa visão, contemplou Seu aparecimento. "Deus veio de Temã e o Santo do monte de Parã. A Sua glória cobriu os céus, e a Terra encheu-se de Seu louvor. E o Seu resplendor era como a luz." "Parou, a media a Terra: olhou, a separou as nações: a os montes perpétuos foram esmiuçados, os outeiros eternos se encurvaram: o andar eterno é Seu." "Andaste sobre Teus cavalos, a Teus carros de salvação." "Os montes Te viram, a tremeram: . . . deu o abismo a sua voz, levantou as suas mãos ao alto. O Sol e a Lua pararam nas suas moradas: andaram à luz das Tuas frechas, ao resplendor do relâmpago da Tua lança." "Tu saíste para salvamento do Teu Ungido." Habacuque 3:3-13.
     Quando o Salvador estava prestes a separar-Se de Seus discípulos, confortou-os em sua tristeza corn a segurança de que viria outra vez: "Não se turbe o vosso coração . . . Na casa de Meu Pai há muitas moradas; . . . Vou preparar-vos lugar. E. se Eu for, a vos preparar lugar, virei outra vez, a vos levarei para Mim mesmo." S. João 14:1-3. "E quando o Filho do homem vier em Sua glória, a todos os santo,s anjos com Ele, então Se assentará no tronó de Sua glória, E todas as nações serão reunidas diante dEle." S. Mateus 25:31 a 32.
     Os anjos que por momentos se detiveram no monte das Oliveiras depois da ascensão de Cristo, repetiram aos discípulos a promessa de Sua voita: "Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no Céu, há de vir assim como para o Céu o vistes ir." Atos 1:11. E o apóstolo S. Paulo, falando pelo Espírito de inspiração, testificou: "O mesmo Senhor descerá do Céu com alarido, a com voz de Arcanjo, a com a trombeta de Deus." 1 Tessalonicenses 4:16. Diz o profeta de Patmos: "Eis que Ele vem corn as nuvens, a todo o olho o verá." Apocalipse 1:7.
     Em torno de Sua vinda agrupam-se as glórias daquela "restauração de tudo," de que "Deus falou pela boca de todos os Seus santos profetas desde o princípio." Atos 3:21. Quebrarse-á então o prolongado domínio do mal; "os reinos do mundo" tornar-se-ão "de nosso Senhor a de Seu Cristo, a Ele reinará para todo o sempre." Apocalipse 11:15. "A glória do Senhor se manifestará," a toda carne juntamente a verá. "O Senhor Jeová fará brotar a justiça e o louvor para todas as nações." Ele será por "coroa gloriosa, a por grinalda formosa, para os restantes de Seu povo." Isaías 40:5; 61:11; 28:5.
     É então que o pacífico a longamente almejado reino do Messias se estabelecerá sob todo o céu. "O Senhor consolará a Sião; consolará a todos os seus lugares assolados, a fará os seus desertos como o Eden, e a sua solidão como o jardim do Senhor." "A glória do Líbano se the deu, a excelência do Carmelo a Sarom." "Nunca mais to chamarão: Desamparada, nem à tua terra se denominará jamais: Assolada; mas chamar-te-ão: Meu deleite; e à tua terra: Beulá." "Como o noivo se alegra da noiva, assim Se alegrará de ti o teu Deus." Isaías 51:3, 35:2; 62:4 a 5.
     A vinda do Senhor tem sido em todos os séculos a esperança de Seus verdadeiros seguidores. A última promessa do Salvador no monte das Oliveiras, de que Ele viria outra vez, iluminou o futuro a Seus discípulos, encheu-lhes o coração de alegria a esperança que as tristezas não poderiam apagar nem as provações empanar. Em meio de sofrimento a perseguição, "o aparecimento do grande Deus a nosso Salvador Jesus Cristo" foi a "bem-aventurada esperança." Quando os cristãos tessalonicenses estavam cheios de pesar ao sepultarem os seus queridos, que haviam esperado viver para testemunharem a vinda de Jesus, S. Paulo, seu instrutor, apontou-lhes a ressurreição a ocorrer por ocasião do advento do Salvador. Entâo os mortos em Cristo ressurgiriam, a juntamente com os vivos seriam arrebatados para encontrar o Senhor nos ares. "E assim," disse ele, "estaremos sempre com o Senhor. Portanto consolai-vos uns aos outros com estas palavras." 1 Tessalonicenses 4:16-18.
     Na rochosa ilha de Patmos o discípulo amado ouve a promessa: "Certamente cedo venho," a em sua anelante resposta sintetiza a prece da igreja em toda a sua peregrinação: "Amém. Ora vem, Senhor Jesus." Apocalipse 22:20.
     Do calabouço, da tortura, da forca, onde santos a mártires testificaram da verdade, vem através dos séculos a voz de sua fé a esperança. Estando "certos da ressurreição pessoal de Cristo e, por conseguinte, de sua própria, por ocasião da vinda de Jesus," diz um desses cristãos, "desprezavam a morte, a verificava-se estarem acima dela." - O Reino de Cristo Sobre a Terra, ou A Voz da Igreja em Todos os Séculos, Daniel. T. Taylor. Estavam dispostos a descer ao túmulo, para que pudessem "ressuscitar livres." - A Voz da Igreja, Taylor. Esperavam pelo "Senhor a vir do Céu, nas nuvens, com a glória de Seu Pai," "trazendo aos justos os tempos do reino." Os valdenses acariciavam a mesma fé. Taylor. Wiclef aguardava o aparecimento do Redentor, como a esperança da igreja. -Idem.
     Lutero declarou: "Convenço-me, em verdade, de que o dia do juízo não está para além de trezentos anos. Deus não quer, não pode suportar por muito tempo mais este ímpio mundo." "Aproxima-se o grande dia, em que se subverterá o reino da abominação." Idem.
     "Este velho mundo não está longe de seu fim," disse Melâncton. Calvino manda aos cristãos "não hesitarem, desejando ardentemente o dia da vinda de Cristo como o mais auspicioso de todos os acontecimentos;" a declara que "a família inteira dos fiéis conservará em vista aquele dia." "Devemos ter fome de Cristo, devemos buscá-Lo, contemplá-Lo," diz ele "até à aurora daquele grande dia, em que o nosso Senhor amplamente manifestará a glória do Seu Reino." - Idem.
     "Não levou nosso Senhor Jesus nossa carne para o Céu?" disse Knox, o reformador escocés, "e não voltará Ele? Sabemos que voltará, a isso dentro em breve." Ridley a Latimer, que depuseram a vida pela verdade, esperaram pela fé a vinda do Senhor. Ridley escreveu: "O mundo, creio-o eu a portanto o digo, chegará sem dúvida ao fim. De coração clamemos com S. João, o servo de Deus, a Cristo nosso Salvador: Vem, Senhor Jesus, vem." - Idem.
     "Os pensamentos que se relacionam com a vinda do Senhor," disse Baxter, "são dulcíssimos a mui gozosos para mim." - Obras, Richard Baxter. "É a obra da fé, a do caráter de Seus santos, amar Seu aparecimento a aguardar o cumprimento da bem-aventurada esperança." "Se a morte é o último inimigo a ser destruído na ressurreição, podemos saber quão fervorosamente deveriam os crentes anelar a segunda vinda de Cristo e por ela orar, sendo então que tal vitória, ampla a final, será alcançada." - Idea. "Este é o dia que todos os crentes devem almejar, esperar a aguardar, como cumprimento de toda a obra de sua redenção, a de todos os desejos a esforços de sua alma." "Apressa, ó Senhor, este bem-aventurado dial" - Baxter. Esta foi a esperança da igreja apostólica, da "igreja no deserto," a dos reformadores.
     A profecia não somente prediz a maneira a objetivo da vinda de Cristo, mas apresenta sinais pelos quais os homens podem saber quando a mesma está próxima. Disse Jesus: "Haverá sinais no Sol, na Lua, a nas estrelas." S. Lucas 21:25. "O Sol escurecerá, e a Lua não dará a sua luz. E as estrelas cairão do céu, a as forças que estão no céu serão abaladas. E então verão vir o Filho do homem nas nuvens, corn grande poder e glória." S. Marcos 13:24-26. O profeta do Ahocalipse assim descreve o primeiro dos sinais que precedem o segundo advento: "Houve um grande tremor de terra; e o Sol tornou-se negro como saco de cilício, e a Lua tornou-se como sangue." Apocalipse 6:12.
     Estes sinais foram testemunhados antes do início do século XIX. Em cumprimento desta profecia ocorreu no ano 1755 o mais terrível terremoto que já se registrou. Posto que geralmente conhecido por terremoto de Lisboa, estendeu-se pela maior pane da Europe, África a América. Foi sentido na Groenlândia, nas Indies Ocidentais, na ilha da Madeira, na Noruega a Suécia, Grã-Bretanha a Irlanda. Abrangeu uma extensão de mais de dez milhôes de quilômetros quadrados. Na África, o choque foi quase tão violento como na Europe. Grande parte da Argélia foi destruída; e, a pequena distância de Marrocos, foi tragada uma aldeia de oito ou dez mil habitantes. Uma vests onda varreu a costs da Espanha a da África, submergindo cidades, e causando grande destruição.
     Foi na Espanha a Portugal que o choque atingiu a maior violência. biz-se que em Cadiz a ressaca alcançou a altura de vinte metros. Montanhas, "algumas das maiores de Portugal, foram impetuosamente sacudidas, como que até aos fundamentos; a algumas delas se abriram nos curves, os quaffs se partiram e rasgaram de modo maravilhoso, sendo delas arrojadas imensas masses pare os vales adjacentes. Diz-se terem saído chamas dessas montanhas." Princípios de Geologic, Sir Charles Lyell.
     Em Lisboa, "um som como de trovão foi ouvido sob o solo e imediatamente depois violento choque derribou a maior pane da cidade. No lapso de mais ou menos seis minutos, pereceram sessenta mil pessoas. O mar a princípio se retirou, deixando seca a barra; voltou então, levantando-se doze metros ou mais acima de seu nível comum." "Entre outros acontecimentos extraordinários que se refere terem ocorrido em Lisboa durante a catástrofe, esteve o soçobro do novo cais, construído inteiramente de mármore, com vultosa despesa. Grande número de pessoas ali se ajuntara em busca de segurança, sendo um local em que poderiam ester fore do alcance das ruínas que tombavam; subitamente porém, o cais afundou com todo o povo sobre ele, a nenhum dos cadáveres jamais flutuou na superfície." Lyell.
     "O choque" do terremoto "foi instantaneamente seguido da queda de todas as igrejas a conventos, den quase todos os grandes edifícios públicos, a de mais da quarts pane das cases. Duns horas depois, aproximadamente, irromperam incêndios em diferentes quarteirões, a corn tal violência se alastraram pelo espaço de quase três dies, que a cidade ficou completamente desolada. O terremoto ocorreu num die santo, em que as igrejas a conventos estavam repletos de gente, muito pouca da qual escapou." - Enciclopédia Americana, art. Lisboa. "O terror do povo foi indescritível. Ninguém chorava; estava além das lágrimas. Corriam pare aqui a pare acolá, em delírio, com horror a espanto, batendo no rosto a no peito, exclamando: 'Misericórdia! é o fim do undo!' Mães esqueciam-se de seus filhos a corriam pare qualquer parse, carregando crucifixos. Infelizmente, muitos corriam pare as igrejas em busca de proteção; mss debalde foi exposto o sacramento; em vão as pobres criaturas abraçaram os altares; imagens, padres a povo foram sepultados na ruína comum." Calculou-se que noventa nail pessoas perderam a vide naquele die fatal.
     Vinte a cinco anos mais tarde apareceu o sinal seguinte mencionado na profecia - o escurecimento do Sol a da Lua. O que tornou isto mais surpreendente foi o fato de que o tempo de seu cumprimento fore definidamente indicado. Na palestra do Salvador com Seus discípulos, no monte das Oliveiras, depois de descrever o longo período de provação da igreja - os 1260 anos da perseguição papal, relativamente aos quaffs prometera Ele ser abreviada a tribulação - mencionou Jesus certos acontecimentos que precederiam Sua vinda, a fixou o tempo em que o primeiro destes deveria ser testemunhado: "Naqueles dies, depois daquela aflição, o Sol se escurecerá, e a Lua não dará a sue luz." S. Marcos 13:24. Os 1.260 digs, ou anos, terminaram em 1798. Um quarto de século antes, a perseguição tinha cessado quase inteiramente. Em seguida a esta perseguição, segundo as palavras de Cristo, o Sol deveria esnurecer-se. A 19 de main de 1780 cumpriu-se esta profecia.
     "Unico ou quase único em sue espécie pelo misterioso a até agora inexplicado fenómeno qúe nele se verificou . . . foi o dia escuro de 19 de maio de 1780 - de inexplicável escuridão que cobriu todo o céu a atmosfera visíveis em Nova Inglaterra." - Nosso Primeiro Século, R. M. Devens.
     Uma testemunha ocular que vivia em Massachusetts, nestes termos descreve o acontecimento:
     "Pela manhã surgiu claro o Sol, mas logo se ocultou. As nuvens se tornaram sombrias a delas, negras a ameaçadoras como logo se mostraram, chamejavam relâmpagos; ribombavam trovões, caindo leve aguaceiro. Por volta das nove horas, as nuvens se tornaram mais finas, tomando uma aparência bronzeada ou acobreada, e a terra, pedras, árvores, edifícios, água a as pessoas tinham aspecto diferente por causa dessa estranha luz sobrenatural. Alguns minutos mais tarde, pesada nuvem negra se espalhou por todo o céu, exceto numa estreita. orla do horizonte, e ficou tão escuro como usualmente é às nove horas de uma noite de verão . . . .
     "Temor, ansiedade a pavor encheram gradualmente o espírito do povo. Mulheres ficavam à porta olhando para a negra paisagem; os homens voltavam de seus labores nos campos; o carpinteiro deixava as suas ferramentas, o ferreiro a forja, o negociante o balcão. As aulas eram suspensas, a as crianças, tremendo, fugiam para casa. Os viajantes acolhiam-se à fazenda mais próxima. 'O que será?' inquiriam todos os lábios a corações. Dir-se-ia que um furacão estivesse prestes a precipitar-se sobre o país, óu fosse o dia da consumação de todas as coisas.
     "Acenderam-se velas, e o fogo na lareira brilhava tanto como em noite de outono sem luar . . . . As aves retiravam-se para os poleiros a iam dormir; o gado ajuntava-se no estábulo e berrava; as rãs coaxavam; os pássaros entoavam seus gorjeios vespertinos; a os morcegos voavam em derredor. Mas os seres humanos sabiam que não era vinda a noite . . . .
     "O Dr. Natanael Whittaker, pastor da igreja do Tabernáculo, em Salém, dirigia serviços religiosos na casa de culto a pregava um sermão no qual sustentou que as trevas eram sobrenaturais. Reuniram-se-congregações em muitos outros lugares. Os textos para esses sermões extemporâneos eram invariavelmente os que pareciam indicar as trevas de acordo com a profecia bíblica . . . .As trevas foram densíssimas logo depois das onze horas."
     The Essex Antiquarian, Salém, Mass., abril de 1899. "Na maioria dos lugares do país foram tão grandes durante o dia, que as pessoas não podiam dizer a hora, quer pelo relógio de bolso quer pelo de parede, nem jantar, nem efetuar suas obrigações domésticas, sem a luz de velas . . . .
     "A extensão dessas trevas foi extraordinária. Observaram-se na parte oriental até Falmouth. Para o oeste, atingiram a parte mais remota de Connecticut a Albany. Para o sul foram observadas ao longo das costas, a ao none até onde se estende a colonização americana." - História do Início, Progressos a Estabelecimento da Independência dos E. U. da A., Dr. Wm. Gordon.
     Seguiu-se às intensas trevas daquele dia, uma ou duas horas, antes da noite, um céu parcialmente claro, a apareceu o sol, posto que ainda obscurecido por negro a pesado nevoeiro. "Depois do pôr do Sol, as nuvens novamente subiram, a escureceu muito rapidamente." "Tampouco foram as trevas da noite menos incomuns a aterrorizadoras do que as do dia; não obstante haver quase lua cheia, nenhum objeto se distinguia a não ser com o auxílio de alguma luz artificial, que, quando vista das casas vizinhas ou de outros lugares a certa distância, aparecia através de uma espécie de trevas égípcias, que se afiguravam quase impermeáveis aos raios." - Massachusetts Spry, ou Oráculo Americano da Liberdade, Thomas. Disse uma testemunha ocular daquela cena: "Não pude senão concluir, naquela ocasião que, se todos os corpos luminosos do Universo tivessem sido envoltos em sombras impenetráveis, ou arrancados da existência, as trevas não teriam sido mais completas." - Carta pelo Dr. Samuel Tenney, de Exeter N. H ., dezembro de 1785. Posto que às nove horas daquela noite a Lua surgisse cheia, "não produziu o mínimo efeito em relação àquelas sombras sepulcrais." Depois de meia-noite as trevas se desvaneceram, e a Lua, ao tornar-se visível, tinha a aparência de sangue.
     O dia 19 de maio de 1780 figura na História como "o Dia Escuro." Desde o tempo de Moisés, nenhum período de trevas de igual densidade, extensão a duração, já se registrou. A descrição deste acontecimento, como a dá uma testemunha ocular, não é senão urn eco das palavras do Senhor, registradas pelo profeta Joel, dois mil a quinhentos anos antes de seu cumprimento: "O Sol se converterá em trevas, e a Lua em sangue, antes que venha o grande a terrível dia do Senhor." Joel 2:31.
     Cristo ordenara a Seu povo que atendesse aos sinais de Seu advento a se regozijasse ao contemplar os indícios de seu vindouro Rei. "Quando estas coisas começarem a acontecer," disse Ele, "olhai para cima a levantai as vossas cabeças, porque a vossa redenção está próxima." Ele indicou a Seus seguidores as árvores a brotarem na primavera, a disse: "Quando já têm rebentado, vós sabeis por vós mesmos, vendo-as, que perto está já o verão. Assim também vós, quando virdes acontecer estas coisas, sabei que o reino de Deus está perto." S. Lucas 21:28, 30 a 31.
     Mas como o espíruo de humildade a devoção na igreja cedera lugar ao orgulho a formalismo, esfriaram o amor a Cristo e a fé em Sua vinda. Absorto nas coisas mundanas a na busca de prazeres, o povo professo de Deus estava cego às instruções do Salvador relativas aos sinais de Seu aparecimento. A doutrina do segundo advento tinha sido negligenciada; os textos que a ela se referem foram obscurecidos por interpretações errôneas, a ponto de ficarem em grande parte esquecidos a ignorados. Especialmente foi este o caso nas igrejas da América. A liberdade a conforto desfrutados por todas as classes da sociedade; o ambicioso desejo de haveres a luxo, de onde vem o absorvente empenho de adquirir dinheiro; a ansiosa procura de popularidade a poderio, que pareciam estar ao alcance de todos, levavam os homens a centralizar seus interesses a esperanças nas coisas desta vida, afastando ao futuro longínquo o dia solene em que passaria a presente ordem de coisas.
     Quando o Salvador indicou a Seus seguidores os sinais de Sua volta, predisse o estado de apostasia que havia de existir precisamente antes de Seu segundo advento. Haveria, como nos dias de Noé, a atividade e a agitação das ocupações mundanas a da procura de prazeres - comprar, vender, plantar, edificar, casar, dar-se em casamento - com olvido de Deus a da vida futura. Para os que viverem nesse tempo, a advertência de Cristo é: "Olhai por vós, não aconteça que os vossos corações se carreguem de glutonaria, de embriaguez, e dos cuidados da vide. e venha sobre vós de improviso aquele die." "Vigiai, pois, errs todo o tempo, orando, pare que sejais havidos pot dignos de evitar todas estas coisas que hão de acontecer a de ester em pé diante do Filho do homem." S. Lucas 21:34 a 36.
     A condição da igreja neste tempo é indicada nas palavras do Salvador, em Apocalipse: "'Tens nome de que vives, a estas mono." E aos que se recusam despertar de seu descuidoso sentimento de segurança, é dirigido este aviso solene: "Se não vigiares, virei a ti como um ladrão, a não saberás a que horn sobre ti virei." Apocalipse 3:1 a 3.
     Era necessário que os homens fossem Advertidos do perigo; que se despertassem a fim de preparar-se para os acontecimentos solenes ligados ao final do tempo da graça. Declare o profete de Deus: "O die do Senhor é grande a mui terrível, a quern o poderá softer?" Quem estará em pé quando aparecer Aquele que é "tão puro de olhos que não pode vet o mal, a não pode contemplar a vexação?" Joel 2:11. Habacuque 1:13. Pare os que clamam: "Deus meu! nós... Te conhecemos," a não obstante têm traspassado Seu concerto, a se apressaram após outro deus (Oséias 8:2 a 1; Salmo 16:4), ocultando a iniqüidade no coração e amando os caminhos da injustiça, pare esses o die do Senhor são trevas a não luz, "complete escuridade, sem nenhum resplendor." Amós 5:20. "E há de set que, naquele tempo," diz o Senhor, "esquadrinharei a Jerusalém cone lanternas, a castigarei os homens que estão assentados sobre as sues fezes, que dizem no seu coração: O Senhor não fez bem nem mal." Sofonias 1:12. "Visitarei sobre o mundo a maldade, a sobre os ímpios a sue iniqüidade: a farei cessar a arrogância dos atrevidos, e abaterei a soberba dos tiranos." Isaías 13:1.1. "Nem a sue prate. nem o seu ouro os poderá livrar;" "será saqueada a sue fazenda, a assoladas as sues cases." Sofonias 1:18 a 13.
     O profeta Jeremias, prevendo else tempo terrível, exclamou: "Estou ferido no meu coração!" "Não posse calar; porque tu, ó minha -alma ouviste o som da trombeta e o alarido da guerre. Quebranto sobre quebranto se apregoa." jeremias 4:19 a 20.
     "Aquele die é um die de indignação, die de angústia a de ânsia, dia de alvoroço a desolação, dia de trevas a de escuridão dia de nuvens a de densas trevas, dia de trombeta a de alarido." Sofonias 1:15 a 16. "Eis que o dia do Senhor vem, . . . para pôr a Terra em assolação a destruir os pecadores dela." Isaías 13:9.
     Ante a perspectiva desse grande dia, a Palavra de Deus, com expressões as mais solenes a impressivas, apela para Seu povo a fim de que desperte da letargia espiritual a busque Sua face, com arrependimento a humilhação: "Tocai a buzina em Sião, a clamai em alta voz no monte da Minha santidade: perturbem-se todos os moradores da Terra, porque o dia do Senhor vem, ele está perto." "Santificai um jejum, proclamai um dia de proibição. Congregai o povo, santificai a congregação, ajuntai os anciãos, congregai os filhinhos, . . . saia o noivo da sua recâmara, e a noiva do seu tálamo. Chorem os sacerdotes, ministros do Senhor, entre o alpendre e o altar." "Convertei-vos a Mim de todo o vosso coração; a isso com jejuns, a com choro, e com pranto. E rasgai o vosso coração a não os vossos vestidos, a convertei-vos ao Senhor vosso Deus; porque Ele é misericordioso, compassivo, a tardio em irar-Se, a grande em beneficência." Joel 2:1, 15-17, 12 a 13.
     A fim de preparar um povo para estar em pé no dia de Deus, deveria realizar-se uma grande obra de reforma. Deus viu que muitos dentre Seu povo professo não estavam edificando para a eternidade, a em Sua misericórdia estava prestes a enviar uma mensagem de advertência a fim de despertá-los de seu torpor a levá-los a preparar-se para a vinda de Jesus.
     Esta advertência, temo-la em Apocalipse 14. Apresenta-senos ali uma tríplice mensagem como sendo proclamada por seres celestiais, a imediatamente seguida pela vinda do Filho do homem para recolher a messe da Terra. A primeira dessas advertências anuncia o juízo que se aproxima. O profeta contempla um anjo voando pelo meio do céu, tendo o "evangelho eterno, para o proclamar aos que habitam sobre a Terra, e a toda a nação, a tribo, a língua, a povo, dizendo com grande voz: Temei a Deus, a dai-Lhe glória; porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fez o Céu a ai Terra, e o roar, e as fontes das águas." Apocalipse 14:6 a 7.
     Declara-se que esta mensagem é parte integrante do "evangelho eterno." A obra de pregar o evangelho não foi cometida aos anjos, mas confiada aos homens. Santos anjos têm sido empregados na direção desta obra; têm eles a seu cargo os grandes movimentos para a salvação dos homens; mas a proclamação do evangelho propriamente dita é efetuada pelos servos de Cristo sobre a Terra.
     Homens fiéis, que eram obedientes aos impulsos do Espírito de Deus a aos ensinos de Sua Palavra, dever-iam proclamar esta advertência ao mundo. Eram eles os que haviam atendido à mui firme "palavra dos profetas," à "luz que alumia em lugar escuro, até que o dia esclareça, e a estrela da alva apareça." 2 S. Pedro 1:19. Tinham estado a buscar o conhecimento de Deus, mais do que a todos os tesouros escondidos considerando-o "melhor do que a mercadoria de prata, e a sua renda do que o ouro mais fino." Provérbios 3:14. E Deus lhes revelou as grandes coisas do reino. "O segredo do Senhor é para os que o temem; a Ele lhes fará saber o Seu concerto." Salmo 25:14.
     Não foram os ilustrados teólogos que tiveram compreensão desta verdade a se empenharam em proclamá-la. Houvessem eles sido atalaias fiéis, pesquisando as Escrituras com diligência e oração, a teriam conhecido o tempo da noite; as profecias ter-lhes-iam patenteado os acontecimentos prestes a ocorrer. Eles, porém, não assumiram tal atitude, e a mensagem foi confiada a homens mais humildes. Disse Jesus: "Andai enquanto tendes luz, para que as trevas não vos apanhem." S. João 12:35. Os que se desviam da luz que Deus lhes deu ou negligenciam buscá-la quando está a seu alcance, são deixados em trevas. Declara, porém, o Salvador: "Aquele que Me segue, não andará em trevas, mas terá a luz da vida." S. João 8:12. Quern quer que esteja, com singeleza de propósito, procurando fazer a vontade de Deus, atendendo fervorosamente à luz já dada, receberá maior luz; será enviada àquela alma alguma estrela de fulgor celestial para guiá-la em toda a verdade.
     No tempo do primeiro advento de Cristo, os sacerdotes e escribas da santa cidade, a quem foram confiados os oráculos. de Deus, poderiam ter discernido os sinais dos tempos a proclamado a vinda do Prometido. A profecia de Miquéias designou o lugar de Seu nascimento (Miquéias 5:2); Daniel especificou o tempo em que viria (Daniel 9:25). Deus confiou estas profecias aos dirigentes judeus; estariam sem desculpas se não soubessem nem declarassem ao povo que a vinda do Messias estava às portas. Sua ignorância era o resultado da pecaminosa negligência. Os judeus estavam edificando túmulos aos profetas assassinados, enquanto pela deferência com que tratavam os grandes homens da Terra prestavam homenagem aos servos de Satanás. Absortos em suas ambiciosas lutas para conseguir posição e poderio entre os homens, perderam de vista as honras divinas que lhes eram oferecidas pelo Rei do Céu.
     Com profundo a reverente interesse deveriam encontrar-se a estudar o lugar, o tempo, as circunstâncias do grande acontecimento na história universal - a vinda do Filho de Deus para cumprir a redenção do homem. Todo o povo deveria ter estado a vigiar a esperar para que pudessem achar-se entre os primeiros a dar as boas-vindas ao Redentor do mundo. Mas ai em Belém, dois fatigados viajores, procedentes (Ias colinas de Nazaré, percorrem em toda a extensão a estreita rua até à extremidade oriental da cidade, procurando debalde um lugar de repouso a abrigo para a noite. Porta alguma se achava aberta para os receber. Sob miserável telheiro preparado para o gado, encontram finalmente refúgio, a ali nasce o Salvador do mundo.
     Anjos celestiais tinham visto a glória de que o Filho de Deus participava com o Pai antes que o mundo existisse, a com profundo interesse haviam aguardado o Seu aparecimento na Terra, como uma ocorrência repleta das maiores alegrias para tódo o povo.  Foram designados anjos para levar as alegres novas aos que estavam preparados para recebê-las, a que alegremente as tornariam conhecidas aos habitantes da Terra. Cristo Se abatera para, tomar sobre Si a natureza do homem; deveria Ele suportar um peso infinito de misérias ao fazer de Sua alma oferta pelo pecado; todavia, desejavam os anjos que mesmo em Sua humilhação o Filho do Altíssimo pudesse aparecer diante dos homens com uma dignidade a glória condizentes com Seu caráter. Congregar-se-iam os grandes homens da Terra na capital de Israel para saudar a Sua vinda? Apresentá-Lo-iam legiões de anjos à multidão expectante?
     Um anjo visita a Terra a fim de ver quaffs os que se acham preparados para receber a Jesus. Não pode, porém, distinguir sinal algum de expectação. Não ouve voz alguma de louvor e triunfo, anunciando que o .tempo da vinda do Messias está às portas. O anjo paira por algum tempo sobre a cidade escolhida e o templo onde a presença divina tinha sido manifestada durante séculos; mas, mesmo ali, há idêntica indiferença. Os sacerdotes, em sua pompa a orgulho, estão oferecendo profanos sacrifícios no templo. Os, fariseus estão em altas vozes discursando ao povo, ou fazendo jactanciosas oraçóes nas esquinas das ruas. Nos palácios dos reis, nas assembléias, dos filósofos, nas escolas dos rabis, todos, de igual maneira, se acham inconscientes do maravilhoso fato que encheu todo o Céu de alegria a louvor - o fato de que o Redentor dos homens está prestes a aparecer na Terra.
     Evidência alguma há de que Cristo seja esperado, a nenhuns preparativos para o Príncipe da Vida. Com espanto está o mensageiro celestial prestes a voltar para o Céu com a desonrosa notícia, quando descobre alguns pastores que, à noite, vigiam seus rebanhos e, mirando o céu bordado de estrelas, meditam na profecia do Messias a vir à Terra, anelando o advento do Redentor do mundo. Ali se encontra um grupo que está preparado para receber a mensagem celestial. E subitamente o anjo do Senhor aparece anunciando as boas-novas de grande alegria. A glória celestial inunda a planície toda; aparece uma incontável multidão de anjos e, como se fora demasiado grande a alegria para um só mensageiro trazê-la do Céu, uma multidão de vozes irrompe em antífonas que todas as naçóes dos salvos um dia entoarão: "Glória a Deus nas alturas, paz na Terra, boa vontade para -com os homens." S. Lucas 2:14.
     Oh, que lição encerra a maravilhosa história de Belem! Quanto ela reprova a nossa incredulidade, nosso orgulho a amor-próprio! Quanto nos adverte a nos precavermos para que não aconteça que pela nossa criminosa indiferença deixemos também de discernir os sinais dos tempos e, portanto, não conheçamos o dia de nossa visitação!
     Não foi somente nas colinas da Judéia, nem apenas entre os humildes pastores, que os anjos encontraram os que se achavarn vigilantes pela vinda do Messias. Na terra dos gentios havia também os que por Ele esperavam; eram homens sábios, ricos e nobres filósofos do Oriente. Investigadores da Natureza, haviam os magos visto a Deus em Sua obra. Pelas Escrituras hebraicas tinham aprendido acerca da Estrela que deveria surgir de Jacó, a com ardente desejo esperavam a vinda dAquele que seria não somente a "Consolação de Israel," mas uma luz para alumiar as nações," a "salvação até os confins da Terra." S. Lucas 2:25 a 32; Atos 13:47. Buscavam a luz, a luz procedente do trono de Deus iluminou-lhes o caminho para os pés. Enquanto os sacerdotes a rabis de Jerusalém, os pretensos depositários a expositores da verdade, se encontravam envoltos em trevas, a estrela enviada pelo Céu guiou os estrangeiros gentios ao lugar do nascimento do recém-nascido Rei.
     E para os que o esperam que Cristo deve aparecer a segunda vez, sem pecado, para a salvação. (Hebrews 9:28.) Semelhantemente ás novas do nascimento do Salvador, a mensagem do segundo advento não foi confiada aos dirigentes religiosos do povo. Eles não haviam preservado sua união corn Deus, recusando a luz do Céu; não eram, portanto, do número descrito pelo apóstolo S. Paulo: "Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão; porque todos vós sois filhos da luz a filhos do dia; nós não somos da none nem das trevas." 1 Tessalonicenses 5:4 .e 5.
     Os atalaias sobre os muros de Sião deveríam ter sido os primeiros a aprender as novas do advento do Salvador, os primeiros a alçar a voz para proclamar achar-Se Ele perto, os primeiros a advertir o povo a fim de que se preparasse para a Sua vinda. Entregavam-se, porém, ao comodismo, sonhando em paz a segurança, enquanto o povo dormia em sews pecados. Jesus viu a Sua igreja, semelhando a figueira estéril, coberta de pretensiosas folhas a no entanto destituída do precioso fruto. Notavase alardeada observância das formas da religião, enquanto faltava o espírito da verdadeira humildade, arrependimento a fé - o que unicamente poderia tornar aceitável o culto a Deus. Em vez das graças do Espírito, havia manifesto orgulho, formalismo, vanglória, egoísmo, opressão. Uma igreja apóstata fechava os olhos aos sinais dos tempos. Deus não a abandonou, nem permitiu que Sua fidelidade the faltasse; dEle, porém, afastarase, a separara-se de Seu amor. Recusando-se ela a satisfazer às condições, Suas promessas não foram para com ela cumpridas.
     Esse é o resultado certo de não apreciar nem aproveitar a luz a privilégios que Deus confere. A menos que a igreja siga o caminho que the abre a Providência, aceitando todo raio de luz, cumprindo todo dever que the seja revelado, a religião fatalmente degenerará em formalismo, a desaparecerá o espírito da piedade vital. Esta verdade tem sido repetidas vezes ilustrada na história da igreja. Deus requer de Seu povo obras de fé e obediência correspondentes às bênçãos a privilégios conferidos. A obediência exige sacrifício a implica uma cruz; a este é o motivo por que tantos dentre os professos seguidores de Cristo se recusam a receber a luz do Céu e, como aconteceu com os judeus de outrora, não conhecem o tempo de Sua visitação. (S. Lucas 19:44.) Por causa de seu orgulho a incredulidade, o Senhor os passa por alto, a revela Sua verdade aos que, à semelhança dos pastores de Belém a dos magos do Oriente, têm prestado atenção a toda a luz que receberam.


 
CAPÍTULO 18

Uma Profecia Muito Significativa

     Um lavrador íntegro a de sentimentos honestos, que havia silo levado a duvidar da autoridade diving das Escrituras e que no entanto desejava sinceramente conhecer a verdade, foi o homem especialmente escolhido por Deus para iniciar a proclamação da segunda, vinda de Cristo. Como outros muitos reformadores, Guilherme Miller lutou no princípio de sua villa com a pobreza, aprendendo destarte as grandes lições de energia a renúncia. Os membros da família de que proveio caracterizavam-se por um espírito independente a amante da liberdade, pela capacidade de resistência a ardente patriotismo, traços que também eram preeminentes em seu caráter. Seu pal fora capitão no exército da Revolução, e, aos sacrifícios que fizera nas lutas a sofrimentos daquele tempestuoso período, podemse atribuir as circunstãncias embaraçosas dos primeiros anos da villa de Miller.
     Possuía ele robusta constituição física, a já na meninice dera provas de força intelectual superior à comum. Com o passar dos anos tornou-se isto ainda mais notório. Seu espírito era ativo e bean desenvolvido, a ardente sua sede de saber. Conquanto não haurisse as vantagens de uma educação superior, seu amor ao estudo e o hábito de pensar cuidadosamente, bem como a aguda perspicácia., tornaram-no um homem de perfeito discernimento a largueza de vistas. bra dotado de irrepreensível caráter moral a nome invejável, sendo geralmente estimado por sua integridade, frugalidade a benevolência. À custa de energia e aplicação, adquiriu o necessário para viver, conservando, no entanto, seus hábitos de estudo. Ocupou com distinção vários cargos civis a militares, a as portas da riqueza a honra pareciamlhe abertas de par em par.
     Sua mãe era mulher verdadeiramente piedosa, a na infância estivera ele sujeito às impressões religiosas. No entanto, ao atingir o limiar da idade adulta, foi levado a associar-se com deístas, cuja influência foi tanto mais acentuada pelo fato de serem na maioria bons cidadãos, a homens de disposições humanitárias e benevolentes. Vivendo, como viviam, no meio de instituições cristãs, seu caráter tinha sido até certo ponto moldado pelo ambiente.  As boas qualidades que lhes conquistaram respeito e confiança, deviam-nas à Bíblia, e, contudo, esses dons apreciáveis se haviam pervertido a ponto de exercer influência contra a Palavra de Deus. Pela associação com esses homens, Miller foi levado a adotar seus sentimentos. As interpretações corretas das Escrituras apresentavam dificuldades que the pareciam insuperáveis; todavia, sua nova crença, conquanto pusesse de lado a Escritura Sagrada, nada oferecia de melhor para substituí-la, e longe estava ele de sentir-se satisfeito. Continuou, entretanto, a manter estas opiniões durante mais ou menos doze anos. Mas com a idade de trinta a quatro anos, o Espírito Santo impressionou-lhe o coração com a intuição de seu estado pecaminoso. Não encontrou em sua crença anterior certeza alguma de felicidade além-túmulo. O futuro era negro a tétrico. Referindose mais tarde aos seus sentimentos nesta época, disse ele:
     "O aniquilamento era um pensamento gélido a desalentador, e o fato de ter o homem de responder por seus atos significava destruição certa para todos. O céu era como bronze por sobre a minha cabeça e a terra como ferro sob os meus pés. A eternidade, que era? E a morte, por que existia? Quanto mais raciocinava, mais longe me achava da evidência. Quanto mais pensava, mais contraditórias eram as minhas conclusões. Tentei deixar de pensar, mas meus pensamentos não podiam ser dominados. Era verdadeiramente infeliz, mas não compreendia a causa. Murmurava a queixava-me, sem saber de quem. Sabia que algo havia de errado, mas não sabia como ou onde encontrar o que era reto. Lamentava, mas sem esperança."
     Neste estado continuou durante alguns meses. "Subitamente," diz ele, "gravou-se-me ao vivo no espírito o caráter de um Salvador. Pareceu-me que bem poderia existir um Ser tão bom e compassivo que por nossas transgressões fizesse expiação, livrando-nos, destarte, de sofrer a pena do pecado. Compreendi desde logo quão amável esse Ente deveria ser, a imaginei poder lançar-me aos Seus braços, confiante em Sua misericórdia. Mas surgiu a questão: Como se pode provar a existência desse Ser? Afora a Bíblia, achei que não poderia obter prova da existência de semelhante Salvador, nem sequer de uma existência futura . . . .
     "Vi que a Escritura Sagrada apresentava precisamente um Salvador como o que necessitava; a fiquei perplexo por ver como um livro não inspirado desenvolvia princípios tão perfeitamente adaptados às necessidades de um mundo decaído. Fui constrangido a admitir que as Escrituras de-vem ser uma revelação de Deus. Tornaram-se elas o meu deleite; a em Jesus encontrei um amigo. O Salvador tornou-Se para mim o primeiro entre dez mil; a as Escrituras, que antes eram obscuras a contraditórias, tornaram-se agora a lâmpada para os meus pés a luz para meu caminho. Meu espírito tranqüilizou-se a ficou satisfeito. Achei que o Senhor Deus é uma Rocha em meio do oceano da vida. A Bíblia tornou-se então o meu estudo principal e, posso em verdade dizer, pesquisava-a com grande deleite. Vi que a metade nunca se me havia dito. Admirava-me de que me não tivesse apercebido antes, de sua beleza a glória; a maravilhava-me de que já a pudesse haver rejeitado. Tudo que o coração poderia desejar, encontrei revelado, como um remédio para toda enfermidade da alma. Perdi todo o gosto para outra leitura, a apliquei o coração a obter a sabedoria de Deus." - Memórias de Guilherme Miller, S. Bliss.
     Miller professou publicamente sua fé na religião que antes desprezara. Seus companheiros incrédulos, entretanto, não tardaram em produzir todos os argumentos com que ele próprio insistira contra a autoridade divina das Escrituras. Não estava então preparado para responder a eles, mas raciocinava que, se a Bíblia é a revelação de Deus, deve ser coerente consigo mesma; a que, como foi dada para a instrução do homem, deve adaptar-se à sua compreensão. Decidiu-se a estudar as Escrituras por si mesmo, a verificar se as aparentes contradições não se poderiam harmonizar.
     Esforçando-se por deixar de lado todas as opiniões preconcebidas, dispensando comentários, comparou passagem com passagem, com o auxilio das referências à margem a da concordância. Prosseguiu no estudo de modo sistemático a metódico; começando com Gênesis, a lendo versículo, por versículo, não is mais depressa do que se the desvendava o sentido dais várias passagens, de modo a deixá-lo livre de toda dificuldade. Quando encontrava algum ponto obscuro, tinha por costume compará-lo com todos os outros textos que, pareciam ter qualquer referência ao assunto em consideração. Permitia que cada palavra tivesse a relação própria com o assunto do texto e, quando harmonizava seu ponto de vista acerca dessa passagem com todas as referências da mesma, deixava de ser uma dificuldade. Assim, quando quer que encontrasse passagem difícil de entender, achava explicação em alguma outra pane das Escrituras. Estudando com fervorosa oração para obter esclarecimentos da pane de Deus, o que antes parecia obscuro à compreensão agora se fizera claro. Experimentou a verdade das palavras do salmista: "A exposição das Tuas Palavras dá luz; dá entendimento aos símplices." Salmo 119:130.
     Com intenso interesse estudou os livros de Daniel a Apocalipse, empregando os mesmos princípios de interpretação que para as demais partes das Escrituras; a descobriu, para sua grande alegria, que os símbolos proféticos podiam ser compreendidos. Viu que as profecias já cumpridas tiveram cumprimento literal; que todas as várias figuras, metáforas, parábolas, símiles etc., ou eram explicados em seu contexto, ou os termos em que eram expressos se achavam entendidos literalmente. "Fiquei assim convencido," diz ele, "de ser a Escritura Sagrada um conjunto de verdades reveladas, tão clara a simplesmente apresentadas que o viandante, ainda que seja um louco, não precisa errar." Miss. Elo após elo da cadeia da verdade recompensava seus esforços, enquanto passo a passo divisava as grandes linhas proféticas. Anjos celestiais estavam a guiar-lhe o espírito e a abrir as Escrituras à sua compreensão.
     Tomando a maneira por que as profecias se tinham cumprido no passado como critério pelo qual julgar do cumprimento das que ainda estavam no futuro, chegou à conclusão de que o conceito popular acerca do reino espiritual de Cristo o milênio temporal antes do fim do mundo - não é apoiado pela Palavra de Deus. Essa doutrina, falando em mil anos de justiça a paz antes da vinda pessoal do Senhor, afasta para longe os terrores do dia de Deus. Mas, por agradável que seja, é contrária aos ensinos de Cristo a Seus apóstolos, que declaravam que o trigo e o joio devem crescer juntos Até à ceifa, o fim do mundo (S. Mateus 13:30, 38-41); que "os homens maus a enganadores irão de mal para pior;" que "nos últimos dias sobrevirão tempos trabalhosos" (2 Timóteo 3:13 a 1); a que o reino das trevas continuará até o advento do Senhor, sendo consumido pelo espírito de Sua boca a destruído com o resplendor de Sua vinda. (2 Tessalonicenses 2:8.)
     A doutrina da conversão do mundo a do reino espiritual de Cristo não era mantida pela igreja apostólica. Não foi geralmente aceita pelos cristãos antes do começo do século dezoito, aproximadamente. Como todos os outros erros, seus resultados foram maus. Ensinava os homens a afastarem para um longínquo futuro a vinda do Senhor, a os impedia de prestar atenção aos sinais que anunciavam Sua aproximação. Infundia um sentimento de confiança a segurança que não era bem fundado, levando muitos a negligenciarem o necessário preparo a fim de se encontrar corn seu Senhor.
     Miller achou que a. vinda de Cristo, literal, pessoal, é plenamente ensinada nas Escrituras. Diz S. Paulo: "O mesmo Senhor descerá do céu com alarido, a com voz de Arcanjo, a com trombeta de Deus." 1 Tessalonicenses 4:16. E o Salvador declara: "Verão o Filho do homém, vindo sobre as nuvens do céu, corn poder a grande glória." "Assim como o relâmpago sai do Oriente,e se mostra até ao Ocidente, assim será também a vinda do Filho do homem." S. Mateus 24:3 a 27. Ele deverá ser acompanhado de todas as hostes celestiais. O Filho do homem virá em Sua glória, "e todos os santos anjos com Ele." S. Mateus 25:31. "Ele enviará os Seus anjos com rijo clamor de trombeta, os quais ajuntarão os Seus escolhidos." S. Mateus 24:31.
     A Sua vinda, os justos que estiverem mortos ressuscitarão, os vivos serão transformados. "Nem todos dormiremos," diz S. Paulo, "mss todos seremos transformados, num. momento, num abrir a fechar de olhos, ante a última trombeta; porque a trombeta soará, a os mortos ressuscitarão incorruptíveis, a nós seremos transformados. Porque convém que isto que é corruptível se revista da incorruptibilidade, a que isto que é imortal se revista da imortalidade." 1 Coríntios 15:51-53. E em sue carte aos tessalonicenses, depois de descrever a vinda do Senhor, diz ele: "Os que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro. Depois nós os que ficarmos vivos, seremos arrebatados juntamente corn eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos ares, a assim estaremos sempre com o Senhor." 1 Tessalonicenses 4:16 a 17.
     Não poderá o Seu povo receber o reino antes do advento pessoal de Cristo. Disse o Salvador: "E quando o Filho do homem vier em Sua glória, a todos os santos anjos com Ele, então Se assentará no trono da Sua glória; a todas as nações serão reunidas diante dEle, a apartará uns dos outros, como o pastor aparta dos bodes as ovelhas; a porá as ovelhas à Sua direita, mss os bodes à esquerda. Então dirá o Rei aos que estiverem à Sua direita: Vinde, benditos de Meu Pai, possuí por herança o reino que vos está preparado desde a fundação do mundo." S. Mateus 25:31-34. Vimos pelos textos citados, que, quando O Filho do homem vier, os mortos serão ressuscitados incorruptíveis, a os Vivos serão transformados. Por esta grande mudança ficam preparados pare receberem o reino; pois S. Paulo diz: "A carne e o sangue não podem herder o reino de Zeus; nem a corrupção herds a incorrupção." 1 Coríntios 15:50. O homem, em seu estado presente, é mortal, corruptível; o reino de Deus, porém, será incorruptível, permanecendo pare sempre. Portanto, o homem, em sue condição atual, não pode entrar no reino de Deus. Mas, em vindo ,Jesus, confere a imortalidade a Seu povo; a então os chama para possuírem o reino de que até ali têm sido apenas herdeiros.
     Estas a outras passagens provaram claramente ao espírito de Miller que os acontecimentos que geralmente se esperava ocorrerem antes da vinda de Cristo, como seja o reino universal de paz e o estabelecimento do domínio de Deus sobre a Terra, deveriam ser subseqüentes ao segundo advento. Além disso, todos os sinais dos tempos a as condições do mundo correspondiam à descrição profética dos últimos dias. Foi levado, somente pelo estudo das Escrituras, à conclusão de que estava prestes a terminar o período de tempo concedido para a existência da Terra em sua condição presente.
     "Outra espécie de prova que vivamente me impressionava o espírito," diz ele, "era a cronologia das Escrituras . . . Notei que os acontecimentos preditos, que se haviam cumprido no passado, muitas vezes ocorreram dentro de um dado tempo. Os cento a vinte anos do dilúvio (Gênesis 6:3), os sete dias que o deviam preceder, com quarenta dias de chuva predita (Gênesis 7:4), os quatrocentos anos da permanência temporária da semente de Abraão (Gênesis .15:13), os três dias do sonho do copeiro-mor a do padeiro-mor (Gênesis 40:12-20), os sete anos de Faraó (Gênesis 41:28-54), os quarenta anos no deserto (Números 14:34), os três anos a meio de fome . (1 Reis 17:1; ver S. Lucas 4:25); o cativeiro de setenta anos (Jeremias 25:11), os sete tempos de Nabucodonosor (Daniel 4:13-16), a as sete semanas, sessenta a duas semanas, e a semana, perfazendo setenta semanas, determinadas aos judeus (Daniel 9:24-27) - são tempos que limitaram acontecimentos que antes eram apenas assuntos de profecia, cumprindo-se de acordo com as predições." Bliss.
     Quando, portanto, encontrou em seu estudo da Bíblia vários períodos cronológicos que segundo a sua compreensão dos mesmos, se estendiam até à segunda vinda de Cristo, não pôde senão considerá-los como os "tempos já dantes ordenados," que Deus revelou a Seus servos. "As coisas encobertas," diz Moisés, "são para o Senhor nosso Deus: porém, as reveladas são para nós a para nossos filhos para sempre" (Deuteronômio 29:29); e o Senhor declara pelo profeta Amós que "não fará coisa alguma, sera ter revelado o Seu segredo aos Seus servos, os profetas." Amós 3:7. Assim, os que estudam. a Palavra de Deus podem confiantemente esperar que encontrarão nas Escrituras da verdade, claramente indicado, o acontecimento mais estupendo a ocorrer na história da humanidade.
     "Como eu estivesse plenamente convicto," diz Miller, "de que 'toda a Escritura divinamente inspirada é proveitosa'; de que ela não veio nunca pela vontade do homem, mas foi escrita ao serem homens santos inspirados pelo Espírito Santo (2 S. Pedro 1:21), a dada 'para nosso ensino', 'para que pela paciência e consolação das Escrituras tenhamos esperança', não poderia deixar de considerar as porções cronológicas da Bíblia senão como uma pane da Palavra de Deus, a corn tanto direito à nossa séria consideração como qualquer outra porção dela. Senti, pois, que, esforçando-me por compreender o que Deus em Sua misericórdia achou conveniente revelar-nos, eu não tinha direito de omitir os períodos proféticos." - Bliss.
     A profecia que mais claramente parecia revelar o tempo do segundo advento, era a de Daniel 8:14: "Até duas mil a trezentas tardes a manhãs; e o sàntuário será purificado." Seguindo sua regra de fazer as Escrituras o seu próprio intérprete, Miller descobriu que urn dia na profecia simbólica representa um ano (Números 14:34; Ezequiel 4:6); viu que o período de 2.300 dias proféticos, ou anos literais, se estenderia muito além do final da dispensação judaica, donde o não poder ele referir-se ao santuário daquela dispensação. Miller aceitou a opinião geralmente acolhida, de que na era cristã ,a Terra é o santuário, e, portanto, compreendeu que a purificação do sántuário predita em Daniel 8:14 representa a purificação da Terra pelo fogo, à segunda vinda de Cristo. Se, pois, se pudesse encontrar o exato ponto de partida para os 2.300 dias, concluiu que se poderia facilmente determinar a ocasião do segundo advento. Assim se revelaria o tempo daquela grande consumação, "tempo em que as condições presentes, com todo o seu orgulho e poder, pompa a vaidade, impiedade a opressão, viriam ao fim," qua a maldição "se removeria da Terra, a morte seria destruída, dar-se-ia o galardão aos servos de Deus, os profetas a os santos, a aos qua temem o Seu nome, a seriam destruídos os qua devastam a Terra." - Bliss.
     Corn um novo a mais profundo fervor, Miller continuou o exame das profecias, dedicando dies a noites inteiras ao estudo do qua agora the parecia de tão estupenda inaportância a absorvente interesse. No capítulo oitavo de Daniel ele não pôde achar nenhum fio qua guiasse ao ponto de partida dos 2.300 dies; o anjo Gabriel, conquanto tivesse recebido ordem de fazer corn qua Daniel compreendesse a visão, deu-lhe apenas uma explicação parcial. Quando a terrível perseguição a recair sobre a igreja foi desvendada à visão do profeta, abandonou-o a força física. Não pôde suportar mais, e o anjo o deixou por algum tempo. Daniel enfraqueceu a esteve enfermo alguns digs. "Espantei-me acerca da visão," diz ale, "e não havia quern a entendesse."
     Deus ordenou, contudo, a Seu mensageiro: "Dá a entender a este a visão." A incumbência devia ser satisfeita. Em obediência a ela, o anjo, algum tempo depois, voltou a Daniel, dizendo: "Agora saí pare fazer-te entender o sentido;" "toms, pois, barn sentido na palavra, a entende a visão." Daniel 9:22 a 23. Havia, na visão do capítulo oito, um ponto importante qua tinha sido deixado sem explicação, a saber, o qua se refere ao tempo, ou seja, ao período dos 2.300 digs; portanto o anjo, reencetando a explicação, ocupa-se principalmente do assunto do tempo:
     "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo a sobra a tua santa cidade . . . . Sabe a entende: desde a saída da ordem pare restaurar a pare edificar Jerusalém, até o Messias, o Principe, sate semanas, a sessenta a dues semanas: as rues e as tranqueiras se reedificarão, mas em tempos angustiosos. E depois das sessenta a dues semanas será tirado o Messias, e não será rnais. . . . E Ele firmará um concerto corn muitos por urns semana: a na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares." Daniel 9:24-27.
     O anjo fore enviado a Daniel corn o expresso fim de the explicar o ponto qua tinha deixado de compreender na visão do capítulo oito, a saber, a declaração relativa ao tempo: "Até duas mil a trezentas tardes a manhãs; e o santuário será purificado." Depois de mandar Daniel tomar bem sentido na palavra a entender a visão, as primeiras declarações do anjo foram: "Setenta semanas estão determinadas sobre o teu povo, a sobre a tua santa cidade." A palavra aqui traduzida "determinadas" significa literalmente "separadas". Setenta semanas, representando 490 anos, declara o anjo estarem separadas, referindo-se especialmente aos judeus. Mas, separadas de quê? Como os 2.300 dias foram o único período de tempo mencionado no capítulo oito, devem ser o período de que as setenta semanas se separaram; estas devem ser, portanto, uma parte dos 2.300 dias, e os dois períodos devem começar juntamente. Declara o anjo datarem as setenta semanas da saída da ordem para restaurar e edificar Jerusalém. Se se pudesse encontrar a data desta ordem, estaria estabelecido o ponto de partida do grande período dos 2.300 dias.
     No sétimo capítulo de Esdras acha-se o, decreto. (Esdras 7:12-26.) Em sua forma completa foi promulgado por Artaxerxes, rei da Pérsia, em 457 antes de Cristo. Mas em Esdras 6:14 se diz ter sido a casa do Senhor em Jerusalém edificada "conforme o mandado [ou decreto, como se poderia traduzir] de Ciro a de Dario, a de Artaxerxes, rei da Pérsia." Estes três reis, originando, confirmando a completando o decreto, deram-lhe a perfeição exigida pela profecia para assinalar o início dos 2.300 anos. Tomando-se o ano 457 antes de Cristo, tempo em que se completou o decreto, como data da ordem, viu-se ter-se cumprido toda a especifcação da profecia relativa ás setenta semanas.
     "Desde a saída da ordem para restaurar a para edificar Jerusalém, até o Messias, o Príncipe, sete semanas, a sessenta e duas semanas" a saber, sessenta a nove semanas ou 483 anos. O decreto de Artaxerxes entrou em vigor no outono de 457 antes de Cristo. A partir desta data, 483 anos estendem-se até o outono do ano 27 de nossa era. (Ver Apêndice.) Naquele tempo esta -profecia se cumpriu. A palavra "Messias" significa o "Ungido." No outono do ano 27 de nossa era, Cristo f - batizado por João, a recebeu a unção do Espírito. O apóstolo 5. Pedro testifica que "Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo a corn virtude." Atos 10:38. E o próprio Salvador declarou: "O Espírito do Senhor é sobre Mim, pois que Me ungiu para evangelizar os pobres." S. Lucas 4:18. Depois de Seu batismo Ele foi para a Galiléia, "pregando o evangelho do reino de Deus, e dizendo: O tempo está cumprido." S. Marcos 1:14 a 15.
     "E Ele firmará concerto com muitos por urea semana." A "semana," a que há referência aqui, é a última das setenta, são os últimos sete anos do período concedido especialmente aos judeus. Durante este tempo, que se estende do ano 27 ao ano 34 de nossa era, Crisua, a princípio em pessoa a depois pelos Seus discípulos, dirigiu o convite do evangelho especialmente aos judeus. Ao saírem os apóstolos com as boas-novas do reino, a recomendação do Salvador era: "Não ireis pelos caminhos das gentes, gem entrareis em cidades de samaritanos; mas ide às ovelhas perdidas da casa de Israel." S. Mateus 10:5 e 6.
     "Na metade da semana fará cessar o sacrifício e a oferta de manjares." No ano 31 de nossa era, três anos a meio depois de Seu batismo, nosso Senhor foi crucificado. Com o grande sacrifício oferecido sobre o Calvário, terminou aquele sistema cerimonial de ofertas, que durante quatro mil anos haviam apontado para o Cordeiro de Deus. O tipo alcançou o antítipo, a todos os sacrifícios a ofertas daquele sistema cerimonial deveriam cessar.
     As setenta semanas, ou 490 anos, especialmente conferidas aos judeus, terminaram, como vimos, no ano 34. Naquele tempo, pelo ato do sinédrio judaico, a nação selou sua recusa do evangelho, pelo martírio de Estêvão a perseguição aos seguidores de Cristo. Assim, a mensagem da salvação, não mais restrita ao povo escolhido, foi dada ao mundo. Os discípulos, forçados pela perseguição a fugir de Jerusalém, "iam por toda parte, anunciando a Palavra." Filipe desceu à cidade de Samaria a pregou a Cristo. S. Pedro, divinamente guiado, revelou o evangelho ao centurião de Cesaréia, Cornélio, que era temente a Deus; e o ardoroso S. Paulo, ganho à fé cristã, foi incumbido de levar as alegres novas "aos gentios de longe." Atos 8:4 e 5; 22:21.
     Até aqui, cumpriram-se de maneira surpreendente todas as especificações das profecias a fixa-se o início das setenta semanas, inquestionavelmente, no ano 457 antes de Cristo, a seu termo no ano 34 de noses era. Por ester dados não há dificuldade em achar-se o final doe 2.300 digs. Tendo sido as setenta semanas ~ 490 dias - separadas dos 2.300 dies, ficaram restando 1.810 dies. Depois do fern doe 490 dias os 1.810 dias deveriam ainda cumprir-se. Contando do ano 34 de noses era, 1.810 anos se estendem a 1844. Conseqüentemente, os 2.300 dias de Daniel 8:14 terminate em 1844. Ao expirar este grande período profético, "o santuário será purificado," segundo o testemunho do anjo de Zeus. Deste modo foi definitivamente indicado o tempo da purificação do santuário, que quase universalmente se acreditava ocorresse por ocasião do segundo advento.
     Miller a sews companheiros a princípio creram que os 2.300 dias terminariam na primavera de 1844, ao passo que a profecia indicava o outono daquele ano. (Ver Apêndice.) A compreensão errônea deste ponto trouxe desapontamento a perplexidade aos que haviam fixado a primeira daquelas dates pare o tempo da vinda do Senhor. Isto, porém, não afeto nem de leve a força do argumento que mostrava terem os 2.300 dias terminado no ano 1844, a que o grande acontecimento representado pela purificação do santuário deveria ocorrer então.
     Devotando-se ao estudo das Escrituras, como fizera, a fim de provar serem else uma revelação de Zeus, Miller não tinha a princípio a menor expectativa de atingir a conclusão a que chegara. A Gusto podia ele mesmo dar crédito aos resultados de sue investigação. Mas a prove das Escrituras era por demais clara e forte pare que fosse posta de parse.
     Laois anos dedicara ele ao estudo da Biblia, quando, em 1818, chegou à solene conclusão de que dentro de vinte a cinco anos, aproximadamente, Cristo apareceria para redenção de Seu povo. "Não necessito falar," diz Miller, "do júbilo que me encheu o coração em vista da deleitável perspectiva, nem do anelo ardente de minha alma para participar das alegrias dos remidos. A Bíblia era então para mim tam livro novo. Considerava-a verdadeiramente um festim para a razão; tudo que, em seus ensinos, fora ininteligível, místico ou obscuro para mim, dissipara-se-me do espírito ante a clara luz que ora raiava de suas páginas sagradas; a oh, quão brilhante a gloriosa se me apresentava a verdade! Todas as contradições a incoerências que eu antes encontrara na Palavra, desapareceram; a posto que houvesse muitas partes de que eu não possuía uma compreensão que me satisfizesse, tanta luz, contudo, dela emanara para a iluminação de meu espírito antes obscurecido, que senti, em estudar as Escrituras, um prazer que antes não supunha pudesse ser delas derivado." - Bliss.
     "Solenemente convencido de que as Santas Escrituras anunciavam o cumprimento de tão importantes acontecimentos em tão curto espaço de tempo, surgiu com força em minha alma a questão de saber qual meu dever para com o mundo, em face da evidência que comovera a meu próprio espírito." - Bliss. Não pôde deixar de sentir que era seu dever comunicar a outros a luz que tinha recebido. Esperava encontrar oposição por parte dos ímpios, mas confiava em que todos os cristãos se regozijariam na esperança de ver o Salvador, a quem professavam amar. Seu único temor era que, em sua grande alegria ante a perspectiva do glorioso livramento, a consumar-se úío breve, muitos recebessem a doutrina sem examinar suficientemente as Escrituras em demonstração de sua verdade. Portanto, hesitou em apresentá-la, receando que estivesse em erro, a Posse, assim, o meio de transviar a outros. Foi levado, desta maneira, a rever as provas em apoio das conclusões a que chegara, e a considerar cuidodosamente toda dificuldade que se the apresentava ao espírito. Viu que as objeções se desvaneciam ante a luz da Palavra de Deus, como a névoa diante dos raios do Sol. Cinco anos despendidos desta maneira, deixaram-no completamente convicto da correção de suas opiniões.
     E agora o dever de tornar conhecido a outros o que cria sérensinado tão claramente nas Escrituras, impunha-se-lhe cone nova força. "Quando me achava em minha ocupação," disse ele, "soava continuamente em meu ouvido: 'Vai falar ao mundo sobre o perigo que o ameaça.' Ocorria-me constantemente esta passagem: 'Se Eu disser ao ímpio: Ó ímpio, certamente morrerás; a to não falares para desviar o ímpio de, seu caminho, morrerá esse ímpio na sua iniqüidade, mas o seu sangue Eu o demandarei da tua mão. Mas, quando to tiveres falado para desviar o ímpio do seu caminho, para que se converta dele, a ele se não converter de seu caminho, ele morrerá na sua iniqüidade, mas to livraste a tua alma.' Ezequiel 33:8 a 9. Corripreendi que, se os ímpios pudessem ser devidamente advertidos, multidões deles se arrependeriam; que, se eles não fossem avisados, seu sangue poderia ser exigido de minha mão." - Bliss.
     Começou ele a apresentar suas opiniões em particular, quando se the oferecia oportunidade, orando para que algum ministro pudesse sentir a força das mesmas a dedicar-se à sua promulgação. Mas não pôde banir a convicção de que tinha um dever pessoal a cumprir, em fazer a advertência. Ocorriam-lhe sempre ao espírito as palavras: "Vai dizê-lo ao mundo; seu sangue requererei de tugs mãos." Durante nove anos esperou, pesandolhe sempre este fardo sobre a alma, até que em 1831 pela primeira vez expôs publicamente as razões de sua fé.
     Assim como Eliseu foi chamado quando à rabiça do arado acompanhava os bois no campo de trabalho, a fim de receber o manto da consagração ao ofício de profeta, também Guilherme Miller foi chamado para deixar o arado a desvendar. ao povo os mistérios do reino de Deus. Cheio de temores, deu início ao trabalho, levando seus ouvintes passo a passo, através dos períodos proféticos, até o segundo aparecimento de Cristo. Em cada preleção ganhava ele energia a coragem, vendo o grande interesse despertado por suas palavras.
     Foi somente às solicitações- de seus irmãos, em cujas palavras ele ouvia o chamado de Deus, que Miller consentiu em apresentar suas opiniões em público. Contava então cinqüenta anos de idade, não estava habituado a falar em público, a sentia-se oprimido ao reconhecer sua incapacidade para a obra. a. Desde o princípio, porém, seus trabalhos para a salvação das almas foram abençoados de modo notável. Sua primeira conferência foi seguida de um despertamento religioso, no qual se converteram treze famílias inteiras, corn exceção de duas pessoas. Foi imediatamente convidado a falar em outros lugares, a quase em toda parte seu trabalho resultava em avivamento da obra de Deus. Convertiam-se pecadores, cristãos eram despertados a maior consagração, a deístas a incrédulos reconheciam a verdade da Bíblia a da religião cristã. O testemunho daqueles entre os quais trabalhava, era: "Atingia a uma classe de espíritos fora da influência de outros homens." - Bliss. Sua pregação era de molde a despertar o espírito público aos grandes temas da religião, e sustar o crescente mundanismo a sensualidade da época.
     Em quase todas as cidades havia dezenas de conversos, a em algumas, centenas, como resultado de sua pregação. Em muitos lugares as igrejas protestantes de quase todas as denominações abriram-se-lhe amplamente; a os convites para nelas trabalhar vinham geralmente dos ministros das várias congregações. Adoava como regra invariável não trabalhar era qualquer lugar a que não fosse convidado; e, no entanto, logo se viu impossibilitado de atender à metade dos pedidos que choviam sobre ele.
     Muitos que não aceitaram suas opiniões quanto ao tempo exato do segundo advento, ficaram convencidos da certeza e proximidade da vinda de Cristo a de sua necessidade de preparo. Em algumas das grandes cidades seu trabalho produziu impressão extraordinária. Vendedores de bebidas abandonavam este comércio a transformavam suas lojas em salas de cultos; antros de jogo eram fechados; corrigiam-se incrédulos, deístas, universalistas, a mesmo os libertinos mais perdidos, alguns dos quais não haviam durante anos entrado em uma casa de culto. Várias denominações efetuavam reuniões de oração, em diferentes bairros, quase a todas as horas do dia, reunindo-se os homens de negócios ao meio-dia para oração de louvor. Não havia nenhuma excitação extravagante, mas sim uma sensação de solenidade quase geral no espírito do povo. Sua obra, como a dos primeiros reformadores, tendia antes para convencer o entendimento a despertar a consciência do que a meramente excitar as emoções.
     Em 1833 Miller recebeu da igreja batista de que era membro uma licença para pregar. Grande número dos ministros de sua denominação aprovou-lhe também a obra, a foi com essa sanção formal que continuou com os seus trabalhos. Posto que seus labores pessoais estivessem limitados principalmente à Nova Inglaterra a aos Estados centrais, viajou a pregou incessantemente. Durante vários anos suas despesas eram cobertas inteiramente por sua bolsa particular a posteriormente nunca recebeu o bastante para custear as viagens aos lugares a que era convidado. Assim, seus trabalhos públicos, longe de serem benefício pecuniário, eram-lhe pesado encargo às posses, que gradualmente diminuíram durante este período de sua vida. Era chefe de numerosa família; mas como todos eram sóbrios a industriosos, sua fazenda bastava para a manutenção de todos.
     Em 1833, dois anos depois que Miller começou a apresentar em público as provas da próxima vinda de Cristo, apareceu o último dos sinais que foram prometidos pelo Salvador como indícios de Seu segundo advento. Disse Jesus: "As estrelas cairão do céu." S. Mateus 24:29. E S. João, no Apocalipse, declarou, ao contemplar em visão as cenas que deveriam anunciar o dia de Deus: "E as estrelas do céu caíram sobre a Terra, como quando a figueira lança de si os seus figos verdes, abalada por um vento forte." Apocalipse ó:l3. Esta profecia teve cumprimento surpreendente a impressionante na grande chuva meteórica de 13 de novembro de 1833. Aquela foi a mais extensa a maravilhosa exibição de estrelas cadentes que já se tem registrado, "achandose então o firmamento inteiro, sobre todos os Estados Unidos, durante horas, em faiscante comoção! Neste país, desde que começou a ser colonizado, nenhum fenômeno celeste já ocorreu que fosse visto com tão intensa admiração por uns ou com tanto terror a alarma por outros." "Sua sublimidade a terrível beleza ainda perdura em muitos espíritos . . . . Raras vezes caiu chuva mais densa do que caíram os meteoros em direção à Terra; Leste, Oeste, Norte a Sul, tudo era o mesmo. Em uma palavra, o céu inteiro parecia em movimento . ... O espetáculo, como o descreveu o diário do professor Silliman, foi visto por toda a América do Norte . . . . Desde as duas horas até pleno dia, estando o céu perfeitamente sereno a sem nuvens, um contínuo jogo de luzes deslumbrantemente fulgurantes se manteve em todo o firmamento." - Progresso Amencano, ou Os Grandes Acontecimentos do Maior dos Séculos, R. M. Devens.
     "Nenhuma expressão, na verdade, pode, chegar à altura do esplendor daquela exibição magnificente; . . . pessoa alguma que não a testemunhou pode ter uma concepção adequada de sua glória. Dir-se-ia que todas as estrelas se houvessem reunido em um ponto próximo do zênite, a dali fossem simultaneamente arrojadas, com a velocidade do relãmpago, a todas as partes do horizonte; e, no entanto, não se exauriam, seguindo-se milhares celeremente no rastro de milhares, como se houvessem sido criadas para a ocasião." - F. Reed, no Christian Advocate and journal, de 13 de dezembro de 1833. "Não era possível contemplar um quadro mais fiel de uma figueira lançando seus figos quando açoitada por um vento forte." - The Old Countryman, no Advertiser, vespertino de Portland, de 26 de novembro de 1833.
     No Journal of Comerce, de Nova Iorque, de 14 de novembro de 1833, apareceu um longo artigo considerando este marsvilhoso fenômeno, artigo que continha esta declaração: "Nenhum filósofo ou sábio mencionou ou registrou, suponho-o eu, um acontecimento semelhante ao de ontem de manhã. Um profeta há mil a oitocentos anos predisse-o ex-atamente - se não nos furtarmos ao incômodo de compreender o chuveiro de estrelas como a queda das mesmas, . . . no único sentido em que é possível ser isso literalmente verdade."
     Assim se mostrou o último dos sinais de Sua vinda, relativamente aos quais Jesus declarou a Seus discípulos: "Quando virdes todas estas coisas, sabei que está próximo, às portas." S. Mateus 24:33. Depois destes sinais S. João contemplou, como o grande acontecimento a seguir imediatamente, o céu retirandose como pergaminho que se enrola, enquanto a Terra tremia, montanhas a ilhas se removiam dos lugares, a os ímpios procuravam, aterrorizados, fugir da presença do Filho do homem. (Apocalipse 6:12-17). .
     Muitos que testemunharam a queda das estrelas, consideraram-na um arauto do juízo vindouro "sinal espantoso, precursor certo, misericordioso prenúncio do grande a terrível dia." - The Old Countryman. Deste modo a atenção do povo foi dirigida para o cumprimento da profecia, sendo muitos levados a dar atenção à advertência do segundo advento.
     No ano de 1840 outro notável cumprimento de profecia despertou geral interesse. Dois anos antes, Josias Litch, um dos principais ministros que pregavam o segundo advento, publicou uma explicação de Apocalipse 9, predizendo a queda do Império Otomano. Segundo seus cálculos esta potência deveria ser subvertida "no ano de 1840, no mês de agosto;" a poucos dias apenas antes de seu cumprimento escreveu : "Admitindo que o primeiro período, 150 anos, se cumpriu exatamente antes que Deacozes subisse ao trono com permissão dos turcos, a que os 391 anos, quinze dias, começaram no final do primeiro período, terminará no dia 11 de agosto de 1840, quando se pode esperar seja abatido o poderio otomano em Constantinopla. E isto, creio eu, verificar-se-á ser o caso." - Josias Litch, artigo no Signs of the Times, and Expositor of Prophecy, de 1° de agosto de 1840.
     No mesmo tempo especificado, a Turquia, por intermédio de seus embaixadores, aceitou a proteção á .as potências aliadas da Europa, a assim se pôs sob a direção de nações cristãs. O acontecimento cumpriu exatamente a predição. (Ver Apêndice.) Quando isto se tornou conhecido, multidões se convenceram da exatidão dos princípios de interpretação profética adotados por Miller a seus companheiros, a maravilhoso impulso foi dado ao movimento do advento. Homens de saber a posição uniram-se a Miller, tanto para pregar como para publicar suas opiniões, e de 1840 a 1844 a obra estendeu-se rapidamente.
     Guilherme Miller possuía grandes dotes intelectuais, disciplinados pela meditação a estudo; e a estes acrescentava a sabedoria do Céu, pondo-se em -ligação com a Fonte da sabedoria. Era um homem de verdadeiro valor, que inspirava respeito e estima onde quer que a integridade de caráter a a, excelência moral fossem apreciadas. Unindo a verdadeira bondade de coração à humildade cristã a ao poder do domínio-próprio, era atento a afável para corn todos, pronto para ouvir as opiniões de outrem a pesar seus argumentos. Sem paixão ou excitação, aferia todas as teorias a doutrinas pela Palavra de Deus; a seu raciocínio são e o profundo conhecimento das Escrituras habilitavam-no a refutar o erro a desmascarar a falsidade.
     Todavia, não prosseguiu ele o seu trabalho sem tenaz oposição. Como acontecera com os primeiros reformadores, as verdades que apresentava não eram recebidas f avoravelmente pelos ensinadores populares da religião. Não podendo manter sua atitude pelas Escrituras, viam-se obrigados a recorrer aos ditos e doutrinas de homens, às tradições dos pads da igreja. A Palavra de Deus, porém, era o único testemunho aceito pelos pregadores da verdade do advento. "A Bíblia, e a Biblia só," era a sua senha. A falta de argumentos das Santas Escrituras, por parte dos oponentes, supriam-na eles pelo ridículo e o escárnio. Empregavam tempo, meios a talentos para difamar aqueles cuja única falta era esperar com alegria a volta de seu Senhor, e esforçar-se por viver vida santa a exortar aos demais a prepararem-se para o Seu aparecimento.
     Diligentes esforços se faziam para que o espírito do povo fosse desviado do assunto referente ao segundo advento. Procurava-se dar a impressão de que estudar as profecias que se referem à vinda de Cristo a ao fim do mundo, fosse pecado, algo de que os homens deveriam envergonhar-se. Assim, o ministério popular minava a fé na Palavra de Deus. Seu ensino tornava os homens incrédulos, a muitos tomaram a liberdade de andar conforme seus próprios desejos ímpios. Então os autores desse mal atribuíram-no todo aos adventistas.
     Se bem que Miller conseguia ter casas repletas de ouvintes inteligentes a atentos, seu nome era raras vezes mencionado pela imprensa religiosa, exceto para fins de acusação a ridículo. Os descuidados a ímpios, tornando-se audazes pela atitude dos ensinadores religiosos, recorriam aos epítetos infamantes, graçolas vis a blasfemas, em seu esforço de amontoar o ultraje sobre ele a sua obra. O homem de cabelos grisalhos, que deixara o lar confortável para viajar a expensas próprias, de cidade em cidade, de vila em vila, labutando incessantemente a fim de levar ao mundo a solene advertência do juízo próximo, era vilmente acusado de fanático, mentiroso a patife explorador.
     O ridículo, a falsidade, o insulto acumulados sobre ele, provocaram indignados protestos, mesmo por parte da imprensa secular. " Tratar um assunto de tão imponente majestade a terríveis conseqüências," com leviandade a linguagem baixa, declaravam mesmo homens mundanos ser "não meramente brincar com os sentimentos de seus propagadores a advogados," mas "fazer zombaria do dia de juízo, escarnecer da própria Divindade, a desdenhar os terrores de Seu tribunal;." - Bliss.
     O instigador de todo mal procurava não somente contrariar o efeito da mensagem do advento, mas destruir o próprio mensageiro. Miller fazia aplicação prática da verdade das Escrituras ao coração de seus ouvintes, reprovando-lhes os pecados a perturbando-lhes a satisfação própria; a suas palavras claras a incisivas despertaram inimizade. A oposição manifestada pelos membros da igreja à sua mensagem, animava as classes inferiores a irem mais longe; a conspiraram alguns dos inimigos para tirarlhe a vida quando saísse do local da reunião. Santos anjos, porém, estavam na multidão, a um deles, certa. Vez, sob a forma de homem, tomou o braço desse servo do Senhor a pô-lo a salvo da turba enfurecida. Sua obra ainda não estava terminada, e Satanás a seus emissários viram seus planos frustrados.
     A despeito de toda a oposição, o interesse no movimento adventista continuou a aumentar. As congregações cresceram das dezenas a centenas para milhares. Grande aumento houve nas várias igrejas, mas depois de algum tempo se manifestou o espírito de oposição a esses conversos, a as igrejas começaram a tomar providências disciplinares contra os que tinham abraçado as opiniões de Miller. Este ato provocou uma resposta de sua pena, em escrito dirigido aos cristãos de todas as denominações, insistindo em que, se suas doutrinas eram falsas, se the mostrasse o erro pelas Escrituras.
     "Que temos nós crido," disse ele, "que não nos tenha sido ordenado pela Palavra de Deus, a qual, vós mesmos o admitis, é a regra e a única regra de nossa fé a prática? Que temos nós feito que provocasse tão virulentas acusações contra nós, do púlpito a da imprensa, a vos desse motivo justo para excluirnos [os adventistas] de vossas igrejas a comunhão?" "Se estamos err dos, peço mostrar-nos em que consiste nosso erro. Mostrainos, pela Palavra de Deus, que estamos enganados. Temos sido bastante ridicularizados; isso nunca nos poderá convencer de que estamos em erro; a Palavra de Deus, unicamente, pode mudar nossas opiniões. Chegamos às nossas conclusões depois de refletir maduramente a muito orar, a ao vermos sua evidência nas Escrituras." - Bliss.
     Século após século as advertências que Deus enviou ao mundo por Seus servos foram recebidas com igual incredulidade e descrença. Quando a iniqüidade dos antedliluvianos o moveu a trazer o dilúvio sobre a Terra, primeiramente Ele lhes fez saber Seu propósito, para que pudessem ter oportunidade de abandonar seus maul caminhos. Durante cento a vinte anos lhes soou aos ouvidos o aviso para que se arrependessem, não acontecesse manifestar-se a ira de Deus a fim de destruí-los. A mensagem parecia-lhes, porém, uma história ociosa, a nela não creram. Fazendo-se audaciosos em sua impiedade, caçoavam do mensageiro de Deus, recebiam frivolamente seus apelos a até o acusavam de presunção. Como ousa um homem levantar-se contra todos os grandes da Terra? Se a mensagem de Noé era verdadeira,, por que todo o mundo não o viu a creu? A Palavra de urn homem contra a sabedoria de milhares! Não queriam dar crédito ao aviso, nem buscar refúgio na circa.
     Escarnecedores apontavam para as coisas da Natureza - a sucessão invariável das estações, o céu azul que nunca havia derramado chuva, os campos verdejantes refrescados pelo brando orvalho da noite - a exclamavam: "Fala ele parábolas?" Desdenhosamente declaravam ser o pregador da justiça um rematado fanático; a continuavam mais avidamente na busca de prazeres, mais decididos em seus maus caminhos do que nunca dantes. Mas a incredulidade que alimentavam não impediu o acontecimento predito. Deus suportou por muito tempo sua iniqüidade, dando-lhes ampla ocasião para o arrependimento; ao tempo designado, porém, os juízos do Senhor caíram sobre os que haviam rejeitado Sua misericórdia.
     Cristo declara que existirá idêntica incredulidade no tocante à Sua segunda vinda. Como os contemporâneos de Noé não o conheceram, "até que veio o dilúvio a os levou a todos, assim será também," nas palavras de nosso Salvador, "a vinda do Filho do homem." S. Mateus 24:39. Quando o professo povo de Deus se estiver unindo com o mundo, vivendo como vivem os do mundo, a com eles gozando de prazeres proibidos; quando o luxo do mundo se tornar o luxo da igreja; quando os sinos para casamentos estiverem a tocar, a todos olharem para o futuro esperando muitos anos de prosperidade temporal, subitamente então, como dos céus fulgura o relâmpago, virá o fim de suas resplendentes visões a esperanças ilusórias.
     Assim como Deus enviou Seu servo para advertir o mundo do dilúvio a vir, enviou também mensageiros escolhidos para tornar conhecida a proximidade do juízo final. F como os contemporâneos de Noé se riam com escámio. das predições do pregador da justiça, assim, no tempo de Miller, muitos, mesmo dentre o povo professo de Deus, mofavam das palavras de adveradvertência
     E, por que foram a doutrina a pregação da segunda vinda de Cristo. tãomal recebidas pelas igrejas? Ao passo que para os ímpios o advento do Senhor traz miséria a desolação, para os justos está repleto de alegria a esperança. Esta grande verdade tem sido o consolo dos fiéis de Deus através de todos os séculos. Por que se tornou ela, como seu Autor, "uma pedra de tropeço a rocha de escândalo" a Seu povo professo? Foi nosso Senhor mesmo que prometeu a Seus discípulos: "Se Eu for, e vos preparar lugar, virei outra vez, a vos levarei para Mim mesmo." S. João 14:3. Foi o compassivo Salvador que, antecipando-Se aos sentimentos de solidão a tristeza de Seus seguidores, incumbiu anjos de confortá-los com a certeza de que Ele viria outra vez, em pessoa, assim como fora para o Céu. Estando os discípulos a olhar atentamente para cima a fim de apanhar o último vislumbre dAquele a quem amavam, sua atenção foi despertada pelas palavras: "Varões galileus, por que estais olhando para o céu? Esse Jesus, que dentre vós foi recebido em cima no Céu, há de vir assim como para o Céu o vistes ir." Atos 1:11. Pela mensagem do anjo acendeu-se de novo a esperança. Os discípulos "tornaram com grande júbilo para Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando a bendizendo a Deus." S. Lucas 24:52 a 53. Não se regozijavam porque Jesus deles Se houvesse separado, a tivessem siido deixados a lutar com as provações a tentações do mundo, mas por causa da certeza dada pelo anjo de que Ele viria outra vez.
     A proclamação da vinda de Cristo deveria ser agora, como quando fora feita pelos anjos aos pastores de Belém, boas-novas de grande alegria. Os que realmente amao Salvador saudarão com alegria o anúncio baseado na Palavra de Deus, de que Aquele em quem se centralizam as esperanças de vida eterna, vem outra vez, não para ser insultado, desprezado a rejeitado, como se deu no primeiro advento, tunas com poder a glória, para remir Seu povo. Os que não amam o Salvador é que não desejam Sua vinda; a não poderá haver prova mais concludente de que as igrejas se afastaram de Deus do que a irritação e a animosidade despertada por esta mensagem enviada pelo Céu.
     Os que aceitaram a doutrina do advento aperceberam-se da necessidade-de arrependimento a humilhação perante Deus. Muitos haviam por longo tempo vacilado entre Cristo e o mundo; agora compreendiam que era tempo de assumir atitude decisiva. "As coisas da eternidade assumiam para eles uma desusada realidade. O Céu se lhes aproximava, a sentiam-se culpados perante Deus." Elms. Os cristãos despertaram para nova vida espiritual. Compenetraram-se de que o tempo era breve, de que o que tinham a fazer pelos seus iemelhantes deveria fazer-se rapidamente. A Terra retrocedia, a eternidade parecia abrir-se perante eles, e a alma, corn tudo que diz respeito à sua felicidade ou miséria eterna, sentia eclipsar-se todo o objetivo mundano. O Espírito de Deus repousava sobre eles conferindo poder aos fervorosos apelos que faziam a seus irmãos e aos pecadores, a fun de se -prepararem para o dia de Deus. O testemunho silencioso-de sua vida diária era constante reprovação aos membros das igrejas, seguidores de formalidades e destituídos de consagração. Estes não desejavam ser perturbados em sua procura de prazeres, seu desejo de ganho a ambição de honras mundanas. Daí a inimizade e a oposição suscitadas contra a fé no advento a contra os que, a proclamavam.
     Como se verificassem irrefutáveis os argumentos baseados nos períodos proféticos, os oponentes se esforçaram por desacoroçoar a investigação deste assunto, ensinando que as profecias estavam fechadas. Assim seguiram os protestantes nas pegadas dos romanistas. Enquanto a igreja papal privava da Bíblia o povo, (ver Apêndice) as igrejas protestantes alegavam que uma parte importante da Palavra Sagrada - parte que apresentava verdades especialmente aplicáveis ao nosso tempo - não podia ser compreendida.
     Ministros a povo declaravam que as profecias de Daniel e do Apocalipse eram mistérios incompreensíveis. Cristo, porém, chamou a atenção de Seus discípulos para as palavras do profeta Daniel, relativas aos acontecimentos a ocorrerem na época deles, a disse: "Quem lê, entenda." S. Mateus 24:15 (Trad. Bras.). E a asserção de que o Apocalipse é um mistério, que não pode ser compreendido, é contradita pelo próprio título do livro: "Revelação de ,Jesus Cristo, a qual Deus Lhe deu, para mostrar a Seus servos as coisas que brevemente devem acontecer . . . . Bem-aventurado aquele que lê, a os que ouvem as palavras desta profecia, a guardam as coisas que nela estão escritas; porque o tempo está próximo."
     Diz o profeta: "Bem-aventurado aquele que lê" - há os que não querem ler; a bênção não é para estes. "E os que ouvem" há alguns, também, que se recusam a ouvir qualquer coisa relativa às profecias; a bênção não é para esta classe. "E guardam as coisas que nela estão escritas" - muitos se recusam a atender às advertências .e instruções contidas no Apocalipse; nenhum desses pode pretender a bênção prometida. Todos os que ridicularizam os assuntos da profecia, zombando dos símbolos ali solenemente dados, todos os que se recusam a reformar a vida a preparar-se para a vinda do Filho do homem, não serão abençoados.
     Em vista do testemunho da Inspiração, como ousam os homens ensinar que o Apocalipse é um mistêrio, fora do alcance da inteligência humana? E um mistério revelado, um livro aberto. O estudo do Apocalipse encaminha o espírito às profecias de Daniel, a ambos apresentam importantíssimas instruções, dadas por Deus ao homem, relativas a fatos a acontecerem no final da história deste mundo.
     Foram reveladas a S. João cenas de profundo a palpitante interesse na experiência da igreja. Viu ele a posição, os perigos, os conflitos e o livramento final do povo de Deus. Ele registra as mensagens finais que devem amadurecer a seara da Terra, sejam os molhos para o celeiro celeste, ou os, feixes para os fogos da destruição. Assuntos de vasta importância the foram desvendados, especialmente para a última igreja, a fim de que os que volvessem do erro para a verdade pudessem ser instruídos em relação aos perigos a conflitos que diante deles estariam. Ninguém necessita estar em trevas no que respeita àquilo que está para vir sobre a Terra.
     Por que, pois, esta dilatada ignorância com respeito a uma pane importante das Sagradas Escrituras? Por que esta relutância geral em investigar-lhes os ensinos? É o resultado de um esforço estudado do príncipe das trevas para esconder dos homens o que revela os seus enganos. Por esta razão, Cristo, o Revelador, prevendo a luta que seria ferida contra o estudo do Apocalipse, pronunciou uma bênção sobre os que lessem, ouvissem a observassem as palavras da profecia.


 
CAPÍTULO 19

Luz Para os Nossos Dias

     A obra de Deus na Terra apresenta, século após século, uma surpreendente semelhança, em todas as grandes reformas ou movimentos religiosos. Os princípios envolvidos no trato de Zeus com os homens são sempre os mesmos. Os movimentos importantes do presente têm seu paralelo nos do passado, e a experiência da igreja nos séculos antigos encerra lições de grande valor pare o nosso tempo.
     Nenhuma verdade é mais claramente ensinada na Escritura do que aquela segundo a qual Zeus, pelo Seu Espírito Santo, dirige de maneira especial Seus servos sobre a Terra, nos grandes movimentos que têm por objeto promover a obra da salvação. Os homens são instrumentos nas mãos de Deus, por Ele empregados pare cumprirem Seus propósitos de graça a misericórdia. Cada um tem a sue parse a desempenhar; a cads qual é concedida uma porção de luz, adaptada às necessidades de seu tempo, a suficiente pare o habilitar a efetuar a obra que Deus the deu a fazer. Nenhum homem, porém, ainda que honrado pelo Céu, já chegou a compreender completamente o grande piano da redenção, ou mesmo a aquilatar perfeitamente o propósito divino na obra pare o seu próprio tempo. Os homens não compreendem plenamente o que Deus deseja cumprir pela missão que lhes confia: não abrangem, em todos os aspectos, a mensagem que proclamam em Seu nome.
     "Porventura alcançarás os caminhos de Deus, ou chegarás à perfeição do Todo-poderoso?" "Os Meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos caminhos os Meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como os céus são mais altos do que a Terra, assim são os Meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos a os Meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos." "Eu sou Deus, a não há outro Deus, não há outro semelhante a Mim; que anuncio o fim desde o princípio, a desde a antigüidade as coisas que ainda não aconteceram." Jó 11:7; Isaías 55:8 a 9; 46:9 e 10.
     Mesmo os profetas que eram favorecidos com iluminação especial do Espírito, não compreendiam plenamente a significação das revelações a eles confiadas. O sentido deveria ser desvendado de século em século, à medida que o povo de Deus necessitasse das instruções nelas contidas.
     S. Pedro, escrevendo acerca da salvação trazida à luz pelo evangelho, diz: "Da qual salvação inquiriram a trataram diligentemente os profetas que profetizaram da grace que vos foi dada, indagando que tempo ou que ocasiáo de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava, anteriormente, testificando os sofrimentos que a Cristo haviam de vir, e a glória que se lhes havia de seguir. ' Aos quais foi revelado que, não para si mesmos, mas para nós, eles ministravam." 1 S. Pedro 1:10-12.
     Entretanto, ao mesmo tempo em que não era dado aos profetas compreender completamente as coisas que lhes eram reveladas, buscavam fervorosamente obter toda a luz que Deus fora servido tornar manifesta. "Inquiriram a trataram diligentemente," "indagando que tempo ou que ocasião de tempo o Espírito de Cristo, que estava neles, indicava." Que lição para o povo de Deus na era cristã, para o benefício do qual foram dadas aos Seus servos estas profecias! "Aos quais foi revelado que não para si mesmos, mas pare nós, eles ministravam." Considerai como os santos homens de Deus "inquiriram a trataram diligentemente," corn respeito a revelações que lhes foram dadas pare as gerações ainda não nascidas. Comparai seu santo zelo com a descuidada indiferença com que os favorecidos dos últimos séculos tratam este dom do Céu. Que exprobração àquela indiferença comodista a mundana, que se contents em declarar que as profecias não podem ser compreendidas!
     Posto que a mente finita do homem não seja apta a penetrar nos conselhos do Ser infinito, ou compreender completamente a realização de Seus propósitos, muitas vezes é por causa de algum erro ou negligência de sua parte que tão palidamente entendem as mensagens do Céu. Com freqüência, a mente do povo, a mesmo dos servos de Deus, se acha tão cegada pelas opiniões humanas, as tradições a falsos ensinos, que apenas pode parcialmente apreender as grandes coisas que Ele revelou em Sua Palavra. Assim foi com os discípulos de Cristo, mesmo quando o Salvador estava com eles em pessoa. Seu espíruo se havia imbuído da idéia popular acerca do Messias como príncipe terreno, que exaltaria Israel ao trono do domínio universal, a não compreendiam o sentido de Suas palavras predizendo Seus sofrimentos a morte.
     O próprio Cristo os enviara com a mensagem: "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo. Arrependeivos a crede no evangelho." S. Marcos 1:15. Aquela mensagem era baseada na profecia de Daniel 9. As sessenta a nove semanas, declarou o anjo, estender-se-iam até "o Messias, o Principe" e com grandes esperanças a antecipado Bozo aguardavam o estabelecimento do reino do Messias, em Jerusalém, a fim de governar sobre a Terra toda.
     Pregaram a mensagem que Cristo lhes confiara, ainda que eles próprios compreendessem mal a sua significação. Ao passo que seu anúncio se baseava em Daniel 9:25, não viam no versículo seguinte do mesmo capítulo que o Messias deveria ser tirado. Desde nascença haviam fixado o coração na antecipada glória de um império terrestre, a isto lhes cegava igualmente a compreensão das especificações da profecia a das palavras de Cristo.
     Cumpriram seu lever apresentando à nação judaica o convite de misericórdia e, então, no mesmo tempo em que esperavam ver ó Senhor ascender ao trono de Davi, viram-nO ser agarrado como malfeitor, açoitado, escarnecido, condenado e suspenso à cruz do Calvário. Que desespero a angústia oprimia o coração dos discípulos durante os dias em que seu Senhor dormia no túmulo!
     Cristo viera no tempo exato, a da maneira predita na profecia. O testemunho das Escrituras fora cumprido em todos os detalhes de Seu ministério. Pregara Ele a mensagem da salvação, a "Sua palavra era com autoridade." C) coração de Seus ouvintes havia testemunhado ser ela do Céu. A Palavra e o Espírito de Deus atestavam a missão divina do Filho.
     Os discípulos ainda se apegavam com imperecível afeição ao Mestre amado. E, não obstante, traziam o espírito envolto em incerteza a dúvida. Em sua angústia não se lembravam então das palavras de Cristo que de antemão indicavam Seu sofrimento a morte. Se Jesus de Nazaré fosse o verdadeiro Messias, teriam eles sido assim imersos em pesar a decepção? Esta era a pergunta que lhes torturava a alma enquanto o . Salvador jazia no sepulcro, durante as desesperadoras horas daquele sábado, que mediou entre Sua morte a Sua ressurreição.
     Conquanto a noite de tristeza caísse tenebrosa em redor dos seguidores de Jesus, não foram eles, contudo, esquecidos. Diz o profeta: "Se morar nas trevas, o Senhor será a minha luz . . . . Ele me trará à luz, a eu verei a Sua justiça." "'Nem ainda as trevas me escondem de Ti: mas a noite resplandece como o dia; as trevas e a luz são para Ti a mesma coisa." Deus falou: "Aos justos nasce luz nas trevas." "E guiarei os cegos por um caminho que nunca conheceram, fá-los-ei caminhar por veredas que não conheceram: tornarei as trevas em luz perante eles, a as coisas tortas farei direitas. Estas coisas lhes farei, a nunca os desampararei." Miquéias 7:8 a 9; Salmo 139:12; 112:4; Isaías 42:16.
     O que os discípulos haviam anunciado em nome do Senhor, era correto em todos os pormenores, a os acontecimentos preditos estavam mesmo então a ocorrer. "O tempo está cumprido, o reino de Deus está próximo" - havia sido a sua mensagem. À terminação do "tempo" - as sessenta a nove semanas de Daniel 9, as quais se deveriam estender até ao Messias, "o Ungido" Cristo recebera a unção do Espírito, depois de batizado por João, no Jordão. E "o reino de Deus," que eles declararam estar próximo, foi estabelecido pela morte de Cristo. Este reino não era, como eles haviam sido ensinados a crer, urn domínio terrestre. Tampouco devia ser confundido com o reino futuro, imortal que será estabelecido quando "o reino, o domínio, e a majestade dos reinos debaixo de todo o céu serão dados ao povo dos santos do Altíssimo" - reino eterno, no qual "todos os domínios o servirão a Lhe obedecerão." Daniel 7:27. Conforme é usada na Biblia, a expressão "reino de Deus" designs tanto o reino da graçá como o de glória. O primeiro é apresentado por S. Paulo na epístola aos hebreus. Depois de apontar pare Cristo, o compassivo Intercessor que pode "compadecer-Se de nossas fraquezas," diz o a]póstolo: "Cheguemos, pois, com confiança ao trono da graça, pare que possamos alcançar misericórdia a achar graça." Hebreus 9:16. O trono da graça represents o reino da graça; pois a existëncia de um trono implica a de um reino. Em muitas parábolas Cristo use a expressão "o reino dos Céus," pare designer a obra da graça diving no coração dos homens.
     Assim, o trono de glória represents o reino de glória; e a este reino fazem referência as palavras do, Salvador: "Quando o Filho do homem vier em Sua glória, a todos os santos anjos com Ele, então Se assentará no trono de Sua glória: a todas as nações serão reunidas diante dEle." S. Mateus 25:31 a 32. Este reino está ainda no futuro. Não será estabelecido antes do segundo advento de Cristo.
     O reino da graça foi instituído imediatamente depois da queda do homem, quando fore concebido um piano pare a redenção da raça culpada. Existiu ele então no propósito de Deus e pela Sua promessa; a mediante a fé os homens podiam tornarse súditos seus. Contudo, não foi efetivamente estabelecido antes da morte de Cristo. Mesmo depois de entrar pare o Seu ministério terrestre, o Salvador, cansado pela obstinação a ingratidão dos homens, poderia ter-Se recusado ao sacrifício do Calvário. No Getsêmani, a taça de amarguras tremia-Lhe na mão. Ele poderia naquele momento ter enxugado o suor de sangue da fronte, abandonando a raça criminosa pare que perecesse em sue iniqüidade. Houvesse Ele feito isto, a não teria havido redenção pare o homem caído. Quando, porém, o Salvador rendeu a villa, a em Seu último alento clamou: "Está consumado," assegurou-se naquele instante o cumprimento do piano da redenção. Ratificou-se a promessa de libertamento, feita no Eden, ao casal pecador. O reino da graça, que anti°s existira pela promessa de Deus, foi então estabelecido.
     Destarte, a morte de Cristo - o próprio acontecimento que os discípulos encararam como a destruição final de sues esperanças - foi o que as confirmou pare sempre. Conquanto lhes houvesse acarretado cruel decepção, foi a prove máxima de que sue crença era correta. O acontecimento que os enchera de pranto a desespero, foi o que abrira a porta da esperança a todo filho de Adão, a no qual se centralizava a villa future e a felicidade eterna de todos os fiéis de Zeus, de todos os séculos.
     Estavam a cumprir-se os desígnios da misericórdia infinite, mesmo por meio do desapontamento dos discípulos. Se bem qua o coração dales tivesse sido ganho pale graça divine a pelo poder do ensino dAquele qua falou como homem algum jamais falara, todavia, de mistura com o ouro puro do amor pare com Jesus, achava-se a liga vii do orgulho humano a das ambições egoístas. Mesmo na sale da páscoa, na hora solene em qua o Mestre já estava a entrar na sombre do Getsêmani, houve "entre ales contenda, sobre qual dales parecia ser o maior." S. Lucas 22:24. Nada mais viam senão o trono, a coroa e a glória, enquanto precisamente diante dales se achavam a ignomínia a agonia do jardim, do tribunal, da cruz do Calvário. O orgulho no coração e a cede de glória mundane é qua os levou a apegar-se tão tenazmente ao falso ensino de seu tempo, a deixar despercebidas as palavras do Salvador qua mostravam a verdadeira natureza de Seu reino a apontavam pare a Sua agonia a morte. E destes erros resultou a prove - dura mas necessária - qua fore permitida pare corrigi-los. Embora os discípulos houvessem compreendido mal o sentido de Sua mensagem, a vissem frustradas sues esperanças, tinham contudo pregado a advertência a ales dada por Deus, e o Senhor lhes recompensaria a fé e honraria a obediência. A ales fore confiada a obra de anunciar a todas as nações o evangelho glorioso do Senhor ressuscitado. A fim de prepará-los para essa obra, fora permitida a experiência que lhes pareceu tão amarga.
     Depois de Sua ressurreição Jesus apareceu a Seus discípulos no caminho para Emaús, e, "começando por, Moisés, a por todos os profetas, explicava-lhes o que dEle se achava em todas as Escrituras." S. Lucas 24:27. Comoveu-se o coração dos discípulos. Avivou-se-lhes a fé. Foram "de novo gerados para uma viva esperança," mesmo antes que Jesus Se lhes revelasse. Era propósito de Cristo iluminar-lhes o entendimento, firmando-lhes a fé na "firme palavra da profecia." Desejava que no espírito deles a verdade criasse sólidas raízes, não meramente porque fosse apoiada por Seu testemunho pessoal, mas por causa da evidência inquestionável apresentada pelos símbolos a sombras da lei típica a pelas profecias do Velho Testamento. Era necessário aos seguidores de Cristo ter fé inteligente, não só em favor de si próprios, mas para que pudessem levar o conhecimento de Cristo ao mundo. E, como primeiro passo no comunicar este conhecimento, Jesus encaminhou Seus discípulos para "Moisés a os profetas." Este foi o testemunho dado pelo Salvador ressuscitado quanto ao valor a importáncia das Escrituras do Velho Testamento.
     Que mudança se operou no coração dos discípulos, ao contemplarem mais uma vez o amado semblante, do Mestre! S. Lucas 24:32. Em sentido mais completo a perfeito do que nunca, haviam "achado Aquele de quem Moisés escreveu na lei, a os profetas." A incerteza, a angústia e o desespero deram lugar a segurança perfeita a esclarecida fé. Não admira que, depois de Sua ascensão, estivessem "sempre no templo, louvando a bendizendo a Deus." O povo, sabendo apenas da morte ignominiosa do Salvador, procurava ver no rosto deles a expressão de tristeza, confusão a derrota; viam, porém, ali, alegria a triunfo. Que preparo receberam estes discípulos para a obra que se achava diante deles! Tinham passado pela mais severa prova que lhes era possível experimentar, a visto como a Palavra de Deus se cumprira triunfantemente, quando, segundo a visão humana, tudo se achava perdido. Que poderia, dali em, diante, intimidarlhes a fé ou arrefecer-lhes o ardoroso amor? Na mais aguda tristeza tinham "firme consolação," a uma esperança que era "como âncora da alma segura a firme." Hebreus 6:18 a 19. Haviam sido testemunhas da sabedoria a poder de Deus a estavam certos "de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura," seria capaz de os separar "do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor." "Em todas estas coisas," disseram eles, "somos mais do que vencedores, hor Aquele que nos amou." Romanos 8:38, 39 a 37. "A Palavra. do Senhor permanece para sempre." 1 S. Pedro 1:25. E "q,uem os condenará? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quern ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, a tarabém intercede por nós." Romanos 8:34.
     Diz o Senhor: "O Meu povo não será envergonhado para sempre." Joel 2:26. "O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem pela manhã." Salmo 30:5. Quando no dia da ressurreição esses discípulos encontraram o Salvador a lhes ardia o coração ao ouvirem Suas palavras; quando olharam para a cabeça, mãos a pés que por amor deles tinham sido feridos; quando, antes de Sua ascensão, Jesus os levou até Betânia, e erguendo as mãos para os abençoar, lhes ordenou: "Ide por todo o mundo, pregai o evangelho," acrescentando: "Eis que Eu estou convosco todos os dias" (S. Marcos 16:15; S. Mateus 28:20); quando, no dia de Pentecostes, desceu o Consolador prometido, a foi dado o poder do alto, a as almas dos crentes estremeceram com a presença sensível do Senhor que ascendera ao Céu então, mesmo que seu carranho tivesse de passar, como o de Jesus, através de sacrifício f, martírio, trocariam eles o ministério do evangelho de Sua graça, com a "coroa da justiça" a ser recebida à vinda de Cristo, pela glória de um trono terrestre que fora a esperança de seu primeiro discipulado? Aquele que é "capaz de fazer muito mais abundantemente do que pedimos- ou pensamos," concedera-1hes, com a comunhão de Seus sofrimentos, a de Sua alegria - alegria de "trazer muitos filhos à glória," alegria indizível, "eterno peso de glória," comque, diz S. Paulo, "nossa leve a momentãnea tribulação" nãá é pare ser comparada.
     A experiência dos dIscÍpulos que pregaram "o evangelho do reino" no primeiro advento de Cristo, teve seu paralelo na experiência dos que proclamaram a mensagem de Seu segundo advento. Assim como saíram os discípulos a pregar: "O tempo está cumprido, o reino de Deus está próximo Miller a seus companheiros proclamaram que o período profético mais longo e o último apresentado na Bíblia estava a ponto de terminar, que o juizo estava próximo, a que deveria ser inaugurado o reino eterno. A pregação dos discípulos com relação ao tempo, baseava-se nas setenta semanas de Daniel 9. A mensagem apresentada por Miller a seus companheiros anunciava a terminação dos 2.300 dies de Daniel 8:14, dos quaffs as. setenta semanas fazem pane. Cada uma dessas pregações se baseava no cumprimento de uma porção diverse do mesmo grande período profético.
     Do mesmo modo que os primeiros discípulos, Guilherme Miller a seus companheiros não compreenderam inteiramente o significado da mensagem que apresentavarn. Erros, que havia muito se achavam estabelecidos na igreja, impediam-nos de chegar a uma interpretação correta de um ponto importante da profecia. Portanto, se bem que proclamassem a mensagem que Deus lhes confiara pare transmitir ao mundo, em virtude de uma errônea compreensão do sentido, sofreram desapontamento.
     Explicando Daniel 8:14 - "Até dues mil a trezentas tardes e manhãs; e o santuário será purificado" - Miller, conforme já foi declarado, adotou a opinião geralmente mantilla de que a Terra é o santuário, crendo que a purificação deste representava a purificação da Terra pelo fogo, à vinda do Senhor. Quando, pois, achou que o termo dos 2.300 dies estava definidamente predito, concluiu que into revelava o tempo do segundo advento. Seu erro resultou de aceitar a opinião popular quarto ao que constitui o santuário.
     No cerimonial típico - sombra do sacrifício a sacerdócio de Cristo a purificação do santuário era o último serviço realizado pelo sumo sacerdote no conjunto anual das cerimônias ministradas. Era a obra encerradora da expiação uma remoção ou afastamento do pecado de Israel. Prefiigurava a obra final no ministério de nosso Sumo Sacerdote no Céu, pela remoção ou obliteração dos pecados de Seu povo, que se achavam registrados nos relatórios celestiais. Este trabalho envolve urea investigação. e urn julgamento; a isto precede imediatamente a vinda de Cristo nas nuvens do céu, corn poder a grande glória. Quando Ele vier, pois, todos os casos estarão decididos. Diz Jesus: "O Meu galardão está comigo, para dar a cada um segundo a sua obra." Apocalipse 22:12. E esta obra de julgamento, que precede imediatamente a segunda vinda, que é anunciada na mensagem do primeiro anjo de Apocalipse 14:7: " Temei a Deus, e dai-Lhe glória; porque vinda é a hora do Seu juízo."
     Os que proclamaram esta advertência deram a mensagem devida no devido tempo. Mas, assim como os primitivos discípulos, baseados na profecia de Daniel 9, declararam - "O tempo está cumprido, e o reino de Deus está próximo" - ao mesmo tempo em que deixaram de perceber que a morte do Messias estava predita na mesma passagem, de igual modo, Miller a seus companheiros pre a mensagem baseados em Daniel 8:14 e Apocalipse 14:7, a deixaram de ver que havia ainda outras mensagens apresentadas em Apocalipse 14,, que também deveriam ser dadas antes do advento do Senhor. Assim como os discípulos estiveram em erro quanto ao reino a ser estabelecido no fim das setenta semanas, também os adventistas se enganaram em relação ao fato a ocorrer à terminação dos 2.300 dias. Em ambos os casos houve aceitação de erros populares, ou antes, uma aderência a eles, cegando o espírito à verdade. Ambas as classes cumpriram a vontade de Deus, apresentando a mensagem que Ele desejava fosse dada, a ambas, pela sua própria compreensão errônea da respectiva mensagem, sofreram desapontamento.
     Não obstante, Deus cumpriu Seu misericordioso propósito, permitindo que a advertência do juízo fosse feita exatamente como o foi- o grande dia estava próximo e, pela providência divina, o povo foi provado em relação ao tempo definido, a fim de que lhes fosse manifesto o que estava em seu coração. A mensagem era destinada à prova a purificação da igreja. Esta deveria ser levada a ver se suas afeições estavam postas neste mundo ou em Cristo a no Céu. Professava amar o Salvador; deveria agora provar seu amor. Estavam os crentes dispostos a renunciar às esperanças a ambições mundanas acolhendo com alegria o advento do Senhor? A mensagem tinha por fim habilitá-los a discernir seu verdadeiro estado espiritual; foi misericordiosamente enviada a fim de despertá-los para que buscassem o Senhor com arrependimento a humilhação.
     O desapontamento, outrossim, embora resultado da compreensão errônea, por parte dos crentes, da mensagem que apresentavam, deveria redundar para o bem. Poria à prova o coração dos que haviam professado receber a advertência. Em face de seu desapontamento, abandonariam eles temerariamente sua experiência cristã, renunciando à confiança na Palavra de Deus? ou procurariam, com oração a humildade, discernir em que dnham deixado de compreender o significado da profecia? Quantos haviam sido movidos pelo temor, por urn impulso do momento ou excitação? Quantos eram de ãnimo indeciso a incrédulos? Multidões professavam amar o aparecimento do Senhor. Quando chamadas a suportar o escárnio e o opróbrio do mundo, e a prova da demora a do desapontamento, porventura renunciariam à fé? Porque não compreendessem de pronto o trato de Deus, rejeitariam essas pessoas verdades sustentadas pelo mais claro testemunho da Palavra divina?
     Esta prova revelaria a força dos que coin fé verdadeira haviarn obedecido ao que acreditavam ser o ensino da Palavra e do Espírito de Deus. Ensinar-lhes-is - o que unicamente tal experiência poderia fazer - o perigo de aceitar as teorias a interpretações de homens, em vez de fazer corm que a Bíblia seja seu próprio intérprete. Aos filhos da fé, a perplexidade a tristeza resultantes de seu erro operariam a necessária correção. Serum levados a um estudo mais acurado da Palavra profética; seriam ensinados a examinar mais cuidadosamente o fundamento de sua fé, a rejeitar tudo que, conquanto amplamente aceito pelo cristianismo, não estivesse fundaunentado nas Escrituras da verdade.
     Pare sates crentes, assim como pare os primeiros discípulos, o que na hora da provaçào lhes parecia obscuro à inteligência, mais tarde se faria claro. Quando vissem o "fern do Senhor" [S. Tiago 5:11 ], saberiam que, apesar da provação resultants de seus erros, os divinos propósitos de amor pare corn eles estiveram continuamente a cumprir-se. Aprenderiam por uma bendita experiência que Ele é "muito misericordioso a piedoso;" que todos os Seus caminhos "sào rnisericórdia a verdade pare aqueles que guardam o Seu concerto a os Seus testemunhos."


 
CAPÍTULO 20

Um Grande Movimento Mundial

     Na profecia da mensagem do primeiro anjo, no capítulo 14 de Apocalipse, é predito um grande Despertamento religioso sob a proclamação da breve vinda de ,Jesus. E visto um anjo a voar "pelo meio do céu, a tinha o evangelho eterno, pare o proclamar aos que habitam sobre a Terra, e a toda nação, e tribo, a lingua, a povo." "Com grande voz" ele proclama a rnensagem: "Temei a Deus, a dai-Lhe glória; porque vinda é a hora do Seu juízo. E adorai Aquele que fey: o céu, e a Terra, e o mar, a as fontes das águas." Apocalipse 14:6 a 7.
     É significativo o fato de afirmar-se ser urn anjo o arauto desta advertência. Pela pureza, glória a poder do mensageiro celestial, a sabedoria divine foi servida de representar o caráter exaltado da obra a cumprir-se pale mensagem, e o poder a glória qua a deveriam acompanhar. E o vôo do anjo "pelo meio do céu," "a grande voz" corn qua é proferida a advertência, e sue proclamação a todos os "qua habitam sobre a Terra," "a toda a nação, a tribo, a lingua, a povo," evidenciam a rapidez e extensão mundial do movimento.
     A própria rnensagem derrama luz sobre o tempo em qua este movimento deve ocorrer. Declara-se qua faz pane do "evengelho eterno," a anuncia a abertura do juízo. A mensagem da salvação tam sido pregada em todos os séculos; mas esta mensagem é uma parte do evangelho qua só poderia ser pregada nos últimos dies, pois somente então seria verdade qua a hora do juízo havia chegado. As profecias apresentam uma sucessão de acontecimentos que nos levam ao início do juízo. Isto se observa especialmente no livro de Daniel. Entretanto, a parte de sua profecia que se refere aos últimos dias, Daniel teve ordem de fechar a selar, até "o tempo do fim." Não poderia, antes que alcançássemos o tempo do juízo, ser proclamada uma mensagem relativa ao mesmo juízo a baseada no cuumprimento daquelas profecias. Mas, no tempo do fim, diz o profeta, "muitos correrão de uma parte para outra, e a Ciência se multiplicará Daniel 12:4.
     O apóstolo S. Paulo advertiu a igreja a não esperar a vinda de Cristo em seu tempo. "Porque não será "sim," diz ele, "sem que antes venha a apostasia, a se manifeste o homem do pecado." 2 Tessalonicenses 2:3. Não poderemos esperar pelo advento de nosso Senhor senão depois da grande apostasia a do longo período do domínio do "homem do pecado.'' Este "homem do pecado," que também é denominado "mistério da injustiça," "filho da perdição" a "o iníquo," representa o papado, que, conforme foi anunciado pelos profetas, deveria manter sua supremacia durantc 1.260 anos. Este período terminou em 1798. A vinda de Cristo não poderia ocorrer antes daquele tempo. S. Paulo, com a sua advertência, abrange toda a dispensação cristã até ao ano 1798. É depois dessa data que a mensagem da segunda vinda de Cristo deve ser proclamada.
     Semelhante mensagem jamais foi apresentada nos séculos passados. S. Paulo, como vimos, não a pregou; indicara aos irmãos a vinda do Senhor num futuro então muito distante. Os reformadores não a proclamaram. Martinho Lutero admitiu o juízo para mais ou menos trezentos anos no futuro, a partir de seu tempo. Desde 1798, porém, o livro de Daniel foi descerrado, aumentou-se o conhecimento das profecias, a muitos têm proclamado a mensagem solene do juízo próximo.
     Como a grande reforma do século dezesseis, o movimento do advento apareceu simultaneamente em vários países da cristandade. Tanto na Europa como na América, homens de fé e oração foram levados a estudar as profecias e, seguindo o relatório inspirado, viram provas convincentes de que o fim de todas as coisas estava próximo. Em diferentes países houve grupos isolados de cristãos que, unicamente pelo estudo das Escrituras, creram na proximidade do advento do Salvador.
     Em 1821, três anos depois de Miller chegar à sua explicação das profecias que apontavam para o tempo do juízo, o Dr. José Wolff, "o missionário a todo o mundo," começou a proclamar a próxima vinda do Senhor. Wolff nasceu na Alemanha, de filiação hebréia, sendo seu pai rabino judeu. Quando ainda muito jovem, convenceu-se da verdade da religião cristã. Dotado de espírito ativo a inquiridor, fora ávido ouvinte das conversas em casa do pai, ao congregarem-se diariamente judeus devotos para recordarem as esperanças a expectativas de seu povo, a glória do Messias vindouro e a restauração de Israel. Ouvindo, certo dia, mencionar a Jesus de Nazaré, o menino perguntou quem era Ele. "Um judeu do maior talento," foi a resposta; "mas como pretendesse ser o Messias, o tribunal judaico o condenou à morte." "Por que então" - volveu o que fizera a pergunta - "se acha Jerusalém destruída a por que nos encontramos em cativeiro?" "Ai de nós!" - respondeu o pai - "porque os judeus assassinaram os profetas." Logo se insinuou na criança o pensamento: "Talvez fosse também Jesus um profeta, a os judeus o mataram sendo Ele inocente." -Viagem a Aventuras, do Rev. José Wolff. Tão forte foi esse pensamento que, embora the fosse proibido entrar em qualquer igreja cristã, muitas vezes se demorava do lado de fora a escutar a pregação.
     Tendo apenas sete anos de idade, estava ele a jactar-se, diante de um idoso vizinho cristão, do triunfo futuro de Israel pelo advento do Messias, quando o ancião disse amavelmente: "Meu caro menino, dir-te-ei quem foi o verdadeiro, Messias: Foi Jesus de Nazaré, . . . a quem teus antepassados crucificaram, assim como fizeram com os profetas da antigüidade. Vai para casa e lê o capítulo cinqüenta a três de Isaías, a to convencerás de que Jesus Cristo é o Filho de Deus." Viagens a Aventuras, do Rev. José Wolff. A convicção prontamente se apoderou dele. Foi para casa, leu a passagem a admirou-se de ver quão perfeitamente ela se havia cumprido em Jesus de Nazaré. Seriam verdadeiras as palavras do cristão? Pediu o rapaz ao pai uma explicação da profecia, mas defrontou com um silêncio tão rigoroso que nunca mais ousou referir-se ao assunto. Isto, entretanto, apenas the aumentou o desejo de saber mais a respeito da religião cristã.
     Era-the cautelosamente conservado fora do alcance o conhecimento que buscava em seu lar hebreu; mas, quando contava apenas onze anos de idade, deixou a casa paterna a saiu para o mundo a fim de obter por si mesmo educação, escolher sua religião a ofício. Encontrou durante algum tempo um lar entre os parentes, mas não tardou a ser por eles expulso como apóstata e, sozinho a sere vintém, teve de se conduzir entre estranhos. Ia de lugar em lugar, estudando diligentemente a conseguindo a subsistência corn o ensino do hebraico. Por influência de um professor católico foi levado a aceitar a fé romana e formulou o propósito de se fazer missionário para o seu proprio povo. Corn este objetivo foi, alguns anos mais tarde, prosseguir os seus estudos no Colégio da Propaganda, em Roma. Ali, seu hábito de pensar independentemente a falar com franqueza, acarretou-lhe a acusação de heresia. Atacava abertamente os abusos da igreja a insistia na necessidade de reforma. Embora a princípio fosse tratado com favor especial pelos dignitários papais, depois de algum tempo o removeram de Roma. Foi de urn lugar para outro, sob a vigilância da igreja, até que se tornou evidente que nunca poderia ser levado a submeter-se ao cativeiro do romanismo. Declararam-no incorrigível; deixaramno em liberdade para que fosse onde the aprouvesse. Encaminhou-se então para a Inglaterra e, professando a fé protestante, uniu-se à Igreja Anglicana. Depois de dois anos de estudo se entregou, em 1821, à sua missão.
     Ao mesmo tempo que Wolff aceitava a grande verdade do primeiro advento de Cristo como "homem de dores, a experimentado nos trabalhos," via que as profecias apresentavam, corn igual clareza, Seu segundo advento corn poder a glória. E, ao passo que procurava conduzir seu povo a Jesus de Nazaré como o Prometido, a indicar-lhes a Sua primeira vinda em humilhação, como sacrifício pelos pecados dos homens, ensinava-lhes também Sua segunda vinda como rei a libertador.
     "Jesus de Nazaré, o verdadeiro Messias," dizia ele, "cujas mãos a pés foram traspassados; que como um cordeiro foi levado ao matadouro; que foi o homem de dores a experimentado em trabalhos; que veio pela primeira vez, depois de ser o cetro tirado de Judá, e o poder legislativo de entre seus pés, virá pela segunda vez, nas nuvens do céu, a com a trombeta do Arcanjo" (Pesquisas a Trabalhos Missionáríos, de Wolff) "e estará em pé sobre o monte das Oliveiras; a aquele domínio sobre a criação, que uma vez fora entregue a nosso primeiro pai, a por ele perdido (Gênesis 1:26; 3:17), será dado a Jesus. Ele será rei sobre a Terra toda. Céssarão os gemidos a lamentações da criação, a cânticos de louvor é ações de graças serão ouvidos . . . . Quando Jesus vier na glória de Seu Pai, com os santos anjos, . . . os crentes que estiverem mortos ressuscitarão primeiro. (1 Tessalonicenses 4:16; 1 Coríntios 15:23.) Isto é o que nós, cristãos, chamamos primeira ressurreição. Então, o reino animal mudará a sua natureza (Isaías 11:6-9), a se submeterá a Jesus. (Salmo 8.) Prevalecerá a paz universal." (Diário do Rev. José Wolff.) "O Senhor novamente olhará para a Terra, a dirá que tudo é muito bom." Idem.
     Wolff cria na próxima vinda do Senhor, a sua interpretação dos períodos proféticos colocava o grande acontecimento em muito poucos anos de diferença do tempo indicado por Miller. Aos que insistiam nesta passagem: "Daquele dia a hora ninguém sabe," que os homens nada devem saber em relação à proximidade do advento, Wolff replicava: "Disse nosso Senhor que aquele dia a hora nunca deveriam ser conhecidos? Não nos deu Ele sinais dos tempos, a fim de que possamos ao menos saber a aproximação de Sua vinda, como alguém sabe da proximidade do verão pelo brotar das folhas na figueira? S. Mateus 24:32. Não deveremos jamais conhecer esse tempo, quando Jesus mesmo nos exorta, não somente a ler o profeta Daniel, mas a compreendê-lo? E o mesmo livro de Daniel, em que se diz que as palavras estavam fechadas até ao tempo do fim (conforme era o caso em seu tempo), declara que 'muitos correrão de uma parte para outra' (expressão hebraica para Significar - observar a pensar a respeito do tempo), e a 'ciência' (em relacão ao tempo) 'se multiplicará.' Daniel 12:4. Demais, nosso Senhor náo tem o intuito de dizer corn isto que a proximidade do tempo não será conhecida, mas que o 'dia a hora' exatos 'ninguém sabe.' Pelos sinais dos tempos, diz Ele, será conhecido o suficiente para nos induzir ao preparo para a Sua vinda, tal como Noé preparou a arca." - Pesquisas a Trabalhos Missionários, de Wolff.
     Em relação ao sistema popular de interpretar as Escrituras, ou de real-interpretá-las, escreveu Wolff: "A maior parte da igreja cristá tern-se separado do claro sentido das Escrituras, volvendo ao sistema fantasioso dos budistas; estes crêem que a futura felicidade dos homens consistirá errs mover-se pelo ar. Admitem que, quando lêem ' , devem entender gentios; e quando lêem Jerusalém, devem compreender igreja; a se se fala de Terra, significa Céu; a pela vinda do Senhor devem compreender o progresso das sociedades missionárias; a subir ao monte da casa do Senhor, significa imponente reunião religiosa dos metodistas." - Diário do Rev. José Wolff.
     Durante vinte a quatro anos, de 1821 a 1845, Wolff viajou extensamente: na África, visitando o Egito e a Abissínia; na Ásia, atravessando a Palestina, Síria, Pérsia, Bucara e a Índia. Visitou também os Estados Unidos, pregando, na viagem para lá, na ilha de Santa Helena. Chegou a Nova lorque em agosto de 1837; e, depois de falar naquela cidade, prégou em Filadélfia a Baltimore, dirigindo-se finalmente a Washington. Ali, diz ele, "por uma proposta apresentada pelo ex-presidente John Quinsy Adams, em uma das casas do Congresso, concedeu-se-me unanimemente o use do saláo do Congresso para uma conferência que eu pronunciei em urn sábado, honrada corn a presença de todos os congressistas, a também do bispo de Virgínia a do clero a cidadãos de Washington. A mesma honra me foi conferida pelos membros do governo de Nova Jersey a Pensilvânia, em cuja presença fiz conferências sobre minhas pesquisas na Ásia, a também sobre o reino pessoal de Jesus Cristo." — Diario.
     O Dr. Wolff viajou nos países mais bárbaros, sem a proteção de qualquer autoridade européia, suportando muitas agruras a cercado de inumeráveis perigos. Foi espancado a sofreu fome, sendo vendido como escravo, a três vezes condenado à morte. Foi assediado por ladrões, a algumas vezes quase pereceu de sede. Uma ocasião despojaram-no de tudo que possuía, obrigando-o a viajar centenas de quilômetros a pé, através de montanhas, descalço a com os pés enregelados ao contato do chão frio, e o rosto açoitado pela neve..
     Quando advertido pelo fato de it desarmado entre tribos selvagens a hostis, declarava estar "provido, de armas - oração, zelo para corn, Cristo a confiança em Seu auxílio." - "Também estou provido," disse ele, "do amor de Deus a do meu próximo, em meu coração, a da Bíblia em minhas mãos." -Esc Perigos Muffs Vezes, W. H. D. Ádams. Aonde quer que fosse, levava consigo as Escrituras em hebraico a inglês.
     De uma de suas últimas jornadas diz ele: "Eu . . . conservava a Bíblia aberta na mão. Sentia que o meu poder estava no Livro a que sua força me sustentaria." - Idem.
     Assim perseverou em seus labores até que a mensagem do juízo foi levada a uma grande pane habitável do globo. Entre judeus, turcos, parses, hindus a muitas outras nacionalidades e raças, ele distribuiu a Palavra de Deus nessas várias línguas, e em toda parte anunciou a proximidade do reino do Messias.
     Em suas viagens na Bucara encontrou a doutrina da próxima vinda do Senhor, professada por um povo remoto a isolado. Os árabes do Iêmene, diz ele, "acham-se de posse de um livro chamado 'Seera,' que dá informação sobre a segunda vinda de Cristo a Seu reino em glória; a esperam ocorrerem grandes acontecimentos no ano de 1840." Diário "No Iêmene . . . passei seis dias com os filhos de Recabe. Não bebem vinho, não plantain vinhedos, não semeiam, a vivem em tendas; lembram-se do bom a velho Jonadabe, filho de Recabe; a encontrei em sua companhia filhos de Israel, da tribo de Dã, . . . que esperam com os filhos de Recabe a breve vinda do Messias nas s do ceu." Idem.
     Outro missionário verificou existir crença semelhante na Tartária. Urn sacerdote tártaro perguntou ao missionário quando Cristo viria pela segunda vez. Ao responder o missionário que nada sabia a respeito, o sacerdote pareceu ficar grandemente surpreso com tal ignorância em quem professava ser ensinador da Biblia, a declarou sua própria crença baseada na profecia, de que Cristo viria aproximadamente em 1844.
     Já em 1826 a mensagem do advento começou a ser pregada na Inglaterra. O movimento ali não tomou forma definida como na América; o tempo exato do advento não era geralmente tão ensinado, mas proclamava-se vastamente a grande verdade da próxima vinda de Cristo em poder a glória. E isto não somente entre os dissidentes a não-conformistas. Mourant Brock, escritor inglês, declara que mais ou menos setecentos ministros da Igreja Anglicana estavam empenhados ria pregação deste "evangelho do reino." A mensagem que indicava 1844 como o tempo da vinda do Senhor, foi também dada na Grã-Bretanha. Publicações sobre o advento, provenientes dos Estados Unidos, eram amplamente disseminadas. Livros a revistas reeditavamse na Inglaterra. E, em 1842, Roberto Winter, inglês nato, que recebera na América a fé do advento, voltou a seu país natal para anunciar a vinda do Senhor. Muitos se uniram a ele na obra, e a mensagem do juízo foi proclamada eon várias partes da Inglaterra.
     Na América do Sul, em meio da desumanidade a artimanha dos padres, Lacunza, jesuíta espanhol, teve acesso às Escrituras, a recebeu assim a verdade da imediata volta de Cristo. Constrangido a fazer a advertência, a desejando contudo escapar das censuras de Roma, publicou suas idéias sob o pseudonimo de "Rabbi Ben-Israel," representando-se a si mesmo como judeu converso. Lacunza viveu no século dezoito, mas foi aproximadamente em 1825 que seu livro, encontrando acesso em Londres, foi traduzido para a língua inglesa. Sua publicação serviu para aprofundar o interesse que já se despertava na Inglaterra pelo assunto do segundo advento.
     Na Alemanha, a doutrina fora ensinada rio século dezoito por Bengel, ministro da Igreja Luterana a célebre sábio a crítico da Biblia. Completando sua educação, Bengel havia-se dedicado ao estudo de teologia, a que o pendor de seu espírito grave a religioso, acentuado a fortalecido pelo seu primitivo ensino a disciplina, naturalmente o inclinava. Como outros jovens de caráter meditativo, antes a depois dele, teve que lutar com dúvidas a dificuldades de natureza religiosa; a ele faz alusão, muito sentidamente, às muitas setas que the traspassavam o pobre coração, tornando-lhe a juventude difícil de suportar." — Enciclopédia Britânica, art. Bengel. Ao tornar-se membro do consistório de Wuerttemberg, advogou a causa da liberdade religiosa. "Ao passo que mantinha os direitos a privilégios da igreja, defendia toda liberdade razoável aos que se sentiam obrigados, por motivos de consciência, a retirar-se de sua comunhão." - Enciclopédia Britânica. Os bops efeitos desta política são ainda sentidos em sua província natal.
     Foi enquanto preparava um sermão sobre Apocalipse 21, para o "Domingo do Advento," que a luz da segunda vinda de Cristo raiou no espírito de Bengel. As profecias do Apocalipse desvendaram-se-lhe à compreensão como nunca dantes. Vencido pela intuição da importância estupenda a extraordinária glória das cenas apresentadas pelo profeta, foi obrigado a desviar-se por algum tempo da contemplação dó assunto. No púlpito este se the apresentou novamente em toda a sua clareza e poder. Desde aquele tempo se dedicou ao estudo das profecias, especialmente as do Apocalipse, a logo chegou à crença de que elas mostravam a proximidade da vinda de, Cristo. A data que fixou como o tempo do segundo advento diferia, em muito poucos anos, da que mais tarde Miller admitiu.
     Os escritos de Bengel têm sido espalhados por toda a cristandade. Suas idéias sobre profecias foram, de modo gèral, recebidas em seu próprio Estado de Wuerttemberg, a até certo ponto em outras partes da Alemanha. O movimento continuou depois de sua morte, e a mensagem do advento ouviuse na Alemanha ao mesmo tempo em que despertava a atenção dos homens em outras terras. Logo no início alguns dos crentes foram à Rússia a ali formaram colônias; e a crença na proxima vinda de Cristo é ainda mantida pelas igrejas alemãs daquele pals.
     A luz brilhou também na França a Suíça- Em Genebra, onde Farel a Calvino tinham propagado arc verdades da reforma, Gaussen pregou a mensagem do segundo advento. Na escola, como estudante, Gaussen encontrou o espírito de racionalismo que invadiu a Europa toda durante a última parte do século dezoito a início do dezenove; e, ao entrar para o ministério, não somente ignorava a verdadeira fé, mas se inclinava ao cepticismo. Em sua mocidade se interessara pelo estudo da profecia. Depois de ler a História Antiga de Rollin, sua atenção foi despertada para o segundo capítulo de Daniel, a surpreendeu-se com a maravilhosa exatidão com que a profecia se cumprira, conforme se via no relato do historiador. Ali estava um testemunho da inspiração das Escrituras, que the serviu como âncora entre os perigos dos últimos anos. Não podia f car satisfeito com os ensinos do racionalismo e, estudando a Bíblia e procurando luz mais clara, foi ele, depois de algum tempo, levado a uma positiva fé.
     Prosseguindo com as investigações sobre as profecias, chegou à crença de que a vinda do Senhor estava próxima. Impressionado corn a solenidade a importância desta grande verdade, desejou levá-la ao povo; mas a crença popular de que as profecias de Daniel são mistérios a não podem ser compreendidas, foi-lhe sério obstáculo no caminho. Decidiu-se finalmente como antes dele fizera Farel ao evangelizar Genebra - a começar o trabalho com as crianças, esperando, por meio delas, interessar os pais.
     "Desejo que seja compreendido" disse ele mais tarde, falando de seu objetivo neste empreendimento - "que não é por considerá-lo de pequena importância, mas, ao contrário, por causa do seu grande valor, que desejei apresentá-lo desta maneira familiar, a que falei às crianças. Quis ser ouvido, e receei que não o seria se me dirigisse primeiramente às pessoas adultas." "Decidi-me, portanto, a it aos mais jovens. Arranjo um auditório de crianças; se ele aumenta a os ouvintes escutam com interesse a agrado, compreendem a explicam o assunto, estou certo de que terei logo uma segunda reunião, a os adultos, por sua vez, hão de ver também que vale a pena sentar-se e estudar. Feito isto, a causa está ganha." - Daniel, o Profeta, de L. Gaussen, Prefácio.
     O esforço foi bem sucedido. Ao falar às crianças, pessoas mais velhas vieram também para ouvir. As galerias da igreja ficavam repletas de ouvintes atentos. Entre esses havia homens de posição a saber, bem como desconhecidos a estrangeiros que visitavam Genebra; a assim a mensagem foi levada para outras partes.
     Animado com o êxito, Gaussen publicou suas lições, esperando promover o estudo dos livros proféticos nas igrejas do povo de língua francesa. "Publicar a instrução dada às crianças," diz Gaussen, "é dizer aos adultos que muitas vezes negligenciam os ditos livros sob o falso pretexto de que são obscuros - 'Como podem eles ser obscuros, se vossos filhos os compreendem?"' "Eu tinha grande desejo," acrescenta ele, "de tornar popular, se possível, o conhecimento das profecias em nossos rebanhos." "Estudo algum existe, na verdade, que me pareça responder melhor às necessidades do tempo." "E por meio dele que devemos preparar-nos para a tribulação próxima, a vigiar a esperar por Jesus Cristo."
     Conquanto um dos mais distintos a queridos pregadores da língua francesa, Gaussen, depois de algum tempo, foi suspenso do ministério pela falta principal de usar a Bíblia, ao dar instrução aos jovens, em vez do catecismo da igreja - manual fraco e racionalista, quase destituído de positiva fé. Mais tarde se tornou professor numa escola de teologia, a aos domingos continuava seu trabalho como catequista, falando às crianças a instruindo-as nas Escrituras. Suas obras sobre as profecias despertaram também muito interesse. Da cátedra de professor, por intermédio da imprensa, a pela sua ocupação favorita como mestre de crianças continuou durante muitos anos a exercer vasta influência, sendo o instrumento a chamar a atenção de muitos para o estudo das profecias que indicavam a próxima vinda do Senhor.
     Na Escandinávia, também, a mensagem do advento foi proclamada a suscitou grande interesse. Muitos despertaram do descuidoso sentimento de segurança para confessar a abandonar seus pécados, buscando perdão em Cristo. O clero da igreja do Estado, porém, opôs-se ao movimento, a por meio de sua influência alguns que pregavam a mensagem foram lançados na prisão. Em muitos lugares, onde os pregadores da próxima vinda do Senhor foram desta maneira silenciados, Deus Se serviu enviar a mensagem de um modo miraculoso, por meio de criancinhas. Como fossem menores, a lei do Estado não as poderia proibir, a foi-Ihes permitido falar sem serem molestadas.
     O movimento ocorreu, principalmente, entre as classes mais humildes, e o povo reunia-se nas modestas moradas dos trabalhadores para ouvir a advertência. Os mesmos pregadores infantis eram na maior parte pobres habitantes de cabanas. Alguns deles não tinham mais de seis ou oito anos de idade; e, ao mesmo tempo que sua vida testificava que amavam o Salvador a procuravam viver em obediência aos santos mandamentos de Deus, manifestavam, de ordinário, apenas a habilidade a inteligência que geralmente se vêem nas crianças daquela idade. Quando se encontravam em pé diante do povo, evidenciava-se, entretanto, que eram movidos per uma influência acima dos seus dotes naturais. O tom da voz a as maneiras se transformavam, a corn poder solene faziam a advertência do juízo, empregando as próprias palavras das Escrituras: "Temei a Deus, a dai-Lhe glória; porque vinda é a hora de Seu juízo." Reprovavam os pecados do povo, não somente condenando a imoralidade e o vício, mas repreendendo o mundanismo e a apostasia, admoestando os ouvintes a que fugissem apressadamente da ira vindoura.
     O povo ouvia com tremor. O Espírito convincente de Deus falava-lhes ao coração. Muitos eram levados a investigar as Escrituras corn novo a mais profundo interesse; os intemperantes e imorais corrigiam-se; outros abandonavam as práticas desonestas, a fazia-se uma obra tão assinalada, que mesmo ministros da igreja do Estado eram obrigados a reconhecer que a mão de Deus estava no movimento.
     Era vontade de Deus que as novas da -vinda do Salvador fossem dadas nos países escandinavos; e, quando silenciou - a voz de Seus servos, pós Ele Seu Espírito sobre as crianças para que a obra pudesse cumprir-se. Quando Jesus Se aproximava de Jerusalém acompanhado das multidões jubilosas que, corn brados de triunfo a agitação de ramos de palmeiras o aclamavam como Filho de Davi, os invejosos fariseus apelaram para Ele a fim de que as fizesse silenciar; Jesus, porém, respondeu que tudo aquilo era o cumprimento da profecia, a que, se aquelas vozes se calassem, as próprias pedras clamariam. O povo, intimidado pelas ameaças dos sacerdotes a príncipes, cessou com a alegre proclamação ao entrar pelas portas de Jerusalém; mas as crianças, nos pátios do templo, entoavam em seguida o estribilho e, agitando ramos de palmeira, clamavam: "Hosana ao Filho de David" S. Mateus 21:8-16. Quando os fariseus, profundamente descontentes, Lhe disseram: "Ouves o que estes dizem?" - Jesus respondeu: "Sim; nunca lestes: Pela boca dos meninos a das criancinhas de peito tiraste o perfeito louvor?" Assim como Deus agiu por meio das crianças no tempo do primeiro advento de Cristo, também o fez ao dar a mensagem de Seu segundo advento. A Palavra de Deus deve cumprir-se para que a proclamação da vinda do Salvador seja feita a todos os povos, línguas a nações.
     A Guilherme Miller a seus cooperadores coube a pregação desta advertência na América. Este país se tornou o centro da grande obra do advento. Foi aqui que a profecia da mensagem do primeiro anjo teve o cumprimento mais direto. Os escritos de Miller a seus companheiros foram levados a países distantes. Em todo o mundo, onde quer que houvessem penetrado missionários, para ali se enviaram as alegres novas da breve volta de Cristo. Por toda parte se propagou a mensagem do evangelho eterno: "Temei a Deus, a dai-Lhe glória; porque vinda é a hora do Seu juízo."
     O testemunho das profecias que pareciam indicar a vinda de Cristo na primavera de 1844, apoderou-se profundamente do espírito do povo. Ao it a mensagem de um Estado para outro, despertou-se por toda parte grande interesse. Muitos estavam convictos de que os argumentos tirados dos períodos proféticos eram corretos e, sacrificando o orgulho de suas opiniões, recebiam alegremente a verdade. Alguns ministros puseram de lado suas idéias a sentimentos sectaristas e, renunciando a seus salários a suas igrejas, uniram-se na proclamação da vinda de Jesus. Houve, entretanto, relativamente poucos ministros que aceitaram esta mensagem; foi, por conseguinte, confiada em grande parte aos humildes leigos. Lavradores deixavam os campos, mecânicos as ferramentas, negociantes as suas mercadorias, profissionais os seus cargos; não obstante, o número de obreiros era pequeno em comparação com a obra a ser empreendida. A condição de uma igreja ímpia, a um mundo jazendo na maldade, pesavam na alma dos verdadeiros atalaias, a eles voluntariamente suportavam as fadigas, privações a sofrimento, a fim de que pudessem chamar os homens ao arrependimento para a salvação. A obra, ainda que Satanás se opusesse, prosseguia firmemente, sendo a verdade do advento aceita por muitos milhares.
     Por toda parte se ouvia o penetrante testemunho, advertindo os pecadores, tanto mundanos como membros da igreja, a fugirem da ira vindoura. Quais S. João Batista, o precursor de Cristo, os pregadores punham o machado à raiz da árvore, a com todos insistiam em que produzissem frutos dignos de arrependimento. Seus fervorosos apelos achavam-se em evidente conraste corn as afirmações de paz a segurança que se ouviam dos púlpitos populares; e, onde quer que a mensagem fosse apresentada, comovia o povo. O simples a direto testemunho das Escrituras, levado ao coração pelo poder do Espírito Santo, comunicava-lhes um peso de convicção a que poucos eram capazes de resistir inteiramente. Os que professavam -a religião eram despertos de sua falsa segurança. Viam sua apostasia, mundanidade a incredulidade, seu orgulho a egoísmo. Muitos buscavam o Senhor com arrependimento a humilhação. Fixavam agora no Céu as afeições que durante tanto tempo se haviam apegado às coisas terrenas. O Espírito de Deus repousava sobre eles, e, com coração abrandado a subjugado, uniam-se para fazer soar o clamor: "Temei a Deus, a dai-Lhe glória; porque vinda é a hora do Seu juízo."
     Pecadores, chorando, perguntavam: "Que devo fazer para me salvar?" Aqueles, cuja vida tinha sido assinalada pela desonestidade, estavam ansiosos por fazer a devida restituição. Todos os que encontravam paz em Cristo anelavam ver outros participarem desta bênção. O coração dos pais se convertia aos filhos, e o dos filhos aos pais. As barreiras do orgulho a reserva foram varridas. Fizeram-se confissões sinceras, a os membros da família trabalhavam pela salvação dos mais queridos a dos que mais perto se achavam. Freqüentemente se ouvia a voz de fervorosa intercessão. Por toda parte havia. almas em profunda angústia, lutando com Deus. Muitos passavam em oração a noite toda para obter a certeza de que seus pecados estavam perdoados, ou pela conversão dos parentes ou vizinhos.
     Todas as classes se congregavam nas reuniões adventistas. Ricos a pobres, grandes a humildes, achavam-se, por vários motivos, ansiosos por ouvir, por si mesmos, a doutrina do segundo advento. O Senhor detinha o espírito de oposição enquanto Seus servos explicavam as razões de sua fé. Algumas vezes o instrumento era fraco; mas o Espírito de Deus dava poder a Sua verdade. Sentia-se a presença dos santos anjos nessas assembléias, e muitos eram diariamente acrescentados aos crentes. Ao serem repetidas as provas da próxima vinda de Cristo, vastas multidões escutavam silenciosas a extasiadas, as solenes palavras. O Céu e a Terra pareciam aproximar-se um do outro. O poder de Deus se fazia sentir em velhos a jovens, a nos de meia-idade. Os homens procuravam seus lares corn louvores nos lábios, ressoando o som festivo no ar silencioso da noite. Pessoa alguma que haja assistido àquelas reuniões jamais poderá esquecer-se dessas cenas do mais profundo interesse.
     A proclamação de um tempo definido para a vinda de Cristo despertou grande oposição de muitos, dentre todas as classes, desde o ministro, no púlpito, até ao mais ousado pecador. Cumpriram-se as palavras da profecia: "Nos últimos dias virão escarnecedores, andando segundo suas próprias concupiscências, e dizendo: Onde está a promessa de Sua -vinda? porque desde que os pais dormiram todas as coisas permanecem como desde o princípio da criação." 2 S. Pedro 3:3 a 4. Muitos que professavam amar ao Salvador, declaravam que não se opunham à doutrina do segundo advento; faziam objeções, unicamente, ao tempo definido. Mas os olhos de Deus, que vêem tudo, liam-lhes o coração. Não desejavam ouvir acerca da vinda de Cristo para julgar o mundo com justiça. Haviam sido servos infiéis- suas obras não resistiriam à inspeção do Deus que sonda os corações, a receavam encontrar-se com o Senhor. Tais como os judeus nos dias de Cristo, não estavam preparados para receb-Lo. Não somente se recusavam a ouvir os claros argumentos das Escrituras Sagradas, mas procuravam ridicularizar aos que aguardavam o Senhor. Satanás a seus anjos exultavam e lançavam afronta ao rosto de Cristo a dos santos anjos, por ter Seu povo professo tã, pouco amor por Ele que não desejavam o Seu aparecimento.
     "Daquele dia a hora ninguém sabe," era o argumento mais freqüentemente aduzido pelos que rejeitavam " a fé do advento. A passagem é: - "Daquele dia a hora ninguém sabe, nem os anjos do Céu, nem o Filho, mas unicamente Meu Pai." S. Mateus 24:36. Uma explicação clara a harmoniosa desta passagem era apresentada pelos que aguardavam o Senhor, e o emprego errôneo que da mesma faziam seus oponentes foi claramente demonstrado. Estas palavras foram proferidas por Cristo na memorável conversação com os discípulos, no monte das Oliveiras, depois que Ele, pela última vez, Se afastou do templo. Os discípulos haviam feito a pergunta: "Que sinal haverá de Tua vinda a do fim do mundo?" Jesus lhes deu sinais, a disse: "Quando virdes todas estas coisas, sabei que ele está próximo às portas." S. Mateus 24:3 a 33. Não se deve admitir que uma declaração do Senhor destrua outra. Conquanto ninguém saiba o dia ou a hora de Sua vinda, somos instruídos quanto à sua proximidade, a isto nos é exigido saber. Demais, é-nos ensinado que desatender à advertência ou recusar saber a proximidade do advento do Salvador, ser-nos-á tão fatal como foi aos que viveram nos dias de Noé o não saber quando viria o dilúvio. E a parábola, no mesmo capítulo, põe em contraste o servo feel coin o infiel a dá a sentença ao que disse em seu coração "O meu Senhor tarde virá." Mostra sob que luz Cristo olhará e recompensara os que encontrar vigiando a pregando Sua vinda, bem como os que a negam. "Vigiai, pois," diz Ele; "bemaventurado aquele servo que o Senhor, quando vier, achar servindo assim." (S. Mateus 24:42-51.) "Se não vigiares, virei sobre ti como um ladrão, a não saberás a que hora sobre ti virei." Apocalipse 3:3.
     S. Paulo fala de uma classe para a qual o aparecimento do Senhor há de ser surpresa. "O dia do Senhor virá como o ladrão de noite; pois que quando disserem: 1"Iá paz a segurança; então lhes sobrevirá repentina destruição, . . . e de modo nenhum escaparão." Mas ele diz aos que atendem à advertência do Salvador: "Vós, irmãos, já não estais em trevas, para que aquele dia vos surpreenda como um ladrão; porque todos vós sois filhos da luz a filhos do dia; nós não somos da noite nem das trevas." 1 Tessalonicenses 5:2-5.
     Mostro-se assim que as Escrituras não oferecem garantia aos homens que permanecem em ignorância corm relação à proximidade da vinda de Cristo. Aqueles, porém, que unicamente desejavam uma desculpa para rejeitar a verdade, fechavam os ouvidos a esta explicação; a as palavras - "Daquele dia a hora ninguém sabe" - continuaram a ser repetidas pelos audaciosos escarnecedores a mesmo pelos professos ministros de Cristo. Ao despertarem os homens a começarem a inquirir do caminho da salvação, interpuseram-se ensinadores religiosos, entre aqueles e a verdade, procurando acalmar-Ihes os temores com interpretações falsas da Palavra de Deus. Infiéis atalaias uniram-se na obra do grande enganador, clamando: "Paz, paz!" quando Deus não havia falado de paz. Muitos, tais quais os fariseus do tempo de Cristo, se recusaram a entrar no reino do Céu e embaraçavam aos que estavam entrando. O sangue dessas almas ser-lhes-á requerido.
     Os mais humildes a devotos nas igrejas eram geralmente os primeiros a receber a mensagem. Os que estudavam por si mesmos a Escritura Sagrada não podiam deixar de ver o desacordo das opiniões populares com os textos sagrados referentes à profecia. Onde quer que o povo não fosse dirigido pela influência do corpo ministerial; onde quer que por si mesmos investigassem as Escrituras, a doutrina do advento precisava apenas ser comparada com as Escrituras para estabelecer-lhe a autoridade divina.
     Muitos eram perseguidos por seus irmãos descrentes. Alguns, a fim de conservar sua posição na igreja, resolveram não falar a respeito de sua esperança; outros, porém, sentiam que a Tealdade para com Deus não lhes permitia ocultar desta maneira as verdades que Ele lhes confiara. Não poucos foram separados da comunidade da igreja, unicamente pelo motivo de exprimirem sua crença na vinda de Cristo. Mui preciosas se tornaram, aos que suportavam esta prova de sua fé, as palavras do profeta: "Vossos irmãos que vos aborrecem a longe de si vos separam por amor do Meu nome, dizem: Glorifique-Se o Senhor; porém aparecerá para a vossa alegria, a eles serão confundidos." Isaías 66:5, Versão Inglesa.
     Anjos de Deus observavam, corn o mais profundo interesse, o resultado da advertência. Quando houve uma rejeição geral da mensagem por parte das igrejas, afastaram-se os anjos com tristeza. Muitos havia, porém, que ainda não tinham sido provados quanto à verdade do advento. Muitas pessoas eram transviadas por maridos, esposas, pais ou filhos, a fazia-se-lhes crer que era pecado até mesmo o escutar as heresias pregadas pelos adventistas. Os anjos receberam ordem de velar fielmente por aquelas almas; pois outra luz, procedente do trono de Deus, deveria ainda resplandecer sobre elas.
     Corn inexprimível desejo, os que haviam recebido a mensagem aguardavam a vinda do Salvador. O tempo em que esperavam encontrar-se corn Ele estava às portas. Com calma a solenidade viam aproximar-se a hora. Permaneciam em doce comunhão com Deus, como que antegozando a paz que desfrutariam no glorioso porvir. Pessoa alguma que haja experimentado esta confiante esperança, poderá esquecer-se daquelas preciosas horas de expectativa. Algumas semanas antes do tempo, as ocupaçòes seculares foram em sua maior parte postas de lado. Como se estivessem no leito de morte, a devessem dentro de poucas horas cerrar os olhos às cenas terrestres, os crentes sinceros examinavam cuidadosamente todos os pensamentos e emoções de seu coração. Não houve confecção de "vestes para a ascensão" (Ver Apêndice); todos sentiam, porém, a necessidade de evidência íntima de que estavam preparados para encontrarse corn o Salvador; suas vestes brancas eram a pureza da alma o caráter purificado do pecado pelo sangue expiatório de Cristo. Oxalá ainda houvesse entre o povo professo de Deus o mesmo espírito de exame do coração, a mesma fé, ardorosa e resoluta. Houvessem eles desta maneira continuado a humilhar-se perante o Senhor, a instar corn suas petições no propiciatório, a estariam de posse de uma experiência muito mais rica do que aquela que ora possuem. Há muito pouca oração, muita falta de verdadeira convicção do pecado, e a ausência de uma fé viva deixa a muitos destituídos da graça tão ricamente provida por nosso Redentor.
     Deus intentara provar o Seu povo. Sua mão ocultou urn erro no cômputo dos períodos proféticos. Os adventistas não descobriram esse erro; tampouco foi descoberto pelos mais instruídos de seus oponentes. Estes últimos diziam: "Vossa contagem dos períodos proféticos é correta. Qualquer grande acontecimento está prestes a ocorrer; mas não é o que o Sr. Miller prediz: é a conversão do mundo, a não o segundo advento de Cristo." (Ver Apêndice.)
     Passou-se o tempo de expectação a Cristo não apareceu para o libertamento de Seu povo. Os que corn fé a amor sinceros haviam esperado o Salvador, experimentaram amargo desapontamento. Todavia, os propósitos de Deus se cumpriam: estava Ele a provar o coração dos que professavam estar à espera de Seu aparecimento. Muitos havia, entre eles, que não tinham sido constrangidos por motivos mais elevados do que o medo. A profissão de fé não lhes transformara o coração nem a vida. Não se realizando o acontecimento esperado, declararam essas pesoas que não se achavam decepcionadas; , nunca tinham crido que Cristo viria. Contavam-se entre os primeiros a ridicularizar a tristeza dos verdadeiros crentes.
     Mas Jesus a toda a hoste celestial olhavam corn amor a simpatia para os provados a fiéis, embora decepcionados. Pudesse descerrar-se o véu que separava o mundo visível do invisível, a ter-se-iam visto anjos aproximando-se daquelas constantes, escudando-as dos dardos de Satanás.


 
CAPÍTULO 21

A Causa da Degradação Atual

     Ao pregar a doutrina do segundo advento, Guilherme Miller a seas companheiros haviam trabalhado com o único propósito de despertar os homens ao preparo pare o juízo. Tinham procurado acordar os que professavam a religião, para a verdadeira esperança da igreja, a levá-los a sentir a necessidade de uma experiência cristã mais profunda; trabalhavam, também, pare acordar os não conversos ao lever de imediato arrependimento a conversão a Deus. "Não faziam tentativas pare converter os homens a uma seita ou partido em matéria de religião. áaí o trabalharem entre Codas as fácçòes a seitas, sem interferências com sue organização ou discipline."
     "Em todos os meus trabalhos", disse Miller, "nunca tive o desejo ou o pensamento de crier qualquer interesse separado do das denominações existentes, ou de beneficiar umá em detrimento de outra. Pensava em beneficiar a todas. Supondo que todos os cristãos se regozijassem com a perspectiva da vinda de Cristo, a que os que não viam as coisas como eu as via, não haveriam, por isso, de menosprezar os crentes nests doutrina, não pensei em qualquer necessidade de reuniões separadas. Todo o meu objectivo se concentrava no desejo de converter almas a Deus, cientificar o mundo do juízo vindouro a induzir meus semelhantes a fazer o preparo de coração que os habilitaria a encontrar-se com seu Deus em paz. A grande maioria dos que se converteram pelos meus trabalhos, uniram-se ás várias igrejas existentes." - Memórias de Gu'iMherme Miller, Bliss.
     Como sua obra tendia a edificar as igrejas, foi por algum tempo olhada corn favor. Mas, decidindo-se os ministros a os dirigentes religiosos contra a doutrina da segunda vinda de Cristo, a desejando suprimir toda agitação a respeito, não somente se opuseram a ela, do púlpito, mas também negaram a seus membros o privilégio de assistir a pregações sobre o assunto, ou mesmo falar de tal esperança nas reuniões de oração da igreja. Assim, encontraram-se os crentes em grande provação a perplexidade. Amavam suas igrejas, a repugnava-ihes o separar-se delas; mas como vissem suprimido o testemunho da Palavra de Deus a negado o direito de investigar as profecias, compreenderam que a lealdade para corn o Senhor Mies vedava a submissão. Não poderiam considerar os que procuravam excluir o testemunho da Palavra de Deus como constituindo a igreja de Cristo, "coluna a base da verdade". Daí o se sentirem justificados em desligar-se dessas congregações. No verão de 1844 aproximadamente cinqüenta nail se retiraram das igrejas.
     Por esse tempo, uma assinalada mudança se presenciou na maioria das igrejas dos Estados Unidos. Havia muitos anos se vinha verificando uma conformação cada vez maior, gradual mas constante, com as práticas a costumes do mundo, a bem assim um declínio correspondente na verdadeira vida espiritual; mas, naquele ano, evidenciou-se uma decadência súbita a notável em quase todas as igrejas do país. Se bem que, ninguém parecesse capaz de indicar a causa, o fato em si mesmo era largamente notado a comentado, tanto pela imprensa como do púlpito.
     Numa reunião do presbitério de Filadélfa, o Sr. Barnes, autor de um comentário largamente usado a pastor de uma das principais igrejas daquela cidade, "declarou que estava no ministério fazia vinte anos a nunca, até á última comunhão, tinha administrado a ordenança sem receber na igreja novos membros, ora mais ora menos. Agora, acrescentou, não há despertato nem conversões, tampouco se evidencia crescimento em graça por parte dos que professam a religião, a ninguém chegava ao seu gabinete de estudo a fim de falar a respeito da salvação da alma. Com o prosperar dos negócios a as brilhantes perspectivas do comércio a da indústria, aumentou o espírito de mundanismo. Isto se dá coin todas asdenominações.'" - Congregational Journal, de 23 de maio de 1844.
     No mês de fevereiro do mesmo ano, o professor Finney, do colégio Oberlin, disse: '''Temos tido perante o espírito o fato de que, em geral, as igrejas protestantes de nosso país são, como tais, ou apáticas ou hostis a quase todas as reformas morais da época. áiá algumas exceções, todavia insuficientes para que isso deixe de ser geral. Nota-se, além disso, a falta quase universal de influência revivificadora nas igrejas. A apatia espiritual invade quase tudo, e é terrivelmente profunda; assim testifica a imprensa religiosa de todo o país . . . . Quase que geralmente, os membros da igreja estão-se tornando seguidores da moda: dão mãos aos descrentes nas reuniões de prazer, nas danças, nas festas, etc . . . Mas não necessitamos de nos expandir neste assunto lastimável. Basta que as provas se intensifiquem a se despenhem pesadamente sobre nós, para mostrar que as igrejas em geral se estão degenerando la mentavelmente. Elas se têm afastado muito do Senhor, que Se retirou delas.
     E urn escritor, no Religious Telescope, testificou: "Nunca testemunhamos declínio religioso tão generalizado como no presente. Em verdade, a igreja deveria despertar a pesquisar a causa desta situação aflitiva; pois, como aflitivo é que deveria ser encarado este estado de coisas por todo aquele que ama a Sião. Quando nos lembramos de quão poucos a espaçados casos de verdadeira conversão existem, a da insolência a obstinação dos pecadores, quase sem precedentes, exclamamos como que involuntariamente: 'Esqueceu-Se Deus de ser misericordioso? ou está fechada a porta da graça?"'
     Semelhante condição nunca prevalece sem causa na própria igreja. As trevas espirituais que caem sobre as nações, igrejas e indivíduos, são devidas, não à retirada arbitrária do socorro da graça divina, por parte de Deus, mas à negligência ou rejeição da luz divina por pane dos homens. Exemplo frisante desta verdade vê-se na história do povo judeu no tempo de Cristo. Pelo apego ao mundo a esquecimento de Deus a Sua Palavra, tornou-se-lhes obscurecido o entendimento, e o coração mundano a sensual. Daí estarem err ignorância quarto ao advento do Messias e, err sea orgulho e incredulidade, rejeitarem o Redentor. Mesmo assim, Deus não privou a nação judaica do conhecimento das bênçãos da salvação, ou de participar dales. Aqueles, porém, qua rejeitaram a verdade, perderam todo o desejo do done do Céu. Tinham "posto as trevas pale luz, e a luz pales trevas," até qua a luz qua neles estava se tornou em trevas; a quão grandes eram as trevas!
     Convém à política de Satanás qua os homers conservem as. formas da religião, embora falte o espírito (ia piedade vital. Depois de terem rejeitado o evangelho, os judeus continuaram zelosamente a manter seas antigos ritos; preservavam coin rigor o exclusivismo nacional, ao mesmo tempo em qua não podiam deixar de admitir qua a presença de Deus não mais era entre ales manifesta. A profecia de Daniel apontava tão insofismavelmente pare o 'tempo da vinda do Messias, a tão diretamente lhes predizia Sua morte, qua ales desacoroçoavam o estudo dessa profecia, a finalmente os rabis pronunciaram a maldição sobre todos os qua tentassem uma contagem do tempo. Fm sue cegueira a impenitência, o povo de Israel tam permanecido, por mil a novecentos anos, indiferente ao misericordioso, oferecimento de salvação, despreocupado das bênçãos do evangelho como solene a terrível advertência do perigo de rejeitar a luz do Céu.
     Onde quer qua exists cause idêntica, os mesmos efeitos se seguirão. Aquele qua deliberadamente abafa as convicções do lever, , pelo fato de se achar este em conflito coin as tendências pessoais, perderá finalmente a faculdade den discernir a verdade do erro. Obscurece-se o entendimento, a consciência se torna calejada, o coração endurecido, e a alma se separa de Deus. Onde a mensagem da verdade diving é desdenhada a tratada levianamente, ali a igreja se envolve em trevas; esfriam a fé e o error; entrain a separação e a discórdia. Os membros da igreja centralizam seas interesses a energies en' empreendimentos mundanos, a os pecadores se tornam endurecidos err sue impenitencia.
     A mensagem do primeiro anjo de Apocalipse 14, anunciando a hora do juízo de Deus a apelando para os homens a fim de o temer a adorar, estava destinada a separar o povo professo de Deus das influências corruptoras do mundo, a despertá-lo a fim de ver seu verdadeiro estado de mundanismo a apostasia. Deus enviou à igreja, nesta mensagem, uma advertência que, se fosse aceita, teria corrigido os males que a estavam apartando dEle. Houvessem os homens recebido a mensagem do Céu, humilhando o coração perante o Senhor, buscando com sinceridade o preparo para estar em pé em Sua presença, o Espírito a poder de Deus ter-se-iam manifestado entre eles. A igreja de novo teria atingido o bendito estado de unidade, fé, a amor, que houve nor dias apostólicos, em que "era um o coração e a alma" dos crentes, a "anunciavam com ousadia a Palavra de Deus," dias em que "acrescentava o Senhor à igreja aqueles que se haviam de salvar." Atos 4:32 a 31; 2:47.
     Recebesse o professo povo de Deus a luz tal como the refulge da Sua Palavra, a alcançaria a unidade por que Cristo orou, a qual o apóstolo descreve como "a unidade do Espírito pelo vínculo da paz." "Há," diz ele, "um só corpo a urn só Espírito, como também foster chamados em uma só esperança da vossa vocação; um só Senhor, uma só fé, um. só batismo." Efésios 4:3-5.
     Foram estes os benditos resultados fruídos pelos que aceitaram a mensagem adventista. Vieram de denominações várias, e as barreiras denominacionais foram arremessadas ao chão; credos em conflito eram reduzidos a átomos; a esperança de um milênio terreal, em desacordo com a Escritura Sagrada, foi posta de lado a corrigidas opiniões falsas sobre o segundo advento; varridos o orgulho e a conformação ao mundo; répararam-se injustiças; os corações se uniram na mais doce comunhão, e o amor e a alegria reinaram supremos. Se esta doutrina fez isto pelos poucos que a receberam, o mesmo teria feito a todos, se todos a houvessem recebido.
     Mas as - igrejas, em geral, não aceitaram a advertência. Os ministros, que, como "atalaias sobre a casa de Israel," deveriam ter sido os primeiros a discernir os sinais da vinda de Jesus, não quire saber a verdade, quer pelo testemunho dos profetes, quer pelos sinais dos tempos. A medida que as esperanças a àbições mundanas lhes encheram o coração, arrefeceram o amor pare corn Deus e a fé em Sua Palavra; e, quando a doutrina do advento era apresentada, apenas suscitava preconceito a descrença. O fato de ser a mensagem em grande parse pregada por leigos, era insistentemente apresentado como argunento contra a mesma. Como na antiguidade, ao claro testemunho da Palavra de Deus opunha-se a indagação: "Têm crido alguns dos príncipes ou dos fariseus?" :E, vendo quão difícil tarefa era refuter os argumentos aduzidos dos períodos proféticos, muitos desacoroçoavam o estudo dal profecias, ensinando que os livros proféticos estavam selados, a não deveriam ser compreendidos. Multidões, confiando implicitamente nos pastores, recusaram-se a ouvir a advertência; a outros, ainda que convictos da verdade, não ousavam confessá-la tiara não serem "expulsos da sinagoga." A mensagem que Deus enviara pare provar e purificar a igreja revelou corn muita evidência quão grande era o número dos que haviam posto a afeição neste mundo ao invés de Cristo. Os laços que os ligavam à Terra, mostravamse mais fortes do que as atrações ao Céu. Preferiam ouvir a voz da sabedoria rnundana, a desviavam-se da probante rnensagem da verdade.
     Rejeitando a advertência do primeiro anjo, desprezaram os meios que o Céu provera pare a sue restauração. Desacataram o mensageiro de graça que teria corrigido os males que os separavam de Deus, a cons rnaior avidez volveram à busca da amizade do mundo. Eis aí a cause da terrível condiçào de mundanismo, apostasia a morte espiritual, que prevalecia nas igrejas em 1844.
     No capítulo 14 do Apocalipse, o premiero anjo é seguido por um segundo anjo, que proclama: "Caiu, caiu Babilônia, aquela grande cidade, que a todas as naçôes deu a beber do vinho da ire da sue prostituiçáo." Apocalipse 14:8. O termo "Babilônia" derivado de "label" a significa confusão. F empregado nas Escrituras pare designer as várias formal de religião false ou apóstata. Em Apocalipse, capítulo 17, Babilônia é representada por uma mulher - figura que a Bíblia usa como símbolo de igreja, sendo uma mulher virtuosa a igreja pura, e uma mulher abjeta, a igreja apóstata.
     Nas Escrituras, o caráter sagrado a permanente da relação entre Cristo a Sua igreja é representado pela união matrimonial. O Senhor uniu a Si o Seu povo, por meio de um concerto solene, prometendo-lhe ser seu Deus, enquanto o povo se comprometia a ser unicamente dEle. Disse o Senhor: "E desposar-te-ei comigo para sempre: desposar-te-ei comigo em justiça, a em juízo, a em benignidade, a em misericórdia." Oséias 2:19. E noutro lugar: "Eu vos desposarei." Jeremias 3:14. E S. Paulo emprega a mesma figura no Novo Testamento, quando diz: "Porque vos tenho preparado para vos apresentar como uma virgem pura a um marido, a saber, a Cristo." 2 Coríntios 11:2.
     A infidelidade da igreja para com Cristo, permitindo que sua confiança a afeição dEle se desviem, a consentindo que o amor às coisas mundanas ocupe a alma, é comparada com a violação do voto conjugal. O pecado de Israel, afastando-se do Senhor, é apresentado sob esta figura; e o maravilhoso amor de Deus, que assim desprezam, é descrito de maneira tocante: "Dei-te juramento, a entrei em concerto contigo, diz o Senhor Jeová, a to ficaste sendo Minha." "E foste formosa em extremo, e foste próspera, até chegares a ser rainha. E correu a tua fama entre as nações, por causa da tua formosura, pois era perfeita, por causa da Minha glória que Eu tinha posto sobre ti . . . . Mas confiaste na tua formosura, a to corrompeste por causa da tua fama." "Como a mulher se aparta aleivosamente do seu companheiro, assim aleivosamente to houveste comigo, ó casa de Israel, diz o Senhor"; "como a mulher adúltera. que, em lugar de seu marido, recebe os estranhos." Ezequiel 16:8, 13-15 a 32; Jeremias 3:20.
     No Novo Testamento, expressão muito semelhante é dirigida aos professos cristãos que buscam a amizade do mundo, de preferência ao favor de Deus. Diz o apóstolo S. Tiago: "Adúlteros a adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus."
     A mulher (Babilônia) de Apocalipse 17, é descrita como estando "vestida de púrpura a de escarlata, a adornada com ouro, e pedras preciosas a pérolas; a tinha na sua mão um cálix de ouro cheio das abominações a da imundície; . . . e na sua testa estava escrito o nome: Mistério, a grande Babilônia, a rnãe das prostituições." Diz o profeta: "Vi que a mulher estava embriagada do sangue dos santos, a do sangue das testemunhas de Jesus." Declara ainda ser Babilônia "a grande cidade que reina sobre os reis da Terra." Apocalipse 17:4-6 e 18. O poder que por tantos séculos manteve despótico domínio sobre os monarcas da cristandade, é Roma. A cor púrpura a escarlata, o ouro, as pérolas a pedras preciosas, pintam ao vivo a magnificência e extraordinária pompa ostentadas pela altiva Sé de Roma. E de nenhuma outra potência se poderia, com tanto acerto, declarar que está "embriagada do sangue dos santos," como daquela igreja que tão cruelmente tem perseguido os seguidores de Cristo. Babilônia é também acusada do pecado de relação ilícita com "os reis da Terra." Foi pelo afastamento do Senhor e aliança corn os gentios que a igreja judaica se tornou prostituta; a Roma, corrompendo-se de modo semelhante ao procurar o apoio dos poderes do mundo, recebe condenação idêntica.
     Declara-se que Babilônia é "mae das prostitutas." Como suas filhas devem ser simbolizadas as igrejas que, se apegam às suas doutrinas a tradições, seguindo-lhe o exemplo em sacrificar a verdade e a aprovação de Deus, a fim de estabelecer uma aliança ilícita corn o mundo. A mensagem de Apocalipse 14, anunciando a queda de Babilônia, deve aplicar-se às organizações religiosas que se corromperam. Visto que esta mensagem se segue à advertência acerca do juízo, deve ser proclamada nos últimos dias; portanto, não se refere apenas à Igreja de Roma, pois que esta igreja tens estado em condição decaída há muitos séculos. Demais, no capítulo dezoito do Apocalipse, o povo de Deus é convidado a sair de Babilônia. De acordo corn esta passagem, muitos do povo de Deus ainda devem estar em Babilônia. E em que corporações religiosas se encontrará hóje a maior pane dos seguidores de Cristo? Sere dúvida, nas várias igrejas que professam a fé protestante. Ao tempo em que surgiram, assumiram estas ulna nobre posição no respeitante a Deus e à verdade, e Sua bénção corn else estava. Mesmo o mundo incrédulo foi constrangido a reconhecer os benéficos resultados que se seguiam à aceitação dos princípios do evangelho. Nas palavras do profeta a Israel: "E correu a tua fama entre as nações, por causa da tua formosura, pois era perfeita, por causa da Minha glória que Eu tinha posto sobre ti, diz o Senhor Jeová." Ezequiel 16:14. Caíram, porém, pelo mesmo desejo que foi a maldição a ruína de Israel o desejo de imitar as práticas dos ímpios a buscarlhes a amizade. "Confiaste na tua formosura, a to corrompeste por causa da tua farm." Ezequiel 16:15.
     Muitas das igrejas protestantes estão seguindo o exemplo de Roma na iníqua aliança corn os "reis da Terra": igrejas do Estado, mediante suas relações com os governos seculares; a outras denominações, pela procura do favor do mundo. E o termo "Babilônia" confusão - pode apropriadamente aplicar-se a estas corporações; todas professam derivar suas doutrinas da Escritura Sagrada, e, no entanto, estão divididas em quase inúmeras seitas, corn credos a teorias grandemente contraditórios.
     Além da pecaminosa união com o mundo, as igrejas que se separaram de Roma apresentam outras características desta.
     Urns obra católica romana argumenta que, "se a Igreja de Roma foi culpada de idolatria, com relação aos santos, sua filha, a Igreja Anglicana, tem a mesma culpa, pois tem dez igrejas dedicadas a Maria para uma dedicada a Cristo." - Dr. Challoner, The Catholic Christian Instructed, no prefácio.
     E o Dr. Hopkins, no "Tratado Sobre o Milênio," declara: "Não há motivo para se considerar o espírito a prática anticristãos como sendo restritos ao que hoje se chama a Igreja de Roma. Nas igrejas protestantes muito se encontra do anticristo, e longe estão de se acharem completamente reformadas das . . . corrupções a impiedade." - Obras, Samuel Hopkins.
     Com respeito à separação da Igreja Presbiteriana da de Roma, escreve o Dr. Guthrie: "Há trezentos anos, nossa igreja, corn uma Bíblia aberta em seu estandarte, a ostentando esta divisa 'Examinai as Escrituras' - saiu das portas de Roma." Faz logo a significativa pergunta: "Saíram de Babilônia limpos?" — D Evangelho em Ezequiel, de John Guthrie.
     "A Igreja Anglicana," diz Spurgeon, "parece estar profundamente minada pelo sacramentarismo; mas os dissidentes parecem quase tão contaminados pela incredulidade filosófica quanto ela. Aqueles de quem esperávamos melhores coisas estão se desviando, urn a um, dos fundamentos (Ia fé. O coração da Inglaterra mesmo, creio eu, está completamente carcomido por uma condenável incredulidade, que ousa todavia it ao púlpito e intitular-se cristã."
     Qual foi a origem desta grande apostatsia? Como, a princípio, se afastou a igreja da simplicidade do, evangelho? Conformando-se com as práticas do paganismo, a fim de facilitar a aceitação da doutrina cristã pelos pagãos. O apóstolo S. Paulo, em seus dias declarou: "já o mistério da injustiça opera." 2 Tessalonicenses 2:7. Durante a vida dos apóstolos a igreja permaneceu relativamente pura. Mas, "pelo fim. do segundo século, a maioria das igrejas tomou nova forma; desapareceu a primitiva simplicidade, e, insensivelmente, ao baixarem ao túmulo os velhos discípulos, seus filhos, juntamente (:em os novos converses, . . . puseram-se à frente da causa a the deram novo molde." — Pesquisas Eclesícásticas, Roberto Robinson. Para conseguir converses, aviltou-se o elevado estandarte da fé cristã, e, como resultado, "uma inundação pagã, invadindo a igreja, trouxe consigo seus costumes, práticas a ídolos." Conferêncms de Gavazzi. Como o cristianismo conseguisse o favor a apoio dos príncipes seculares, foi nominalmente aceito pelas multidões; mas, conquanto muitos se intitulassem cristãos, "na realidade permaneciam no paganismo, e, especialmente em segredo, adoravam os ídolos." Idem.
     Não se tem repetido o mesmo caso em quase todas as igrejas que se intitulam protestantes? Com o desaparecimento dos fundadores, dos que possuíam o verdadeiro espírito de reforma. seus descendentes põem-se na dianteira a "dão novo molde G causa." Embora se apeguem cegamente ao credo dos pais, a se recusem a aceitar qualquer verdade além da que lhes foi dada conhecer, os filhos dos reformadores se afastam grandemente do exemplo paterno de humildade, abnegação a renúncia do mundo. Assim, "a primitiva simplicidade desaparece." Um dilúvio de mundanismo invade a igreja a "leva consigo seus costumes, práticas a ídolos."
     Ai! até que ponto terrível a amizade do mundo, que é "inimizade contra Deus," é hoje acalentada entre os professos seguidores de Cristo! Quão largamente se têm as igrejas populares de toda a cristandade afastado da norma blblica da humildade, abnegação, simplicidade a piedade! Falando a respeito do use correto do dinheiro, disse João Wesley: "Não dissipeis parte alguma de tão precioso talento, simplesmente em satisfazer o desejo dos olhos, com vestuário supérfluo ou dispendioso, ou com adornos desnecessários. Não gasteis parte dale em ornar extravagantemente vossas casas; em mobília desnecessária, ou dispendiosa; em quadros custosos, pinturas, douraduras . . . . De nada disponhais para satisfazer o orgulho da vida, para obter a admiração ou louvor dos homens . . . . 'Tanto quanto fizeres bem a ti mesmo, falarão bem de ti os homens'. Tanto quanto vos vistais 'de púrpura a de linho finíssimo,' a vivais 'todos os dias regalada a esplendidamente', não há dúvida de que muitos aplaudirão vossos gostos elegantes, vossa generosidade a hospitalidade. Mas não compreis tão caro o aplauso. Estai antes contentes com a honra que vem de Deus." - Obras de Wesley. Entretanto, em muitas igrejas de nosso tempo, este ensino é desatendido.
     Professar uma religião tornou-se moda rio mundo. Governantes, políticos, advogados, médicos, negociantes, aderem à igreja como o meio de alcançar o respeito a confiança da sociedade, a promover os seus próprios interesses mundanos. Procuram, destarte, encobrir, sob ò manto do cristianismo, todas as suas transações injustas. As várias corporações religiosas, robustecidas com a riqueza a influência dos mundanos batizados, mais ainda se empenham em obter maior popularidade a proteção. Pomposas igrejas, embelezadas de maneira a mais extravagante, erguem-se nas movimentadas avenidas. Os adoradores vestem-se com-luxo a de acordo com a moda. Elevado salário é pago ao talentoso ministro para entreter a atrair o povo. Seus sermõse não devem tocar nos pecados populares, mas deverão ser suaves a agradáveis aos ouvidos da aristocracia. Deste modo, ímpios de elevada posição são alistados nos registros da igreja, a os modernos pecados escondidos sob o véu da piedade.
     Comentando a atitude atual dos professos cristãos para com o mundo, diz um dos principais jornais seculares: "Insensivelmente a igreja tem seguido o espírito da época a adaptado suas formas de culto às necessidades modernas." "Todas as coisas, na verdade, que contribuem para tornar atraente a religião, a igreja hoje emprega como seus instrumentos." E um escritor, no Independent de Nova Iorque, assim fala a respeito do metodismo atual: "A linha de separação entre os religiosos a irreligiosos se desvanece numa espécie de penumbra, a homens zelosos de ambos os lados estão labutando para obliterar toda diferença entre seu modo de agir a seus prazeres." "A popularidade da religião tende grandemente a aumentar o número dos que desejam haurir-lhe os benefícios sem, de maneira honrada, fazer frente aos seus deveres."
     Diz Howard Crosby: "É assunto para séria preocupação o encontrarmos a igreja de Cristo negligencíando o cumprimento dos desígnios do Senhor. Exatamente como os amigos judeus permitiram que o intercâmbio familiar corn as nações idólatras lhes roubassse de Deus o coração, . . . assim a igreja de Jesus, hoje, mediante a falsa parceria corn o mundo incrédulo, abandona os métodos divinos de sua verdadeira vida a entrega-se aos costumes de uma sociedade sem Cristo - hábitos perniciosos embora muitas vezes plausíveis - usando argumentos a chegando a conclusóes, estranhos à revelação de Deus a diretamente antagônicos a todo o crescimento em graça." - The Health Christian, An Appeal to the Church.
     Nesta maré de mundanismo a busca de prazeres, a abnegação a sacrifício por armor de Cristo acham-se quase inteiramente esquecidos. "Alguns dos homens a mulheres ora em vida ativa em nossas igrejas foram ensinados, quando crianças, a fazer sacrifícios a fin de se habilitarem a dar ou efetuar alguma coisa para Cristo." Mas, "se são necessários fundos agora, . . . ninguém deve ser convidado a contribuir. Oh, não'! fazei uma quermes-se, representações, espetáculos, jantares à antiga, ou alguma coisa pare se corner - algo que divirta o povo."
     já o governador Washburn, de Wisconsin, em sue mensagern anual, a 9 de Janeiro de 1873, declarou: "Parece que precisamos de urns lei pare acabar com as escolas de jogo. Estas proliferam em toda parte. Mesmo a igreja (inadvertidamente, sem dúvida) algumas vezes fez a obra do diabo. Concertos corn fins beneficentes, tômbolas a rifas, algumas vezes em auxílio de objetivos religiosos ou caritativos, mss freqüentemente corn finalidades menos dignas, sorteios de prendas, jogos de prêmios, etc., são todos expedientes pare se obter dinheiro Bern retribuiçào correspondente. Nada é tão desmoralizador ou pernicioso, particularmente pare os jovens, como a aquisição de dinheiro ou propriedade sem trabalho. Se pessoas respeitáveis se empenham nessas ernpresas de azar, a acalmam a consciência corn o pensamento de que o dinheiro se destine a um born fim, não é pare se estranhar que a juventude do Estado tão a miúdo caia nos hábitos que, com quase toda a certeza, a tornarão afeiçoada aos jogos de azar."
     O espírito de condescendência com o mundo está a invadir as igrejas por toda a cristandade. Roberto Atkins, num sermão pregado em Londres, pints tenebroso quadro do declínio espiritual que prevalece na Inglaterra: "Os verdadeiros justos estão desaparecendo da Terra, a ninguém tome isto a peito. Os que, atualmente, em todas as igrejas, professam a religião, são amantes do mundo, condescendentes corn o mundo, afeiçoados ao conforto pessoal a desejosos de honras. São chamados a sofrer com Crisco, teas temem o vitupério . . . . Apostasia, apostasia, apostasia, está mesmo gravado na frente de cads igreja; a se else o soubessem e o sentissem, poderia haver esperança; mss, ai, else exclamam: 'Rico sou, a estou enriquecido, a cue nada tenho felts'." -Biblioteca do Segundo Advento.
     O grande pecado imputado a Babilônia c' que "a todas as nações deu a beber do vinho da ire da sue prostituição." Esta taça de veneno que ela oferece ao mundo represents as falsas doutrinas que aceitou, resultantes da união ilícita corn os poderosos da Terra. A amizade mundane corrompe-lhe a fé, a por seu turno a igreja exerce uma influência corruptora sobre o mundo, ensinando doutrinas que se opõem às mais ciaras instruçòes das Sagradas Escrituras.
     Roma privou o povo da Escritura Sagrada a exigiu que todos os homens aceitassem seus ensinos em lugar da própria Bíblia. Foi obra da Reforma restituir a Palavra do Deus aos homens; não é, porém, sobejamente verdade que nas igrejas modernas os homens são ensinados a depositar fé no credo a dogmas de sue igreja em vez de nas Escrituras? Falando das igrejas protestantes disse Carlos Beecher: "Horroizam-se com qualquer palavra rude contra os credos, com a mesma sensibilidade com que os santos padres se teriam horrorizado com uma rude palavra contra a incipiente veneração dos santos a mártires, por eles fomentada . ... As denominações evangélicas protestantes por tal forma ataram as mãos umas às outras, bem como sues próprias, que, em qualquer dessas denominações, um homem não pode absolutamente se tornar pregador, sem, de alguma maneira, aceitar outro livro além da Escritura Sagrada . . . . Nada há de imaginário na declaração de que o poderio do credo está começando hoje a proibir a Bíblia tão realmente como o fez Roma, se bem que de maneira mais sutil." - Sermão sobre A Bíblia Como urn Credo Suficiente, pronunciado em Fort Wayne, Ind., a 22 de fevereiro de 1846.
     Quando ensinadores fiéis expõem a Palavra de Deus, levantam-se homens de saber, ministros que professam compreender as Escrituras, a denunciam a doutrina sã como heresia, desviando assim os inquiridores da verdade. Não fosse o caso de se achar o mundo fatalmente embriagado cony o vinho de Babilônia, a multidões serum convencidas a convertidas pales verdades claras a penetrantes da Palavra de Deus. Mas, a fé religiosa parece tão confuse a discordante qua o povo não sate o qua crer como verdade. O pecado da impenitência do mundo jaz à porta da igreja.
     A mensagem do segundo anjo de Apocalipse, capítulo 14, foi primeirámente pregada no verão de 1844, a teve naquele tempo uma aplicação mais direta às igrejas dos Estados Unidos, onde a advertência do juízo tinha sido mais amplamente proclamada a em geral rejeitada, a onde a decadência das igrejas mais rápida havia sido. A mensagem do segundo anjo, porém, não alcançou o completo cumprimento em 1844. As igrejas experimentaram então uma queda moral, em conseqüência de recusarem a luz da mensagem do advento; mas essa queda não foi complete. Continuando a rejeitar as verdades especiais para este tempo, têm elas caído mais a mais. Contudo, não se pode ainda dizer que "caiu Babilônia, . . . que a todas as nações deu a beber do vinho da ire da sue prostituição." Ainda não deu de beber a todas as nações. O espírito de conformação corn o mundo a de indiferença às probantes verdades para nosso tempo existe a está a ganhar terreno nas igrejas de fé protestante, em todos os países da cristandade; a estas igrejas estão incluídas na solene a terrível denúncia do segundo anjo. Mas a obra da apostasia -não atingiu ainda a culminância.
     A Escritura Sagrada declara que Satanás, antes da vinda do Senhor, operará "com todo o poder, a sinais a prodígios de mentire, a com todo o engano da injustiça;" a "os que não receberam o amor da verdade pare se salvarem" serão deixados à mercê da "operação do erro, pare que creiam a mentira." 2 Tessalonicenses 2:9-11. A queda de Babilônia ;se completará quando esta condição for atingida, e a união da igreja com o mundo se tenha consumado em toda a cristandade. A mudança é gradual, e o cumprimento perfeito de Apocalipse, capítulo 14, verso 8, está ainda no futuro.
     Apesar das trevas espirituais a afastamento de Deus prevalecentes nas igrejas que constituem Babilônia, a grande masse dos verdadeiros seguidores de Cristo encontra-se ainda em sue comunhão. Muitos deles há que nunca souberam das verdades especiais pare este tempo. Não poucos se acham descontentes com sue atual condição a anelam mais clara luz. Debalde olham pare a imagem de Cristo nas igrejas a que estão ligados. Afastando-se estas corporações mais a mais da verdade, a aliandose mais intimamente com o mundo, a diferença entre as dues classes aumentará, resultando, por fim, em separação. Tempo virá em que os que amam a Deus acima de tudo, não mais poderão permanecer unidos aos que são "mais amigos dos deleites do que amigos de Deus, tendo aparência de piedade, mas negando a eficácia dela."
     O capítulo 18 do Apocalipse indica o tempo em que, como resultado da rejeição da tríplice mensagem do capítulo 14, versos 6-12, a igreja terá atingido completamente a condição predita pelo segundo anjo, e o povo de Deus, ainda em Babilônia, será chamado a separar-se de sua comunhão. Esta mensagem é a última que será dada ao mundo, a cumprirá a sua obra. Quando os que "não creram a verdade, antes tiveram prazer na iniqüidade" (2 Tessalonicenses 2:12), forem abandonados para que recebam a operação do erro a creiam a mentira, a luz da verdade brilhará então sobre todos os corações que se acham abertos para recebê-la, a os filhos do Senhor que permanecem em Babilônia atenderão ao chamado: "Sai dela, povo Meu." Apocalipse 18:4.


 
CAPÍTULO 22

Profecias Alentadoras

     Quando se passou o tempo em que pela primeira vez se esperou a vinda do Senhor, na primavera de 1544, os que pela fé haviam aguardado o Seu aparecimento ficaram por algum tempo envoltos em perplexidade e, dúvida. Embora o mundo os considerasse inteiramente derrotados, a julgasse provado que tivessem seguido uma ilusão, sua fonte de consolo era ainda a Palavra de Deus. Muitos continuaram a investigar as Escrituras, examinando de novo as provas de sua fé, a estudando cuidadosamente as profecias para obterem mais luz. O testemunho da Bíblia em apoio de sua atitude parecia claro a concludente. Sinais que não poderiam ser real compreendidos apontavam para a vinda de Cristo como estando próxima. A bênção especial do Senhor, tanto na conversão de pecadores como no avivamento da vida espiritual, entre os cristãos, havia testificado . que a mensagem era do Céu. E, posto que os crentes não pudessem explicar o desapontamento, sentiam-se seguros de que Deus os guiara na experiência por que haviam passado.
     Entretecida com as profecias que tinham considerado como tendo aplicação ao tempo do segundo advento, havia instrução especialmente adaptada ao seu estado de incerteza a indecisão e que os animava a esperar pacientemente na fé segundo a qual o que então lhes era obscuro à inteligência se faria claro no tempo devido.
     Entre estas profecias estava a de Habacuque, capítulo 2, versículo 1-4: "Sobre a minha guarda estarei, a sobre a fortaleza me apresentarei a vigiarei, para ver o que fala comigo, e o que eu responderei, quando eu for argüido. Então o Senhor me respondeu, a disse: Escreve a visão, a torna-a bem legível sobre tábuas, para que a possa ler o que correndo passa. Porque a vis&atild